Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
150/07.2TBCBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: CAUÇÃO
RECURSO
EFEITO SUSPENSIVO
LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
GARANTIA
Data do Acordão: 02/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 647 Nº4, 650 CPC, 623, 624, 710 CC
Sumário: 1. Não podendo o apelado obter a execução provisória da sentença, mormente na situação do art.º 647º, n.º 4 do CPC de 2013 (art.º 692º, n.º 4 do CPC de 1961) - efeito suspensivo atribuído ao recurso -, a fixação de caução tem por objectivo assegurar o cumprimento da obrigação, por parte do condenado, pelo que o respectivo montante deve equivaler ao “quantitativo provável do crédito”, atendendo-se, pois, às quantias líquidas e ilíquidas em que o devedor foi condenado.

2. Considerando que a função da caução não se esgota na suspensão dos efeitos do recurso, destinando-se a garantir o cumprimento, por parte do apelante/devedor, da obrigação em que foi condenado - tanto a parte líquida, como a parte ilíquida -, teremos necessariamente de concluir que a sua finalidade permanece actual (não se esgotou) e que o direito que ela visa acautelar no que se refere à parte ilíquida ainda não se mostra acautelado, se, tendo sido pago o montante líquido da condenação em execução de sentença julgada extinta, falta ainda fixar/concretizar o restante objecto da condenação no respectivo incidente de liquidação de sentença.

Decisão Texto Integral:            

           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

           

            I. No Incidente de Liquidação em que são, A., S (…), Lda., e, Réus, B (…) Lda. e P (…)[1], pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, em 05.6.2017, a Mm.ª Juíza a quo proferiu o seguinte despacho:

            « (…) vieram os réus (…) requerer que seja ordenado o cancelamento da caução prestada através de garantia bancária (…), uma vez que se mostra esgotado o efeito útil para o qual foi prestada, designadamente para os efeitos previstos no n.º 4 do actual art.º 647º do CPC.[2]

            Notificada a parte contrária, veio a autora (…) pugnar pelo não levantamento da caução (…).

            Compulsados os presentes autos constata-se que na sequência do recurso interposto da decisão final proferida nos autos os réus (…) vieram requerer que àquele fosse atribuído efeito suspensivo mediante a prestação de caução, o que foi deferido (…).

            Tal caução veio a ser prestada no apenso C através de garantia bancária (…) no valor de 350 000€ (…), vindo a ser atribuído o requerido efeito suspensivo (…).

            A decisão de primeira instância veio a ser confirmada (…), tendo transitado em julgado.

            Foi instaurada execução no que se refere à quantia já liquidada na sentença, a qual foi julgada extinta pelo pagamento e instaurado o presente incidente de liquidação no que se refere à condenação pelos prejuízos a liquidar em execução de sentença.

            (…) A prestação de caução em apreço foi-o nos termos do disposto pelo n.º 4 do art.º 692º do anterior CPC (…)

            Conforme se depreende do normativo em epígrafe o objectivo da prestação da caução na perspectiva do apelante foi o de evitar a execução imediata da decisão proferida em 1ª instância e até ao seu trânsito em julgado, ou seja, até decisão final do recurso interposto.

            Embora a caução tenha esta finalidade essencial, ela aproveita reflexamente ao credor, que por ela vê assegurada a satisfação de um crédito que deixou de poder dar à execução na pendência do recurso, uma vez que se assinala à caução também a função de garantir ao credor a satisfação do seu crédito, já reconhecido na sentença apelada, se e na medida em que sobrevive decisão ulterior confirmatória do julgado.

            Conforme tem vindo a ser entendido na jurisprudência, mormente fixada no Ac. n.º 6/2006 de 24.10.2006 in DR n.º 205/2006, Série I da referida data, embora em sede do Código de Processo de Trabalho: «O montante da caução que a parte vencida tem a faculdade de prestar, nos termos do artigo 79º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho de 1981, para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, deve corresponder ao quantitativo provável do crédito, abrangendo quer a parte líquida quer a parte ilíquida da condenação

            São ainda vários os arestos dos tribunais superiores a firmar jurisprudência no sentido de que a caução nesse caso deverá também abranger o cálculo provável da obrigação ilíquida da condenação (…).

