Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2065/18.0T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CONFISSÃO
DECLARAÇÕES DE PARTE
DEPOIMENTO DE PARTE
RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
ADVOGADO
SEGURO
FRANQUIA
Data do Acordão: 11/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 352, 405 CC, 452, 466 CPC, 104 EOA, 146 RJCS
Sumário: 1. Como emana da prova por confissão e por declarações de parte (Capítulo III, Secção I e Secção II, com início no art. 452º e segs. do NCPC), o primeiro visa a confissão, que é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, como estipula o art. 352º do CC, pelo que a ocorrer estamos perante uma prova legal plena, vinculativa, enquanto as declarações de parte são apreciadas livremente pelo julgador (salvo se elas constituírem confissão) - art. 466º, nº 3, do NCPC.

2. Daí, que em conformidade, não se admita que o depoimento de parte possa ser probatoriamente valorado na parte em que lhe seja favorável.

3. Embora as declarações de parte sejam acto de prova distinto do depoimento de parte, no acto de produção deste, o depoente poderá manifestar a vontade de que as declarações favoráveis que faça sejam valoradas como prova sujeita à livre apreciação do julgador (desde que a parte contrária esteja presente, ou lhe seja dada a possibilidade de ser ouvida).

4. Se a seguradora e o advogado, ambos RR, no contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória, relativa a actividade profissional de advogado, acordaram numa franquia, a cargo do advogado, num determinado montante, cláusula, todavia, não oponível a terceiros lesados, a seguradora não tem direito a ver deduzida tal franquia do montante em que foi condenada a indemnizar a A.

Decisão Texto Integral:









I – Relatório

1. M (…), residente na (...) , instaurou acção comum contra J (…) com domicílio profissional em (...) , e contra a seguradora M (…) S.A., com sede em (...) , pedindo que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia global de 29.231,40 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em suma, a celebração de um contrato de serviço doméstico com terceiros, tendo sido depois despedida sem qualquer fundamento. Que mandatou o 1º réu, advogado, através de mandato forense para intentar acção de impugnação do despedimento e que a acção foi proposta mas veio a ser declarada deserta por culpa exclusiva do mandatário que, numa tentativa de remediar a situação, posteriormente, instaurou nova acção a qual veio a ser declarada improcedente com fundamento na prescrição dos créditos peticionados. Que naquela acção peticionava não só os salários não pagos mas também a indemnização pelo despedimento ilícito e pela não inscrição na Segurança Social uma vez que não foram efectuados os descontos e pagamentos mensais das devidas contribuições ou o seguro de trabalho, tudo num total de 20.651,40 €. Que enviou carta ao 1º réu a transmitir o seu desgosto, consternação e depressão por ver os seus direitos não atendidos, tanto mais que pagou 1.800 € de honorários. Que não obstante a participação do sinistro pelo 1º réu à 2ª ré esta informou que não assumia a responsabilidade pela ocorrência.

Só a ré M (…) contestou, alegando, em síntese, que a probabilidade da procedência da acção estaria dependente da prova a produzir em sede de julgamento no tribunal do trabalho, nomeadamente quanto à relação laboral e aos créditos laborais peticionados. Mais defendeu que não são devidos os montantes resultantes da devolução de honorários alegadamente pagos ao 1º réu e que não são indemnizáveis os alegados danos não patrimoniais peticionados. Mais defendeu que os juros de mora a existir condenação são apenas devidos a partir da prolação da sentença.

*

A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou ambos os RR no pagamento solidário à A. do montante de 14.574,91 €, sendo 13.574,91 € a título de dano patrimonial por “perda de chance”, acrescido de juros de mora à taxa legal de juros civis desde a citação até integral pagamento e 1.000 € a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal de juros civis, desde a data da decisão até integral pagamento.

*

2. A R M (…)  recorreu, concluindo que:

(…)

3. Inexistem contra-alegações.

II - Factos Provados

1. No dia 23 de Outubro de 2013 M (…)  emitiu mandato forense a favor do advogado J (…)  com vista à instauração de acção de impugnação judicial de regularização e licitude do despedimento.

2. No dia 13 de Novembro de 2013 o 1º Réu deu entrada de petição inicial no tribunal do trabalho de (...) em que era Autora M (…)  e Réus A (…) viúvo e A (…), solteiro, maior, que deu origem ao processo n.º 235/13.6TTCTB.

3. O pedido constante da petição identificada no ponto anterior era:

a) Serem os Réus solidariamente condenados a verem reconhecidos e sentenciado o despedimento da A. sem justa causa e sem processo disciplinar, e com declaração da sua nulidade, e consequentemente,

b) Serem os Réus condenados a pagarem solidariamente à Autora a peticionada e discriminada quantia em 21º e 22º supra, no valor total à presente data de 20.641,40€;

c) Bem como ainda serem solidariamente os Réus condenados a pagarem à Autora todos os seus direitos salariais vincendos, férias, subsídios de férias e de Natal e juros moratórios à taxa de 4% ao ano, desde a presente data e até à sentença condenatória e efectivo e integral pagamento e,

d) (…).”.

4. Alegava a Autora, em síntese, que em princípios de Janeiro de 2012 celebrou com os Réus um contrato verbal de serviço (trabalho) doméstico sem termo que teve início no dia 10 de Janeiro de 2012 e cujo local de trabalho se situava no domicílio dos então Réus e cujo conteúdo se definia pela residência permanente no domicílio dos Réus, dormindo e tomando as suas refeições a expensas da entidade patronal de quem recebia ordens e instruções de trabalho e que estava obrigada a confeccionar as refeições, lavar e tratar das roupas, arrumar e limpar a casa, tratar de uma pequena horta e jardim contíguos à moradia e na execução das tarefas externas correlacionadas com tais como serviços de costura e compras domésticas, mediante a remuneração mensal fixa de € 600,00 e com direito de alojamento e alimentação gratuitos, e que apenas lhe foram pagos os salários de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012 e que mais nenhum salário lhe foi pago até ao despedimento verbal ocorrido no dia 5 de Setembro de 2013 pelos Réus sem qualquer fundamento, tendo o Réu A (…) insultado e agredido fisicamente a Autora dizendo-lhe que o contrato estava terminado naquele momento e manhã o que obrigou a Autora a sair de casa e do seu posto de trabalho.

