Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1290/12.1PBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Data do Acordão: 01/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – AVEIRO- JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 152 Nº 1 DO CP
Sumário: 1.- No crime de violência doméstica, tutela-se a dignidade humana da vítima.

2.- Neste crime não se demanda a prática habitual dos atos ou a repetitividade das condutas, o normativo prevê tanto situações repetitivas ou plurimas como situações de natureza una.

3.- O crime de violência doméstica apenas exige que alguém, de modo reiterado ou não inflija maus tratos físicos ou psíquicos no âmbito de um relacionamento conjugal, ou análogo, e determinada por força desse relacionamento e que, por força das lesões verificadas, se entenda que tenha ofendido a dignidade da vítima.

Decisão Texto Integral:             Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.


            No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou proced
ente a acusação deduzida contra o arguido:
            A... nascido a 27.10.1953 em (...), Torres Vedras, filho de (...) e de (...), divorciado, motorista de pesados, residente na Rua (...), Aveiro.
Sendo decidido condenar o arguido:
            a) pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, n.º 1, al.s a) e c), n.º 2, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão que se suspende na sua execução por igual período, ao abrigo do disposto no artigo 50 do Código Penal.
b) a pagar a B... €1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida tal quantia de juros desde a data da notificação para contestar, absolvendo-o do mais que pela mesma vinha peticionado.
***
Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo e, que delimitam o objeto:
1. O Recorrente vinha acusado pelo Mº Pº da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152, n.º 1, al. a) e nº 2 do Código Penal.
2. Vem o presente recurso da decisão que condenou o Recorrente pela prática de um crime de violência doméstica na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período e a pagar à ofendida B..., a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.
3. Produzida a prova, o Tribunal "a quo" considerou provados os seguintes factos: (reproduz os factos provados).
4. É na parte relativa a matéria de facto dada como provada, constante das alíneas 3) a 8) do número anterior (parte sublinhada) que se discorda da douta sentença, pois tais factos foram incorretamente julgados e deviam ter sido dados como não provados. (numeração por nós efetuada e infra reproduzida).
Verifica-se, no caso em apreço, insuficiência para a decisão da matéria provada e também erro notório na apreciação da prova, constituindo, estes vícios, o fundamento do presente recurso, na parte relativa à matéria de facto.
De facto, impõe-se ao julgador, a análise lógica da prova produzida, através da valoração relacionada de todos os depoimentos, apoiada na experiência comum, sendo que a livre convicção deve formar-se sempre em obediência àqueles pressupostos, sob pena de ser postergada a necessidade de segurança da decisão pressuposta pela condenação penal, em homenagem ao princípio do in dúbio pro reo.
Ao dar-se importância demasiada às declarações da demandante para obviar à reconhecida dificuldade na obtenção de prova neste tipo de crimes praticados no recato do lar, está-se na prática, muitas vezes, a impor ao denunciado que faça a prova de factos negativos, consabidamente uma prova impossível, violando-se, dessa forma, sistematicamente, o citado princípio in dubio pro reo.
5. O Tribunal fundamentou a sua decisão quanto aquela matéria de facto dada como provada (i) na informação relativa a assistência na urgência hospitalar prestada em 28/07/2012 e (i i) nas declarações da própria demandante B....
Para justificar que a convicção do julgador foi formada de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, fundamentou a M. ma juiz "a quo", a sua decisão relativa à matéria de facto, nos seguintes pressupostos:
(i) Ser consentânea quer com a informação relativa a assistência na urgência hospitalar prestada em 28/07/2012 (ii) quer com as declarações prestadas em audiência pela própria demandante B... e (iii) serem essas declarações coerentes com o que a mesma declarante transmitiu às testemunhas C... (irmã da demandante), D... (filha da demandante), E... (à data namorado da D...) e F... (sobrinho da demandante).
6. A referida fundamentação padece do vício consubstanciado no erro notório na apreciação da prova, pelas seguintes razões:
(i) a informação relativa a assistência na urgência hospitalar prestada em 28/07/2012 é consentânea quer com a versão dos factos apresentada pela demandante quer pela relatada pelo Recorrente e não apenas com aquela (apesar de a douta sentença concluir que as lesões apresentadas pela demandante são incompatíveis com os gestos a que o Recorrente diz ter limitado a sua ação). Perceber a dinâmica corporal numa disputa é como perceber a dinâmica na ocorrência de um acidente de viação: quando não há prova direta, essas dinâmicas são sempre difíceis de percecionar, pela interpretação das marcas e lesões.