            Importa ademais referir que na fixação da caução o despacho proferido em 1ª instância teve em consideração tanto a parte líquida do segmento condenatório, como a parte ilíquida - veja-se que o valor da condenação liquidada era de 147 207,52€ e a caução foi fixada em 350 000€.

            (…)

            Assim, cumpre aferir se transitada em julgado a decisão e paga a quantia exequenda em sede do processo executivo instaurado, se mostra esgotado o objectivo da caução prestada pelos RR (requeridos) ou ao invés encontrando-se ainda pendente o incidente de liquidação de sentença aquela deverá manter-se até ao cumprimento.

            (…) a função da caução não se restringe a assegurar o efeito suspensivo do recurso, mas também a de assegurar o cumprimento (pagamento) da obrigação por parte dos já condenados judicialmente (…) e daí que face a essa sua função se exija que o valor a caucionar corresponda à globalidade da condenação (liquida e ilíquida) sob pena de tal garantia não funcionar plenamente.

            Tal dupla finalidade tanto se verifica no caso em que é o apelante (vencido) a requerer efeito suspensivo com a prestação de caução - art.º 692º, n.º 4 do CPC anterior - como nos casos em que é o apelado a requerer a prestação de caução sempre que não queira ou não possa obter a execução provisória da sentença (desde que não esteja já garantido por hipoteca judicial) - artigo 693º, n.º 2 do CPC.

            Em qualquer um dos casos a caução visa assegurar o cumprimento da obrigação equiparando-se à hipoteca judicial.

            (…)

            Ora, aqui chegados, considerando que a função da caução não se esgota na suspensão dos efeitos do recurso, mas assume para além do mais uma finalidade de garantia de molde a assegurar o pagamento do montante objecto da condenação na acção declarativa, quer quanto à sua parte líquida, quer quanto à sua parte ilíquida, teremos necessariamente de concluir, que a sua finalidade, in casu, ainda não se mostra esgotada, porquanto, o direito que ela visa acautelar no que se refere à parte ilíquida ainda não se mostra acautelado, o que só ocorrerá na sequência do respectivo cumprimento da obrigação, que para tal terá que ser previamente fixada em sede da liquidação de sentença que ora decorre.

            Nesta conformidade, inexistindo fundamento para a sua extinção indefere-se o requerido levantamento da caução prestada. (…)»
Inconformados, os Réus apelaram formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Atento o disposto no n.º 4 do actual art.º 647º e no n.º 6 do actual art.º 704º do CPC, a caução aqui em causa serve para suspender a execução da sentença na pendência do recurso e para acautelar o crédito do recorrido que este não pôde “dar à execução” nessa pendência, o mesmo é dizer que assegura apenas a parte líquida da condenação porque só esta era exequível.

            2ª - O que se disse no despacho que admitiu a prestação da caução actualmente em vigor e fixou o respectivo valor foi literalmente o seguinte: “…a verdade é que só os juros sobre os valores já liquidados na sentença ascendem já neste momento a quase € 50 000.// Assim, o valor da caução fixado em 2009 (fls. 2302) não pode deixar de ser actualizado, considerando uma taxa de juro de 4 %, e mais 3 anos de pendência da acção.”

            Não tem assim fundamento a decisão recorrida quando diz que a caução em causa foi fixada para garantia da parte ilíquida da condenação.

            3ª - A iliquidez da obrigação que foi objecto da condenação não é imputável aos aqui Réus, acrescendo que a demora na respectiva liquidação é imputável apenas à A. que só deduziu o incidente de liquidação mais de um ano depois de proferido o acórdão do STJ que pôs fim ao processo.