5. Os valores peticionados na acção identificada em 2. foram os seguintes:

“a) Não opta a A. pela sua reintegração no seu posto de trabalho, pelo que lhe é devida em dobro a indemnização legal de um mês + um mês de salário pelo ano de 2012, de trabalho completo e mais a fracção, em dobro, de 9 meses até ao seu despedimento, em 5 de Setembro de 2013 – 600,00€ + 600,00€ (2012) = 1.200,00€ + 180,00€ +180,00€ = 360,00€ = 1.560,00€ (art.ºs 31.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. N.º 235/92);

b) Salários vencidos e não pagos, à razão de 600,00€ mensais, dos meses de Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2012, e de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2013 – 12.000,00€;

c) Férias e subsídio de férias, do ano de 2012, não gozadas e não pagas e com violação do direito a férias (art.º 16.º; 18.º e 21.º, do D.L. N.º 235/92), 16 dias x 2 + 4 dias = 36 dias x 20€ / dia - 720,00€;

d) Férias e subsídio de férias vencidos em 1/01/2013 não gozadas, não pagos, e com violação do direito a férias, 600,00€ x 4 = 2.400,00€ (art.º 21.º, do D.L. n.º 235/92);

e) Férias e subsídio de férias, proporcionais, não gozadas e não pagas, e com violação do direito a férias, do ano de 2013, nove meses, 400,00 X 4 = 1.600,00€ (art.º 21.º, do D.L. n.º 235/92);

f) Subsídio de Natal, não pago, do ano de 2012 = 300,00€ (Art.º 12.º, do D.L. n.º 235/92);

g) Subsídio de Natal, não pago, do ano de 2013 = 400,00€ (Art.º 12.º, do D.L. n.º 235/92);

h) Do ano de 2012, dias de feriados obrigatórios não gozados, não pagos e não compensados em tempo livre, 14 dias de feriados obrigatórios - 14X20,00€/dias - 280,00€ (art.º 24.º, n.º 3 do D.L. n.º 235/92);

i) Do ano de 2013, dez dias de feriados obrigatórios, não gozados, não pagos e não compensados em tempo livre – 10 dias x 20,00€/dia=200,00€ (n.º 3, Art.º 24.º, do D.L. n.º 235/92);

j) Os juros moratórios vencidos até à presente data e à taxa anual de 4% e a contar do mês de Abril/2012 e até à presente data, no montante de 1.151,40€;

k) Todos os salários, férias, subsídios de férias e de Natal vincendos, incertos, e tudo até sentença e efectivo e integral pagamento; e,

l) Os juros vincendos à taxa anual de 4% ao ano desde a presente data sobre a totalidade dos direitos salariais computados e em dívida, e sobre os vincendos desde a presente data e tudo até efectivo e integral pagamento.”

6. Na acção identificada em 2., a Autora invocava, ainda, a falta de inscrição na segurança social não estando efectuados os descontos e pagamentos mensais das contribuições e a não existência de seguro de trabalho.

7. Em complemento, alegava a recusa de entrega de documentos enumerados nos artigos 35.º, do D.L. N.º 235/92, e do 341.º, do C.T., por parte dos réus, o que era legalmente devido, pugnando pela aplicação das sanções estabelecidas nos artigos 36.º, do D.L. n.º235/92, de 24 de Outubro e no n.º 3, do Art.º 341.º, do C.T..

8. O valor do pedido na acção ascendia a € 20.651,40.

9. Como elementos de prova na acção identificada em 2. foram apresentadas quatro testemunhas:

- (…)

10. Na acção identificada em 2., por despacho de 18 de Dezembro de 2013, foi designada audiência de partes que teve lugar no dia 9 de Dezembro de 2013 tendo-se frustrado a tentativa de conciliação das partes e foi designada data para audiência de julgamento para o dia 5 de Março de 2014.

11. Os Réus A (…) e A (…) contestaram a acção identificada em 2. alegando em síntese que:

“(…) Acontece que o 2º Réu, em Janeiro de 2012, amigo da A., sabendo que esta era uma pessoa sozinha e que vivia com algumas dificuldades económicas e tinha problemas de saúde, propôs-lhe que passasse a frequentar a casa dos RR., aí pernoitando e fazendo as refeições, o que a Autora aceitou.

Desde o início sempre existiu uma grande cumplicidade e uma relação de amizade que foi crescendo entre a Autora e os RR.

Tomavam as refeições em conjunto, o 2º Réu acompanhava a Autora a consultas médicas, à urgência do hospital, comprava-lhe medicamentos e outras coisas que lhe fizessem falta, como roupa e calçado ortopédico, ia com ela visitar a família, lavrava e limpava um pequeno terreno que esta possui, e esta em agradecimento e por estar grata ajudava o 2º Réu a tomar conta do seu pai.

A relação da Autora com o Réu sempre foi uma relação de amizade, pautada pela confiança e respeito mútuos e nunca uma relação de trabalho.

Até porque a Autora nunca pediu qualquer remuneração ao Autor pelo trabalho que desenvolvia com o seu pai, nomeadamente dar-lhe as refeições e a medicação, sendo a A. quem afirmava que não queria nada, tendo em conta tudo o que lhe era disponibilizado e a relação que os unia.

O Réu via a Autora como alguém da família e esta dizia a toda a gente, pela aldeia de (...) , que se sentia muito bem, que era da família e que estava a ser muito bem tratada em casa dos RR.

Em meados de Fevereiro de 2012 a Autora passou a dormir em casa do pai Réu, onde tinha um quarto para si, com todas as condições.

Tudo corria bem até que, a A. começou a ficar aborrecida porque, segundo ela, o pai do Réu fazia barulho durante a noite e não a deixava dormir e sugeriu ao Réu que o colocasse num lar de idosos.

O Réu não concordou com isto e a Autora em Agosto de 2013, depois de ter discutido com aquela acerca deste assunto, foi-se embora de casa deste, dizendo que não queria aí continuar.

O Réu assentiu até porque a Autora só falava em colocá-lo num lar ficando o 2º R. e ela a residir na casa do R., o que era contra a sua vontade, e poucas vezes voltaram a estar juntos.”

12. Na acção identificada em 2. e por despacho datado de 23 de Janeiro de 2014, foi proferido despacho saneador.

13. Por requerimento datado de 28 de Fevereiro de 2014, o mandatário dos Réus na acção identificada em 2. informou que o Réu A (…) havia falecido em 26 de Fevereiro de 2014.