(ii) pela incoerência das declarações prestadas pela demandante, consubstanciada, essa incoerência, nas seguintes circunstâncias: (i) não se lembra se reagiu à agressão do Recorrente, (ii) dizer que não lhe deu para fugir, (iii) referiu ter o Recorrente começado a dar-lhe bofetadas e apenas lhe ter dado uma cabeçada após ela se ter sentado na cama (sendo que a lógica corporal do agressor seria dar a cabeçada com a vítima de pé e não sentada, com a cabeça num nível bastante inferior ao da cabeça daquele - confirma esta versão 2 vezes, à inquirição da M. ma Juiz e ao defensor do Recorrente), (iv) ter ido ao quarto onde o Recorrente se encontrava com a filha, estando esta já a dormir, para a levar para o seu quarto, contrariamente ao que era habitual (o que só se entenderia numa lógica de provocação que a demandante não admite), (v) dizer que não tinha saído da casa que era de morada de família, para não deixar a filha Beatriz, porque o Recorrente não a deixava levar, como se isso fosse impedimento de sair e de levar a menina e, finalmente (vi) perguntada se tinha batido no Recorrente, ter respondido: "ele diz que eu lhe bati, mas sinceramente eu não me lembro”; não tendo negado diretamente, o que seria mais lógico (a ser verdade), atenta a memória que tinha de todos os factos restantes que relatou com pormenor.
(iii) Pelas declarações das testemunhas, não parece haver qualquer coerência entre aquelas e as prestadas pela demandante, contrariamente ao que vem referido na respetiva fundamentação da sentença. Essa coerência é abalada pelas seguintes circunstâncias: (i) a irmã C... só viu sangue no nariz (e até lhe disse para não limpar o sangue), não tendo visto quaisquer outras lesões, (ii) a filha D... (que, à data dos factos, andava de relações cortadas com o Recorrente, situação que se mantém) viu arranhões e escoriações nos braços, viu sangue também na boca, o que não foi referido por mais ninguém, (iii) o E..., namorado desta à data, viu sangue no nariz e na camisola (sendo que o sangue na camisola não foi referido por mais ninguém (iv) e o F..., sobrinho da demandante, viu sangue seco no nariz, mais dizendo que a demandante não se queixou de dores nos braços.
7. Concorrem ainda para se concluir que a convicção do julgador não se formou de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, as seguintes circunstâncias: (i) Em conversa com a testemunha F..., imediatamente a seguir aos factos, nunca o Recorrente admitiu ter agredido a demandante e (ii) em conversa com os agentes da polícia que tomaram conta da ocorrência, ainda em casa de ambos, o Recorrente ter-se queixado aos agentes de ter sido agredido pela demandante e apenas se ter defendido (situação descrita pela testemunha F...).
Finalmente, não é também consentâneo com as regras da lógica e da experiência comum, ter sido ignorado quer na qualificação dos factos quer na relevância atribuída às declarações da demandante, o facto de o Recorrente, nunca ter tido qualquer comportamento agressivo com a demandante B... durante todo o tempo que durou a relação, quer antes dos factos participados quer nos meses subsequentes em que se mantiveram a viver na mesma casa, para, depois, sem qualquer explicação ou qualquer facto que o despoletasse, ter agredido a demandada.
8. Ocorre também, na douta decisão sobre a matéria de facto dada como provada, a insuficiência para a referida decisão, pelos fundamentos que se explanam:
Quanto à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e atento tudo o que se disse, não deveria ter sido valorado o depoimento da demandante B... que foi a única cujo depoimento foi considerado nessa fundamentação, ainda que associado à informação relativa à assistência na urgência hospitalar.
A experiência comum ensina-nos, sim, que, em circunstâncias idênticas, não deve fundamentar-se a convicção do Tribunal, única e exclusivamente, nas declarações da ofendida, quando elas não sejam corroboradas por depoimentos de outras testemunhas, como é o caso dos autos.
De facto, a circunstância de a demandante e Recorrente estarem separados de facto e ser intenção daquela romper o vínculo conjugal com o Recorrente, encontrando-se ambos numa situação de conflito aberto, condicionou irremediavelmente a posição e as declarações da demandante.
Estamos, no entender do Recorrente, num dos casos em que a formação da convicção não se operou, de forma evidente, em consonância com as regras da lógica e da experiência comum.
9. Mas deveria também a M. ma juiz "a quo" ter dado como provada a matéria de facto que resultou das declarações de todas as testemunhas e da própria demandante, aqui de forma praticamente unânime, nomeadamente que:
"Nunca, durante toda a relação conjugal do recorrente e da demandante, aquele demonstrou qualquer agressividade para com esta ou praticado qualquer agressão na pessoa desta, o que se verificou, nomeadamente, após o dia 28 de Julho de 2012 em que ocorreram os factos como descritos pela demandante, período em que continuaram a coabitar na mesma casa, ainda que dormindo em quartos separados, pelo período de dois meses.
Tendo-se o Recorrente, no referido período de dois meses após os factos denunciados, limitado a ter um comportamento incorreto ou pouco educado em relação à demandante.
10. O Recorrente vem, nos termos da al. b) do nº 3 do art. 412 do Cód. Proc. Penal, indicar as provas que impunham decisão diversa da recorrida, o que faz por referência ao consignado em ata, atendendo a que as provas foram gravadas através do sistema de gravação digital, constando da mesma a indicação precisa da hora de início e termo das declarações, sendo as provas que impõem decisão diversa da recorrida as constantes das gravações como se passa a expor:
As provas que impunham decisão diversa, quer quanto à matéria de facto provada quer quanto àquela, supra referida, não dada como provada, são as constantes dos registos da prova produzida em audiência gravada através do sistema integrado de gravação digital, com as declarações do Recorrente (09:52:17 a 10:14:38), da demandante (10:15:23 a 10:54:26) e das testemunhas C...(10:55:24 a 11 :09: 11), D... (11:10:05 a 11 :28:40), E...(11 :29:27 a 11:35:21) e F... (11 :36:20 a 11 :51 :25). - Entre parêntesis o início e termo das declarações do arguido, demandante e testemunhas.
