Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3749/15.0T8VIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE DOCÊNCIA
Data do Acordão: 09/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DO TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 12º DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003, NA SUA REDACÇÃO DECORRENTE DA LEI 9/2006, DE 20/3
Sumário: Não pode qualificar-se como contrato de trabalho o negócio jurídico celebrado entre um professor e uma instituição universitária, denominado contrato de docência e com um regime contratual mais afim do contrato de prestação de serviço do que do contrato de trabalho, demonstrando-se, designadamente, que a remuneração paga variava consoante a carga horária atribuída ao docente, que a carga horária atribuída ao docente, que a carga horária poderia ser aumentada, reduzida ou excluída por iniciativa unilateral da instituição universitária, com o consequente aumento, redução ou exclusão da sua remuneração, não se tendo provado que as partes se desejaram vincular a um número mínimo de horas lectivas e não constando dos negócios jurídicos formalizados asserções de onde decorresse uma inequívoca vontade de lhes conferir cariz laboral.
Decisão Texto Integral:







Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório




O autor propôs contra a ré a presente acção declarativa com a forma de processo comum, formulando as pretensões seguidamente transcritas:
Deve a presente acção ser julgada provada e procedente, condenando-se a Ré a:
a) Reconhecer a existência de um contrato de trabalho entre o Autor e a Ré desde 29/09/2008 e que o mesmo cessou em 13/01/2015 através de resolução com justa causa operada pelo Autor;
b) Pagar ao Autor:
i. Indemnização pela cessação do contrato de trabalho, nos termos do art. 396º, nº 1 do CT, no montante de 23.437,50€ (vinte e três mil quatrocentos e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde 13/01/2015 até integral pagamento;
ii. Compensação, nos termos do art. 134º do CT, pela falta de formação profissional em valor não inferior a 3.154,37€ (três mil cento e cinquenta e quatro euros e trinta e sete cêntimos) acrescidos de juros de mora desde 13/01/2015 até integral pagamento;
iii. A diferença entre os valores pagos a título de salário e demais prestações laborais, no valor global de 33.422,33€ (trinta e três mil quatro centos e vinte e dois euros e trinta e três cêntimos), acrescidos de juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;
iv. A diferença entre os valores pagos a quando da prestação de trabalho superior a nove horas semanais e o valor que deveria ter sido pago como trabalho suplementar, nos termos do art. 268º do CT, no valor global de 5.894,12€ (cinco mil oitocentos e noventa e quatro euros e doze cêntimos), acrescidos de juros de mora desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;
v. Dos proporcionais do subsídio de férias e de natal no valor de 260,28€ (duzentos e sessenta euros e vinte e oito cêntimos), acrescido de juros de mora contados desde 13/01/2015 até integral pagamento;
vi. Do subsídio de férias vencido em 01/01/2015 no valor de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora contados desde 13/01/2015 até integral pagamento;
vii. Das férias vencidas 01/01/2015 e não gozadas, no valor de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora contados desde 13/01/2015 até integral pagamento.
c) Pagar à Segurança Social contribuições e quotizações devidas pelos pagamentos feitos ao Autor.”.
Alegou, em resumo, que sendo trabalhador subordinado da ré, resolveu, com justa causa subjectiva para o efeito, o contrato de trabalho, sendo que da concreta forma de execução deste e da sua cessação emergiram para o autor os créditos que invoca e cuja satisfação coerciva pressupõe a prévia condenação da ré a reconhecê-los e a satisfazê-los.
Contestou a ré, pugnando pela improcedência da acção, pois que o autor nunca foi seu trabalhador subordinado, sendo de mera prestação de serviço a relação profissional que entre os mesmos existiu.
A acção prosseguiu os seus regulares termos, acabando por ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Não se conformando com o assim decidido, apelou o autor, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:
[…]
Contra-alegou a ré, pugnando pela improcedência da apelação.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, importa decidir.

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*
II - Principais questões a decidir

Neste âmbito, cumpre referir liminarmente que por despacho de 19/9/2016 (referência Citius 78112419), o qual foi notificado às partes e que por parte delas não foi objecto de impugnação, decidiu-se que o autor estava isento de custas.

Face ao trânsito em julgado de tal decisão, com a consequente força obrigatória dentro do processo que o assim decidido adquiriu (art. 620º/1 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex-vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), prejudicada fica qualquer possibilidade de novamente ser discutida a questão incidental suscitada nas contra-alegações de saber se se verifica ou não a causa de isenção de custas que naquela decisão foi reconhecida ao autor.

Alias, tal isenção de custas foi reafirmada pelo tribunal recorrido, novamente sem impugnação das partes, no despacho de 17/5/2017 que admitiu o presente recurso.

Não se conhecerá, assim, daquela questão incidental.

+
Como assim, são as seguintes as questões a decidir:
1ª) se a sentença recorrida padece das causas de nulidade que lhe são assacadas pelo apelante;
2ª) se a decisão recorrida contém, na descrição da factualidade provada, matéria de facto cuja eliminação foi determinada no acórdão deste Tribunal da Relação de 9/1/2017;
3ª) se a decisão recorrida não cumpriu o demais determinado no acórdão deste Tribunal da Relação de 9/1/2017;
4ª) se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada;
5ª) se a relação entre o autor e a ré pode ser qualificada como sendo de trabalho subordinado e, na afirmativa, que consequências daí decorrem no que concerne às pretensões deduzidas pelo autor à luz do enquadramento jurídico dos factos provados.
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III – Fundamentação

A) De facto

Factos provados

O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
[…]

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B) De direito


Primeira questão: se a sentença recorrida padece das causas de nulidade que lhe são assacadas pelo apelante.