            4ª - Tendo sido já instaurada pela A. acção executiva cuja extinção pelo pagamento está demonstrada, impõe o n.º 3 do art.º 650º, que estabelece o regime jurídico aplicável ao caso dos autos, a libertação da caução.

            5ª - Pois “…estando paga a quantia exequenda, na parte em que a obrigação exequenda se apresentava como líquida, e tendo sido declarada extinta a execução na parte restante da execução, deixou de existir motivo, que justificava a prestação de caução, para se continuar a garantir o direito de crédito exequendo.”

            “Para além de esgotada, em concreto, a sua função de garantia, a manutenção da caução obrigava ainda a pessoa que a prestou a suportar os respectivos encargos, para mais tratando-se de uma garantia bancária e por elevado valor, onerando-a em termos que podem ser considerados como injustos.

            Tal situação, sendo inexigível, não é consentida pelo direito.”

            6ª - Em qualquer caso, estando demonstrada a extinção da obrigação exequível, liquidada pela A. em € 183 144,05[3], é por demais evidente que sempre teria de ser autorizada a correspondente redução da garantia por igual montante.

            Remata dizendo que deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que defira o pedido de levantamento da caução ou, se assim não se entender, ordene a redução da caução e da garantia bancária emitida para € 166 855,95.

            A A. respondeu à alegação concluindo pela improcedência do recurso.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir se está esgotado o objectivo da caução prestada pelos Réus/requeridos ou, encontrando-se pendente o incidente de liquidação de sentença, deverá manter-se até ao cumprimento.


*

            II. 1. Para a decisão releva o que decorre do antecedente relatório e ainda o seguinte: [4]

            a) Na execução de sentença movida por S (…) Lda., contra B (…)  Lda. e P (…)  (Processo n.º 1314/15.0T8CBR), instaurada em 05.02.2015, foi indicado o valor de € 174 422,90, atenta a sentença proferida em 06.7.2012 nos autos principais determinando a condenação dos Réus/requeridos a pagarem à A./requerida, entre outras, as seguintes quantias: “(…) o montante de € 31 526,97, correspondente ao diferencial entre o valor devido e o que foi pago a título de remunerações até à data da resolução do contrato, (…) acrescido de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação dos RR., até efectivo e integral pagamento (“v”); (…) os lucros cessantes que a mesma (A. ) deixou de auferir desde a data da resolução do contrato até à efectiva entrega do restaurante, cifrando-se os mesmos, até Novembro de 2006, em € 115 680,55 (“vi”).

               b) Na mesma sentença os Réus foram também condenados a, nomeadamente, pagarem aos AA. a indemnização que se vier a apurar em incidente de liquidação correspondente ao prejuízo que a A. tenha sofrido desde a data da resolução do contrato até à entrega do restaurante, decorrente da lesão causada ao Sistema M (...) e às marcas e insígnias que lhe estão associadas, em virtude de ter prosseguido a actividade do restaurante a partir de 10.3.2006 (vii).[5]

            c) O valor da quantia (dívida) exequenda, à data da instauração da execução, correspondia às seguintes parcelas: € 31 526,97 (valor liquidado na sentença); € 21 816,10 (juros de mora desde 01.02.2007 até 05.02.2015); € 115 680,55 (lucros cessantes referidos em a)) e € 5 399,28 (juros de mora desde 16.6.2014 – data do trânsito do acórdão do STJ – até 05.02.2015).

            d) A exequente pediu ainda o pagamento dos juros vincendos, calculados à taxa legal supletiva de que sejam titulares empresas comerciais, até efectivo e integral pagamento, devendo tal liquidação ser feita, a final, pelo Agente de Execução (art.º 716º, n.º 2 do CPC).