11. Entende, pois, o Recorrente, que foram incorretamente julgados os factos constantes das alíneas 3) a 8) (notação das presentes alegações) sendo evidente que houve erro notório na apreciação da prova e no julgamento da matéria de facto.
De facto, toda a matéria de facto dada como provada, na parte impugnada e supra referida, deveria ter sido dada como não provada.
Face à prova produzida, a fixação da matéria de facto dada como provada (na parte supra referida) constitui erro notório na apreciação da prova, o que constitui fundamento do recurso nos termos da al. c) do nº 2 do art. 410° do Cód. Proc. Penal.
QUANTO À DECISÃO DE DIREITO
1. De qualquer forma, se não se entender como supra vem alegado e julgando-se ter o tribunal "a quo" decidido a matéria de facto de acordo com as regras da lógica e da experiência comum e ainda ter a prova produzida em audiência sido suficiente para a decisão sobre a matéria de facto provada, mantendo o tribunal de recurso a decisão da primeira instância quanto à fixação dessa mesma matéria, não se concorda, então, com a qualificação jurídica feita pelo tribunal relativamente aos referidos factos.
2. Com efeito, de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, "não são todas as ofensas corporais cônjuges que cabem na previsão criminal do referido art. 152 mas aquelas que se revistam de uma certa gravidade, que, fundamentalmente, traduzam crueldade ou insensibilidade, ou até vingança desnecessária, da parte do agente”:
O excerto citado foi extraído da resposta do Magistrado do Mº  Pº apresentada no recurso em que foi tirado o acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra - processo nº 361/07.0GCPBL.C1, em 28/01/2010, in www.dgsi.pt/trc de que transcrevemos parte do respetivo sumário:
1. Não são os simples atos plúrimos ou reiterados que caracterizam o crime de maus tratos a cônjuge, o que importa é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, coloquem a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal.
2. Não comete o crime p. e p. pelo artigo 152 nº 1, al. a) mas o p. e p. pelo artigo 143 nº 1, ambos do CP, quando apenas resulta provado que num determinado dia o arguido colocou com força na zona do pescoço da assistente e que, por essa forma lhe causou lesões”.
Ver no mesmo sentido, Acórdão do TRC, in www.dgsi.pt: Recurso 3827/2002.
E o Ac. do STJ de 14-11-1997 CJSTJ, tomo 3, pág. 235, refere "só as ofensas, ainda que praticadas por uma só vez; mas que revistam uma certa gravidade, ou seja que traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária por parte do agente, é que cabem na previsão do art. 152 do CP”.
3. Resulta da prova dada como provada que o Recorrente desferiu várias bofetadas e uma cabeçada na demandante, no dia 28 de Julho de 2012, nas circunstâncias descritas na douta sentença.
Deveria ter resultado também provado, de acordo com a prova produzida em audiência e como supra se requereu que:
"Nunca, durante toda a relação conjugal do recorrente e da demandante, aquele demonstrou qualquer agressividade para com esta ou praticado qualquer agressão na pessoa desta, o que se verificou, nomeadamente, após o dia 28 de Julho de 2012 em que ocorreram os factos como descritos pela demandante, período em que continuaram a coabitar na mesma casa, ainda que dormindo em quartos separados, pelo período de dois meses.
Tendo-se o Recorrente, no referido período de dois meses após os factos denunciados, limitado a ter um comportamento incorreto ou pouco educado em relação à demandante”.
4. Resulta evidente quer da matéria de facto dada como provada quer daquela outra que deveria ter sido dada como provada, como se requer, que a conduta do Recorrente, mesmo a ter ocorrido como descrito na sentença, não preenche o tipo de crime previsto e punido no art. 152 do Cód. Penal, devendo, antes, operar-se a convolação para o crime de ofensas à integridade física, p. e p. pelo art. 143 do Cód. Penal.
5. Ao decidir como decidiu, o tribunal "a quo" violou as disposições dos artigos 143 e 152, n.º 1, al. a) e nº 2, ambos do Código Penal.
Julgando-se procedente o presente recurso quanto à matéria de facto nos termos supra alegados, deixará de ser imputado ao recorrente a prática do crime de que vem pronunciado, devendo o mesmo, em conformidade, ser absolvido.
Julgando-se procedente o presente recurso, apenas quanto à qualificação jurídica dos factos, nos termos supra alegados, deixará de ser imputado ao recorrente a prática do crime de que vem pronunciado, devendo o mesmo, em conformidade, ser absolvido do mesmo ou proceder-se à convolação para o crime de ofensas à integridade física p. e p. pelo art. 143 do Cód. Penal.