Considera o apelante que a sentença recorrida é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão, porquanto constando do ponto 16º) dos factos provados que “O autor sujeitou-se a avaliação, mormente, a auto-avaliação e a avaliação feita pelos alunos.”, escreveu-se na fundamentação jurídica da sentença que “Não se provou que o autor fosse avaliado.”.
Nos termos do art. 615º/1/c do NCPC, é nula a sentença quando, além do mais, os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Para que se verifique esta causa de nulidade, necessário é que os fundamentos estejam em oposição com a decisão, isto é, que os fundamentos nela invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa.
Nestes casos de nulidade, a decisão opõe-se aos fundamentos em que repousa, verificando-se um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, uma direcção diferente - das premissas de facto e de direito extrai-se uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído[1].
Importa reter que não integra este vício aquele que emerge de uma errada subsunção jurídica dos factos dados como provados e que se traduz num erro de julgamento que não envolve a anulação da sentença em crise mas sim a sua substituição por outra decisão que elimine aquela errada subsunção.
No caso em apreço, a sentença recorrida considerou que os factos descritos como provados não permitem caracterizar a relação profissional que existiu entre o autor e a ré como sendo de trabalho subordinado; concordantemente com esse raciocínio fundamentador, concluiu no sentido da improcedência da acção e das pretensões nela apresentadas pelo autor com o fundamento, justamente, de que aquela relação assumia essa natureza jurídica.
Não se divisa, pois, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, antes se verifica uma coerência e conformidade entre uns e outra.
Saber se aqueles factos foram ou não erradamente subsumidos à normatividade aplicável implica uma apreciação da eventual existência de uma situação de erro de julgamento que não de oposição entre fundamentos e decisão.
Não se verifica, assim, a causa de nulidade em apreço.
+
Considera o apelante, igualmente, que a sentença recorrida é nula por conhecer de questão que não foi colocada à apreciação do tribunal recorrido, porquanto consta da mesma que “Não se prova que lhe tenha sido entregue uma “declaração de desemprego”, sendo certo que o “…facto de não lhe ter sido entregue uma “declaração de desemprego” não foi alegado por nenhuma das partes, não foi objecto do julgamento e não consta da factualidade provada ou não provada.”.
Não acompanhamos o apelante.
Nos termos do disposto no art. 615º, nº1 do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando:
“(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
(…).”
A nulidade prevista no art. 615º/1/d do NCPC relaciona-se com o disposto no art.º 608º/2 do mesmo diploma, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, para lá de estar obrigado a resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o juiz está proibido de apreciar questões que não lhe tenham sido colocadas pelas partes, salvo se se tratar de questões que sejam de conhecimento oficioso.
Para efeitos do disposto no art. 608º/2 do NCPC, tem-se considerado que “questões” são aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as excepções porventura aduzidas[2].
Como ensinou Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 143), não enferma de nulidade por omissão de pronúncia a sentença “…que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito. (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”.
No caso vertente, a nulidade que é assacada à sentença pelo apelante consiste em se ter feito uso na fundamentação do decidido de um dado facto – o de não ter sido entregue ao autor uma “declaração de desemprego” – que “…não foi alegado por nenhuma das partes, não foi objecto do julgamento e não consta da factualidade provada ou não provada.”.
Ora, ao contrário do sustentado pelo apelante como fundamento da arguição de nulidade, na sentença recorrida não se afirma positivamente que ao autor não foi entregue a declaração; o que nela se afirma é, apenas e negativamente, que não se provou que ao autor tenha sido entregue tal declaração, sendo que não tal equivale a dar-se como provado que a declaração não foi realmente entregue.
Não se verifica, assim, o fundamento em que o apelante assenta a arguição de nulidade em apreço, razão pela qual e sem necessidade de outras considerações improcede tal arguição.
Aliás, sempre se dirá que a alegada invocação na sentença recorrida de um determinado facto que nela não poderia ter sido atendido – porque não alegado pelas partes e porque não constante da decisão da matéria de facto – não integra o vício ora em apreço, mas tão só um erro de julgamento que não constitui causa de nulidade da sentença, mas sim motivo para a sua substituição por outra decisão que elimine aquele erro.
Não se verifica, assim, a causa de nulidade em apreço.
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Segunda questão: se a decisão recorrida contém, na descrição da factualidade provada, matéria de facto cuja eliminação foi determinada no acórdão deste Tribunal da Relação de 9/1/2017.

No acórdão deste Tribunal da Relação foi determinada a eliminação da factualidade descrita nos pontos 65º e 84º dos factos descritos como provados na primeira decisão proferida pelo tribunal a quo.
Na decisão que é objecto deste recurso, tendo-se eliminado o referido ponto 84º, manteve-se o que constava do ponto 65º.
Como assim, na sequência do anteriormente decidido por este Tribunal da Relação, dá-se como não escrito o citado ponto 65º dos factos descritos como provados.
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Terceira questão: se a decisão recorrida não cumpriu o demais determinado no acórdão deste Tribunal da Relação de 9/1/2017.

[…]
*
Quarta questão: se a matéria de facto se encontra incorrectamente julgada, devendo ser alterada.
[…]
1.
2.
3.
4.
Δ
4.3 Assentes os pressupostos que antecedem, passemos então à apreciação das pretensões recursivas fácticas do autor.