14. Por despacho datado de 3 de Março de 2014, veio a acção identificada em 2. a ser declarada suspensa na sequência do óbito do Réu A (…).

15. Por requerimento datado de 3 de Junho de 2014, o ora 1º Réu apresentou requerimento no processo identificado em 2. do seguinte teor:

“M (…), A. nos autos, tendo o R. A (…) falecido em 27 de Fevereiro de 2014, e tendo já decorrido o prazo legal normal de três meses para efeitos do Processo de Imposto do Selo da Herança e da Habilitação de Herdeiros (art.º 26.º, n.º 3, do C. I. Selo), vem requerer a V.ª Ex.ª que se digne mandar notificar o R. A (…) para vir aos autos comprovar se se encontra ou não já habilitado como sucessor de seu falecido pai, e co-R. que foi nos autos, e comprovada que seja nos mesmos tal circunstância, mais se requer a V.ª Ex.ª que se digne determinar a imediata suspensão da instância (art.º 276.º, n.º 1, al. a), do C.P.C.), e seguindo-se no mais e até final os ulteriores e processuais termos.”

16. Em resposta o mandatário dos então Réus apresentou requerimento do seguinte teor: “A (…), R., melhor id. nos autos, vem esclarecer o seguinte: O incidente de habilitação de herdeiros tem de ser suscitado pela parte que tem interesse no prosseguimento dos autos. Por outro lado, a habilitação efectuada fora do presente processo não produz neste quaisquer efeitos jurídicos, tais como o levantamento da suspensão e o prosseguimento dos autos. Pelo que requer a V. Exª se digne ordenar que aguardem os autos o impulso processual respectivo.”.

17. Em 19 de Novembro de 2014 na acção identificada em 2. foi proferido o seguinte despacho: “Ao abrigo do disposto no artigo 285.º, n.º 1 do CPC, julgo deserta a presente instância.”.

18. Em 29 de Maio de 2015, no processo identificado em 2., o mandatário da Autora apresentou o seguinte requerimento: “M (…), A. nos autos, vem requerer a V.ª Ex.ª que se digne determinar de imediato o termo da suspensão da instância, e o prosseguimento dos autos, por se encontrar já nos autos prova dos sucessores da herança (Habilitação de Herdeiros), o R. A (…)e sua irmã, e filha do co-R. falecido, M (…), e proferindo-se e notificando-se consequentemente tal decisão de habilitação dos aludidos sucessores, e seguindo-se no mais e até final os ulteriores e processuais termos (art.º 276.º, n.º 1, al. a), do C.P.C.).”.

19. Por despacho de 3 de Junho de 2015, a Mmª Juiz decidiu o seguinte: “Conforme resulta do último despacho proferido nos autos, a instância foi julgada deserta, mostrando-se por isso já extinta. Assim sendo, e sem necessidade de outras considerações, indefere-se o ora requerido.”.

20. No dia 25 de Junho de 2015 o 1º Réu deu entrada de nova petição inicial no tribunal do trabalho de (...) em que era Autora M (…) e Réus A (…), solteiro, maior e M (…), casada, que deu origem ao processo n.º 1444/15.0TTCTB.

21. O pedido constante da petição identificada no ponto anterior era:

a) Serem os Réus solidariamente condenados a verem reconhecidos e sentenciado o despedimento da A. sem justa causa e sem processo disciplinar, e com declaração da sua nulidade, e consequentemente,

b) Serem os Réus condenados a pagarem solidariamente à Autora a peticionada e discriminada quantia em 22º e 23º supra, no valor total à presente data de € 37.564,00;

c) Serem ainda solidariamente os Réus condenados a pagarem à Autora todos os seus direitos salariais vincendos, férias, subsídios de férias e de Natal e juros moratórios à taxa de 4% ao ano, desde a presente data e até à sentença condenatória e efectivo e integral pagamento;

d) (…).

e) (…)”.

22. Alegava a Autora, em síntese, que em princípios de Janeiro de 2012 celebrou com os Réus um contrato verbal de serviço (trabalho) doméstico sem termo que teve início no dia 10 de Janeiro de 2012 e cujo local de trabalho se situava no domicílio dos então Réus e cujo conteúdo se definia pela residência permanente no domicílio dos Réus, dormindo e tomando as suas refeições e expensas da entidade patronal de quem recebia ordens e instruções de trabalho e que estava obrigada a confeccionar as refeições, lavar e tratar das roupas, arrumar e limpar a casa, tratar de uma pequena horta e jardim contíguos à moradia e na execução das tarefas externas correlacionadas com tais como serviços de costura e compras domésticas, mediante a remuneração mensal fixa de € 600,00 e com direito de alojamento e alimentação gratuitos, e que apenas lhe foram pagos os salários de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012 e que mais nenhum salário lhe foi pago até ao despedimento verbal ocorrido no dia 5 de Setembro de 2013 pelos Réus sem qualquer fundamento, tendo o Réu A (…) insultado e agredido fisicamente a Autora dizendo-lhe que o contrato estava terminado naquele momento e manhã o que obrigou a Autora a sair de casa e do seu posto de trabalho.

23. Os valores peticionados na acção identificada em 20. eram os seguintes:

a) Indemnização legal de um mês + um mês de salário pelo ano de 2012, de trabalho completo e mais a fracção, em dobro, de 9 meses até ao seu despedimento, em 5 de Setembro de 2013: € 600,00+ € 600,00 (2012) = € 1.200,00+€ 180,00+€ 180,00 = € 360,00 = 1.560,00;

b) Salários vencidos e não pagos à razão de € 600,00 mensais dos meses de Abril a Dezembro de 2012, ambos inclusive, e dos meses de Janeiro a Novembro de 2013, ambos inclusive, no total de 21 meses: € 12.600,00;

c) Férias e subsídio de férias do ano de 2012 não gozadas e não pagas e com violação do direito a férias: 16 dias x 2 + 4 = 36 dias x 20€ dia: € 720,00;

d) Férias e subsídio de férias vencidos em 1/1/2013 não gozadas e não pagos € 600,00 x 4 = € 2.400,00;

e) Férias e subsídio de férias, proporcionais, não gozadas e não pagas e com violação do direito a férias do ano de 2013: 9 meses € 600,00 x 4 = € 2.400,00;