Deverá, em qualquer dos caso, ser o recorrente absolvido do pedido civil formulado pela demandante.
Nos termos expostos deve o presente recurso ser julgado procedente, julgando-se ter havido erro notório na apreciação da prova e insuficiência para a matéria de facto dada como provada, absolvendo-se o Recorrente da prática do crime de que vem acusado, por se entender que os autos contêm elementos suficientes para se proferir acórdão nesse sentido.
Caso assim não se entenda, deve ser alterada a qualificação jurídica dos factos, deixando de ser imputado ao recorrente a prática do crime de que vem acusado, devendo o mesmo, em conformidade, ser absolvido do mesmo ou proceder-se à convolação para o crime de ofensas à integridade física p. e p. pelo art. 143 do Cód. Penal.
Deve ainda o recorrente ser absolvido do pedido de indemnização civil.
Deve ser concedido provimento ao recurso.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
- A sentença recorrida fez uma correta apreciação da prova produzida e examinada em audiência, não se vislumbrando qualquer erro na formação da convicção do tribunal, que imponha a alteração da matéria de facto provada, nem se vislumbra a existência de qualquer dos invocados vícios ou de qualquer outro de que cumpra oficiosamente conhecer;
- Os factos provados integram todos os elementos, quer objetivos, quer subjetivos, do crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152, n.ºs 1, a) e c) e n.º 2, do Código Penal imputado ao arguido;
- Impondo-se, por isso, a sua manutenção.
Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Foi apresentada resposta, na qual o recorrente mantém o alegado no recurso.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, da mesma tendo resultado, com relevância para a decisão, os seguintes
Factos provado:(numeração nossa)
1-O arguido e B... casaram no dia 27.12.2006, tendo a partir de então partilhado cama, mesa e habitação, por último na Rua (...), concelho de Aveiro.
2-Algumas semanas antes da data de seguida indicada, B... anunciara ao arguido o propósito de pôr termo à vida em comum, que então cessou, embora tenham continuado a partilhar a mesma casa.
3-No dia 28 de Julho de 2012, cerca das 23h15m, no interior da aludida residência de ambos e na presença da filha de menor idade, o arguido agrediu B..., desferindo-lhe uma cabeçada e várias bofetadas na face, o que a deixou a sangrar pelo nariz, e empurrou-a por diversas vezes, o que a fez cair, provocando-lhe, assim, ferimentos em razão dos quais recebeu tratamento hospitalar.
4-Com a descrita atuação, o arguido provocou em B... dores e ferimentos, nomeadamente fissura nos ossos próprios do nariz, sem desvio; edema nasal; escoriação no cotovelo direito; marcas de lesões com unhas no pescoço; sangramento do nariz, lesões essas que lhe determinaram direta e necessariamente um período de vinte e um dias de doença com igual período de afetação da capacidade para o trabalho geral.
5-Após a ocorrência destes factos e perante o propósito de divórcio, o arguido disse a B... que, caso se houvesse “partilha” da filha menor de ambos – pretendendo com isso referir-se à regulação das responsabilidades parentais de ambos – matava fosse quem fosse que lhe aparecesse à frente, o que o arguido repetiu várias vezes em que falou com B... sobre o divórcio, bem como ameaçou partir o carro da B..., afirmando que foi ele quem o pagou.
6-Sabia o arguido que, com as descritas condutas, causava a B... dores e lesões e que ao proferir as referidas expressões a intimidava, o que tudo quis.
7-Ao agir do modo descrito, o arguido molestou psicológica e fisicamente B..., o que fez com a intenção de manter a mesma submissa às suas vontades.
8-O arguido agiu de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade criminal das suas condutas.
9-A demandante sentiu-se e sente-se ofendida e humilhada, receosa e insegura.
10-Atualmente arguido e B... estão divorciados e mantêm apenas os contactos estritamente necessários ao tratamento dos assuntos relativos à filha menor de ambos.
11-Do certificado de registo criminal do arguido não consta qualquer condenação.
12-O arguido desde há muito que vem trabalhando como motorista de pesados em transportes internacionais.
13-É considerado por pessoas que com o mesmo convivem como pessoa respeitadora e pacífica.
14-Actualmente vive com a mãe, numa casa a esta pertencente.
Não se provou que:
No decurso da vivência conjugal e na sequência de discussões, a relação entre arguido e B... começou a ficar marcada por alterações comportamentais agressivas e psicológicas.
No referido dia 28.07.2012, após a chegada do hospital, o arguido dirigiu-se-lhe dizendo: “ó caralho queres mais problemas, não me provoques”.
E no dia seguinte, o arguido voltou a dizer-lhe: “queres mais problemas não me provoques”.
A cada dia de trabalho da demandante, nas datas que se seguiram a 28.07.2012, correspondia valor de €22,53.
