Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7779/18.1T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO
INTERDIÇÃO
INABILITAÇÃO
LEGITIMIDADE ATIVA
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JL CÍVEL DE COIMBRA – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 49/2018, DE 14/02; ARTº 141º C. CIVIL.
Sumário: I- A Lei nº 49/2018, de 14/02, criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os tradicionais institutos da interdição e da inabilitação.

II- Essa Lei veio introduzir uma mudança de paradigma e uma nova filosofia no estatuto das pessoas portadoras de incapacidade, o qual passou a centrar-se exclusivamente na defesa dos interesses das mesmas, quer ao nível pessoal, quer ao nível patrimonial, reduzindo a intervenção ao mínimo possível, isto é, ao necessário e suficiente de molde a garantir, sempre que possível, a autodeterminação e a capacidade da pessoa maior incapacitada.

III- Este novo paradigma trouxe enormes modificações na ordem jurídica, quer em termos substantivos, quer em termos processuais.

IV- Entre as alterações processuais introduzidas pelo novo regime jurídico do acompanhamento do maior encontra-se aquela referente à legitimidade para requerer esse tipo de processos especiais.

V- A esse nível da legitimidade ativa, e no confronto com regime anterior em vigor para os institutos de interdição e de inabilitação, tal decorre da leitura do artº 141º do CC, assistiu-se a uma restrição do leque das pessoas que podem instaurar a ação especial de acompanhamento de maior, a qual passou a ficar limitada: a) ao próprio beneficiário; b) ao cônjuge ou unido de facto deste ou a qualquer seu parente sucessível, desde que estes estejam autorizados por aquele; e c) ao Ministério Público, independentemente dessa autorização.

VI- Porém, no concerne ao cônjuge, ao unido de facto ou aos parentes sucessíveis do beneficiário, a autorização deste passou ser suprida pelo tribunal quando, em face das circunstâncias, o beneficiário não a possa dar, de forma livre e consciente, ou ainda quando existir um outro fundamento atendível, devendo em tais em tais circunstâncias esse pedido de suprimento ser formulado aquando da instauração da ação e em cumulação com o pedido de acompanhamento nela requerido.

VII- Nessa Lei consagrou-se uma norma transitória (o artº 26º) para os processos pendentes, nos termos da qual ressalta que o novo regime de acompanhamento por aquela instituído se aplica imediatamente aos processos pendentes, devendo, para tal, o juiz lançar mão dos princípios da gestão processual e da adequação formal de molde a adequar a tramitação desses processos às novas regras e, sobretudo, aos princípios orientadores do novo regime consagrado.

VIII- Norma essa que, todavia, e no que concerne aos atos processuais, deve ser interpretada com o sentido e alcance não só da aplicação imediata daquela Lei a todos os atos ainda por praticar nos processos pendentes (de interdição e inabilitação), mas também do aproveitamento de todos os atos processuais já antes neles praticados.

IX- Dispondo a requerente de uma ação especial de interdição por anomalia psíquica de legitimidade aquando da sua instauração, a transmutação dessa ação para ação/processo de acompanhamento de maior - em virtude da entrada vigor citada Lei nº 49/2018, quando o processo se encontrava pendente (ainda que na fase imediatamente subsequente à citação da requerida/beneficiária, na pessoa da curadora provisória que lhe fora nomeada por impossibilidade da mesma a receber por motivos de anomalia psíquica) - não lhe retira essa sua legitimidade para ação, sem que se lhe imponha, no caso, para continuar a conservar a mesma, o suprimento judicial da autorização da beneficiária.

Decisão Texto Integral:











Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. Em 16/10/2018, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Cível de Coimbra – M..., residente na Rua ..., instaurou ação especial de interdição por anomalia psíquica de I..., sua irmã, nascida a 8.7.1941, solteira, residente na mesma morada.

Para o efeito alegou, em síntese, que a requerida, de que requerente é a sua única irmã viva, devido à anomalia psíquica de que padece, se encontra incapaz de governar a sua pessoa e bens.

Por via dessa incapacidade pediu, no final, que fosse decretada a interdição da requerida e lhe fosse nomeado um tutor.

2. Ordena a publicidade da ação e a citação da requerida, esta, todavia, não pode efetuar-se, em virtude da última se encontrar, devido a doença psíquica de que padece, impossibilitada de a receber (e conforme foi atestado na certidão negativa, lavrada em 16/11/2018).

Por via disso, pelo despacho de 13/12/2018 foi (nos termos do estatuído, a esse propósito, no artº 894º, nº 1, do CPC na redação então em vigor) nomeada/designada uma curadora provisória à requerida e ordenada a citação da mesma para, em representação da última, contestar a ação.

