Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/15.0T8SAT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PERÍCIA
OBJECTO
AMPLIAÇÃO
Data do Acordão: 12/15/2015
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, SÁTÃO, INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 476.º, N.ºS 1 E 2, DO NCPC
Sumário: O alargamento do objecto da perícia oficiosamente determinada só pode ser indeferido pelo juiz com fundamento na sua impertinência ou carácter dilatório.
Decisão Texto Integral:             Recurso próprio, recebido no devido efeito.

            Nada obsta ao conhecimento do seu objecto.

Por entender que a questão é simples, ao abrigo do disposto no artigo 656.º do NCPC, profere-se decisão sumária.

No decurso acção declarativa de condenação, com processo comum, de onde provêm os presentes autos, que A... e B... , movem a C... , já todos identificados no autos, veio a ré, na sequência de perícia oficiosamente determinada pela M.ma Juiz a quo, ao abrigo do disposto no artigo 477.º do NCPC, sugerir o alargamento do respectivo objecto, para o que apresentou os seguintes quesitos:

“Pode-se afirmar que as infiltrações, humidades e fissuras no tecto, paredes e pilares interiores do prédio dos autores provêm do terraço da ré?

Em caso afirmativo provêm unicamente do terraço da ré ou também das paredes exteriores e do terraço contíguo que serve igualmente de cobertura ao prédio dos autores?”.

Sustenta tal pedido no facto de os autores alegarem a existência de danos no seu prédio, provocados por defeitos de construção ou manutenção do terraço e da parede exterior.

Por seu lado, a ré, refere que o terraço contíguo a poente ao terraço em questão nos autos é da propriedade da fracção contígua no mesmo piso à da ré, serve também de cobertura à fracção dos autores, pelo que importa averiguar se as humidades e infiltrações, a provirem do terraço de cobertura, provêm de um ou outro dos terraços, atendendo a que ambos servem de cobertura à fracção dos réus.

Em sede de audiência prévia, cf. respectiva acta, aqui junta a fl.s 16 e 17, pela M.ma Juiz a quo, foi proferida decisão em que se indefere o referido alargamento do objecto da perícia, ali constando como fundamento o seguinte:

“No que concerne aos temas da prova e ao subsequente alargamento do objecto da perícia, o Tribunal entende ser de improceder quer o alargamento dos temas da prova, quer o alargamento à perícia determinada.”.

Ouvido o CD em que se encontra gravado o teor completo de tal decisão, verifica-se que o indeferimento do requerido alargamento do objecto da perícia assenta nas seguintes ordens de razões:

O ónus da alegação e prova de que as infiltrações provêm do terraço da ré, incumbe aos autores.

A ré não alega que as infiltrações provêm de outro terraço.

Não obstante pode vir a provar-se que as infiltrações/defeitos não provêm do terraço da ré, caso em que a mesma será absolvida do pedido.

Assim, por inexistir matéria de excepção, não se alarga o objecto da perícia determinada.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso a ré, C... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 18), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1-A prova pericial é um dos meios de prova que a lei processual põe ao dispor das partes.

2-Nos presentes autos a prova pericial foi determinada oficiosamente pelo Tribunal, assistindo às partes o direito de sugerir o seu alargamento, o que a ré fez, com o objetivo de fazer prova dos fatos que alega mas essencialmente contraprova dos fatos alegados pelos autores.

3- Tendo este meio de prova sido rejeitado pela meritíssima juiz à quo com o fundamento de que o ónus da prova pertencia aos autores e não à ré.

4- Não existe nenhum preceito legal que proíba a parte contrária indicar prova sobre fatos relativamente aos quais não lhe incumbe o ónus da prova, carecendo o douto despacho recorrido de fundamento legal.

5 - Antes das disposições conjugadas nos artigos 341º, 342º, 343º e 346º do Código Civil e 4º e 413º do CPC é forçoso concluir que tal é admissível, estando mesmo expressamente consagrado.

6 - Assim ao rejeitar a prova pericial nos termos atrás expostos o tribunal a quo violou entre outros o disposto nos artigos 346, º do C.C. e 4º e 413 do CPC.

7 - A decisão impugnada é recorrível ao abrigo da alínea d), do nº 2, do artigo 644º do CPC, que estatui que cabe recurso de apelação do despacho de rejeição de meio de prova

Termos em que:

Nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências deve o presente recurso obter provimento, com revogação do douto despacho recorrido e admitido o meio de prova requerido.

Decidindo nesta conformidade será feita boa justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se é ou não de admitir o alargamento do objecto da perícia, oficiosamente determinada, nos termos pretendidos pela recorrente.

            A matéria de facto a ter em conta é a que consta do relatório que antecede.

Se é ou não de admitir o alargamento do objecto da perícia, oficiosamente determinada, nos termos pretendidos pela recorrente.