            e) Por despacho de 30.10.2012, proferido nos autos principais, foi admitida a prestação de caução pelos recorrentes/Réus “com vista a ser declarado como suspensivo o efeito do recurso”, no montante de € 350 000, a prestar em 10 dias, por garantia bancária, sem prazo de validade e à primeira solicitação do tribunal (´on first demand`), tendo-se então ponderando, além do mais, que “em caso de encerramento do estabelecimento, os RR., sobretudo a Ré, perde a sua única fonte de rendimentos” e “não havendo lugar para ponderar outros interesses, mormente os da contraparte, e por muito que a demora do pleito (…) também lhe acarrete, necessariamente, prejuízos, entende a lei que, com a prestação de caução, ficarão estes salvaguardados”.

            f) A referida caução/garantia bancária, emitida pela Caixa (…) em 02.11.2012 e “destinada a garantir as responsabilidades que possam derivar da decisão final do processo n.º 150/07.2TBCBR para qualquer dos Réus no supra identificado processo” (sic), foi julgada validamente prestada por despacho de 11.12.2012.

            g) Nos autos de execução supra referidos, o Mm.º Juiz declarou que “a competência para apreciar as questões relativas a tal caução” pertencia “à acção declarativa que conheceu da mesma e não a esta acção executiva”.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Preceituava o art.º 692º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC) de 1961, na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24.8, que fora os casos previstos no n.º 3 do mesmo art.º [não aplicável à situação dos autos], a parte vencida podia requerer, “ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal[6].

            Nos termos do art.º 650º do CPC de 2013 (sob a epígrafe “caução”), se a caução tiver sido prestada por fiança, garantia bancária ou seguro-caução, a mesma mantém-se até ao trânsito em julgado da decisão final proferida no último recurso interposto, só podendo ser libertada em caso de absolvição do pedido ou, tendo a parte sido condenada, provando que cumpriu a obrigação no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado (n.º 3); no caso previsto na segunda parte do número anterior, se não tiver sido feita a prova do cumprimento de obrigação no prazo aí referido, será notificada a entidade que prestou a caução para entregar o montante da mesma à parte beneficiária, aplicando-se, em caso de incumprimento e com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 777º, servindo de título executivo a notificação efectuada pelo tribunal (n.º 4).

            Aquele primeiro normativo foi aplicado no enquadramento fáctico aludido em II. 1. e), supra.

            3. No seu sentido corrente, a caução designa a entrega feita por uma das partes à outra de certa quantidade de coisas móveis (fungíveis ou não fungíveis) para garantia da cobertura do dano proveniente do não cumprimento de determinada obrigação.

            No seu significado mais amplo, a caução é sinónimo de segurança ou de garantia especial da obrigação e serve para abranger genericamente todos os casos em que a lei ou a estipulação das partes exige a prestação de qualquer garantia especial ao credor, sem determinação da sua espécie (cf. os art.ºs 623º e 624º do Código Civil/CC).[7]

            À prestação de caução, enquanto garantia especial das obrigações, são associadas finalidades como a de prevenir o incumprimento de obrigações que possam vir a ser assumidas por quem exerce determinadas funções, como requisito de exercício de um determinado direito, ou para afastar o direito de outra parte.

            Por sua vez, à prestação de caução como condição para a suspensão da execução, como efeito dos embargos de executado à mesma deduzida, a jurisprudência tem-lhe atribuído finalidades específicas que vão além da garantia de pagamento da quantia exequenda, e que visam colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da acção executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras que delapidem o património durante o tempo da suspensão.[8]

            4. In casu, a caução foi oferecida pelos apelantes/requeridos para obstar à imediata execução da sentença em que foram condenados, até decisão definitiva do recurso por eles interposto.

            Contudo, a função da caução não se esgota na dita suspensão (efeito suspensivo do recurso), ela visa ainda garantir ou assegurar o pagamento do montante objecto da condenação na acção declarativa - destina-se ainda a garantir o cumprimento duma obrigação, finalidade que subsiste até que a obrigação se mostre cumprida.