Citação essa que veio a ocorrer em 17/12/2018.

3. Decorrido o prazo legal fixado para o efeito, sem que que aquela curadora tivesse apresentado qualquer contestação, em 11/02/2019 foi proferido despacho do seguinte teor:

« Cite o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 21º, aplicável ex vi art. 895º, n.º 2 do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, que cria o regime jurídico do maior acompanhado, a qual é imediatamente aplicável ao presente processo – art. 26º, n.º 1 da referida Lei. »

4. Na sequência dessa citação (para assumir a defesa da requerida), o MºPº, através do seu requerimento datado de 15/02/2019, veio, em representação da requerida, apresentar a sua defesa nos seguintes termos:

« 1.º Atenta a entrada em vigor do regime jurídico do maior acompanhado, a qual é aplicável aos processos pendentes, nos termos do disposto no artigo 26.º n.º 1 da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, a legitimidade para requerer o acompanhamento passa a ser do maior impossibilitado ou mediante a sua autorização, do cônjuge, do unido de facto ou de qualquer parente sucessível, de acordo com o estatuído no artigo 141.º, n.º 1 do Código Civil.

2.º O que, in casu, não se verifica.

3.º Quando o maior impossibilitado não possa requerer o seu acompanhamento, a sua autorização pode ser suprida, devendo o pedido de suprimento da autorização do beneficiário ser cumulado com o pedido de acompanhamento, tal como dispõe o citado preceito nos n.ºs 2 e 3.

4.º O que aqui, igualmente, não sucedeu, em virtude da data de propositura da acção ser anterior à entrada em vigor do novo diploma.

5.º Por outro lado, a requerente tão-pouco comprovou documentalmente a identidade da beneficiária e a sua legitimidade para requerer o acompanhamento, na ausência de cônjuge ou unido de facto.

6.º Pelo que não se podem aceitar os factos vertidos no requerimento inicial. (…) »

Pelo que, com base nos fundamentos por si alegados, terminou pedindo que a requerente fosse convidada a pedir o suprimento da autorização da beneficiária, caso esta não possa autonomamente requerer o seu acompanhamento, bem como a juntar certidão do seu assento de nascimento a com a tramitação legal subsequente dos autos.

5. Respondeu a requerente, pugnando pela sua legitimidade, sem necessidade de (no caso destes autos) ser pedida ou suprimida a autorização da requerida para o seu acompanhamento.

Porém, a assim não ser assim entendido, pediu que essa autorização (dada falta de discernimento da requerida para a dar) fosse suprida judicialmente (à luz do artº. 141º, nº 2, do CC, na redação que lhe foi entretanto introduzida por aquela pela Lei nº 49/2018).

Juntou ainda assento do seu nascimento (sendo que o da requerida já constava dos autos).

6. Em 26/03/2019 foi proferido despacho que indeferiu aquela pretensão do MºPº, nos termos e com a fundamentação cujo teor se deixa transcrito:

« (…) Da necessidade de pedido de suprimento de autorização da beneficiária

Face à entrada em vigor do Regime Jurídico do Maior Acompanhado, aplicável aos processos pendentes, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da necessidade de autorização do beneficiário ou, na falta desta, do seu suprimento.

Vejamos.

Os presentes autos de interdição foram instaurados no dia 16-10-2018.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, os pressupostos processuais e condições de procedibilidade estão verificados, à luz do regime legal então vigente, anterior à entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, em 10 de Fevereiro de 2019.

Efectivamente, o art. 26º da citada Lei n.º 49/2018, dispõe que:

“1 - A presente lei tem aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes aquando da sua entrada em vigor.

2 - O juiz utiliza os poderes de gestão processual e de adequação formal para proceder às adaptações necessárias nos processos pendentes.

3 - Aos atos dos requeridos aplica-se a lei vigente no momento da sua prática (…)”.

Ora, a interpretação que se faz da referida disposição legal é a de que a referida lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes, devendo o juiz, ao abrigo dos poderes de gestão processual e adequação formal proceder às necessárias adaptações, em função do estado processual em que se encontrem. A referida lei não tem efeito retroactivo, sendo aplicável apenas a actos futuros em processos pendentes, de harmonia com a regra da adequação formal. Não há assim, salvo melhor opinião, efeitos retroactivos e lugar à anulação de actos praticados ou à exigência subsequente de pressupostos que vieram a ser estabelecidos pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto.

Concretamente, em relação ao consentimento do beneficiário para o processo de acompanhamento, ou ao respectivo suprimento, entendo que o mesmo não é exigível, porquanto o não era, à data da instauração da presente acção. A Requerente tinha, então, legitimidade para instaurar a acção, independentemente do consentimento da Requerida – agora beneficiária.

Pelo exposto, indefiro o requerido.

Notifique. »

7. Prosseguiram os autos com a tramitação legalmente prevista, à luz do regime do acompanhamento de maior consagrado pela sobredita lei, com a audição da requerida/beneficiária (que, todavia, se revelou não ser possível dado o seu estado de demência psíquica) e da realização de exame pericial à mesma.

8. Seguiu-se a prolação sentença que, no final, – e após antes ter aí, de forma tabelar, considerado a regularidade da instância, nomeadamente quanto à legitimidade das partes - decidiu nos seguintes termos:

« - 1) decreto o regime de acompanhamento de I..., com a aplicação da medida de representação geral – art. 145º, n.º 2, alínea b) do Código Civil.

2) nomeio como acompanhantes da beneficiária:

* a sua sobrinha A..., na vertente pessoal, competindo-lhe o acompanhamento pessoal da Beneficiária, com a tarefa de prestar todos os cuidados pessoais que são ou venham a ser necessários para a sua saúde e bem-estar e

* L..., casado com I..., sobrinha da Beneficiária, na vertente patrimonial, o qual deverá assegurar a gestão e administração do património da Beneficiária, bem como a sua representação perante quaisquer entidades.

3) nos termos e para os efeitos do disposto no art. 145º, n.º 4, dispenso a constituição do conselho de família;

4) considerando que o início da patologia foi fixado em 22 de Junho de 2018, a presente medida tornou-se conveniente desde essa data – art. 900º, n.º 1 do C.P.C.

5) a medida de acompanhamento ora estabelecida será revista no prazo de 5 (cinco) anos – art. 155º do Código Civil; (…). »

9. O MºPº dela interpôs recurso de apelação dessa sentença, concluindo as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

« 1.ª A presente acção especial de interdição por anomalia psíquica de I... foi instaurada, no dia 16 de Outubro de 2018, pela sua irmã M...

2.ª No decurso da mesma entrou em vigor a Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, a qual nos termos do disposto no artigo 26.º n.º1 é aplicável aos processos pendentes.

3.ª Face ao novo Regime Jurídico (do Maior Acompanhado), a legitimidade para requerer o acompanhamento passou a ser do maior impossibilitado ou mediante a sua autorização, do cônjuge, do unido de facto, de qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, do Ministério Público (cfr. art.º 141.º do CC).

4.ª Quando o maior impossibilitado não possa requerer o seu acompanhamento, a sua autorização pode, no entanto, ser suprida, devendo o pedido de suprimento da autorização do beneficiário ser cumulado com o pedido de acompanhamento, tal como dispõe o citado preceito nos n.ºs 2 e 3. O que, in casu, não se verificou.

5.ª Pese embora a contestação do Ministério Público, no sentido da Requerente ser convidada a aperfeiçoar o requerimento inicial apresentado, de acordo com os novos requisitos legais, visando-se, além do mais, a questão da falta de legitimidade da Requerente, a Mma. Juiz a quo, em despacho de 26 de Março de 2019, explanou que “a referida lei não tem efeito retroactivo, sendo aplicável apenas a actos futuros em processos pendentes, de harmonia com a regra da adequação formal”. “Concretamente, em relação ao consentimento do beneficiário para o processo de acompanhamento, ou ao respectivo suprimento, entendo que o mesmo não é exigível, porquanto não o era, à data da instauração da presente acção”.

6.ª Alicerçada neste entendimento, sustentou a Mma. Juiz na decisão ora em crise que “as partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas”.

7.ª Todavia, constituindo, actualmente, a autorização do acompanhando um dos requisitos da legitimidade da Requerente (art.º 141º nº1 do CC), a sua falta, desacompanhada do pedido de suprimento da autorização da beneficiária, leva à ilegitimidade da Requerente, configurando a excepção dilatória a que alude o art.º 577º, al. e) do CPC, pelo que, não tendo havido um aperfeiçoamento do requerimento inicial, a sentença proferida viola o disposto nos citados preceitos, ao considerar a Requerente parte legítima.

Razões pelas quais, nestes termos e nos demais de direito deve o recurso ora interposto ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, a fim de, primeiramente, se diligenciar pelo suprimento da autorização da beneficiária e após proferir sentença (…). »

10. Contra-alegou a requerente, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado, após ter concluído as suas contra-alegações nos seguintes termos:

« A. A presente acção foi proposta no dia 16 de Outubro de 2018, ou seja em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto.