Motivação:
Nas declarações prestadas em audiência, o arguido, não deixando de reconhecer a ocorrência de confronto físico no acima referido dia 28.07.2012 (relativamente ao qual o próprio arguido apresentou até denúncia, como consta do apenso que teve o n.º 1301/12.0PBAVR, vindo o inquérito, nessa parte, a ser arquivado – fls. 80), todavia denotou perspetivá-lo de modo diverso do que resultou demonstrado perante a restante prova produzida em audiência: segundo o arguido, teria apenas segurado B... (com quem o arguido foi casado, como consta averbado nos assentos de nascimento de que foram juntas cópias a fls. 25 e a fls. 29), para a impedir que esta o agredisse.
Tal perceção dos factos não é, todavia, consentânea quer com a informação relativa a assistência na urgência hospitalar prestada em 28.07.2012, pelas 23H50 (fls. 30 e seguintes, onde se descrevem as lesões então observadas em B..., manifestamente incompatíveis com os gestos a que o arguido disse ter limitado a sua ação) e relatório de exame médico-legal realizado em 06.08.2012 (fls. 9 e seguintes), quer com as declarações que de modo em si mesmo convincente foram em audiência prestadas pela demandante B..., declarações essas coerentes com o que a mesma demandante logo na ocasião da ocorrência dos factos transmitiu às testemunhas C...(irmã de B...), D...(filha de B..., que não obstante desavindo com o arguido, que foi seu padrasto, se afigurou ter deposto com objetividade), E... (que era na data em causa namorado de D...) e F...(sobrinho de B..., que, tal como Agentes Policiais – a tal intervenção policial respeitando o auto de notícia de fls. 4 do apenso que teve o n.º 1447/12.5T3AVR e de fls. 7 dos principais – e demais testemunhas, se deslocou à referida residência, tendo a testemunha mencionada por último conversado até com o arguido).
As testemunhas G... (inquilino da mãe do arguido e vizinho deste) e H.... (amigo do arguido há quase trinta anos) depuseram acerca da consideração que lhe votam, acerca do modo de vida do arguido relevando também as declarações do próprio e alusões a tal respeito feitas pelas demais testemunhas.
Certificados de registo criminal do arguido constam de fls. 18 e de fls. 132.
Acerca dos factos enunciados como não provados, não foram produzidas provas que sustentem a respetiva alegação, sendo que, no que concretamente respeita à alegada remuneração da demandante, a cópia de recibo de remuneração junta a fls. 102 respeita a Fevereiro de 2013, sendo certo que a própria e outras pessoas ouvidas no decurso da audiência referiram que em Julho de 2012 e semanas subsequentes estava desempregada, recebendo o respetivo subsídio da Segurança Social, pelo que nenhuma retribuição licitamente auferiria.
***
            Conhecendo:
Analisemos a questão suscitada:
            - Impugnação da matéria de facto (factos 3 a 8 dos provados), na perspetiva de ocorrência do vícios do art. 410 nº 2 do CPP, erro notório na apreciação da prova.
            - Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
            - Da prova deveria resultar a dúvida, havendo assim violação do princípio in dúbio pro reo.
            - Errada qualificação jurídica dos factos.
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            Impugnação da matéria de facto:
            O arguido refere que a prova foi mal apreciada e deveria levar à não prova dos factos da acusação que consubstanciam a prática de um crime.
Aponta-se a errada interpretação da prova produzida relativamente aos pontos dados como provados da matéria da acusação, a qual também se tem como insuficiente.
Alega-se o erro na análise da prova, no sentido de mal apreciada a prova produzida.
O tribunal tem de decidir, após apreciação da prova nos termos do disposto no art. 127 do CPP, e só em caso de dúvida decide em benefício do arguido.
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há de resultar da prova produzida (depoimentos, exames, documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto e o recurso não serve para um novo julgamento.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
            A prova é valorada, tal qual é produzida em audiência, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127 do C. P. Penal.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374/2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
No mesmo sentido, recurso desta Relação nº 3127/99 de 2-2-2000, no qual se refere que “as declarações da ofendida, quando credíveis e inferidas de todos os outros elementos de prova, são suficientes para, segundo as regras da experiência, dar como provados os factos”.
Assim que, se entenda que é possível dar como provados factos fundando-os num só depoimento, desde que o mesmo seja convincente.
E se esse depoimento for convincente, nunca lhe é dada importância demasiada, mas somente a que o mesmo merece. Mas, a “importância demasiada” que o recorrente diz que se atribuiu ao depoimento da assistente, já não o seria se se atribuísse ao depoimento do arguido, como o mesmo pretende?
Pretende o recorrente descredibilizar o depoimento da ofendida alegando que o seu depoimento não foi claro e convicto, demonstrando confusão em alguns momentos.
Contrariamente ao que entendeu o tribunal recorrido, que teve o depoimento da ofendida como prestado de forma clara e convicta. “As declarações que de modo em si mesmo convincente foram em audiência prestadas pela demandante”.
Depoimento compatível com as lesões que a mesma apresentou e constam do relatório de exame médico e, complementadas pelos depoimentos de testemunhas a quem a ofendida na altura em que foram praticados os factos lhes relatou os mesmos.