            A caução visa, pois, não só suspender o recurso mas também garantir um crédito, sendo que é sobretudo esta segunda perspectiva/finalidade (garantia do crédito) que releva para a apreciação da situação em análise - prestada a caução e confirmada a decisão, fica o credor/apelado com o direito a fazer valer essa garantia de cumprimento da obrigação.[9]

            5. Em idêntica linha de entendimento, também no domínio de aplicação do CPC de 1961, defendeu-se com relevância para a ponderação do caso vertente: tendo existido recurso de uma decisão condenatória, o apelado, não podendo obter a execução provisória da sentença (dado o efeito suspensivo atribuído ao recurso) pode requerer que o apelante preste caução, a não ser que o crédito esteja já garantido por hipoteca judicial; a fixação de caução tem aqui por objectivo assegurar o cumprimento da obrigação, por parte do condenado/obrigado judicialmente; equipara a lei a caução, quanto às finalidades, à hipoteca judicial (art.º 693° n.º 2 do CPC de 1961), isto, porque tanto uma como outra visam assegurar ou garantir o cumprimento da obrigação por parte do devedor - no caso da hipoteca judicial, a lei permite o seu registo pelo quantitativo provável do crédito (art.º 710° n.º 2 do CC) o que é o mesmo que dizer-se que, em caso de condenações em quantias ilíquidas, o registo da hipoteca pode fazer-se pela soma presumível do crédito; existindo a aludida equiparação entre a hipoteca judicial e a caução, o art.º 710° n.º 2 do CC indica-nos o caminho a seguir, em relação ao montante sobre que deve incidir a caução, quanto à quantia ilíquida (em paralelismo com o que estabelece para a hipoteca judicial o montante da caução, nesse âmbito, deve equivaler ao “quantitativo provável do crédito”, atendendo-se, pois, não só às quantias líquidas em que o devedor foi condenado, mas também às quantias ilíquidas objecto da mesma condenação, correspondentes ao quantitativo provável do crédito).

            6. No caso em análise não se equaciona a aplicação do art.º 704º, n.º 6 do CPC - que dispõe “Tendo havido condenação genérica (…) a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade na parte que seja líquida…” - mas, apenas, se a caução prestada deve permanecer para assegurar a efectividade da condenação na acção declarativa no montante a liquidar.

            Decorre dos autos que, na fixação da caução, o despacho proferido em 1ª instância teve em consideração tanto a parte líquida do segmento condenatório, como a parte ilíquida.

            Naturalmente, a parte ilíquida foi estimada atentos os elementos disponíveis, relevando para a fixação do montante global a garantir por via da prestação de caução [cf. II. 1. c) e e), supra].

            7. Como vimos, prevenindo a hipótese de improcedência da pretensão primeiramente deduzida nesta apelação, requereram os recorrentes a eventual redução da caução (com o cancelamento parcial da correspondente garantia bancária), problemática que não poderá/deverá ser aqui dilucidada, na medida em que, por um lado, integra matéria não submetida a contraditório e a prévia apreciação do tribunal recorrido, e, por outro lado, sempre faltariam, nestes autos, os elementos necessários a uma adequada quantificação da quantia ainda devida (a liquidar no incidente de liquidação), desconhecendo-se, desde logo, se a importância a liquidar tem por limite a diferença entre o valor total da caução e a importância já liquidada e paga (na execução entretanto extinta por pagamento[11]).

            8. Não sendo de aplicar o procedimento previsto no art.º 650º, n.ºs 3 e 4 do CPC e porque a caução prestada tem como objectivo garantir, tanto a parte líquida, como a parte ilíquida da condenação - destina-se a garantir o cumprimento, por parte do apelante, da obrigação em que foi condenado[12] [veja-se o conteúdo da garantia aludido em II. 1. f), supra] -, deverá a mesma manter-se, pelo menos, até ao trânsito em julgado da decisão que julgar o incidente de liquidação.

