Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
125/07.1GAVZL-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: INCIDENTES PROCESSUAIS ANÓMALOS
TRIBUTAÇÃO
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO COMP. GENÉRICA DE O. FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 7º, Nº 8 DO RCP.
Sumário: 1 - Incidentes anómalos são incidentes que se opõem aos normais, constituindo, por isso, em última análise, ocorrências estranhas ao desenvolvimento da lide, como o refere o nº 8 do art 7º do RCP.

2 – Tais incidentes devem ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas, o que significa que devendo ser tributados aquando do respectiva impulso, quando o não tenham sido em função da sua extraneidade, deverão sê-lo a final.

3- Não sendo, em princípio, admissível reconvenção na ação especial declarativa em que se tenha convolado uma injunção, tendo o Requerido reconvindo, e obrigando, por isso, ao cumprimento do contraditório das partes relativamente à admissibilidade desse procedimento, bem como a que viesse a sobre ele a incidir específica apreciação jurisdicional, deu origem a um incidente/procedimento anómalo, pelo que deve ser tributado os termos do art 7º/4 e 8 e Tabela II anexa ao RCP.

4 - A taxa sancionatória excepcional corresponde a uma sanção com a natureza de penalidade, próxima da que decorre da litigância de má fé, e por isso deve entender-se como não abrangida pelo apoio judiciário.

5 – Tal taxa justifica-se por razões de moralização e normalização da actividade processual e para obstar à litigância imponderada ou irreflectida das partes nos tribunais.

6 -Não é censurável ao ponto de merecer condenação em taxa sancionatória excepcional a dedução de reconvenção em ação declarativa em que se convolou a injunção, quando a Requerente admitiu ter um débito para com os Requeridos e estar a exercer direito de retenção da quantia correspondente ao mesmo.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I  - A... interpôs procedimento de injunção contra J... e M..., alegando que é advogada, que através de substabelecimento de 10/9/2008 passou a representar os Requeridos no âmbito de um processo crime, de um processo de execução, de um processo de reclamação de créditos e de um processo de oposição à execução e recurso – processos esses que identifica -  e que o  resultado final nos mesmos lhes foi  favorável, devendo serem-lhe pagos os serviços que lhes prestou ao longo de cerca de 6 anos no âmbito desses processos, na sequência das notas de honorários que lhes foi enviando, pedindo, em consequência, a sua condenação no pagamento da quantia de 4.715,00 €, acrescida de IVA à taxa legal, no valor de 1.084,45 € e ainda dos juros moratórios e compensatórios até efectivo e integral pagamento da dívida, que nessa data computou em 1.390,76 €. 

O Requerido apresentou oposição, pretendendo, antes de mais, que a Requerente usou indevidamente o procedimento de injunção, na medida em que neste procedimento ou na acção declarativa especial conexa não pode ser exigido o valor de honorários a advogado ou solicitador na resolução de litígio. Pretende ainda não ser ele nem a Requerida partes legítimas, porque não foram interpelados, por escrito ou verbalmente, para proceder ao pagamento dos honorários e despesas invocadas, desconhecendo que nota de despesas e honorários estão em questão. Refere que para dar continuidade ao processo crime, a Requerente propôs a quantia de 550€ de honorários, quantia que o Requerido aceitou e pagou. Pela intervenção na acção executiva, a Requerente solicitou ao Requerido e mulher a entrega de 300 €, o que estes fizeram.  Foi indicado como agente de execução ..., e foi entregue ao Requerido um documento para que liquidasse a quantia de 120 € referentes aos honorários da fase 1, o que os Requeridos fizeram. No decurso de Maio de 2013 a Requerente informou o Requerido que havia conseguido recuperar o dinheiro, solicitando que entregasse no seu escritório o NIB da sua conta, o que este fez, a fim de lhe ser transferido, mas até à data tal não sucedeu. Entretanto, em Junho de 2016 o Requerido foi citado numa execução de que é exequente o referido ..., reclamando o pagamento das despesas e honorários pela intervenção que tinha tido na acima referida execução, vindo o Requerido a constatar que nessa execução tinha ocorrido um acordo de pagamento celebrado entre a Requerente com os executados nesse processo, nos termos do qual tinha sido fixada a quantia exequenda em 1.313,64 €, acrescida de 738,17€ de honorários e despesas com o A.E, no total de 2.052,38€, acordo de que os Requeridos não tiveram conhecimento. Verificaram assim os Requeridos que a Requerente, não só não tinha transferido para eles o valor correspondente à quantia exequenda, como também não procedera à transferência para o Sr. Agente de Execução do valor que lhe era destinado. Despenderam os Requeridos a quantia de mais 1.312,60 € para pagar ao referido AE. Nega que a Requerente tivesse tido qualquer intervenção nos outros processos que refere. E para a eventualidade de não se provar o que deixou alegado, refere que o montante dos honorários é excessivamente elevado para o assunto confiado à Requerente, sendo certo que nem sequer leva em linha de conta tudo quanto lhe foi entregue e/ou fez seu.