4.3.1 Pretende a ré a eliminação da factualidade descrita nos pontos 104º a 106º dos factos descritos como provados, sendo que das alegações e conclusões resulta que o verdadeiro foco de discordância do autor se limita ao que se deu como demonstrado quando à variabilidade quantitativa das duas prestações mensais adicionais pagas pela ré ao autor a partir de 1/10/2010 e referidas no ponto 31º dos factos provados, variabilidade essa decorrente de o apuramento do valor de cada uma dessas prestações ser feito proporcionalmente ao serviço prestado pelo autor em cada ano lectivo.
É o que emerge dos seguintes trechos das alegações: “Contudo, esta contradição mantem-se relativamente aos pontos 104, 105 e 106 da factualidade provada na medida em que o Tribunal a quo continua a afirmar que o pagamento do subsídio de Natal e de férias dependia do serviço docente prestado.”; “Não se fazendo qualquer referência ao facto de o subsídio de férias e de Natal depender da prestação e serviço docente.”; “Por outro lado, verifica-se que as variações que possa haver ao subsídio de férias e de Natal são consentâneas com o que foi provado nos pontos 40 e 41 da factualidade provada.”.
Radica o autor a sua pretensão em análise, antes de mais, no seu entendimento de que existe contradição entre o descrito no ponto 31º dos factos provados, conjugado com o descrito nos pontos 29º e 30º dos mesmos factos, por um lado, com o descrito nos pontos 104º e 105º, tudo no pressuposto argumentativo de que daquele três primeiros pontos resulta que a partir de 1/10/2010 as duas prestações mensais adicionais referidas no ponto 31º eram de 2.500 euros cada uma.
Ora, do referido ponto 31º resulta apenas que a ré passou a pagar ao autor duas prestações mensais complementares ao longo do ano, sem qualquer referência à grandeza quantitativa de cada uma delas, muito menos no sentido de que as mesmas eram de montante igual aos 2.500 euros mensais aludidos no ponto 29º.
Não se verifica, assim, o pressuposto argumentativo em que assenta a contradição com base na qual pretende o autor ver eliminado o descrito nos pontos 104º a 106º dos factos provados.
O documento 61 demonstra apenas que no ano de 2011, em Outubro, foi processada a quantia de 2.500 euros a título de “13ª Fração Contr. Docência”[3], a que foi deduzida a quantia de 831,50 euros, a título de “Reg. Pag. p/ conta 13ª ou 14ª Fr.”., dele não emergindo, assim, que em 2011 tenha sido paga a referida 13ª prestação com o valor de 2.500 euros.
Do documento 75 também não emerge o processamento de 2.500 euros a título de 13ª ou de 14ª prestações mensais, mas apenas o processamento da quantia global de 3.100 euros a título de “13ª Fração Contr. Docência”[4], “13ª Fração CD-Outras Rem”[5] e “Outras Remunerações” [6], deduzida da quantia de 1.551,50 euros a título de “Reg. Pag. p/ conta 13ª ou 14ª Fr.”.
Por isso, tais documentos 61 e 75 não podem servir de suporte para ser acolhida a pretensão do autor no sentido de ver indemonstrada a variabilidade quantitativa decorrente do afirmado no ponto 105º dos factos provados em relação às duas prestações mensais adicionais pagas pela ré ao autor e referidas no ponto 31º dos factos provados.
Do documento de fls. 22 junto com a petição inicial apenas consta, na parte com relevo para os efeitos em análise, que o autor …auferirá mensalmente a quantia de 2.500,00€ (Dois Mil e Quinhentos Euros), passível dos descontos legais.”, sendo completamente omisso quanto às 13ª e 14ª prestações ora em apreço e quanto ao respectivo valor, razão pela qual o mesmo não permite acolher a pretensão fáctica do apelante que está em apreciação.
Não sendo invocado qualquer outro meio de prova susceptível de infirmar o que o tribunal recorrido deu como provado nos pontos 104º a 106º em apreço, decide-se indeferir a pretensão do autor no sentido da eliminação do conteúdo desses pontos.
Δ
4.3.2. Considera o apelante que existe contradição entre o descrito no ponto 16º) dos factos não provados (“A ré, sempre considerou que estes valores eram pagos a título de trabalho dependente.”) e no ponto 32º dos factos provados (“Aos valores pagos, a Ré sempre procedeu aos descontos para efeitos de IRS, bem como aos descontos para a Caixa Geral de Aposentações e sobretaxas como se de trabalho dependente de tratasse.”), devendo aquela factualidade ser dada como não provada.
Comece por dizer-se que a realidade retratada no ponto 32º) dos factos provados se reporta à forma como foram efectuados os descontos fiscais e parafiscais referentes às remunerações pagas pela ré ao autor, ao passo que a retratada naquele ponto 16º) se reporta à convicção/consciência que a ré tinha sobre a natureza dessas remunerações como sendo de trabalho dependente.
Assim sendo, facilmente se percebe que essas realidades possam não ser coincidentes, podendo acontecer, sem contradição necessária, que uma dada entidade sujeite rendimentos que paga a terceiros ao regime dedutivo do trabalho dependente sem que tenha a convicção/consciência de que os rendimentos assim pagos correspondam a remuneração de trabalho dependente: por exemplo, por erro material ou jurídico dos serviços administrativos da entidade que assim procedeu.
Por outro lado, a testemunha K... explicou que a sujeição das retribuições pagas ao autor ao regime dedutivo do trabalho dependente foi protagonizada em cumprimento do acordado entre a APESP, a Inspecção Geral do Trabalho e a Inspecção Geral da Segurança Social quanto ao regime dedutivo a aplicar aos docentes do Ensino Superior Privado, independentemente de se saber se tais docentes eram trabalhadores subordinados ou prestadores de serviços, acordo esse de que dão devida nota os documentos 4, 4-A e 5 juntos com a contestação.
Por isso mesmo, a sujeição das retribuições pagas ao autor ao regime dedutivo do trabalho dependente não implicava necessariamente a convicção/consciência por parte da ré de que o autor era seu trabalhador dependente.
Como assim, não existe entre a matéria de facto em análise a contradição que lhe é apontada pelo apelante como fundamento da sua pretensão de que seja dada como não provada a factualidade descrita no referenciado ponto 16º).
Por outro lado, os documentos 18 a 26 juntos com a petição representam notas dos rendimentos devidos e do imposto retido que as entidades que retêm IRS na fonte são obrigadas a emitir nos termos e para os efeitos do art. 119º/1/b do CIRS.
Assim sendo, tendo a ré sujeitado o autor, por força daquele acordo APESP, ao regime dedutivo do CIRS, estava a mesma obrigada a emitir aquelas notas, sem que tal implique necessariamente o reconhecimento de que o autor era seu trabalhador dependente; o que aqueles documentos permitem dar como provado é, apenas, o que já está descrito no ponto 32º supra transcrito.
Improcede, assim, esta pretensão recursiva fáctica do apelante.
Δ
4.3.3.Pretende o apelante que seja dada como provada a matéria descrita nos pontos de facto não provados que seguidamente se transcrevem:
2
O autor, desde 29/09/2008 sempre prestou o seu trabalho para a Ré, sob a sua autoridade e direcção, leccionando as disciplinas que esta lhe atribuiu, orientando teses e representando a mesma em diversos eventos sob as suas ordens e direcção.
3
Durante a prestação do trabalho o Autora, por ordem da Ré, leccionou disciplinas
4
Estas disciplinas eram leccionadas de acordo com o programa estabelecido pela Ré.
7
O autor, dentro dos limites que a independência própria da docência do Ensino Superior exige, durante toda a prestação do trabalho sempre esteve numa posição de subordinação perante a ré.
8
Com excepção das questões específicas relacionadas a forma de leccionação, próprias da autonomia do Ensino Superior, sempre obedeceu às regras que lhe foram impostas por esta, nomeadamente quanto aos programas, normas e regulamentos de avaliação.
9
O Autor sempre foi sujeito à avaliação dos docentes feita pela Ré.”.
No que respeita ao ponto 2º), comece por dizer-se que são conclusivas as expressões “… sob a sua autoridade e direcção ...” e “…sob as suas ordens e direcção… dele constantes e que, por isso, jamais poderiam constar da factualidade descrita como provada.
Quanto à leccionação de disciplinas, o que a prova produzida em audiência permitiu dar como demonstrado consta já dos pontos 13º) a 15º) dos factos descritos como provados.
Quanto à orientação de teses e representação da ré em eventos, a prova produzida em audiência nada permite dar como demonstrado.
No que respeita ao ponto 3º), para lá do que já consta dos pontos 3º), 4º), 6º), 13º) a 15º) dos factos provados, resulta da prova produzida em audiência, em especial do depoimento prestado por C..., que a distribuição das disciplinas a leccionar pelos docentes do Departamento de Matemática em que o autor estava integrado era feita pelo Director de Departamento, que para o efeito auscultava previamente as preferências manifestadas pelos docentes que, em regra, eram respeitadas.
Por outro lado, desse mesmo depoimento e do prestado pela testemunha K... resultou, à evidência, que as estruturas dirigentes da ré não tinham interferência na gestão académica levada a efeito pelos órgãos académicos próprios da faculdade e da universidade onde o autor leccionava
Por isso, não pode dar-se como provado que foi por ordem da ré que o autor leccionou as disciplinas referenciadas no ponto 14º dos factos provados.
Não se produziu em audiência prova do referido no ponto 4º) dos factos não provados que, por isso, assim deve subsistir.
A matéria constante do ponto 7º) dos factos não provados é manifestamente conclusiva e, por isso, jamais poderia ser dada como provada.
A prova produzida em audiência não permite dar como provada a sujeição do autor a programas, normas e regulamentos de avaliação imposto pela ré, sendo que isoladamente considerada encerra natureza conclusiva a expressão “…sempre obedeceu às regras que lhe foram impostas…” constante do ponto 8º dos factos não provados que, por isso, subsiste imodificado.
Não se produziu prova que permita dar como provado que o autor esteve sujeito à avaliação dos docentes feita pela ré, razão pela qual nada mais pode ser dado como provado além da auto-avaliação e da avaliação feita pelos alunos a que se alude no ponto 26º dos factos provados.
Improcede, assim, a pretensão recursiva fáctica do apelante que está em apreço.
Δ
4.3.4.Pretende o apelante que seja dada como provada a matéria descrita nos pontos de facto não provados que seguidamente se transcrevem:
10
O autor respondia disciplinarmente perante os seus superiores hierárquicos.
11
Perante os quais, no caso de se verificar alguma infracção aos seus deveres laborais, teria que responder.”.
Ora, como já se decidiu no primeiro acórdão do Tribunal da Relação proferido nestes autos, o conceito de “poder disciplinar” é um conceito jurídico cuja possibilidade de exercício só pode ser objecto de apreciação de direito e não de facto, razão pela qual encerra uma evidente conclusão jurídica a afirmação de que alguém está sujeito, ou não, ao poder disciplinar exercido por outrem.
Como assim, não pode dar-se como provado o descrito nos transcritos pontos 10º e 11º.
Δ
[…]
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Quinta questão: se a relação entre o autor e a ré pode ser qualificada como sendo de trabalho subordinado e, na afirmativa, que consequências daí decorrem no que concerne às pretensões deduzidas pelo autor à luz do enquadramento jurídico dos factos provados.

5.
5.1. Está em causa apurar, no âmbito desta questão, se a relação contratual entre o indigitado trabalhador e a ré pode ou não qualificar-se como sendo de trabalho subordinado.
Importa traçar, assim, ainda que sumariamente, a distinção entre esses dois institutos.
A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definidos, respectivamente, nos artigos 1152.º e 1154.º do CC, assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
Assim, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.
Porém, através do critério do objecto do contrato, nem sempre surge com nitidez a distinção entre as duas figuras, já que, frequentemente, não se consegue determinar se a obrigação assumida foi a de “prestar uma actividade intelectual ou manual”, própria do contrato de trabalho, ou se obrigação consiste em “proporcionar certo resultado do trabalho intelectual ou manual”, própria do contrato de prestação de serviço – todo o trabalho visa a obtenção de um resultado e este não existe sem aquele.
Por isso, em última análise, é o relacionamento entre as partes – a subordinação ou autonomia – que permite atingir aquela distinção.
Δ
5.2. Importa notar, num segundo momento, que é hoje praticamente unânime o entendimento de que o exercício de funções de docência universitária em instituições do ensino superior privadas pode ser levado a efeito tanto ao abrigo de um contrato de prestação de serviço como de um contrato de trabalho subordinado – neste sentido, apenas a título exemplificativo, António José Moreira, Contrato de Docência, VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho - Memórias, Almedina, pp. 215 e ss, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2003, proferido no processo 03S2652, de 10/9/2008, proferido no processo 2444/07, de 22/9/2010, proferido no processo 4401/04.7TTLSB.S1, de 25/6/2015, proferido no processo 868/12.8TTVNF.P1.S1; pode consultar-se outra jurisprudência indicada por Abílio Neto, Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados, 2.ª Edição, pp. 72 a 83.
Δ
5.3. Importa esclarecer, ainda, que na situação em apreço a relação profissional entre o autor e a ré se iniciou em Setembro de 2008, portanto, em pleno âmbito de vigência do art. 12º do Código do Trabalho de 2003, na sua redacção decorrente da Lei 9/2006, de 20/3, e nos termos da qual “Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.”.
Como assim, partindo do entendimento de que as presunções de laboralidade consagradas nos CT/2003 e CT/2009 só se aplicam aos factos novos, ou seja, às relações jurídicas constituídas após o início das suas vigências, não tem aplicação à situação em apreço a presunção de laboralidade consagrada no art. 12º do CT/2009, nem a que emergia da redacção originária do CT/2003 – em sentido conforme ao acabado de sustentar, podem consultar-se os acórdãos do STJ de 22/9/2010, proferido no processo 4401/04.7 TTLSB.S1, de 14/1/2009, proferidos nos processos 2578/08 e 2278/08, de 5/2/2009, proferido no processo 2548/08, de 22/4/2009 proferido no processo 08S3045, de 2/5/07, proferido no processo SJ200705020043684, de 17/10/07 proferido no processo SJ200710170021874, de 16/9/2008 proferido no processo SJ20080916003214, da Relação de Lisboa, de 4/5/2011 proferido no apelação 4929/07.7TTLSB.L1-4, da Relação de Coimbra, proferidos no âmbito das apelações 73/10.8TTGRD, 247/10.1TTVIS.C1, 288/11.1T4AVR.C1 e 1497/10.6TTCBR.C1.
A significar que a norma a ter em consideração para os efeitos em apreço é a decorrente da redacção conferida ao art. 12º do CT/2003 pela Lei 9/2006, de 20/3, sendo que como decorre dos próprios termos literais dessa redacção os factos base da presunção que nela se pretendeu consagrar coincidiam integralmente com os factos cuja conclusão se pretendia alcançar com a prova dos primeiros, acrescendo-lhes mais alguns (a dependência do beneficiário da actividade e a inserção na estrutura organizativa deste)[7], razão pela qual não está aqui em causa uma verdadeira presunção de que o autor pudesse beneficiar, competindo-lhe o ónus de alegação e prova de todos os factos integradores dos elementos constitutivos do conceito de contrato de trabalho (art. 342º/1 do CC).
+
5.4. Volvendo à situação em apreço e aos factos dados como provados, é de concluir no sentido de que esses factos não permitem sustentar que a relação contratual que se constituiu e prolongou entre o autor e a ré foi de trabalho subordinado.
Na verdade, a tal qualificação opõe-se, desde logo, o clausulado nos instrumentos jurídicos outorgados para dar suporte formal a tal relação, aos quais foi atribuída uma designação distinta da de contrato de trabalho (contrato de docência), dos quais não consta a mínima referência à sujeição do autor ao poder de direcção e fiscalização da ré, e nos termos dos quais: i) o autor não ficava dependente da direcção da ré, nem lhe ficava subordinado, aceitando o autor, apenas, meras orientações dos órgãos académicos competentes, no quadro da autonomia universitária (cláusula 1ª/5/6); ii) foi instituído um regime de rescisão e de caducidade completamente diferentes do que rege o contrato de trabalho, admitindo-se, por exemplo, a possibilidade de rescisão do contrato por parte da ré, a todo tempo, quando os serviços académicos entendessem dispensar o serviço docente do autor, assim como a caducidade do contrato decorrente da mera circunstância de ao autor não ser atribuída actividade docente durante um ano (cláusula 5ª); iii) foi instituído um regime que admitia a variabilidade remuneratória, positiva ou negativa, em função de uma tabela anual de retribuição, o que se mostra parcialmente desconforme com o princípio da irredutibilidade da retribuição que rege em matéria de trabalho subordinado (cláusula 4ª); iv) foi instituído um regime de fixação do período semanal de docência em que tinha de ser levada em consideração as conveniências do autor, facto que claramente contraria a subordinação típica do contrato de trabalho e o poder de conformação do tempo de trabalho do trabalhador por parte do empregador que constitui uma das principais características daquela subordinação (cláusula 3ª).
Com efeito, se é certo que os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são (João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2ª edição, p. 72), o “nomen iuris” aposto nos contratos e o concreto regime contratual neles fixado não pode deixar se ser ponderado na determinação da sua concreta natureza jurídica, designadamente nos casos em que, como na situação presente ocorre, os outorgantes são pessoas esclarecidas e apresentam um nível cultural que lhes permita ter uma percepção, ainda que mínima, da natureza desse vínculo contratual e do respectivo regime.
Assim sendo, sendo o autor docente universitário e a ré uma cooperativa de ensino, nada permite concluir que as partes outorgaram num contrato distinto daquele que realmente pretendiam celebrar.
Bem pelo contrário, pois que o nível cultural e de conhecimentos inerente à profissão do autor e à sua condição académica, bem como a natureza da ré faz supor que os mesmos não desconheciam as implicações jurídicas decorrentes da outorga num contrato de prestação de serviço e que, por isso, realmente quiseram instituir entre eles uma relação jurídica dessa natureza em que o exercício das funções docentes por parte do autor se operaria sem sujeição do mesmo ao poder de direcção da ré.
Considerando agora a forma efectiva pela qual foi sendo executada a relação entre o autor e a ré, a conclusão vai no sentido de que os factos provados não permitem suportar a afirmação de que essa relação deva ser qualificada como de trabalho subordinado.
Com efeito, a subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um destino concreto à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar e disciplinar.
A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica.
A subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e/ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade - estão aqui em causa os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização) a que se aludem, por exemplo, nos acórdãos do STJ de 19/12/2012, proferido no âmbito do processo 247/10.4TTVIS.C1.S1., de 12/9/2012, proferido no processo 247/10.4TTVIS.C1.S1, de  9/2/2012, proferido no âmbito do processo 2178/07.3TTLSB.L1.S1, e de 5/11/2013, proferido no âmbito do processo 195/11.8TTCBR.C1.S1, de 27/11/2007, proferido no processo 07S2911, de 29/11/2006, proferido no processo 06S1960; cfr. também, acórdão da Relação do Porto de 7/4/2014, proferido no processo 214/09.8TTPRT.P1.
Esclareça-se, por fim, que a subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador, como sucede, por exemplo e com relevo para a situação em apreço, com a actividade docente.
Visto quanto vem de referir-se, afigura-se-nos que os factos dados como provados não apontam inequivocamente para uma situação de subordinação do autor à ré.

Comece por dizer-se que o autor leccionou aulas com total autonomia científica e pedagógica (pontos 14º e 63º dos factos provados), como é típico suceder numa relação de prestação de serviço.

Dando por assente que a actividade de um docente não se limita à leccionação de aulas e que importa não confundir os conceitos de horário de trabalho[8] e de horários de leccionação[9], não resulta dos factos provados que o autor estivesse sujeito a um horário de trabalho, como era suposto acontecer numa relação de trabalho subordinado.

Por outro lado, os horários de leccionação do autor eram fixados por acordo com ele e nunca foram unilateralmente determinados pela ré (pontos 69º a 72º dos factos provados), sendo que nos casos de inexistência de acordo os períodos de leccionação destinados ao autor seriam distribuídos por outro docente (ponto 75º dos factos provados).

Além disso, o autor podia introduzir alterações pontuais nesses horários, sem necessidade de prévio consentimento da ré (ponto 73º dos factos provados).
Finalmente, fora dos períodos em que devesse estar ocupado com a docência, avaliação de alunos e participação nos órgãos académicos que integrasse, o autor era livre de marcar e gozar férias quando entendesse (ponto 121º dos factos provados).

Tudo a significar que o autor tinha ampla capacidade de intervenção na definição conformadora dos seus tempos de prestação da actividade a que se obrigou, bem assim como dos seus tempos de inactividade profissional, como é típico acontecer nas relações de mera prestação de serviço e não ocorre nas relações de trabalho subordinado.
O autor podia transferir aulas no caso de faltas previsíveis, compensá-las no caso de faltas imprevisíveis, além de poder fazer-se substituir na leccionação das aulas (pontos 112º a 114º dos factos provados), a significar inequivocamente que: i) não se registava a infungibilidade da prestação que é típica da relação de trabalho subordinado, com a consequente exclusão do carácter intuitu personae próprio do contrato de trabalho, bem como do dever de assiduidade próprio desse contrato; ii) à ré interessava sobretudo que as aulas fossem efectivamente dadas, mesmo que pontualmente o fossem por outrem que não o autor, ou seja, o que interessava à ré eram mais a prestação do serviço, o resultado, como é típico de uma relação de prestação de serviço.
O autor não estava obrigado a justificar as suas faltas (ponto 115º dos factos provados), como tipicamente sucede com um prestador de serviço, sendo que idêntica faculdade omissiva que não é reconhecida aos trabalhadores subordinados.

Não foi acordado entre o autor e a ré, nem nunca foi praticado, um período durante o qual o autor devesse manter-se ao serviço da ré ou disponível para lhe prestar serviço (pontos 76º e 77º dos factos provados), sendo que durante o período de férias escolares o autor não prestava à ré qualquer serviço, não estava obrigado a manter-se disponível para o prestar e nem se deslocava às suas instalações (pontos 119º, 120º e 123º dos factos provados).

A significar que o autor matinha integral e absoluto controlo sobre a sua disponibilidade para o desempenho profissional a que se propunha, o que é incompatível com o nexo de subordinação próprio do contrato de trabalho

A ré não exercia qualquer controlo sobre as horas de início e de fim das aulas leccionadas pelo autor, sendo este quem geria com plena autonomia esses períodos de leccionação (pontos 78º a 80º dos factos provados), podendo registar sumários correspondentes a aulas efectivamente não leccionadas (ponto 131º dos factos provados), regime manifestamente incongruente com o da subordinação própria do contrato de trabalho.

A distribuição do serviço docente ao autor e a calendarização das avaliações em que tinha de participar eram feitas com o acordo do autor (pontos 81º e 82º dos factos descritos como provados), sendo que naquela distribuição deveria ser considerada a disponibilidade do próprio autor (ponto 98º dos factos provados).

Assim, também a este nível o autor tinha primordial capacidade de interferência ao nível da conformação do tipo concreto e do quantum de serviço que lhe era distribuído, bem assim como do tempo de prestação, como é típico de uma relação de prestação de serviço e incongruente com uma relação de trabalho subordinado.

O autor podia, sem interferências da ré, leccionar as suas aulas fora das instalações disponibilizadas pela ré, podendo ocupar o tempo de aula em qualquer outro local com interesse para as matérias leccionadas (ponto 88º dos factos provados).