            Por conseguinte, transitada em julgado a decisão e paga a quantia exequenda no processo executivo instaurado, não ficou esgotado o objectivo da caução prestada pelos Réus - encontrando-se ainda pendente o incidente de liquidação de sentença aquela deverá manter-se até ao cumprimento.

            É, pois, inteiramente correcta a derradeira asserção da decisão recorrida: considerando que a função da caução não se esgota na suspensão dos efeitos do recurso, mas assume para além do mais uma finalidade de garantia de molde a assegurar o pagamento do montante objecto da condenação na acção declarativa, quer quanto à sua parte líquida, quer quanto à sua parte ilíquida, teremos necessariamente de concluir, que a sua finalidade, in casu, ainda não se mostra esgotada, porquanto, o direito que ela visa acautelar no que se refere à parte ilíquida ainda não se mostra acautelado, o que só ocorrerá na sequência do respectivo cumprimento da obrigação, que para tal terá que ser previamente fixada em sede da liquidação de sentença que ora decorre.

            9. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

            III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pelos Réus/apelantes.


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27.02.2018

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço


           


[1] Cf. a certidão de fls. 19.
[2] Requerimento dos Réus/requeridos, de 14.10.2016, reproduzido a fls. 24 e seguintes.
[3] Cf. o documento de fls. 6 verso e seguinte.
[4] Cf. os documentos de fls. 6 verso e 8 e as certidões de 19 e 30.
[5] Este facto resulta da conjugação dos elementos do presente apenso, inclusive o alegado na “resposta” à alegação de recurso (fls. 12).

[6] A que corresponde o art.º 647º, n.º 4 do CPC de 2013, com a seguinte redacção: “Fora dos casos previstos no número anterior, o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efectiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal.
[7] Vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, reimpressão da 7ª edição, Almedina, 2004, págs. 471 e seguinte.
[8] Cf., entre outros, os acórdãos da RC de 25.10.1994 e de 05.5.2015-processo 505/13.3TBMMV-B.C1, in CJ, XIX, 5, 32 e “site” da dgsi, respectivamente.
[9] Cf. o acórdão da RP de 18.01.2010-processo 667/09.4TVPRT-B.P1 [assim sumariado: “Após o trânsito em julgado da sentença cujo recurso teve efeito suspensivo em virtude de caução prestada, não há que recorrer previamente a um processo executivo para se obter o pagamento do condenado/devedor através da dita caução, bastando notificar o garante para colocar o dinheiro à ordem do Tribunal”; esta, de resto, a solução consagrada nos preceitos inovadores dos n.ºs 3 e 4 do art.º 650º, do CPC de 2013], publicado no “site” da dgsi.

[10]Cf. o acórdão da RC de 04.5.2004-processo 1094/04, publicado no “site” da dgsi.

   Este o entendimento também adoptado no acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2006, de 13.9.2006-processo 05S1053/Secção Social, publicado no DR, 1ª série, de 24.10.2006 e no “site” da dgsi, com a seguinte orientação: "O montante da caução que a parte vencida tem a faculdade de prestar, nos termos do artigo 79º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, para obter o efeito suspensivo do recurso de apelação, deve corresponder ao quantitativo provável do crédito, abrangendo, quer a parte líquida, quer a parte ilíquida da condenação". Aí se argumentou ou defendeu, designadamente: a semelhança de regimes entre o Código de Processo Civil e o Código de Processo do Trabalho, sendo que a prestação de caução visa assegurar o cumprimento da obrigação, sempre que o apelado não possa (ou não queira) executar provisoriamente a decisão sob recurso; que à semelhança do que acontece com a parte líquida, também a ilíquida pode ser objecto de execução provisória, desde que efectuada a liquidação prévia; para os casos em que exista só condenação ilíquida e o recorrido pretenda ver atribuído ao recurso efeito suspensivo, a lei não o escusa de prestar caução; fazendo apelo às normas que regem na hipoteca, bem como à equiparação que a lei faz entre a caução e a hipoteca, no tocante às suas finalidades, para dispensar a caução quando já haja hipoteca, não existe suporte para se recusar ao apelado, em caso de condenação ilíquida, o direito de pedir a prestação de caução, por parte do apelante, verificando-se que a razão de ser da norma mantém-se e é independente do carácter líquido ou ilíquido da obrigação (se a caução se destina a garantir ao credor a satisfação do seu crédito, já reconhecido pela sentença apelada, essa garantia só será plenamente atingida se o valor da caução corresponder à globalidade da condenação).