Termina deduzindo reconvenção, invocando que a Requerente nas declarações que prestou, na qualidade de arguida, no âmbito do processo-crime que contra ela intentou, reconheceu que os Requeridos procederam efectivamente ao pagamento da quantia de 550 € para o processo principal e 300 € para o processo de execução, e confessou que fez seu o dinheiro resultante do acordo de pagamento que celebrou no âmbito da execução. Pelo que tem na sua posse a quantia de 2.902,38€ (sendo que deste montante, 2.052,38€ não lhe pertencem), e confessou ainda que a quantia que devia ter sido entregue ao AE - 738,17€ - aludida no acordo de pagamento - não o foi. E não o tendo sendo, aquele identificado Agente de Execução promoveu contra o requerido e esposa uma execução, nos termos da qual estes foram compelidos a proceder ao pagamento de 1.312,60 €. Tudo implicou um prejuízo para os Requeridos de, pelo menos, de 3.364,98€ (2.052,38 € do acordo de pagamento + 1.312,60 € da execução promovida pelo A.E.), valor este que deverá ser condenada a restituir. Pede ainda a condenação da Requerente em litigância de  má fé, chamando a atenção para o facto de estar a reclamar honorários volvidos mais de 8 anos sobre os factos e após as participações criminais efectuadas pelos Requeridos, devendo ainda ser condenada em multa em montante a fixar pelo Tribunal e no pagamento de uma indemnização ao Requerido em montante nunca inferior a 5.000 €.

Em 1/3/2018 foi proferido o seguinte despacho:

 «Adequando o processado dos autos às questões suscitadas pela oposição, com cópia de fls. 3 a 42 dos autos, notifique a demandante para, querendo, no prazo máximo de quinze dias, pronunciar-se sobre a matéria exceptiva invocada na oposição (…) bem como sobre a admissibilidade da reconvenção nesta forma processual».

A A. veio pronunciar-se quanto à matéria de excepção, pugnando no sentido do procedimento de injunção poder ser usado para obter o pagamento de honorários e despesas devidas a mandatário, e não se verificar a ilegitimidade dos Requeridos, referindo ainda que os valores devidos a titulo de honorários e despesas constam das notas de honorários que, aquando da finalização da prestação de serviços, foram entregues em mão aos requeridos, em reuniões que ocorreram no escritório da Requerente. Refere que para garantia do seu direito de crédito, resultante dos serviços prestados aos requeridos, exerceu o direito de retenção relativamente às quantias recebidas ao abrigo do estipulado na al c) do artigo 755º do Código Civil e artigo 101º/3 e 5 do Estatuto da Ordem dos Advogados, sendo que a dívida à requerente é em montante muito superior à quantia retida. Entende que no procedimento de injunção é inadmissível a dedução de pedido reconvencional, pelo que esta deve ser liminarmente indeferida e o requerido condenado em custas por ter dado causa ao incidente.

O Requerido apresentou resposta, sustentando que uma acção que passou a ser tramitada não como acção especial mas como acção de honorários, comporta a possibilidade de reconvenção, sobretudo quando o crédito alegado pelo R. se encontra reconhecido pela Requerente, que, não só não o impugnou, como o aceitou.