f) Subsídio de Natal não pago do ano de 2012 = € 600,00;

g) Subsídio de Natal não pago do ano de 2013 = € 600,00;

h) Do ano de 2012, dias de feriados obrigatórios não gozados, não pagos e não compensados em tempo livre, 14 dias de feriados obrigatórios: 14 x 20,00€ dia: € 280,00;

i) Do ano de 2013, dez dias de feriados obrigatórios não gozados, não pagos e não compensados em tempo livre: 10 dias x 20,00€ dia = € 200,00;

j) Salários do ano de 2014, 14 meses x 600,00€ = 8.400,00€;

k) Férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2014, 4 meses x 600,00€ mês =€ 2.800,00;

l) Ano de 2015, salários: 6 meses x€ 600,00 mês = € 3.600,00;

m) Ano de 2015, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, proporcionais: € 900,00;

n) Juros moratórios vencidos à taxa de 4% e a contar do mês de Abril/2012 e até à presente data no montante de € 504,00;

o) Todos os salários, férias, subsídios de férias e de Natal vincendos, incertos, e tudo até sentença e efectivo e integral pagamento; e

p) Os juros vincendos incertos à taxa anual de 4% ao ano desde a presente data sobre a totalidade dos direitos salariais computados e em dívida e sobre os vincendos desde a presente data e tudo até efectivo e integral pagamento.”.

24. Na acção identificada em 20., por despacho de 02 de Julho de 2015, foi designada audiência de partes que teve lugar no dia 9 de Setembro de 2015 tendo-se frustrado a tentativa de conciliação das partes pelo que foi designada data para audiência de julgamento para o dia 30 de Novembro de 2015.

25. Os Réus A (…) e M (…) contestaram a acção identificada em 20. alegando em síntese:

“Por Excepção

Do Caso Julgado

Correu termos neste Tribunal acção com o número de processo 235/13.6TTCTB, a qual se extinguiu por deserção, em tudo idêntica à presente, em relação aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

Estamos, assim, perante uma repetição da causa, comumente chamada de caso julgado, a qual consubstancia uma excepção dilatória e que, nos termos do art. 576.º, n.º 2 do CPC, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.

Da Prescrição

Os créditos laborais reclamados pela A., caso fossem devidos, o que não se concede, encontram-se prescritos, nos termos do art. 337º, nº 1 do Código do Trabalho.

Alegando a A. que o contrato de trabalho cessou no dia 05 de Setembro de 2013, dia em que, segundo ela, foi despedida verbalmente, há muito que os créditos resultantes do eventual contrato de trabalho se encontram prescritos face à data de interposição da presente acção, isto é decorreu mais de um ano após a alegada cessação do contrato de trabalho.

Por Impugnação

Na verdade, nem os Réus nem o falecido pai do Réu alguma vez celebraram qualquer contrato de trabalho com a Autora, nunca existiu entre Autora e Réus qualquer relação laboral, nunca lhe foi estipulado um horário de trabalho, nem nunca esteve sob as ordens e direcção dos Réus, ou do falecido pai do 1º Réu.

Acontece que o 1º Réu, em Janeiro de 2012, amigo da A., sabendo que esta era uma pessoa sozinha e que vivia com algumas dificuldades económicas e tinha problemas de saúde, propôs-lhe que passasse a frequentar a casa dos RR., aí pernoitando e fazendo as refeições, o que a Autora aceitou.

Desde início sempre existiu uma grande cumplicidade e uma relação de amizade que foi crescendo entre a Autora, o Réu e o seu falecido pai.

Tomavam as refeições em conjunto, o 1º Réu acompanhava a Autora a consultas médicas, à urgência do hospital, comprava-lhe medicamentos e outras coisas que lhe fizessem falta, como roupa e calçado ortopédico, ia com ela visitar a família, lavrava e limpava um pequeno terreno que esta possuí, e esta em agradecimento e por estra grata ajudava o Réu a tomar conta do seu pai, pessoa idosa e doente.

A relação da Autora com o Réu sempre foi uma relação de amizade, pautada pela confiança e respeito mútuos e nunca uma relação de trabalho.

Até porque a Autora nunca pediu qualquer remuneração aos Réus pelo trabalho que desenvolvia com o seu pai, nomeadamente dar-lhe as refeições e a medicação.

O Réu via a Autora como alguém da família e esta dizia a toda a gente, pela aldeia de (...) , que se sentia muito bem, que era da família e que estava a ser muito bem tratada em casa do Réu e seu pai.

(…).”

26. Por requerimento datado de 22 de Setembro de 2015, o 1º Réu, em representação da Autora, respondeu à matéria de excepção nos seguintes termos:

“1. Quanto à excepção deduzida de caso julgado, nos termos da lei processual civil, só há caso julgado quando se verificar que há repetição da acção com decisão da primeira acção por sentença que já não admita recurso ordinário.

Não tendo sido proferida sentença na primeira acção interposta, não há caso julgado, tendo havido sim deserção da mesma, pelo que se impugna tal deduzida excepção, por não provada e improcedente, sendo inaplicável a legislação atinente invocada pelos Réus, e requerendo-se o liminar indeferimento de tal excepção.

2. Quanto à excepção de prescrição deduzida impugna-se a mesma, por infundada e pela inaplicabilidade do normativo invocado pelos Réus, pois que a interposição da primeira acção da A. interrompeu o prazo prescricional dos seus direitos salariais, e a presente acção foi interposta em prazo e tempo processual, pelo que, e como se requer, é de se indeferir liminarmente a excepção invocada, como é de lei.”

27. Na acção identificada em 20. e por despacho datado de 22 de Outubro de 2015, foi declarada improcedente a excepção de caso julgado e procedente a excepção de prescrição e, em consequência, foi a acção extinta.

28. O 1º Réu não informou a Autora sobre o desfecho da acção.

29. Por diversas vezes a Autora tentou contactar o aqui 1º Réu sem sucesso.

30. No dia 27 de Fevereiro de 2017, a Autora enviou uma carta ao aqui 1º Réu, que este recebeu, pela qual pedia para ser informada sobre o processo referente ao Senhor A (…) e onde escrevia “o Senhor Doutor disse-me que já tinha o cheque há já seis meses e ainda não me resolveu a situação. (…).”.