E quem aprecia a prova, nos termos enunciados no art. 127 do CPP, é o julgador e não o arguido/recorrente. A matéria de facto é apreciada segundo a livre convicção do julgador e as regras da experiência, como permite o art. 127 do CP, que para o efeito as aponta de modo objetivo na sua fundamentação.
As regras da experiência à conclusão seguida na sentença conduzem, e a prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador –art. 127 do CP.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de março de 2002 (C.J. , ano XXVII , 2º , página 44) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Paulo Saragoça da Matta, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 253, refere que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.
O que o recorrente pretende é que o tribunal de recurso faça um novo julgamento e que julgue de acordo com as suas próprias convicções e não segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, como disciplina o art. 127 do CPP.
E, diremos que o preceituado no art.127 do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objeto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
O alegado pelo recorrente não abala os fundamentos da convicção do julgador, que temos conformes às regras da experiência.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação.
Na conjugação dos depoimentos com a credibilidade que cada um mereceu (essencialmente o depoimento da ofendida) e as inferências daí resultantes, partiu o julgador para a operação intelectual de formação da convicção, resultando a prova dos factos.
Assim, temos que não se verifica qualquer erro, e a convicção do julgador tem suporte nos depoimentos e exames, inexistindo violação do princípio in dúbio pró reo.
Há uma explicação plausível, fundamentada na prova  produzida e, coerente para que se deem como provados os factos.
Como refere o Ac. do STJ de 30-01-2002, proc. 3063/01- 3ª, SASTJ, nº 57, 69, “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção” (sublinhado nosso).
“O  exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”( Acórdão do STJ de 16/3/2005, Processo nº 05P662, in www.dgsi.pt.).
Assim, que entendamos que inexiste erro de julgamento da matéria de facto.
Vícios do art. 410 nº 2 do CPP:
Os vícios elencados no art. 410 nº 2, do CPP, a contradição entre factos e fundamentação e na própria fundamentação, o erro notório na apreciação da prova e, ainda, a insuficiência da matéria de facto para a decisão, podem ser de conhecimento oficioso, desde que se verifiquem da análise do texto da decisão.
In casu são expressamente alegados na motivação do recurso o erro notório na apreciação da prova e a insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê-lo;
- Por haver lacunas no apuramento da matéria de facto necessária e possível para a decisão. Se não há essas lacunas, há uma errada subsunção dos factos ao direito - erro de julgamento - (Germano Marques da Silva).
Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá". "Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz" (sublinhado nosso).
No caso concreto este vício não se verifica, tanto mais que, os factos apurados foram suficientes e determinaram a condenação do arguido. Quando os factos apurados levam à condenação do arguido nunca se verifica a existência deste vício, porque se apurou matéria de facto suficiente.
O que entende o recorrente é que não foi efetuada prova bastante para que se dessem como provados os factos da acusação, mas sem razão, como já supra referido, porque apenas questiona se ter dado, em seu entender, demasiada importância ao depoimento da ofendida, entendendo que o tribunal deveria, antes, ter valorizado o depoimento por si prestado.
No fundo pretendia que agora se fizesse um novo julgamento e se valorassem as provas à sua maneira.
Ao impugnar a matéria de facto, exige-se não só que o recorrente, sustentando que um determinado ponto de facto foi incorretamente julgado, o indique expressamente, mencionando a prova que confirme ou demonstre a sua posição, como se exige ainda que, tratando-se de depoimento gravado, indique também, por referência ao correspondente suporte técnico, o segmento onde se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Sendo que no caso presente o recorrente indica de forma genérica o seu depoimento e o da ofendida, sustentando que se deveria ter o seu como convincente e não o da ofendida.
Daí a necessidade de na impugnação da matéria de facto ser especificada com a devida fundamentação a discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum imporem diversa decisão.
O erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respetiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida –(sublinhado nosso) entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec.
É claro que este vício também se não verifica.
O recorrente tem é opinião diferente do julgador e entende que face à prova produzida a decisão da matéria de facto deveria ser diferente. Mas tal não configura o vício do erro notório na apreciação da prova.
Os vícios hão-de resultar da própria decisão em si e concretamente alegada a matéria que consubstancia o vício, ou de conhecimento oficioso caso se verifique e não haja sido alegado, o que não é o caso.
Não se verifica falta de prova para a atribuição dos factos e a sua prática pelo arguido (não há errada apreciação da prova), nem sequer sendo necessário lançar mão do princípio in dúbio pro reo.
O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.
Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.
O princípio in dubio pro reo, enunciado por Stubel no século XIX, constitui um princípio probatório segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto deve ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.
Traduz o correspetivo do princípio da culpa em direito penal, ou "a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como axiológíco-normatívo da pena " - Vital Moreira e Gomes Canotilho in Constituição da República Portuguesa, anotada.
 "O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido " - Figueiredo Dias in D. to Processual Penal, 1974, 211.
"Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus " - vd. Castanheira Neves in processo criminal, 1968, 55/60.
No que aos factos desfavoráveis ao arguido tange, a dúvida insanável deve levar a dar como não provado o facto sobre o qual recai.
O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97. 
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação. Na sentença recorrida o julgador o diz ao referir que as declarações da ofendida foram credíveis e convincentes.