No despacho saneador, tendo sido entendido que «o R não estribou a sua reconvenção em compensação», foi rejeitada a reconvenção deduzida pelo R, tendo-se terminado o despacho em que assim se decidiu, referindo-se:

«Custas do incidente anómalo pelo réu, fixando-se a taxa de justiça em uma unidade de conta (art. 7.º, n.º 4 e 8 e Tabela II anexa ao RCP), que não está abrangida pelo apoio judiciário que lhe foi concedido, dado o cunho eminentemente sancionatório do comportamento processual que assumiu».

II – É deste último despacho que o R. apela, tendo concluído as respectivas alegações do seguinte modo:

1ª – Foi o Recorrido tributado em “Custas do incidente anómalo pelo Réu, fixando-se a taxa de justiça em uma unidade de conta (art. 7º n.º 4 e 8 e Tabela II anexa ao RCP), que não está abrangida pelo apoio judiciário que lhe foi concedido, dado o cunho eminentemente sancionatório do comportamento processual que assumiu”;

2ª – Tal tributação resulta da rejeição da reconvenção deduzida pelo Recorrente, no âmbito de Oposição à Injunção, por razão de ordem processual;

3ª - A apontada razão em nada tem que ver, e em nada se relaciona, com questões meramente dilatórias, nem com o protelamento do normal curso do processo e nem com o facto de a pretensão ser manifestamente improcedente, pelo que não entendemos o porquê do pedido de Reconvenção ser configurado como incidente anómalo;

 4ª – Sucede que o Senhor Juiz a quo não fundamentou a decisão pela qual considerou ser o pedido de Reconvenção um incidente anómalo; e

5ª - Não fundamentou porque é que sendo anómalo optou pela sanção punitiva, e não pela mera custa processual, quando o comportamento não foi injustificado nem negligente, pelas concretas razões já apontadas em sede de Motivação.

6ª – Consequentemente deverá determinar-se a nulidade do despacho atenta a falta de fundamentação, tendo assim sido violado o disposto no artigo 154º n.º 1 do Código de Processo Civil;

7ª - A tributação incidental justifica-se em função da anormalidade das ocorrências ou incidências.

8ª - O facto de a pretensão do Recorrente não ter fundamento apenas determina a distribuição da responsabilidade pelas custas, e não por esta espécie de “multa”!

9ª - Tendo em conta estes considerandos relativos ao direito aplicável, parece-nos não poder considerar-se que o pedido de Reconvenção constitui procedimento ou incidente anómalo, sujeito a tributação nos termos do artigo 7º n.º 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais e da tabela II anexa.

10ª - Ao assim se não entender, cremos ter sido violado o disposto nos artigos artigo 7º n.º 4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais e da tabela II anexa e artigo 531º do Código de Processo Civil.

Termos em que deve o Recurso ser julgado procedente e consequentemente ser revogado o despacho proferido em 04-07-2018 na parte em que considerou o pedido de Reconvenção como incidente anómalo e ainda pela tributação aplicada pela Reconvenção.

Não foram produzidas contra-alegações.  

III – A matéria de facto a ter em consideração para a decisão do recurso emerge do circunstancialismo fáctico processual que resulta do acima relatado, devendo ter-se em consideração que os Requeridos beneficiam no processo de apoio judiciário, como resulta do próprio despacho recorrido. 

IV – Do confronto entre as conclusões das alegações e o teor do despacho recorrido resultam para apreciação duas questões, que constituem o objecto do presente recurso: se a dedução de reconvenção, nos termos em que o foi, constitui incidente anómalo que deva ser tributado nos termos do art 7º/4 e 8 da Tabela II anexa ao RCP; na afirmativa, se se justificava que se determinasse que a concreta tributação atribuída a esse incidente não resultasse abrangida pelo apoio judiciário concedido aos Requeridos, de modo a assumir um «cunho eminentemente sancionatório do comportamento assumido».

Dispõe o art 7º do RCP, sob a epígrafe “Regras especiais” (estando nessa norma em causa regras especiais sobre a fixação da taxa de justiça), no respectivo nº 4, que «a taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pelos procedimentos de injunção, incluindo os procedimentos europeus de injunção de pagamento, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a Tabela II, que faz parte integrante do presente Regulamento».