Como resulta do exposto, circunscreve-se o objecto do presente recurso à questão de saber se deve ou não, ser alargado o objecto da perícia oficiosamente determinada pela M.ma Juiz a quo, como o pretende a ora recorrente.

Conforme se dispõe no artigo 475.º, n.º 1, do NCPC, no caso de a perícia ser requerida por alguma das partes, a requerente, indica logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da requerida diligência.

Acrescentando-se no seu n.º 2 que a perícia pode reportar-se quer a factos articulados pela própria requerente, quer pela parte contrária.

Nos termos do seu artigo 476.º, não se entendendo que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz exerce o contraditório, podendo a parte contrária aderir ao objecto proposto ou requerer a sua ampliação ou restrição, cabendo ao juiz, no despacho em que ordena a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, desconsiderando o que considere inadmissível ou irrelevante ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade.

Para o caso, como o presente, em que se trata de perícia oficiosamente determinada, rege o artigo 479.º do NCPC, segundo o qual “o juiz indica, no despacho em que determina a realização da diligência, o respectivo objecto, podendo as partes sugerir o alargamento a outra matéria.”.

Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in CPC, Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, a pág. 506, defendem, embora com reservas, que, no caso de perícia oficiosamente determinada, como o alargamento do objecto passou apenas a ser sugerido pelas partes, se está perante um poder insindicável do juiz, pelo que o despacho que recusa a possibilidade de alargamento do objecto sugerida pelas partes, não é susceptível de recurso.

Com todo o respeito por tais Mestres, temos dúvidas que assim seja.

Efectivamente, como resulta dos preceitos acima citados, a rejeição da perícia requerida, apenas pode ser rejeitada com fundamento na sua impertinência ou carácter dilatório.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 15/03/2005, Processo n.º 04B4664, disponível no respectivo sítio da dgsi, o poder do juiz indeferir a perícia requerida, embora discricionário em si, é limitado à existência das condicionantes ora referidas e (ora) constantes do artigo 476.º, n.º 1, do NCPC, ou seja, não se trate de diligência impertinente ou dilatória, tornando-se, por isso, vinculado, no sentido de que o juiz para indeferir perícia que lhe seja requerida terá de, legalmente, se fundamentar em qualquer destas condicionantes e não outras, ali não previstas.

E não se vislumbram razões para que assim deixe de ser em caso de perícia oficiosamente determinada pelo Juiz e uma das partes venha sugerir o alargamento a outra matéria, a qual, nos termos do artigo 475.º, n.º 2, NCPC, até pode ter sido alegada pela parte contrária e, até, cf. autores e ob. cit., a pág. 503, se pode tratar de matéria não alegada, desde que se trate de pontos de facto instrumentais, que constituam via para a prova dos factos principais da causa.

            Ainda que se trate de perícia oficiosamente determinada, requerido o alargamento do respectivo objecto, na nossa opinião, o seu indeferimento, terá que ser legalmente fundamentado e, nesta perspectiva, só o poderá ser com fundamento nas condicionantes fixadas no artigo 476.º, n.º 1, NCPC: ser tal pretensão impertinente, por nada acrescentar ao objecto da causa ou de carácter dilatório.

            Ora, como resulta da decisão recorrida, o indeferimento da pretensão do alargamento do objecto da perícia, aqui em causa, não se fundamenta em nenhuma destas condicionantes mas sim em questões do ónus probatório, melhor dizendo, em que o respectivo ónus da prova dos factos a incluir no objecto da perícia não incumbe à requerente.

            Só que isso não constitui uma das referidas condicionantes para o indeferimento do alargamento do objecto da perícia e por conseguinte não pode fundamentar o indeferimento do requerido.

            De resto, como refere a recorrente, é lícito, à parte não onerada com o ónus da prova, fazer a contraprova a respeito dos mesmos factos, com vista a torná-los duvidosos e, conseguindo-o, obtém ganho de causa – cf. artigo 346.º do Código Civil.

            Desiderato que também resulta do disposto no artigo 414.º do NCPC, em cujo artigo 413.º se consagra o princípio da aquisição processual das provas produzidas, independentemente da sua origem.

            Ou seja, não é por a prova ter sido produzida por qualquer das partes, ainda que onerada ou não, com o respectivo ónus probatório, que deixa de ser atendida.

            Pelo que, se entende que o requerido alargamento do objecto da perícia só poderia ser indeferido com fundamento na sua impertinência ou carácter dilatório, o que não foi o caso, pelo que, não pode subsistir a decisão recorrida.

            Assim, procede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que admite o requerido alargamento do objecto da perícia.

Custas, pelos apelados.

            Coimbra, 15 de Dezembro de 2015.

           

Arlindo Oliveira