Sendo que igualmente refere que a posição contrária não logrou convencer ou criar dúvida, sendo que não mereceu credibilidade o depoimento do arguido que negou os factos.
Inexiste pois, dúvida.
O que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira do recorrente, substituindo-se ele-recorrente ao julgador, tal incumbência é apenas, porém deste - art. 127° CPP.
O recorrente limita-se a discordar da forma como o tribunal recorrido terá apreciado a prova produzida, porque atendeu a pormenores que o convenceram e daí tirou as necessárias ilações, enquanto para a recorrente resultaram em não convencimento.
A redação atual do art. 374 nº 2 é clara ao indicar que na motivação se deve indicar as provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e fazer exame crítico das mesmas.
Na sentença recorrida indica-se, o teor e sentido dos depoimentos prestados, de forma fundamentada e com a análise crítica das provas.
Por isso, que a matéria dada como apurada, resulta da conjugação de toda a prova, nomeadamente os documentos indicados e os depoimentos, que interpretados segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador –art. 127 do CPP- mereceram credibilidade ao tribunal.
Na conjugação dos depoimentos com a credibilidade que cada um merece e as inferências daí resultantes, partiu para a operação intelectual de formação da convicção, resultando a prova dos factos.
Assim, temos que não se verifica qualquer erro, e a convicção do julgador tem suporte nos depoimentos.
Pelo que se mantém a matéria de facto tal como fixada na sentença recorrida.
Qualificação jurídica dos factos:
Entende o recorrente que os factos apurados apenas podem consubstanciar a prática do crime de ofensa à integridade física simples.
Na sentença é indicada a seguinte fundamentação jurídica dos factos apurados:
“O arguido foi acusado da prática de crime de violência doméstica, que nos termos do artigo 152º, n.º1, al.s a) e c), e n.º2, do Código Penal (na versão vigente à data dos factos em causa, anterior à alteração resultante da Lei n.º 19/2013), consiste (além do mais) na conduta de quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, a cônjuge ou ainda a progenitor de descendente comum em primeiro grau, sendo a pena em abstrato aplicável de dois a cinco anos de prisão se os factos típicos forem praticados no domicílio comum ou no domicílio da vítima, bem como se forem praticados na presença de menor.
“Neste crime protege-se a saúde física e mental do cônjuge, sendo que esse bem pode ser violado por todo o comportamento que afete a dignidade pessoal daquele, designadamente por ofensas corporais simples. Protege-se a dignidade humana, em particular a saúde, aqui se compreendendo o bem-estar físico, psíquico e mental” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2009, que pode ler-se em www.dgsi.jtstj processo 09P0236).
Não basta porém “(...) qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para preenchimento do tipo legal. O bem jurídico, enquanto materialização direta da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efetivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana conduzindo à sua degradação pelos maus tratos” (Plácido Conde Fernandes, citado no Acórdão do STJ de 02.07.2008, processo 07P3861), sendo que “(...) em termos práticos, maus tratos significa, antes de mais, o exercício de violência” (Ricardo Bragança de Matos, citado no mesmo Acórdão).
Pressupõe o crime em causa relação familiar entre agente e vítima (como a que existiu e existe entre arguido e B..., pois foram casados e são pais de filha comum), sendo que, como se pondera no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16.01.2013, proferido no âmbito do processo n.º 486/08.5GAPMS.C1 (www.dgsi.pt/jtrc), “A degradação de relações desta natureza que, do ponto de vista dos valores que o direito penal também prossegue, impõe a exigência de um maior grau de consideração/respeito pelo outro, ainda que em situações de litígio, e os excessos que essa degradação potencia, por força da maior proximidade e muitas vezes da impossibilidade de um afastamento total e efetivo, é um dos fatores que justifica a criação de um tipo específico de crime que se distingue dos tipos comuns preenchidos quando não se verifica o especial relacionamento entre agente do crime e vítima e que abarca situações típicas que vão para além desses tipos de crime comuns. O que significa que eventuais injúrias, ofensas à integridade física, ameaças, coações são já consideradas pela lei como mais graves se ocorridas dentro desse tipo de relacionamentos, mais lesivas da condição humana que se quer revestida de dignidade. Esta consideração que patentemente emana da lei apenas excecionalmente permite que assim se não conclua, quando tal ocorra em situações muito incidentais e que manifestamente demonstrem que a dignidade do outro foi afetada de forma insignificante que não justifica a penalização em causa.”
Não foram (parafraseando o acórdão por último citado) incidentais ou insignificantes as ofensas do arguido à dignidade de B... e ao respeito que lhe devia como sua mulher e, mesmo após o termo da relação, mãe de sua filha.
Com efeito, demonstrou-se que o arguido molestou na sua integridade física B..., de modo que lhe determinou mais de vinte dias de doença, e, mesmo após a separação, dirigiu-lhe afirmações ameaçadoras, sabendo o arguido que a atingia na sua integridade física e a inquietava e atemorizava, como pretendeu para fazer valer a sua vontade, agindo deliberada e conscientemente.