Estão em causa neste preceito, como é imediatamente visível do seu texto,  situações muito diversas, sendo o objectivo do mesmo, definir, à partida,  o valor da taxa de justiça a pagar aquando do impulso processual referente a cada uma das mesmas.

Nessa norma o legislador diferencia os «incidentes» dos «procedimentos anómalos» estatuindo, não obstante, para ambos, que a taxa de justiça devida seja  «determinada pela Tabela II».

Não há dúvida que o legislador de custas pretendeu que os «incidentes» sejam considerados “processo” para efeitos de sujeição a custas, como resulta do art 1º/1 e 2 do RCP, dizendo-se ali, que «todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no presente Regulamento», e aqui, no nº 2, que «para efeitos do presente regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde o momento que possam dar origem a uma tributação própria».

 Para a definição da taxa de justiça devida pelos «incidentes» o legislador parte, naturalmente, do «incidente normal», qualificação essa que lhe dá Salvador da Costa[1], quando a seu propósito refere: «O incidente normal envolve uma sequência de actos processuais tendente à resolução de questões relacionadas com o objecto do processo, mas que, pela sua particularidade, extravasa da sua tramitação normal».

Contrapõem-se a estes «incidentes normais» os incidentes/procedimentos anormais – referidos no mencionado nº 4 do art 7º como «procedimentos anómalos» e no nº 8 dessa norma, como «procedimentos ou incidentes anómalos» - e aqui definidos como «ocorrências estranhas ao desenvolvimento da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas».

Ora, estes incidentes, precisamente porque se constituem como «ocorrências estranhas ao desenvolvimento da lide», devendo ser tributados aquando da respectiva génese, como resulta do nº 4 do art 7º, mas podendo suceder em função da sua extraneidade que tal não suceda, deverão, pelo menos, a final, ficar sujeitos a tributação.

 Refere Salvador da Costa a seu propósito:

 «São pressupostos dos referidos incidentes ou procedimentos a extraneidade ao desenvolvimento normal da lide, isto é, que seja suscitada uma questão descabida no quadro da sua dinâmica». E acrescenta: «A conclusão sobre a anomalia dos incidentes e ou procedimentos só é apurada por via da dinâmica da respectiva tramitação, pelo que o mínimo da taxa de justiça para eles prevista na tabela II não pode servir como base do pagamento relativo ao impulso processual. Mas serve para o agravamento da taxa de justiça inicialmente paga pelo requerente ou requerido aquando do mencionado impulso». Concluindo: «Assim sendo, a taxa de justiça correspondente ao impulso processual atinente a qualquer incidente ou procedimento, anómalo ou não, é a que lhe corresponda segundo este Regulamento, funcionando a prevista na tabela II como medida de agravamento daquela que a título de impulso foi paga».  

     Decorre, por sua vez, da tabela II do RCP que o legislador das custas em matéria de «incidentes normais», entendeu autonomizar como tal, o «incidente de intervenção provocada principal ou acessória de terceiros e a oposição provocada», o «incidente de verificação do valor da causa/e produção antecipada de prova», referindo-se, após e genericamente, a «outros incidentes». No mais, prevê o tratamento correspondente aos «incidentes de especial complexidade», que serão todos aqueles «normais», que nos termos do nº 7 do art 7º «revistam especial complexidade», e relativamente aos quais «o juiz pode determinar, a final, o pagamento de um valor superior, dentro dos limites estabelecidos na tabela II», e os «incidentes /procedimentos anómalos», estabelecendo no que a estes respeita, a fixação de uma taxa de justiça (normal) entre 1 a 3 UC.

Repare-se que a redacção do nº 8 do art 7º a que se tem vindo a fazer referência  foi introduzida pela L 7/2012 de 13/2, sendo a anterior diferente, nela se referindo como procedimentos ou incidentes anómalos, aqueles que, «não cabendo na normal tramitação do processo, possam ter sede em articulado ou requerimento autónomo, dêem origem à audição da parte contrária e imponham uma apreciação jurisdicional de mérito».