B. A interpretação a ser dada ao artigo 26º da Lei mencionada em A é a que se coaduna com o entendimento unânime entre os civilistas de que a lei processual deve aplicar-se imediatamente às acções pendentes, bem como aos actos a realizar futuramente no âmbito das mesmas.

C. Como tal, não tem a referida lei efeito retroactivo, de acordo com a regra da adequação formal.

D. O momento relevante para a aferição do pressuposto processual da legitimidade é o da propositura da acção, pelo que a Requerente é inequivocamente parte legítima (activa) nos presentes autos, uma vez que cumpria todos os requisitos e pressupostos exigidos pela redacção do artigo 141º do Código Civil então em vigor.

E. Tal interpretação das normais aplicáveis ao caso sub iudice é corroborada, em pleno, quer pela Doutrina, quer pela Jurisprudência nacionais.

F. Como tal, salvo o devido respeito, a tese exarada pelo Ministério Público nas suas alegações e conclusões de Recurso soçobra, quer em termos da interpre0tação a dar aos normativos legais em questão, por ofender os princípios da adequação formal, segurança jurídica, economia e celeridade processual e da aplicação da Lei no tempo,

G. Quer em termos de falecimento na defesa dos superiores interesses da Requerida/Beneficiária, na medida em que a rápida aplicação da medida de acompanhamento se afigura como vital para o seu bem-estar pessoal e adequada gestão do seu património.

H. Como epílogo, diga-se que a (alegada) falta do consentimento - caso fosse julgado necessário- por parte da beneficiária, estaria devidamente sanada tendo em conta a tramitação processual decorrida, pelo que não deverá o recurso de Apelação interposto pela Digníssima Magistrada do Ministério Público merecer acolhimento, atento o supra exposto. »

11. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

II- Fundamentação

A) De facto

Pelo tribunal da 1ª. instância foram dados com provados o seguintes factos:

1- A Requerente é irmã da Beneficiária.

2- A Beneficiária nasceu em 8.7.1941 e é solteira.

3- A Beneficiária reside com a Requerente e com a filha desta, A...

4- A Beneficiária evidencia um quadro demencial, de provável doença de Alzheimer.

5- Este quadro neurogenético, com um carácter irreversível, impossibilita-a de exercer os seus direitos pessoais, entre outros os elencados no art. 147º do Código Civil.

6- A Beneficiária não compreende, nem responde às perguntas que lhe são colocadas.

7- Está num Centro de Dia.

8- Não faz a sua higiene sozinha e usa fraldas.

9- A maioria das vezes, a Beneficiária não come sozinha.

10- A Beneficiária não tem capacidade de gerir o seu orçamento, de emitir um cheque, ou fazer um pagamento.

11- A Beneficiária é reformada da Caixa Geral de Aposentações, recebendo mensalmente pensão no valor de €1.054,45.

12- A Beneficiária é proprietária de um bem imóvel sito na ..., em Coimbra.

13- A Beneficiária está dependente de terceiros para gerir a sua pessoa e os seus bens, carecendo de permanente apoio e acompanhamento de terceira pessoa.

14- A data provável de início da patologia pode ser fixada, pelo menos, a 22 de Junho de 2018.

15- A Beneficiária não apresentou discernimento para se pronunciar quanto à pessoa do acompanhante.

16- Não fez testamento vital.

B) De direito

Como é sabido, e é pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso do MºPº, verifica-se que a única questão nelas suscitada e que aqui nos cumpre apreciar traduz-se em aferir da legitimidade da requerente para a ação, e mais concretamente do saber se detendo ela essa legitimidade para ação especial de interdição (por anomalia psíquica) quando a instaurou, perdeu, porém, a mesma (constituindo-se, em parte ilegítima) quando no seu decurso/pendência essa ação se converteu em ação/processo especial de acompanhamento de maior, por força da aplicação da Lei nº 49/2018, de 14/09, sem que a requerente tenha obtido, entretanto, autorização para ela da beneficiária/requerida ou o suprimento judicial dessa autorização.

O tribunal a quo e a requerente entendem que não, isto é, que a requerente continua a ser parte legítima na ação e o MPº entende que que sim, isto é, que a requerente perdeu essa legitimidade, constituindo-se como parte ilegítima para ação, por não ter, entretanto, obtido a autorização para ela da beneficiária/requerida ou o suprimento judicial dessa autorização (escudando todos eles esse seu entendimento eles na argumentação esgrimida nas respetivas peças processuais que supra deixámos transcritas).

Apreciemos.

Na altura (16/10/2018) em que requerente instaurou a presente ação encontrava-se em plena vigência o instituto da interdição (bem como o instituto da inabilitação) que se encontrava regulado nos artºs. 130º a 151º do C. Civil (na redacção então em vigor), sendo que a sua tramitação processual se encontrava disciplinada nos artºs 891 º a 957º do nCPC (na sua redação original)

As interdições poderiam então ser decretadas em relação a pessoas maiores que por serem portadoras de anomalia psíquica, ou outras situações incapacitantes, se mostrassem incapazes de governar as suas pessoas e bens (artº 138º, nº 1, do CC).

Entre as pessoas que detinham então legitimidade para requer ao tribunal (através da ação especial de interdição prevista no artº 891º e ss do CPC) a interdição dessas pessoas incapazes encontravam-se os parentes sucessíveis (qualquer deles) do interditando (artº 141º do CC).

É assim incontroverso que na altura em que instaurou a presente ação a requente, enquanto única irmã viva da requerida, tinha legitimidade para a instaurar.

Acontece que na sua pendência - e quando a requerida já se encontrava citada, na pessoa da curadora provisória que lhe fora nomeada/designada, enquanto sua representante legal de então, à luz do artº 234º, nº 4, do CPC, por virtude de aquela se encontrar impossibilitada de a receber por notória anomalia psíquica de que era portadora, a qual não deduziu qualquer oposição no prazo legal  fixado para o efeito, o que levou depois a que  viesse a ser citado o Mº Pº para, no termos do artº 21º do CPC, assumir a defesa daquela na ação – entrou em vigor (em 11/02/2019 – cfr. artº. 25º, nº 1, da mesma onde se estipulou que a mesma entraria em vigor 180 dias após a sua publicação) a Lei nº 49/2018, de 14/02, que criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação. (artº 1º).

Lei essa que veio introduzir uma mudança de paradigma e uma nova filosofia no estatuto das pessoas portadoras de incapacidade, dando assim consagração àquilo que já há muito vinha sendo reclamando pela doutrina, e sobretudo pelas Convenções Internacionais (vg. a Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007, sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - Convenção de Nova York -, entrada em vigor na nossa ordem jurídica nacional, juntamente com o “Protocolo Adicional”, a 3 de maio de 2008) e pela nossa Magna Carta.

Com o novo regime reconheceu-se a inadequação do anterior processo dualista de interdição/inabilitação, quer pela sua rigidez, quer por centrar os seus objetivos no suprimento de uma incapacidade de exercício de direitos e restringindo a atuação do representante legal aos atos conservatórios do património do interdito, e substituindo-o por outro que visa a máxima preservação da capacidade do individuo e assente em medidas a adotar casuisticamente e periodicamente revistas.

Dentro desta nova filosofia, arreda-se o sistema da total incapacidade da pessoa humana, própria do anterior instituto da interdição, parte-se do princípio que todo o ser humano maior é capaz do exercício dos seus direitos, sejam pessoais ou patrimoniais, flexibiliza-se o sistema no sentido de se adaptar a ablação dessa capacidade à incapacidade própria da pessoa concreta, estabelece-se que essa ablação visa a satisfação dos interesses da própria pessoa com incapacidade e procura-se que esta, na medida do possível, isto é, na exata medida em que as suas capacidades e incapacidades o permitam fazer, participe na tomada das decisões relativamente à sua pessoa e/ou património e tenha a última palavra sobre esses assuntos, não sendo aquela, pura e simplesmente, “substituída”, mas sim tratada de acordo com o seu estatuto de pessoa humana, com dignidade própria e, por isso, sujeito de direitos e obrigações e com o direito à liberdade e autodeterminação. Por outro lado, limita-se à intervenção ao mínimo possível, isto é, ao necessário e suficiente a garantir a autodeterminação e a capacidade da pessoa maior incapacitada, dentro dos circunstancialismos concretos, máxime, das suas capacidades e incapacidades. (Vide, Ac. da RC de 04/06/2019, proc. nº 577/18.4 CTB.C1 e da RG de 12/09/2019, proc. 228/17.4T8PTL.G1, disponíveis, em www.dgsi.pt).

A palavra de ordem, nas expressivas e concludentes palavras do prof. Pinto Monteiro, passou a ser “proteger sem incapacitar” (in “Das Incapacidades ao Maior Acompanhado – Breve Apresentação da Lei nº. 49/2018”, in cadernos do CEJ – “O Novo Regime Jurídico do maior Acompanhado -, pág. 31”).

Este novo paradigma trouxe, como não podia deixar de ser, enormes modificações na ordem jurídica, quer em termos substantivos, quer termos processuais.

Em sede substantiva eliminaram-se os precedentes institutos da interdição e da inabilitação e estabeleceu-se o novo regime do maior acompanhado, cuja filosofia, como ficou dito, é totalmente distinta dos anteriores institutos.

Introduziram-se uma série de alterações a legislação avulsa, por forma a adequá-la ao novo regime e à sua filosofia.

Em termos processuais alterou-se o regime do processo especial de interdição e inabilitação, previsto nos artºs 891º e 905º do CPC, e adaptou-se o mesmo à nova lei substantiva.

Nessa Lei (nº 49/2018, de 14/02) consagrou-se um regime transitório, para os processos pendentes, dispondo-se no artigo 26º que:

“1. A presente lei tem aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes aquando da sua entrada em vigor.

2 - O juiz utiliza os poderes de gestão processual e de adequação formal para proceder às adaptações necessárias nos processos pendentes.

3 - Aos atos dos requeridos aplica-se a lei vigente no momento da sua prática (…).” (sublinhado nosso).

Ressalta dessa norma transitória, por um lado, que o novo regime introduzido por aquela lei se aplica imediatamente aos processos pendentes (nº. 1) e, por outro, que nesses casos deverá o juiz lançar mão dos princípios da gestão processual e da adequação formal (consagrados, respetivamente, nos artºs 6º e 547º do CPC), de molde a adequar a tramitação desses processos às novas regras e, sobretudo, aos princípios orientadores do novo regime instituído, tudo numa lógica de celeridade processual, de forma a dar a resposta o mais prontamente possível às necessidades do beneficiário (e daí que se tenha consagrado, na nova redação dada ao artº. 891º, nº 1, do CPC, o caráter urgente desses processos), fazendo-se, sempre que tal o exija, ainda as necessárias adaptações, e nomeadamente com o recurso ao disposto no processo de jurisdição voluntária, neste caso no que respeita aos poderes do juiz, ao critério do julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes (cfr. aquele mesmo normativo).

Aproximando-nos mais do caso sub júdice, importa dar conta que entre as alterações processuais introduzidas pelo novo regime jurídico do acompanhamento do maior encontra-se aquela referente à legitimidade para requerer esse tipo de processos especiais.

Na verdade, através da nova redação que lhe foi introduzida por aquela lei passou, sobre a epígrafe “legitimidade”, a dispor-se no artº. 141º do CC que:

“1- O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público.

2- O tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível (n.º 2).

3- O pedido de suprimento da autorização do beneficiário pode ser cumulado com o pedido de acompanhamento.” (sublinhado nosso)

Decorre, assim, da leitura de tal normativo que no novo regime, e no que concerne à legitimidade ativa, se assiste - no confronto com regime consagrado na anterior redação do artº. 141º para as ações especiais de interdição – a uma restrição do leque das pessoas que podem instaurar a ação especial de acompanhamento de maior, a qual passou a ficar limitada: a) ao próprio beneficiário; b) ao cônjuge ou unido de facto deste ou a qualquer seu parente sucessível, desde que estes estejam autorizados por aquele; e c) ao Ministério Público, independentemente dessa autorização.

Porém, no concerne ao cônjuge, ao unido de facto ou aos parentes sucessíveis do beneficiário, a autorização deste pode ser suprida pelo tribunal quando, em face das circunstâncias, o beneficiário não a possa dar livre e conscientemente ou ainda quando existir um fundamento atendível. Suprimento esse que, em tais circunstâncias, deverá logo ser formulado aquando da instauração da ação e em cumulação com o pedido de acompanhamento nela requerido.

Reconhece-se, assim, que situações existem em que fruto da incapacidade do beneficiário, este não disporá de capacidade e discernimento para prestar a sua autorização para a propositura da ação e para avaliar plenamente o significado e as consequências do seu ato de autorização ou da recusa em a dar, e que, não obstante se conferir legitimidade ativa ao Ministério Público para propor a ação independentemente dessa autorização, esta válvula de segurança poderá ser insuficiente para salvaguardar cabalmente os interesses e direitos da pessoa com incapacidade (Sobre essa a razão de ser de tal restrição e do suprimento do beneficiário, vide ainda, entre outros, Paula Távora Vitor, in “Código Civil Anotado, 2019, Almedina, coordenado por Ana Prata, pág. 175.”).

Aqui chegados, é altura de responder à questão acima colocada.

Como vimos, à data em que instaurou a ação (especial de interdição, como então era processualmente designada) a requerente dispunha de legitimidade para o efeito (à luz do artº. 141º do CPC, na sua versão então vigente).

Entretanto, no decurso da mesma (e após a requerida ter sido já citada na pessoa da curadora provisória que lhe fora nomeada/designada, enquanto sua representante legal de então, à luz do artº. 234º, nº 4, do CPC, por virtude de aquela se encontrar impossibilitada de a receber por notória anomalia psíquica de que era portadora, que não deduziu qualquer oposição no prazo legal  fixado para o efeito, e o que levou depois a que viesse a ser citado o Mº Pº para, nos termos do artº. 21º do CPC, assumir a defesa daquela na ação), entrou em vigor a citada Lei nº 49/2018, que criou o regime jurídico do maior acompanhado, o qual por força do estatuído no seu artº. 26º, nº 1, passou a aplicar-se também aos processos pendentes.

Note-se que aquando da entrada em vigor da referida lei não havia ainda sido praticado no processo qualquer outro ato processual além daquele referente à citação da requerida/beneficiária, sendo que todos os subsequentes até à prolação da sentença final o foram na estrita observância daquele Lei que consagrou o novo regime.

Será que se impunha então que a requerente para continuar a dispor de legitimidade para a ação necessitaria, face ao estatuído na nova redação dada o artº. 141º, nº 1, do CPC, de obter a autorização para o efeito da requerida/beneficiária (sua irmã), e mais concretamente de providenciar pelo suprimento dessa autorização junto do tribunal, pois que, e tal como se veio a comprovar na sentença (e já havia sido detetado aquando da tentativa da sua citação) aquela se encontrava impossibilitada, por motivos da anomalia psíquica de que sofre, de, forma livre e consciente, a dar, e que não tendo obtido esse suprimento judicial deixou de ser parte legítima na ação?

A nossa resposta é negativa, pelas razões que se passam a aduzir.

Como é sabido, a legitimidade das partes para ação, como pressuposto processual, é aferida tendo em conta a relação material controvertida tal como é configurada pelo seu autor (artº. 26º, nº 1, do CPC).

Resulta daí, desde logo, que a legitimidade das partes reporta-se ao momento em que a acão é proposta, sendo que, em obediência ao princípio da estabilidade da instância, consagrado no artº 260º do CPC, a instância deve manter-se a mesma, quanto às pessoas, ao pedido, e à causa de pedir após a citação do réu, e salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.

Portanto, quando entrou em vigor a referida lei (que alterou os pressuposto da legitimidade ativa para a ação, entretanto transmutada/convertida para ação de acompanhamento de maior) já a legitimidade das partes para ação fora definitivamente fixada.

Por outro lado, e como resulta dos princípios gerais do nosso ordenamento jurídico, as leis de natureza processual sendo, por regra, de aplicação imediata, não dispõem/regem para passado, ou seja, não têm eficácia retroativa, constituindo tal uma emanação do princípio geral consagrado no artº. 12º, nº 1, do CC, segundo o qual a lei só dispõe para o futuro (sendo que mesmo nas situações especiais em que lhe seja atribuída eficácia retroativa se presume então, como decorre no plasmado em tal normativo, que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular).

Por outro lado, e como bem, a nosso ver, se discorreu no Ac. da RG de 12/09/2019 (proc. 228 /17.4T8PTL.G1, disponível em www.dgsi.pt.), aquela citada norma transitória (do artº. 26º, nº 1, da Lei nº. 49/2018) deve ser interpretada com o sentido e o alcance não só a favor da sua aplicação imediata a todos os atos processuais a praticar ainda nos processos pendentes (de interdição e inabilitação), mas também do aproveitamento de todos os atos processuais já antes neles praticados. Interpretação essa que “é a única que se mostra compatível com a letra daquele art. 26º, nº 1, sem que se olvide que o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9º, nº 3, do CC), e mais (…) conforme aos restantes critérios interpretativos, designadamente, hermenêutico, enunciados nesse art. 9º.”

Diga-se, por fim, que a prevalecer a tese do Mº Pº/apelante – da ilegitimidade da requerente - tal levaria, como exceção dilatória, à absolvição da instância da requerida/beneficiária, sem conhecimento do pedido (artºs. 576º, nºs. 1 e 2, 577º, al. e), e 278º, nº 1, al. d), do CPC), o que seria uma “machada” ou um revés enorme no princípio da celeridade que passou (com a atribuição de caráter  urgente ao processo), como acima demos conta, a ser um dos princípios orientadores do novo regime do acompanhamento do maior, que em benefício exclusivo do mesmo foi instituído, de forma a dar resposta o mais prontamente possível às suas necessidades, sendo certo que, in casu, e desde o seu início, não se vislumbra outro interesse que não fosse esse que presidiu à instauração da ação pela requerente. Realce-se ainda que, como se extrai do que se deixou exarado, o Mº Pº/apelante não ataca o mérito da decisão da causa (como nunca atacou os pressupostos substantivos/materiais em que a ação se fundou quando foi instaurada, ou a idoneidade das pessoas indicadas para representar e zelar pela sua pessoa e interesses), que decretou o regime do acompanhamento da requerida/beneficiária, mas só por virtude da alegada falta de um pressuposto de natureza puramente processual, que, in casu, mesmo a verificar-se, não se vislumbra onde possa prejudicar aquela ou então em que medida a poderá vir a beneficiar. (No sentido do decidido, Vide ainda, além do Ac. da RG de 12/09/2019 atrás citado, o Ac. da RC de 17/09/2019, proc. nº. 6985/18.3T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt).

Em conclusão, a requerente é parte legítima na ação, carecendo de fundamento o recurso do Mº Pº/apelante, o qual, assim, se julga improcedente.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença da 1ª. instância.

Sem custas, por o apelante delas estar isento (artº.4º, nº. 1 al. a), do RCP)

Sumário

I- A Lei nº 49/2018, de 14/02, criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os tradicionais institutos da interdição e da inabilitação.

II- Lei essa que veio introduzir uma mudança de paradigma e uma nova filosofia no estatuto das pessoas portadoras de incapacidade, o qual passou a centrar-se exclusivamente na defesa dos interesses das mesmas, quer ao nível pessoal, quer ao nível patrimonial, reduzindo a intervenção ao mínimo possível, isto é, ao necessário e suficiente de molde a garantir, sempre que possível, a autodeterminação e a capacidade da pessoa maior incapacitada.

III- Este novo paradigma trouxe enormes modificações na ordem jurídica, quer em termos substantivos, quer em termos processuais.

IV- Entre as alterações processuais introduzidas pelo novo regime jurídico do acompanhamento do maior encontra-se aquela referente à legitimidade para requerer esse tipo de processos especiais.

V- A esse nível da legitimidade ativa, e no confronto com regime anterior em vigor para os institutos de interdição e de inabilitação,  tal decorre da leitura do artº 141º do CC, assistiu-se a uma restrição do leque das pessoas que podem instaurar a ação especial de acompanhamento de maior, a qual passou a ficar limitada: a) ao próprio beneficiário; b) ao cônjuge ou unido de facto deste ou a qualquer seu parente sucessível, desde que estes estejam autorizados por aquele; e c) ao Ministério Público, independentemente dessa autorização.

VI- Porém, no concerne ao cônjuge, ao unido de facto ou aos parentes sucessíveis do beneficiário, a autorização deste passou ser suprida pelo tribunal quando, em face das circunstâncias, o beneficiário não a possa dar, de forma livre e consciente, ou ainda quando existir um outro fundamento atendível, devendo em tais em tais circunstâncias esse pedido de suprimento ser formulado aquando da instauração da ação e em cumulação com o pedido de acompanhamento nela requerido.

VII- Nessa Lei consagrou-se uma norma transitória (o artº 26º) para os processos pendentes, nos termos da qual ressalta que o novo regime de acompanhamento por aquela instituído se aplica imediatamente aos processos pendentes, devendo, para tal, o juiz lançar mão dos princípios da gestão processual e da adequação formal de molde a adequar a tramitação desses processos às novas regras e, sobretudo, aos princípios orientadores do novo regime consagrado.

VIII- Norma essa que, todavia, e no que concerne aos atos processuais, deve ser interpretada com o sentido e alcance não só da aplicação imediata daquela Lei a todos os atos ainda por praticar nos processos pendentes (de interdição e inabilitação), mas também do aproveitamento de todos os atos processuais já antes neles praticados.

IX- Dispondo a requerente de uma ação especial de interdição por anomalia psíquica de legitimidade aquando da sua instauração, a transmutação dessa ação para ação/processo de acompanhamento de maior - em virtude da entrada vigor citada Lei nº 49/2018, quando o processo se encontrava pendente (ainda que na fase imediatamente subsequente à citação da requerida/beneficiária, na pessoa da curadora provisória que lhe fora nomeada por impossibilidade da mesma a receber por motivos de anomalia psíquica) - não lhe retira essa sua legitimidade para ação, sem que se lhe imponha, no caso, para continuar a conservar a mesma, o suprimento judicial da autorização da beneficiária.


Coimbra, 2019/12/10