31. Também no dia 27 de Fevereiro de 2017, a Autora enviou carta para o processo identificado em 20., recebida no dia 1 de Março de 2017, pela qual pedia que a informassem sobre o estado dos autos.

32. Em resposta à carta identificada no ponto anterior, o tribunal informou a Autora que a acção tinha sido declarada extinta.

33. Em 30 de Março de 2017, a Autora enviou nova carta ao 1º Réu, que a recebeu, a pedir explicações acerca da sua conduta e promessas e onde transmitia o seu desgosto, consternação e estado de depressão por não ver os seus direitos atendidos e por entender que tinha sido enganada quanto à recuperação do dinheiro a que achava ter direito.

34. Por requerimento de Abril de 2017, o aqui 1º Réu solicitou ao tribunal do trabalho a confiança do processo a fim de prestar informações à aqui 2ª Ré em virtude do accionamento do seguro de responsabilidade civil profissional.

35. Entre a 2ª Ré e a Ordem dos Advogados foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário e anual do Ramo de Responsabilidade Civil titulado pela apólice nº (...) .

36. O artigo 2º das Condições Especiais de Responsabilidade Civil Profissional é do seguinte teor: “Mediante o pagamento do prémio, e sujeitos aos termos e condições da apólice, a presente tem por objetivo garantir ao segurado a cobertura da sua responsabilidade económica emergente de qualquer reclamação de Responsabilidade Civil de acordo com a legislação vigente, que seja formulada contra o segurado, durante o período de seguro, pelos prejuízos patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da atividade profissional ou no exercício de funções nos Órgãos da Ordem dos Advogados.”, com um limite de € 150.000,00 por sinistro.

37. É do seguinte teor o ponto 12 do artigo 1.º da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional: “Nos termos acordados, constitui “Reclamação” “Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, ou contra o segurador, quer por exercício de ação direta, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da apólice;” bem assim como “Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo segurado e notificada oficiosamente por este ao segurador, de que possa:

i) Derivar eventual responsabilidade abrangida pela apólice;

ii) Determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou

iii) Fazer funcionar as coberturas da apólice.”.

38. Consta do ponto 10 das “Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil” que “O Contrato de Seguro dos Autos foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com data de início às 0:00 horas do dia 1 de Janeiro de 2014 e termo às 0:00 horas do dia 1 de Janeiro de 2015.

39. O contrato foi, posteriormente, renovado para os períodos de seguro correspondentes às anuidades de 2015 a 2017.

40. Consta do ponto 6A que através do referido Contrato de Seguro a Ré segura a “Responsabilidade Civil Profissional dos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual (…)”, com um limite de € 150.000,00.

41. Da cláusula 9 do referido Contrato de Seguro consta que “Estabelece-se uma franquia de 5.000,00 por sinistro, não oponível a terceiros lesados.

42. O 1º Réu enviou uma carta à Autora datada de 20 de Junho de 2017, que esta recebeu, pela qual informava que “(…) o dinheiro do processo ainda está na Companhia de Seguros M (…)e a título algum o meti no meu bolso, ou o poderia meter ou o meteria e também não sou responsável pelos erros e omissões da Seguradora quanto à demora ocorrida e à forma como a Seguradora tem tratado do assunto (…).”.

43. A 2ª Ré enviou carta datada de 25 de Setembro de 2017 à Autora pela qual lhe remetia cópia de carta enviada ao 1º Réu em 18 de Setembro de 2017.

44. A 2ª Ré enviou ao 1º Réu carta datada de 18 de Setembro de 2017, do seguinte teor:

“Exmº Senhor Dr.

Os nossos melhores cumprimentos. Acusamos a receção da participação do sinistro cujo teor mereceu a nossa melhor atenção e análise.

Terminada a instrução do processo e analisados todos os elementos carreados ao mesmo, e bem assim as Condições Gerais, Particulares e Especiais da apólice, os nossos serviços técnicos concluíram que, da análise dos atos administrativos ocorridos a seu tempo, não ficou demonstrado o nexo causal entre o fato ilícito e culposo imputável a V. Exª e os danos alegadamente sofridos pelo Lesado, não se verificando, consequentemente, uma verdadeira perda de chance merecedora de tutela.

Em face do atrás exposto, e embora lamentando, informamos V. Exª que não podemos regularizar os danos reclamados.

Encontramo-nos ao dispor para qualquer esclarecimento adicional, subscrevemo-nos com elevada consideração. (…).”

45. Mostra-se bastante provável que a acção identificada em 2. procedesse quanto à seguinte factualidade:

i. Desde 10 de Janeiro de 2012 até 5 de Setembro de 2013, por acordo efectuado verbalmente, a Autora trabalhou para A (…) e A (…) como empregada doméstica.

ii. As funções da Autora consistiam na vigilância e na assistência de A (…) confeccionar refeições, fazer a lavagem e tratamento de roupas, tratar da casa, serviços de jardinagem, cultivo da horta e execução de outras tarefas relacionadas com estas.

iii.. A Autora vivia em casa de A (…) e A (…) que lhe forneciam alimentação e alojamento.

iv. A remuneração mensal acordada foi de € 600,00.

v. Foram pagos à Autora os salários de Janeiro, Fevereiro e Março de 2012.

vi. A Autora trabalhou ininterruptamente entre 10 de Janeiro de 2012 e 5 de Setembro de 2013.

46. A conduta do 1º Réu ao não responder às cartas da Autora e aos telefonemas e depois as promessas de que iria receber dinheiro e a sua frustração, deixou-a num estado de ansiedade, tristeza, mau estar e com problemas em dormir.

47. A surpresa, o espanto e o choque de saber que durante quatro anos nada tinha sido feito para ser ressarcida fez a Autora cair em tristeza profunda, deixando de querer sair de casa, isolando-se e chorando muitas vezes.

 

III - Do Direito

 

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Não atribuição de indemnização à A., por danos morais.

- Absolvição parcial da R., relativamente a danos patrimoniais.

- Condenação do 1º R. no pagamento do valor da franquia.

2. A R. impugna a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 28., 29., 45.vi), 46. e 47., pugnando que passem a não provados, com base nos depoimentos de parte da A. e do 1º R., e depoimentos testemunhais (…) (cfr. conclusões de recurso I. a X., XII. a XV.).  