Relativamente a esta pregressa definição de incidentes anómalos pronunciava-se Salvador da Costa [2]«(...) Prevê o n° 6 deste artigo a estrutura dos procedimentos ou incidentes anómalos, e estatui, serem os que, não cabendo na normal tramitação do processo, possam ter sede em articulado ou requerimento autónomo, impliquem a audição da parte contrária e a apreciação jurisdicional de mérito. Assim, não devem os referidos procedimentos e incidentes compatibilizar-se com a normal tramitação das acções ou dos recursos, devem assumir autonomia de instrumento de formulação e implicar o cumprimento do princípio do contraditório e a apreciação jurisdicional de mérito. (...) O não cabimento na tramitação normal do processo significa a sua desconexão com a finalidade da forma de processo envolvente».

A definição actual é, como se viu, mais simples e pelo menos aparentemente mais abrangente, desligando o incidente autónomo da sua dedução em articulado ou requerimento autónomo.

Está há muito assente na doutrina e jurisprudência que não é admissível reconvenção na acção especial declarativa em que se tenha convolado injunção.

Recentemente, e como o refere o despacho recorrido, o STJ admitiu reconvenção na injunção, mas apenas quando a mesma tenha por objectivo fazer operar a compensação  - cfr Ac STJ 6-6-2017 [3]

Na situação dos autos tem razão o Exmo Juiz quando refere no despacho recorrido que «o réu não estribou a sua reconvenção em compensação», explicando, de seguida: «Lendo e relendo a oposição/reconvenção, podemos afirmar que a posição do reu é esta: nada deve à A., mas esta deve-lhe € 3.364,98, que reclamou na reconvenção. De tal maneira assim ,  que conclui o seu articulado da seguinte forma: “Termos em que devem: a) Serem julgadas procedentes, por provadas, as excepções dilatórias alegadas devendo, consequentemente, o Requerido ser absolvido da instância; Caso assim se não entenda, o que só se admite por cautela de patrocínio b) Ser a acção julgada totalmente improcedente, por não provada, e o Requerido absolvido do pedido; c) Ser a Requerente condenada no pedido Reconvencional devendo restituir ao Requerido o valor de 3.364,98€ acrescido de juros à taxa legal de 4%. Sempre em todo o caso: d) Ser a Requerente condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor do Requerido em montante nunca inferior a 5.000€.” Ou seja, o réu não invoca a compensação de créditos e, atendendo ao seu ponto de vista, fá-lo bem, pois a autora não é titular de qualquer crédito sobre si, vale dizer que não há contra crédito para operar a compensação (art. 847.º, n.º 1 do Código Civil » [4]

Há que fazer notar que o apelante não põe em causa no presente recurso o mérito do despacho no que respeita à rejeição da reconvenção. Apesar de conter no corpo alegatório considerações de que se poderia concluir o contrário, não deixa também aí de referir, expressamente, que «não é contra essa decisão que o R /recorrente se insurge».

Ora, tendo o Requerido introduzido, sem razão, na acção a questão da reconvenção – sem razão com a qual, como se referiu, até se conforma – e tendo a mesma, por imposição do princípio do contraditório, de ver sujeita a respectiva admissibilidade à pronúncia da Requerente, e após esta ao contraditório do Requerido, é manifesto que deu origem a um incidente/procedimento anómalo – nas palavras do actual nº 8 do art 7º tratou-se de uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide; e, fazendo apelo à redacção anterior, pese embora não tenha tido lugar «em articulado ou requerimento autónomo», pois que se contém no articulado da oposição, a verdade é que deu origem à audição da parte contrária e impôs uma específica apreciação jurisdicional.

Tendo visto rejeitada a admissibilidade da reconvenção, o Requerido, segundo os princípios que regem a condenação em custas - que são os constantes dos arts  527º a 539º CPC, cfr o nº 2 do art 527º -  devia ser tributado. 

E, tendo-o sido em taxa de justiça correspondente a 1 UC, foi-o correcta e adequadamente, nos termos do art 7º/4 e 8 e Tabela II anexa ao RCP.

Justificava-se, assim, qualificar o requerimento em causa como um incidente anómalo e tributa-lo nos termos em que o foi.

Nem se diga que o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação da decisão pela qual considerou ser o pedido de reconvenção um incidente anómalo.