   Em igual sentido, cf., de entre vários, os acórdãos da RL de 24.11.2004-processo 9543/2003-4 [no qual se conclui: “Visando a caução garantir ao credor a integral satisfação do seu crédito, reconhecido judicialmente, salvaguardando-o das eventuais vicissitudes que possa sofrer o património do devedor no decurso do tempo necessário ao julgamento dos recursos colocados à disposição dos litigantes, tal desiderato só poderá ser plenamente alcançado se nela se englobarem as quantias a liquidar em execução, objecto da condenação.”], 25.6.2013-processo 89/07.1TVLSB-B.L1-7 [entendendo-se, em linha com a orientação do acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ n.º 6/2006, de 13.9.2006, que “na fixação da caução, para efeitos de atribuição de efeito suspensivo ao recurso - e justificando o respectivo reforço -, há que tomar em consideração tanto a parte líquida do segmento condenatório, como a parte ilíquida.”] e 27.3.2014-processo 2151/12.0TVLSB.A.L1-6 [apreciando a questão de saber se em caso de condenação ilíquida (de tribunal arbitral) pode o apelado requerer que o apelante preste caução ao abrigo do art.º 693º do CPC de 1961 (na redacção do DL n.º 303/07), considerou-se, nomeadamente, que a prestação de caução surge com a finalidade de deixar garantido o cumprimento da decisão condenatória, enquanto e até que ela se torne definitiva, e bem assim, e nomeadamente, que para se aferir da admissibilidade da caução, nos casos de condenação ilíquida, outros contributos têm que ser buscados, sendo especialmente relevante o entendimento desenvolvido no Acórdão Uniformizador do STJ de 13.9.2006, publicado no DR, 1ª série, de 24.10.2006], publicados no “site” da dgsi.

   Neste contexto, ao contrário do que parece ser a posição dos recorrentes, também se dirá que o acórdão da RL de 17.4.2008-processo 2514/2008-6, publicado no “site” da dgsi, teve por objecto uma situação em que a prestação da caução pela Recorrente se destinou à substituição da penhora efectuada na execução; a quantia exequenda ficou paga, na parte em que a obrigação exequenda se apresentava como líquida, tendo sido declarada extinta a execução na parte restante, pelo que deixou de se justificar a prestação de caução, para se continuar a garantir o direito de crédito exequendo (ainda que em fase de recurso dessa decisão com efeito meramente devolutivo). Daí ter-se concluído que «ao deixar de subsistir, no processo de execução, a motivação que sustentava a prestação da caução, por procedência da respectiva oposição e pagamento da quantia exequenda, é admissível o levantamento da caução», requerido por quem a prestou.
[11] Cf., v. g., o ponto I., supra e o ponto 5. da resposta à alegação de recurso (fls. 12 verso).
[12] Vide Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 408.


            Na verdade, visando a caução assegurar o cumprimento da obrigação por parte do devedor, tal objectivo só será logrado se o respectivo montante corresponder ao total da condenação, aqui se englobando, necessariamente, tanto as quantias líquidas como as ilíquidas (devendo ter lugar a preliminar e oportuna liquidação, v. g., aquando da fixação do montante da caução - determinando-se o quantitativo provável do crédito ilíquido - ou da instauração de processo de execução para as quantias ilíquidas).[10]http://www.dgsi.pt/icons/ecblank.gifhttp://www.dgsi.pt/icons/ecblank.gif