2.1. A julgadora de facto sobre esta matéria exarou na respectiva motivação que:

(…)

2.2. Analisando, temos que começar por destrinçar o que significa o depoimento de parte e as declarações de parte.

Como emana da prova por confissão e por declarações de parte (Capítulo III, Secção I e Secção II, com início no art. 452º e segs. do NCPC), o primeiro visa a confissão, que é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, como estipula o art. 352º do CC, pelo que a ocorrer estamos perante uma prova legal plena, vinculativa, enquanto as declarações de parte são apreciadas livremente pelo julgador (salvo se elas constituírem confissão) - art. 466º, nº 3, do NCPC. Regimes probatórios, portanto, com efeitos diferentes. Daí que em conformidade com a nossa tradição jurídica, o CPC anterior não admitisse que o depoimento de parte pudesse ser probatoriamente valorado na parte em que lhe fosse favorável. Já o NCPC passou a admitir a prova por declarações de parte. Como explica L. Freitas (A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., pág. 260), embora as declarações de parte sejam acto de prova distinto do depoimento de parte, afigura-se que, no acto de produção deste, o depoente poderá manifestar a vontade de que as declarações favoráveis que faça sejam valoradas como prova sujeita à livre apreciação do julgador, desde que a parte contrária esteja presente, ou lhe seja dada a possibilidade de ser ouvida.

No nosso caso verifica-se que o depoimento de parte da A. foi determinado pela julgadora (como decorre da acta). E esta não manifestou qualquer vontade que as declarações favoráveis que prestasse fossem valoradas como declaração de parte.

Assim, não se entende, como a julgadora de facto refere na sua motivação que se fundou nas declarações de parte da A., em relação aos factos provados 28. e 29., quando relativamente aos factos 45. a 47. já refere que se baseou no seu depoimento de parte !? (vide a transcrição da dita motivação acima efectuada). O que temos verdadeiramente, pois, é mero depoimento de parte da A., em relação à totalidade de tal factualidade.  

Aprofundando agora tal análise, deparamo-nos com o seguinte quadro.

Por um lado, em relação aos factos provados 28., 29, 46. e 47.,, não se compreende como a recorrente pretende que o depoimento de parte do 1º R. tenha algum valor de contraprova ou mesmo prova contrária, pois o 1º R., daquilo que disse, como atrás vimos, nada confessou (aliás, além de não existir, nem qualquer eventual confissão foi reduzido a assentada, como imporia o art. 463º do NCPC).  

Por outro lado, referente aos mesmos factos provados 28., 29, 46. e 47 porque a julgadora se baseou, parcialmente, no depoimento de parte da A., favorável à mesma, tal depoimento carece completamente de valor probatório.

E careceria, ainda que assim não fosse, porquanto, como resulta do depoimento de parte da A., a mesma não se referiu a tal matéria, não versou sobre ela, sendo incompreensível, as referências que a julgadora de facto efectua na sua motivação sobre tal matéria !!??       

Ficamos, pois, tão-só com a carta de fls. 102, reportada aos factos 28. e 29. E depoimento do filho da A., o (…), reportado aos factos 46. e 47. Ora, tal carta, mero documento particular (art. 373º do CC) assinado pela A., de apreciação livre, sem outro suporte probatório, não tem a virtualidade de por si comprovar os factos 28. e 29. E o depoimento testemunhal do filho da A, dado ser muito parco, dele emergindo apenas que a A. é uma pessoa nervosa, e que estava angustiada por o A (…) não lhe pagar o que devia, não referindo qualquer angústia em relação a comportamentos concretos do 1º R., não tem abrangência probatória para, também, comprovar os apontados factos 46. e 47. Pelo que importa concluir que, por falta de lastro probatório, tal factualidade tem de passar a não provada, procedendo a impugnação da apelante.

No que respeita ao facto provado 45. vi, começa por se assinalar que não se consegue vislumbrar aonde a julgadora de facto foi buscar a referência a confissão do 1º R., pois não vem concretizada de todo ! De outra parte, e reportando-nos ao depoimento de parte da A., mais uma vez o seu depoimento não versou sobre tal matéria, pelo que mais uma vez não se compreende que a julgadora de facto se baseie no mesmo !!?? . E caso tal tivesse acontecido, igualmente estaríamos de novo, perante um depoimento de parte favorável, carecido de valor probatório.

Assim, restam os depoimentos testemunhais referenciados pela julgadora. Ora, como resulta desses depoimentos, acima referidos, nenhuma das indicadas testemunhas (…) mencionou o que quer que fosse sobre tal matéria. Como assim, igualmente tal parte do facto provado 45. tem de passar a não provado.

Pelo explicitado, tais factos passam a não provados a negrito (ficando em letra minúscula no elenco dos provados) nos seguintes termos:

A. O 1º Réu não informou a Autora sobre o desfecho da acção.

B. Por diversas vezes a Autora tentou contactar o aqui 1º Réu sem sucesso.

C. A Autora trabalhou ininterruptamente entre 10 de Janeiro de 2012 e 5 de Setembro de 2013.

D. A conduta do 1º Réu ao não responder às cartas da Autora e aos telefonemas e depois as promessas de que iria receber dinheiro e a sua frustração, deixou-a num estado de ansiedade, tristeza, mau estar e com problemas em dormir.

E. A surpresa, o espanto e o choque de saber que durante quatro anos nada tinha sido feito para ser ressarcida fez a Autora cair em tristeza profunda, deixando de querer sair de casa, isolando-se e chorando muitas vezes.

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Finalmente, a Autora pede uma indemnização no valor de € 7.500,00 por danos não patrimoniais enquanto valoração de incómodos sofridos pela Autora.

Resultou dos factos provados que a conduta do 1º Réu ao não responder às cartas da Autora e aos telefonemas e depois as promessas de que iria receber dinheiro e a sua frustração, deixou-a num estado de ansiedade, tristeza, mau estar e com problemas em dormir [facto provado sob o ponto 46.] e que a surpresa, o espanto e o choque de saber que durante quatro anos nada tinha sido feito para ser ressarcida fez a Autora cair em tristeza profunda, deixando de querer sair de casa, isolando-se e chorando muitas vezes [facto provado sob o ponto 47.].

O n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil só admite a indemnização dos “danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.”

(…)

Em face do exposto, fixa-se em € 1.000,00 a indemnização a pagar à Autora por danos não patrimoniais.”.