Como é sabido, a nulidade por falta de fundamentação só se verifica quando a fundamentação inexiste de todo. Ora, o despacho recorrido foi fértil em considerações de que decorria amplamente o caracter anómalo da dedução de reconvenção em procedimento de injunção, tanto mais que não deixou de acentuar tê-la rejeitado «por razão de ordem processual».

Mantém-se, pois, o despacho nesta parte, improcedendo a primeira das questões colocadas no recurso.

Já quanto à segunda questão, entende-se proceder a arguida nulidade do despacho, por falta de fundamentação, porque, efectivamente, nele não resulta minimamente fundamentado o carácter punitivo que se pretendeu atribuir à tributação do incidente, de modo a tê-la - ao que parece – devida, mesmo beneficiando os Requeridos de apoio judiciário.

Sendo nulo o despacho por falta de fundamentação e havendo por isso que suprir tal nulidade, a verdade é que não se vê que lhe assista qualquer razão.

Refere-se no art 3º/1 RCP que «as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte». E o nº 2 dessa disposição refere-se às «multas e outras penalidades», referindo que as mesmas «são sempre fixadas de forma autónoma e seguem o regime do presente Regulamento».

De onde resulta, à partida, que taxa de justiça e multas (e penalidades) são realidades diversas.

Às multas processuais aludem os arts 27º e 28º do RCP.

Importa aqui o art 27º que dispõe no seu nº 4 que «o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste», esclarecendo o nº 5 que «a parte não pode ser simultaneamente condenada, pelo mesmo acto processual, em multa e em taxa sancionatória especial». E o nº 3 estabelece que «nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC».

Mais relevante é, para o que está em consideração no recurso, atentar que segundo o nº 1 deste art 27º, a condenação em multa ou penalidade de alguma das partes ou outros intervenientes há-de decorrer de previsão nesse sentido por parte da lei processual.- como sucede por exemplo nos arts 417º, 423º/2, 430º, 433º, 434º, 437º, 508º/4, 542º/1 544º, 931º/1 CPC.

 Por outro lado, cumpre também acentuar que multa e taxa sancionatória excepcional se não confundem, mesmo quando a multa decorra da condenação por litigância de má fé, situação em que, e como o acentua Salvador da Costa,[5]  se «visa a tutela de bens jurídicos essencialmente equivalentes por via da repressão de similares comportamentos processuais».

À taxa sancionatória excepcional reporta-se o art 531º CPC, estatuindo que «por decisão fundamentada do juiz pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, a oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida».

Como o acentua Salvador da Costa [6] a taxa sancionatória excepcional - «visa, essencialmente, penalizar o uso manifestamente desnecessário do processo pelas partes, em quadro de falta de prudência ou negligência, censurável do ponto de vista ético-jurídico». E depois de equacionar qual será a natureza jurídica desta taxa (sancionatória excepcional) – «se é a de taxa de justiça, de pena civil ou de multa processual» - o autor em causa refere «propender a considerar tratar-se de uma sanção com a natureza de penalidade, próxima da que decorre da litigância de má fé», sem embargo de estabelecer a diferença entre tal taxa e a litigância de má fé:: «a diferença específica que marca a diversidade destes dois regimes sancionatórios está em que o desta taxa deriva da manifesta improcedência em quadro de falta de prudência ou de diligência no ajuizamento de pretensões e o da multa por litigância de ma fé decorre dos factos previstos no nº 2 do art 542º».

Repare-se que nos termos do art 10º RCP a sanção pecuniária correspondente à taxa sancionatória excepcional varia entre o correspondente a duas a quinze UCs, conforme o grau de imprudência ou de negligência de quem formulou as pretensões, tornando-se claro o objectivo que lhe reside – a «moralização e a normalização da actividade processual e obstar à litigância imponderada ou irreflectida das partes nos tribunais»[7].