Por isso, o autor também tinha capacidade de interferência na determinação do concreto local onde poderia desenvolver a sua actividade docente, o que, mais uma vez, é típico de uma relação de prestação de serviço e incongruente com uma relação de trabalho subordinado
No que à remuneração respeita, temos que inicialmente a mesma estava indexada à carga horária atribuída ao autor, à razão de um dado valor por cada hora lectiva (pontos 27º e 28º dos factos provados), o que indiciava um pagamento à tarefa que é típico das relações de prestação de serviço.
Por outro lado, conquanto posteriormente tivesse sido acordada com o autor uma remuneração mensal de 2.500 euros, aquela indexação continuou a verificar-se pois que a remuneração poderia variar em função da carga horária lectiva semestralmente atribuída ao autor, podendo ser mesmo excluída no caso limite de não ser atribuída carga horária lectiva ao autor (pontos 12º, 95º e 96º dos factos provados).
De tudo emerge, assim, uma relação de proporcionalidade entre o valor da remuneração e a carga lectiva atribuída ao autor em cada momento, com a consequente variabilidade positiva ou negativa do valor da remuneração, como é típico de uma relação de prestação de serviço, e não uma relação entre a remuneração e a disponibilidade abstracta do autor para prestar a sua actividade docente, independentemente da duração concreta do tempo em que essa actividade fosse prestada e aquela disponibilidade se mantivesse, como seria próprio de uma relação de trabalho subordinado.
Não se olvida que a ré pagava ao autor a prestação remuneratória 14 vezes em cada ano (pontos 30º e 31º dos factos provados).
No entanto, importa a este respeito não perder de vista que: i) o pagamento da 13ª e 14ª prestação dependia do facto do autor ter tido serviço distribuído serviço nos dois semestres, sendo o montante das mesmas proporcional ao serviço prestado nesses semestres, regime retributivo este nada compatível com aquele que em sede de contrato de trabalho rege a disciplina dos subsídios de férias e de Natal; ii) as prestações mensais representavam uma parcela de uma avença anual ou semestral acordada entre o autor e a ré (pontos 100º a 103º dos factos provados), assim se percebendo, por exemplo, o pagamento de prestações retributivas em períodos de inactividade do estabelecimento da ré por férias escolares em que o autor nenhuma actividade prestava à ré.

É certo que o trabalhador exercia a sua actividade docente em estabelecimento da ré, utilizando equipamentos e instrumentos de trabalho disponibilizados pela ré (pontos 21º e 22º dos factos provados).

Porém, menos certo não é que as instalações e os equipamentos que a ré colocou à disposição do autor, foram, e ainda são, equipamentos e instalações de uso comum pela comunidade académica, tais como salas de aula, mesas, cadeiras, quadros, retroprojectores, sendo que o autor nunca teve gabinete, equipamento ou instrumentos para seu uso exclusivo, do mesmo modo que nunca teve um posto de trabalho próprio ou exclusivo, tendo tido apenas salas partilhadas e de uso comum (pontos 85º a 87º dos factos provados).
Por outro lado, sendo a actividade prestada pelo autor a da docência universitária, mal se concebe que as aulas fossem ministradas em instalações que não pertencessem à própria instituição de ensino, do mesmo modo que não se concebe que não seja a própria instituição de ensino a proporcionar os materiais, instrumentos e demais condições materiais para a leccionação e aprendizagem (v.g. salas de aula, biblioteca, apoio de pessoal auxiliar, etc).
Aliás, é das regras da experiência comum que os docentes (com contrato de trabalho ou de prestador de um serviço) normalmente devem leccionar nas salas de aula do respectivo estabelecimento de ensino e utilizam material ou equipamentos que lhe sejam disponibilizados para o efeito pela detentora do dito estabelecimento.

É exacto que o autor reportava directamente aos vários Directores de Curso e, indirectamente, aos restantes órgãos académicos, nomeadamente ao Reitor e ao Director da Faculdade, tendo durante a toda a prestação do trabalho obedecido a diversas ordens de serviço que lhe eram dadas, tais como as convocatórias para comparecer nas reuniões do Conselho Científico, reuniões com a Administração, com a Reitora (pontos 24º e 25º dos factos provados).

Exacto é, igualmente, que os órgãos da ULHT marcavam as suas próprias reuniões em que o autor deveria estar presente, e que o autor esteve presente em reuniões de curso e de cada ano do curso, em reuniões de departamento, reuniões do Conselho Científico, reuniões de preparação dos anos lectivos, reuniões de avaliação e reuniões sobre outros assuntos que envolviam a ULHT (pontos 18º e 19º dos factos provados).

Importa não perder de vista, no entanto, que o autor podia não comparecer a tais reuniões, sem qualquer consequência daí emergente (ponto 127º dos factos provados), sinal evidente da ausência de uma subordinação típica da relação de trabalho subordinado.
Por outro lado, compreende-se até que o autor reportasse aos órgãos académicos do estabelecimento de ensino em que leccionava e que autor tenha obedecido a algumas ordens de serviço, pois que: i) num domínio técnico-científico como o do ensino universitário, é exigível às entidades instituidoras dos estabelecimentos de ensino que garantam padrões mínimos de qualidade e organização no serviço que prestam, o que os obriga necessariamente a instituírem um conjunto normas de organização e de carácter académico sem a observância das quais aqueles padrões não podem ser alcançados, razão pela qual não pode deixar de reconhecer-se-lhes a faculdade de exigirem aos seus docentes o cumprimento de normas, sejam eles prestadores de serviço ou trabalhadores subordinados; ii) o incumprimento de certas coordenadas organizatórias ou determinados deveres académicos, como os parâmetros genéricos dos programas e a estrutura curricular estabelecidos pelos órgãos académicos da ULHT e aprovados pelo Ministério competente, teria por consequência a de o conteúdo das respectivas aulas não seria reconhecido oficialmente (ponto 62º dos factos provados).

De resto, a existência de contrato de prestação de serviço não é incompatível com a possibilidade de a parte que recebe a prestação poder emitir algumas directivas, instruções e orientações sobre o modo pelo qual pretende que a prestação seja executada, e com o exercício pelo mesmo de algum controlo sobre o modo como o serviço é prestado (v.g. acórdãos do STJ de 21/9/2000, proferido no processo 109/00, de 6/3/2002, proferido no processo 3664/01, de 30/4/2002, proferido no processo 4278/01, de 29/5/2002, proferido no processo 3441/01, e de 6/12/2006, proferido no processo 3318/06).

Demonstrou-se que a ré submeteu as retribuições pagas ao autor ao regime fiscal e contributivo próprio dos trabalhadores dependentes (ponto 32º dos factos provados).
No entanto, também se provou que assim ocorreu em cumprimento do acordo tripartido entre a Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado, a Inspecção Geral do Trabalho e a Inspecção-geral da Segurança Social relativo ao Regime Contributivo dos Docentes do Ensino Superior Privado e das Instituições de Ensino Superior Privado face à Segurança Social (pontos 125º e 126º dos factos provados), constando desse acordo, designadamente, que “… da integração dos docentes em qualquer um dos regimes contributivos vigentes não é por si definitivo para se concluir acerca da natureza jurídica do vínculo contratual.”, tendo sido aceite a aplicação do regime contributivo dos trabalhadores por conta de outrem aos designados “contratos de docência”, dele excluindo apenas as colaborações meramente pontuais – documento 5 junto com a contestação.