Tal conduta do arguido consubstancia a prática pelo mesmo do crime de violência doméstica, na mencionada modalidade agravada (já que pelo menos os factos ocorridos em 28.07.2012 foram praticados na habitação comum e na presença de menor), pois tal comportamento de violência física e emocional foi claramente incompatível com a consideração que o arguido devia ao seu cônjuge e mãe dos seus filhos, diminuindo-a na sua dignidade”.
O art. 152 do CP na redação anterior à lei 59/07 não integrava no tipo o conceito de reiteração (de modo reiterado ou reiteração da respetiva conduta).
Assim como a atual redação dada por esta lei 59/07 não exclui a violência exercida de forma não reiterada. O preceito refere, “de modo reiterado ou não”.
O preceito não demanda a prática habitual dos atos ou a repetitividade das condutas, o normativo prevê tanto situações repetitivas ou plurimas como situações de natureza una.
Após a entrada em vigor da lei 59/2007, não se pode exigir, para o preenchimento do tipo de crime de violência doméstica, os requisitos que antes se previam para o crime de maus tratos, não é necessário verificar-se a gravidade da conduta traduzida por crueldade, insensibilidade ou até vingança.
O crime de violência doméstica apenas exige que alguém, de modo reiterado ou não inflija maus tratos físicos ou psíquicos a cônjuge art. 152 nº 1 al. a) do CP. Em lado algum se exige que só em situações excecionais o comportamento violento único, pela gravidade intrínseca do mesmo, preencha o tipo de ilícito.
Mas haverá de consistir a agressão, numa ofensa à integridade física, ocorrida no âmbito de um relacionamento conjugal, ou análogo, e determinada por força desse relacionamento e que, por força das lesões verificadas, se entenda como uma agressão física que tenha ofendido a dignidade da vítima.
Neste sentido os Acs. desta Relação, in www.dgsi.pt:
Rec. 3827/2002:  "Não são os simples atos plúrimos ou reiterados que caracterizam o crime de maus tratos a cônjuge, o que importa é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, coloquem a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal" (sublinhado nosso).
Rec. de 27-06-2007 proc. 256/05.2GCAVR.C1: "III- Tal crime basta-se com a consolidação no estado vivencial da vítima de um estado de compressão na sua liberdade pessoal e de um apoucamento da dignidade que a um qualquer ser humano é devida “.
O tipo objetivo de ilícito, no caso em apreço, preenche-se com a ação de infligir "Maus-tratos físicos", que se traduzem em ofensas à integridade física, incluindo simples, do cônjuge do agente.
Após a vigência da redação dada pela lei nº 59/2007 é legitimo sustentar que, foi acolhido o entendimento segundo o qual um só ato de ofensas corporais já configura um crime de violência doméstica.
No caso concreto, houve agressão através de cabeçada e várias bofetadas na cara e vários empurrões à ofendida, o que a fez cair e ficar a sangrar pelo nariz, necessitando de tratamento hospitalar.
Essa agressão provocou na ofendida fissura dos ossos próprios do nariz, edema nasal, escoriação no cotovelo, marcas de lesões com unhas no pescoço, o que foi causa direta e necessária de doença pelo período de 21 dias, com igual período de incapacidade para o trabalho em geral. E ainda, posteriores ameaças à integridade física da ofendida e aos seus bens patrimoniais, veículo.
Tendo o arguido agido com intenção de causar dores e lesões e intimidar a ofendida.
Não se tratou de um ato incidental ou insignificante, como bem refere o Mº Pº na resposta.
Assim que a factualidade provada consubstancia a colocação da pessoa, a ofendida, numa situação que se deva considerar de vítima de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal, verifica-se a perpetração de ato de violência que afeta, por alguma forma, a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo e afetando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal igualitária.
Com a sua atuação o arguido pretendia exercer um controlo e domínio sobre a ofendida.
Os factos provados são demonstrativos e preenchem os elementos típicos do crime.
Os atos praticados pelo arguido e consubstanciados nos factos provados demonstram que os mesmos correspondem a atos reveladores de um tratamento insensível ou degradante da condição humana da sua vítima, o seu cônjuge. Esses factos revelam uma dimensão manifestamente ofensiva da dignidade pessoal do cônjuge por parte do arguido.
Como se refere no Ac. desta relação, de 12-05-2010, proferido no processo 258/08.7GDLRA.C1, “O bem jurídico protegido no crime de violência doméstica é complexo, abrangendo a integridade corporal, saúde física e psíquica e dignidade da pessoa humana, em contexto de coabitação conjugal ou análoga e mesmo após cessar aquela coabitação”.
Assim que temos como bem qualificados os factos ao ser imputado ao arguido a prática dum crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152 do CP.
Consequentemente, se mantendo a condenação crime e cível.
*
Pelo exposto, entendemos ter ficado demonstrada a sem razão do recorrente, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida, pelo que improcedem todas as conclusões do recurso.
Decisão:
Acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, em consequência, mantém-se na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com 4 Ucs de taxa de justiça.


Jorge Dias (Relator)
Orlando Gonçalves