Conclui Salvador da Costa a respeito das situações que possam justificar a aplicabilidade da taxa sancionatória excepcional [8]: «Deve, pois, tratar-se de pretensões manifestamente improcedentes em que não se vislumbra algum interesse razoável de formulação, que só foram formuladas por défice de prudência ou diligência média, ou seja, com falta do mínimo de diligência que teria permitido facilmente ao seu autor dar-se conta da falta de fundamento do que requereu». Mas acrescenta que «a mera desconformidade argumentativa das partes com as posições jurídicas antes tidas por pacificas não justifica a aplicação desta sanção, tal como seria insusceptível de justificar a condenação por litigância de má fé», e que, «na análise da censurabilidade das partes na formulação das aludidas pretensões, deve o juiz ter em conta o quadro de facto disponível, as norma jurídicas aplicáveis e as varias soluções plausíveis das questões de direito, sem olvidar que o Direito não é uma ciência de comprovação do tipo matemático».

Importa ainda referir que decorre do art 16º /1 da L 34/2204 (acesso ao direito e aos tribunais) que em nenhuma das modalidades do apoio judiciário ai contempladas o beneficiário de apoio judiciário fica dispensado do pagamento das multas ou penalidades [9], pois apenas está aí contemplado, para além do pagamento da compensação de patrono, a dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo.

As multas e penalidades não se confundem com os encargos do processo, aos quais se refere o disposto no art 532º do CPC, e que correspondem  essencialmente aos constantes do art 16º do RCP, de que se destacam entre outros, «os reembolsos ao Instituto de Gestão Financeira e das Infra –Estruturas da Justiça, IP (al a), «todas as despesas por este pagas adiantadamente»(al b), «os custos com a concessão do apoio judiciário, incluindo o pagamento de honorários» (al c), «as compensações devidas a testemunhas», (al e), «as retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo» (al h) «as despesas de transporte e ajudas de custo para diligências afectas ao processo em causa (al i).

Revertamos agora à situação dos autos.

Da exposição que se fez resulta, segundo se espera, a diferença entre taxa de justiça e encargos (uma e outros integrando as custas processuais – art 3º/1 RCP),  multas (e penalidades) e taxa sancionatória excepcional, decorrerá que na  2ª parte do despacho recorrido – quando nele se diz que a UC fixada a titulo de custas pelo  incidente anómalo «não está abrangida pelo apoio judiciário que lhe foi concedido, dado o cunho eminentemente sancionatório do comportamento processual que assumiu» - se pretendeu atribuir a tal taxa de justiça o carácter de taxa sancionatória excepcional, não obstante não se ter utilizado a referida expressão. Só desse modo, como se viu, poderia tal taxa de justiça, porque subjacentemente correspondente a uma multa processual, não ser abrangida pelo apoio judiciário de que os Requeridos beneficiarão.  

Sucede que, para além de pecar por não referir expressamente estar a fazer utilização da taxa sancionatória excepcional, o despacho recorrido peca, sobretudo, por não se justificar a censura ao Requerido implicada naquela taxa.

È que não está em causa uma pretensão de todo desrazoável, que possa ser tida como expressão de mera imprudência e descuido. E o Requerido, aqui apelante, em sede de contraditório às objecções da Requerente à (ina)admissibilidade do pedido reconvencinal não deixou de o evidenciar, apelando para diferentes decisões jurisprudências que, de um modo ou de outro, parecem admitir a reconvenção contida em oposição à  injunção, quando  o  direito do réu esteja reconhecido pelo próprio devedor  [10], pondo em relevo que é essa a situação dos autos, pois que, afinal, a  Requerente admite ser sua devedora relativamente a quantia que se encontra  a reter.

Não se justificava, assim, a condenação do Requerido em taxa sancionatória excepcional, pelo que o despacho recorrido deve ser revogado nessa parte.

Em síntese:

1 - Incidentes anómalos são incidentes que se opõem aos normais, constituindo, por isso, em última análise, ocorrências estranhas ao desenvolvimento da lide, como o refere o nº 8 do art 7º do RCP.

2 – Tais incidentes devem ser tributados segundo os princípios que regem a condenação em custas, o que significa que devendo ser tributados aquando do respectiva impulso, quando o não tenham sido em função da sua extraneidade, deverão sê-lo a final.