A participação do autor no Conselho Científico da Escola de Ciências Económicas e das Organizações (ponto 23º dos factos provados), nada releva para efeitos de se considerar que existia uma relação de subordinação do autor à ré, tanto mais quanto é certo que o exercício de cargos nos órgãos académicos é de adesão voluntária (ponto 130º dos factos provados).

A avaliação a que o autor foi sujeito também não fundamenta a conclusão de que se está perante uma relação de trabalho subordinado, tendo em conta que o prestador de serviços também pode ser avaliado no seu desempenho prestativo pelo credor da prestação, além de que estava aqui em causa auto-avaliação e a avaliação feita pelos alunos (ponto 26º dos factos provados).

Não resulta dos factos provados que o autor dependesse economicamente da ré, tanto mais que deles também não resulta que o autor exercesse a docência para a ré em regime de exclusividade.

Também não resultou provado que em relação ao autor a ré: i) exercesse qualquer controlo de assiduidade ou de pontualidade; ii) tenha exercido prerrogativas disciplinares.

Igualmente não resulta provado que o autor integrasse a estrutura organizativa da ré.

Tudo ponderado de forma global, entendemos que o autor não logrou demonstrar, como só a ele competia (art. 342º/1 do CC), factos dos quais resulte que o mesmo se encontrava, no desempenho da actividade a que se obrigou, juridicamente subordinado ao poder de direcção e conformação da ré, razão pela qual não pode reconhecer-se que a relação entre eles instituída era de trabalho subordinado.

De resto, o STJ já foi chamado a pronunciar-se sobre situações com contornos idênticos aos dos presentes autos, tendo decidido em sentido idêntico ao que acabou de sustentar-se.

Recorde-se aqui o acórdão de 20/10/2011, proferido no processo 9/11.9YFLSB, e de cujo sumário se extrai o seguinte:
Tendo-se provado que os autores desenvolviam a sua actividade profissional em favor da ré com elevado grau de autonomia e a respectiva retribuição variava consoante a carga horária que lhes era atribuída, não decorrendo da matéria de facto apurada que as partes se tivessem vinculado a um número mínimo de horas lectivas, regime totalmente incompatível com a existência de um contrato de trabalho subordinado, que pressupõe a remuneração da actividade prestada, ainda que seja a mínima legalmente garantida, é de concluir que somente interessava à ré a produção de um resultado — a leccionação das aulas que se mostrassem necessárias, havendo alunos — e não a actividade dos autores.”.
Recorde-se, igualmente, o acórdão 25/3/2009, proferido no processo 08S3052, de cujo sumário consta o seguinte:
Não pode qualificar-se como contrato de trabalho o negócio jurídico celebrado entre um professor e uma instituição universitária, demonstrando-se na situação sub specie que a remuneração paga variava consoante a carga horária semanal decorrente da actividade da docência, havendo, inclusivamente, períodos temporais em que, inexistindo tal carga, não veio o professor a perceber qualquer remuneração, sendo que esta era unicamente percebida em função das aulas efectivamente dadas e que o professor sabia que a carga horária que sobre si impendia poderia ser aumentada, reduzida ou excluída e, consequentemente, respectivamente aumentada, reduzida ou excluída a sua remuneração, não se tendo provado que as partes se desejaram vincular a um mínimo de leccionação e não constando dos negócios jurídicos formalizados asserções de onde decorresse uma inequívoca vontade de lhes conferir cariz laboral.”.

Como assim, deve ser confirmada a sentença apelada.

*
IV - Decisão

Acordam os juízes que integram esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o autor.
Coimbra, 15/9/2017.
*
 (Jorge Manuel Loureiro)

 (Ramalho Pinto)

 (Felizardo Paiva)

Não pode qualificar-se como contrato de trabalho o negócio jurídico celebrado entre um professor e uma instituição universitária, denominado contrato de docência e com um regime contratual mais afim do contrato de prestação de serviço do que do contrato de trabalho, demonstrando-se, designadamente, que a remuneração paga variava consoante a carga horária atribuída ao docente, que a carga horária poderia ser aumentada, reduzida ou excluída por iniciativa unilateral da instituição universitária, com o consequente aumento, redução ou exclusão da sua remuneração, não se tendo provado que as partes se desejaram vincular a um número mínimo de horas lectivas e não constando dos negócios jurídicos formalizados asserções de onde decorresse uma inequívoca vontade de lhes conferir cariz laboral.

(Jorge Manuel Loureiro)


[1] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume 5º, p. 141, Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. edição, p. 671, Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p. 670, Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, p. 246, Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, pp. 36 e 37; acórdãos do STJ de 23/11/2006, proferido no processo 06B4007, e da Relação de Évora de 19/01/2012, proferido no processo 1458/08.5TBSTB, e de 19/12/2013, proferido no processo 538/09.4TBELV.
[2] Neste sentido, acórdão do STJ de 1/7/2009, proferido no processo 3445/08, ainda à luz do art. 660º/2 do anterior CPC (VCPC).
[3] Sem qualquer espécie de menção a subsídios de férias ou de Natal.
[4] Sem qualquer espécie de menção a subsídios de férias ou de Natal.
[5] Sem qualquer espécie de menção a subsídios de férias ou de Natal.
[6] Sem qualquer espécie de menção a subsídios de férias ou de Natal.
[7] Vide João Leal Amado, O contrato de trabalho entre a presunção legal de laboralidade e o presumível desacerto legislativo, in Temas Laborais 2, Coimbra, 2007, pp. 9 e ss..
[8] Referentes ao início e termo do período de trabalho do docente, lectivo ou não lectivo.
[9] Referentes aos períodos em que o docente deve estar ocupado na leccionação de aulas.