A recorrente pugnou para que os factos provados 28., 29., 46. e 47., fossem dados como não provados, o que logrou conseguir. E consequentemente que os RR fossem absolvidos da condenação por danos morais (cfr. conclusão de recurso XI.).

O que se tem de conceder, visto que os factos que fundaram a condenação por danos morais acabaram por resultar em não provados. Incluindo-se, pois, nesta absolvição parcial, os respectivos juros de mora.

4. Na mesma sentença recorrida disse-se que:

ii) – Das férias não gozadas:

Reclamava a Autora deste e do processo identificado em 2. dos factos provados, o pagamento de uma compensação pelo facto de não ter gozado férias no ano de 2012 e no ano de 2013.

Vejamos:

Nos termos do artigo 238.º, n.º1, do Código do Trabalho o período anual de férias é de 22 dias úteis, sendo que nos termos da al. a) do n.º 3, a duração do período de férias é aumentada para mais três dias de férias no caso do trabalhador não ter faltado.

E os artigos 237.º e 238º do Código do Trabalho estabelecem que o trabalhador tem direito a um período de férias retribuídas em cada ano civil e que o direito a férias se adquire com a celebração do contrato de trabalho e vence-se no dia 1 de Janeiro de cada ano civil e no ano da contratação civil, o trabalhador tem direito, após seis meses completos de execução do contrato, a gozar dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até ao máximo de 20 dias úteis.

Já segundo o artigo 245.º do Código do Trabalho, cessando o contrato, o trabalhador tem direito a receber a retribuição de férias e respectivo subsídio proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação, sendo que em caso de contrato cuja duração não seja superior a 12 meses, o computo total das férias ou da correspondente retribuição a que o trabalhador tenha direito não pode exceder o proporcional ao período anual de férias tendo em conta a duração do contrato.

Ora, no caso, é muito provável que o pedido da Autora fosse procedente no sentido de que ao longo da execução do contrato a Autora não gozou qualquer período de férias.

Deste modo, teria a Autora direito a receber dos réus A (…) e A (…), a título de férias não gozadas, relativamente ao ano de 2012, 20 dias, o que perfaz € 545,45 (€ 600,00:22x20) e em 2013, 16 dias, o que perfaz € 436,36 (€ 600,00:22x16).

Assim sendo, a título de férias não gozadas, a Autora teria direito a receber € 981,81 a cujo pagamento os réus na acção identificada em 2. dos factos provados seriam condenados.

(…)

v) – Do trabalho em dias feriado:

Sustentava a Autora, que ao longo da relação laboral que manteve com os réus A (…) e A (/…) na acção identificada em 2. dos factos provados trabalhou em alguns feriados, num total de 14 dias em 2012 e 10 dias em 2013, sem que lhe fosse facultado descanso complementar.

Como é sabido, a interrupção do trabalho nos feriados não se justifica exactamente pelo descanso dos trabalhadores, mas indirectamente estabelece-se uma relação com um repouso dos trabalhadores, na medida em que estes têm direito à retribuição dos feriados como se estivessem a trabalhar sem que o empregador os possa compensar com trabalho suplementar, nos termos do artigo 269.º n.º 1 do Código do Trabalho, prevendo mesmo o n.º 2 deste artigo o direito à compensação pela perda do “descanso”, no caso de trabalho executado nesses dias em empresas dispensadas de encerrar aos feriados (cfr. a este respeito, Pedro Soares Martinez, Direito do Trabalho, 4ª edição, página 558).

Na verdade, dispunha o artigo 269.º do Código do Trabalho de 2009, na sua redacção originária, que:

“1 - O trabalhador tem direito à retribuição correspondente a feriado, sem que o empregador a possa compensar com trabalho suplementar.

2 - O trabalhador que presta trabalho normal em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia tem direito a descanso compensatório de igual duração ou a acréscimo de 100 % da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao empregador.”

Com a alteração introduzida pela lei n.º 23/2012 de 25 de Junho, passou tal normativo a dispor que:

“1 - O trabalhador tem direito à retribuição correspondente a feriado, sem que o empregador a possa compensar com trabalho suplementar.

2 - O trabalhador que presta trabalho normal em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia tem direito a descanso compensatório com duração de metade do número de horas prestadas ou a acréscimo de 50 % da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao empregador.”

Ora o ano de 2012 teve os seguintes dias feriados: 1 de Janeiro, 6 e 8 de Abril, 24 e 25 de Abril, 1º de Maio, 7 e 10 de Junho, 15 de Agosto, 5 de Outubro, 1 de Novembro, 1, 8 e 25 de Dezembro; e o ano de 2013 teve os seguintes dias feriados: 1 de Janeiro, 29 e 31 de Março, 9 e 25 de Abril, 1 e 30 de Maio, 10 de Junho e 15 de Agosto.

Aqui chegados, conclui-se pois que tendo a ali e aqui Autora em 2012 trabalhado em 14 dias feriados, sem que lhe fosse facultado descanso complementar, teria a mesma direito a ser remunerada nos termos do n.º 2 do citado artigo, ou seja, 9x€ 20,00 e 5x€ 10,00 e no ano de 2013 trabalhou 9 dias feriados sem que lhe fosse facultado descanso suplementar, terá a mesma direito a ser remunerada nos termos do n.º 2 do citado artigo, ou seja, 9x€ 10,00, num total de € 410,00.

Assim sendo, e considerando que a Autora ao longo da sua relação laboral com os réus na acção identificada em 2. A (…) e A (…), trabalhou em 24 dias feriados terá mesma direito a receber a tal título a quantia global de € 410,00, a cujo pagamento os ali réus muito provavelmente seriam condenados.”.

A apelante pugnou para que o facto provado 45. vi), fosse dado como não provado, o que logrou conseguir. E consequentemente que os RR fossem absolvidos da condenação por danos patrimoniais, a título de férias não gozadas e trabalho em dias de feriado (cfr. conclusão de recurso XVI.).

O que, igualmente, é de conceder, visto que o facto que fundou tal condenação terminou por não provado. Assim, tem de se retirar do montante indemnizatório arbitrado na 1ª instância as respectivas quantias de 981,81 € e 410 €, ou seja o total de 1.391,81 €. 

5. Por fim, na dita decisão apelada deixou-se dito:

“Por outro lado, o seguro de responsabilidade civil a que alude o artigo 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados tem a natureza de seguro obrigatório ….

(…)

Alega a 2ª Ré que foi estabelecida uma franquia de € 5.000,00 por sinistro, pelo que sempre será o 1º Réu responsável pelo pagamento da franquia.

De acordo com a apólice do contrato de seguro descrito nos autos, foi segura a responsabilidade civil profissional decorrente do exercício da advocacia, com um limite de € 150.000,00 por sinistro, e uma franquia de € 5.000,00 por sinistro.

Foi assim estabelecida uma franquia ao capital seguro, como permitido pelo artigo 49.º n.º 3 do D.L. n.º 72/2008, tratando-se de uma parcela da indemnização que, em princípio, ficará exclusivamente a cargo do segurado e que será deduzida do valor a pagar pela Ré seguradora ao lesado.

José Vasques, em Contrato de Seguro, Coimbra Ed., 1999, página 309, explica que a franquia é uma dedução ao montante indemnizatório, um desconto que tem de incidir sobre quem o recebe e que normalmente é o segurado. A franquia tem por fundamento o estímulo à prudência do segurado e a eliminação a responsabilidade do segurador em pequenos sinistros, obstando aos custos administrativos inerentes.

No entanto, no caso concreto, de acordo com a apólice, a franquia foi definida como a importância que fica a cargo do segurado e que não é oponível a terceiros – cfr. artigo 9º das Condições Especiais, pelo que não sendo o segurado o credor da indemnização mas um terceiro, a franquia não lhe é oponível.

Deste modo, não se reconhece à Ré seguradora o direito de deduzir na indemnização devida à Autora o valor da franquia contratualmente acordada com o 1º Réu.

Em consequência, os dois Réus serão condenados no pagamento da totalidade da indemnização fixada independentemente das relações existentes entre si.”.

Defende a apelante que o 1º R. tem de ser condenado no montante da franquia, assim se desonerando a apelante do montante de 5.000 €, sob pena de violação do disposto no art. 405º do CC, ponto 9. das “Condições Particulares do Seguro de Responsabilidade Civil” e ponto 15. da “Condição Especial de Responsabilidade Civil Profissional” do referido contrato de seguro (cfr. conclusão de recurso XVII.).

Todavia, não tem razão. Na verdade, como salientado na sentença sob recurso, dispôs-se taxativamente no ponto 9. das “Condições Particulares” – facto provado 41. -, que a cláusula da franquia era inoponível a terceiros lesados, pelo que sendo a A. terceira a franquia não lhe é oponível. E no mencionado ponto 15. da “Condição Especial” o mesmo se estabelece. Ou seja, ao invés de haver violação dos referidos pontos e do indicado art. 405º, nº 1, do CC, que estatui que as partes fixam livremente o conteúdo dos contratos, o que se verifica é exactamente o contrário, é o respeito por tal normativo, e pelo princípio da autonomia privada, o pacta sunt servanda.

O que, aliás, vai de encontro à regra geral do art. 146º, nº 1, do RJCS, de que no seguro obrigatório – como é o caso do seguro de responsabilidade civil dos advogados, nos termos do art. 104º do seu Estatuto - o lesado tem o direito de exigir o pagamento directamente ao segurador. Pois, nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, a franquia, quando seja válida a sua contratação, não é, em regra, oponível ao lesado (vide Lei Contr. Seguro Anotada, P. Romano Martinez e Outros, 3ª Ed., nota 3. ao artigo 49º, pág. 254).

Por conseguinte se as partes, 1º R. e 2ª R., estipularam tal condicionalismo, fosse o contrato de responsabilidade civil facultativo ou seja obrigatório, a ora recorrente não se pode furtar a pagar por inteiro a indemnização a que a A. tem direito.

A apelante, ainda convoca a seu favor 3 acórdãos, da Rel. Guimarães, de 25.5.2016, Proc.1827/09.5, da Rel. Évora, de 2.10.2016, Proc.688/14.5, TBTNV, e da Rel. Guimarães, de 28.9.2017, Proc.554/14.4TBVRL, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Mas sem razão. O 1º nada tem a ver com nosso caso. No segundo, aparentado à nossa situação, não resulta, contudo, do mesmo se existia ou não uma cláusula de inoponibilidade a terceiros, e no terceiro o que se apurou foi exactamente o contrário, que a franquia de 5.000 € “será sempre suportado pelo SEGURADO, sendo o mesmo dedutível ao valor de indemnização que à SEGURADORA couber pagar, quer por decisão judicial, quer por acordo extra-judicial, não podendo o segurado ou terceiro reclamante opor-se a tal dedução.” - Cláusula 16.º do Artigo 1.º das Condições Especiais das Apólices e Artigo 7.º das mesmas Condições.         

Não procede, assim o recurso nesta parte.  

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Como emana da prova por confissão e por declarações de parte (Capítulo III, Secção I e Secção II, com início no art. 452º e segs. do NCPC), o primeiro visa a confissão, que é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, como estipula o art. 352º do CC, pelo que a ocorrer estamos perante uma prova legal plena, vinculativa, enquanto as declarações de parte são apreciadas livremente pelo julgador (salvo se elas constituírem confissão) - art. 466º, nº 3, do NCPC.

ii) Daí, que em conformidade, não se admita que o depoimento de parte possa ser probatoriamente valorado na parte em que lhe seja favorável;

iii) Embora as declarações de parte sejam acto de prova distinto do depoimento de parte, no acto de produção deste, o depoente poderá manifestar a vontade de que as declarações favoráveis que faça sejam valoradas como prova sujeita à livre apreciação do julgador (desde que a parte contrária esteja presente, ou lhe seja dada a possibilidade de ser ouvida).

iv) Se a seguradora e o advogado, ambos RR, no contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória, relativa a actividade profissional de advogado, acordaram numa franquia, a cargo do advogado, num determinado montante, cláusula, todavia, não oponível a terceiros lesados, a seguradora não tem direito a ver deduzida tal franquia do montante em que foi condenada a indemnizar a A.

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se, parcialmente, procedente o recurso da R., assim se revogando parcialmente a sentença recorrida, e, em consequência, a condenação decretada na 1ª instância passa para o montante de 12.183,10 €, acrescido de juros de mora à taxa legal de juros civis desde a citação até integral pagamento.

*

Custas a cargo da A. e dos RR na proporção do vencimento/decaimento.

*

Coimbra, 5.11.2019

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Alberto Ruço