3- Não sendo, em princípio, admissível reconvenção na acção especial declarativa em que se tenha convolado injunção, tendo o Requerido reconvindo, e obrigando, por isso, ao cumprimento do contraditório das partes relativamente à admissibilidade desse procedimento, bem como a que viesse a sobre ele a incidir específica apreciação jurisdicional, deu origem a um incidente/procedimento anómalo, pelo que deve ser tributado os termos do art 7º/4 e 8 e Tabela II anexa ao RCP.

4 - A taxa sancionatória excepcional corresponde a uma sanção com a natureza de penalidade, próxima da que decorre da litigância de má fé, e por isso deve entender-se como não abrangida pelo apoio judiciário.

5 – Tal taxa justifica-se por razões de moralização e normalização da actividade processual e para obstar à litigância imponderada ou irreflectida das partes nos tribunais.

6 -Não é censurável ao ponto de merecer condenação em taxa sancionatória excepcional a dedução de reconvenção em acção declarativa em que se convolou a injunção, quando a Requerente admitiu ter um débito para com os Requeridos e estar a exercer direito de retenção da quantia correspondente ao mesmo.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, confirmando o despacho recorrido na parte em que condenou o apelante em taxa de justiça de 1 UC pelo incidente anómalo que representa reconvir em acção  especial declarativa em que se tenha convolado injunção, mas revogando-o, na parte em que  referiu que aquela taxa de justiça não estava abrangida pelo apoio judiciário, dado o cunho eminentemente sancionatório do comportamento processual que o Requerido assumiu.

Sem custas. 

                                                                                         Coimbra, 11 de Dezembro de 2018

Maria Teresa Albuquerque

Manuel Capelo

Falcão de Magalhães


                              

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[1] - «As Custas Processuais –Análise e Comentário», 2017, 6ª ed,  p 139

[2]  - «Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado» 2009, página 192

[3] - Relator, Júlio Gomes, acórdão que apresenta o seguinte sumário: «Inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior. II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça. III - A partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção e este adquire cariz jurisdicional, há que aplicar as regras dos arts. 299.º e seguintes do CPC (que o disposto no n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 62/2013 não afastam), cabendo então e caso os pedidos sejam distintos, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor».
[4] - Cfr Ac R P 23/2/2015, (Manuel Domingos Fernandes) em que entre o mais se refere :«O recurso à compensação, postula, como sucede no direito substantivo, o reconhecimento de um crédito, ao qual se opõe um contra-crédito, pelo que, a parte respectiva, não pode pretender a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo autor».
[5]- Obra referida,  p 227
[6]- Obra referida , p 24
[7]- Obra referida , p 160
[8]- Obra referida, p 25
[9] Cfr Ac T C nº 197/2006, relatado por Vitor Gomes, Processo nº 725/05 - 3ª Secçao, de  que resulta que a concessão de apoio judiciário não dispensa o pagamento de multa de natureza civil, concretamente, como era o caso, devida pelo atraso na  entrega atempada de requerimento sujeito a prazo peremptório. Dizendo-se, ainda que por referência ao CCJ anterior e à L 30-E/2000 de 20/12: «O facto de o interessado beneficiar de apoio judiciário não o dispensa do pagamento das multas processuais  que sejam condição de validade dos actos praticados com inobservância dos prazos peremptórios, a que se refere o art 145º CPC. Efectivamente, como se refere no acórdão do TC nº 17/91, publicado no BMJ nº 404 (…) e no Ac STJ 17/3/1994, CJ Ac STJ I, p 167) essa multa não cabe no conceito legal de custas ( art 1º e art 74º do CCJ) nem está abrangida  no elenco dos benefícios do apoio judiciário (art 15º da L 30-E/2000 de 20/12) 

[10] - Cfr Ac R L 12/11/72015 (Jorge Leal) e sobretudo o Ac R C 776/2016 (Fonte Ramos) de cujo sumário consta: «Face à redacção do art.º 266º, n.º 2, alínea c), do CPC de 2013 é de concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação de créditos terá sempre de ser operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.2. No âmbito do processo especial previsto no DL n.º 269/98, de 01.9, no qual não é admissível reconvenção, não é possível operar a compensação de créditos por via de excepção, excepto se o direito do réu já estiver reconhecido judicialmente ou pelo próprio devedor. 3. Tal interpretação não é inconstitucional, porquanto não viola os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP).