Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3108/06.5TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: REGIME DE SEPARAÇÃO ABSOLUTA DE BENS
REGIME IMPERATIVO DE BENS
DOAÇÃO
NULIDADE
CONTA CONJUNTA
NATUREZA SUBSIDIÁRIA DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO
FALTA
PROVAS
HERANÇA INDIVISA
CONDENAÇÃO
HERDEIRO
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – INST. CENTRAL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 473º/1, 474º E 1762º DO CC
Sumário: 1 - No casamento no regime da separação de bens há uma completa separação, quer do domínio, quer da fruição, dos bens que cada um dos cônjuges leva para o casamento ou adquire na constância do matrimónio; há duas massas de bens: os bens próprios do marido e os bens próprios da mulher, não havendo quaisquer bens comuns (pode haver, quando muito, concretos bens em regime de compropriedade, em que a quota de cada um dos cônjuges integra o seu património próprio).

2 - Assim, assente que os fluxos financeiros entrados em conta bancária são provenientes dos vencimentos e das pensões de reforma de um dos cônjuges, constituem bem próprio de tal cônjuge os saldos que a todo o tempo tal conta bancária for apresentando.

3 - Ainda que – sendo imperativo o regime da separação de bens – tal cônjuge repute tal saldo como comum; uma vez que a sua vontade é insuficiente para se sobrepor ao art. 1762.º do C. Civil, segundo o qual “é nula a doação entre casados, se vigorar imperativamente entre os cônjuges o regime da separação”.

4 – E ainda que a conta bancária seja conjunta/colectiva “solidária”, uma vez uma coisa é o direito, em relação ao banco, de qualquer dos titulares poder movimentar sozinho e livremente a conta; e outra coisa, diversa, é o direito/propriedade, em que pode haver outros e diferentes titulares, sobre as quantias depositadas.

5 - A circunstância do preço ter sido integralmente pago por um dos cônjuges – tendo ambos os cônjuges (casados no regime da separação) outorgado em compra e venda como compradores – não significa/representa a prova da falta de “causa justificativa” para o enriquecimento patrimonial daquele que, sem nada despender, passou a ser comproprietário.

6 - A falta de causa justificativa (com o sentido do art. 473.º/1 do CC) para a deslocação/atribuição patrimonial exige a prova positiva do que aconteceu e do motivo da deslocação patrimonial, uma vez que é a partir daí que se pode concluir que não há “causa justificativa”

7 – Aliás, só assim o instituto do enriquecimento sem causa (cfr. 474.º do C. Civil) pode cumprir a sua natureza subsidiária, ou seja, só fazendo-se a prova positiva do que aconteceu e do motivo da deslocação patrimonial é que, no caso, se alcançará não facultar a lei ao “empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído”.

8 – A herança, enquanto indivisa, é um património autónomo, de afectação especial, pelo que somente o seu activo, e não o património dos herdeiros, responde colectivamente pela satisfação das respectivas dívidas; depois de partilhada, cada herdeiro também só responde pelos encargos e dívidas na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (ou seja, só responde na proporção/força da sua quota).

9 – Assim, não havendo notícia nos autos da partilha ter sido feita, a condenação dos herdeiros tem que aludir à qualidade/veste em que (como co-titulares do património autónomo) são condenados e que referir que a mesma é pelas forças/bens da herança.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A..., engenheiro, residente na Rua (...), Lisboa, B..., solteira, residente em (...), Chicago, C..., casada no regime da comunhão de adquiridos com CC..., residentes em (...), Noruega, e D..., solteiro, residente na Rua (...), Lisboa (na qualidade de herdeiros habilitados de E..., residente que foi na Rua (...), Lisboa); F... e esposa G..., ele Juiz Conselheiro do S.T.J. e ela professora, residentes na Rua (...) Setúbal; H...e marido I..., ela analista e ele medico, residentes na Rua (...) Coimbra; e J...e marido L..., ela professora e ele médico, residentes na Quinta (...), Cantanhede;

intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário (hoje, comum), contra

M..., residente na Rua (...), Vila Nova de Gaia, N..., divorciada, residente em Rua (...), Vila Nova de Gaia, O..., casado no regime de comunhão de adquiridos com Z..., residente em Rua (...) Vila Nova de Gaia, e P..., casado no regime da comunhão de adquiridos com Y..., residente na (...), Vila Nova de Gaia (na qualidade de herdeiros habilitados de Q..., entretanto falecido, residente que foi na Rua (...), Vila Nova de Gaia, sendo este, por sua vez, na qualidade de herdeiro habilitado da primitiva ré, entretanto falecida, R..., viúva, doméstica, residente que foi na Rua (...), Vila Nova de Gaia);

Pedindo que se:

a) Declare que a ré[1] é devedora à herança de W... da quantia de € 14.963,94, referente à compra alegada no art. 27º desta petição, com juros à taxa legal como frutos civis, desde a morte daquele, até ao pagamento, a liquidar oportunamente;

b) Condene a ré a pagar tais quantias à herança;

c) Declare que a ré é devedora à herança de W... da quantia de € 29.927,87, referente à compra alegada no art. 38º desta petição, com juros à taxa legal como frutos civis, desde a morte daquele, até ao pagamento, a liquidar oportunamente;

d) Declare que a ré se apropriou indevidamente da quantia de € 287.477,00, pertencentes à herança de W...;

e) Condene a ré a reconhecer que tal quantia é bem da herança referida, a partilhar entre os seus herdeiros, e

f) Condena a mesma a restituir à herança a referida quantia, com juros à taxa legal desde a morte do inventariado, até efectiva restituição.

Começaram por alegar que:

 - No dia 9/8/2000, faleceu na freguesia de Cernache, concelho de Coimbra, o Sr. Juiz Conselheiro Jubilado do S.T.J., Dr. W..., no estado de casado no regime da separação de bens, em segundas núpcias de ambos, com a D. R...; de tal casamento não houve filhos, sendo os seus 4 filhos (do 1.º casamento) e a D. R... os seus únicos herdeiros.

 - Tendo sido instaurado o respectivo inventário, onde, a propósito de 3 verbas (direitos de crédito da herança sobre a D. R...) relacionadas pela cabeça de casal, foi decidido, após reclamação da D. R..., remeter os interessados para os meios comuns (determinando-se a eliminação de tais 3 verbas da relação de bens).

O que os AA. fazem com esta acção, alegando que:

- Em 06/07/1993, o Sr. Juiz Conselheiro comprou a fracção habitacional em que, por arrendamento, residiam (em Coimbra, na Rua (...)); tendo o preço, de 6.000.000$00, sido integralmente pago pelo Sr. Juiz Conselheiro, não tendo a D. R... contribuído com qualquer quantia para pagamento do mesmo; porém, a fim de lhe assegurar a residência, para a hipótese dele vir a falecer em primeiro lugar (já então tinha cerca de 85 anos) fez com que a D. R... outorgasse a mesma escritura também como compradora (ficando assim comproprietária na proporção de metade da referida fracção, sem nada ter pago); ora, segundo os AA., sob pena de enriquecimento sem causa, a D. R... tem de restituir – não obstante tal fracção ter sido doada por ambos (Juiz Conselheiro e R...) aos aqui AA. – à herança metade do valor pago, ou seja, 3.000.000$00 = € 14.963,94 e juros.

 - Posteriormente, em 26/10/1995, o Sr. Juiz Conselheiro comprou uma fracção habitacional em Braga (fracção "B" do prédio urbano sito no n.º 63 da Rua (...), Braga), tendo preço real (não obstante ter sido declarado na escritura preço inferior), de 12.000.000$00, sido também integralmente pago pelo Sr. Juiz Conselheiro, não tendo a D R... contribuído com qualquer quantia para pagamento do mesmo; porém, fez com que a D R... outorgasse a escritura também como compradora (ficando assim comproprietária na proporção de metade também de tal referida fracção, sem nada ter pago); ora, segundo os AA., sob pena de enriquecimento sem causa, a R... tem também de restituir – não obstante tal fracção ter sido doada por ambos (Juiz Conselheiro e R...) a Q..., filho da R... – à herança metade do valor pago, ou seja, 6.000.000$00 = € 29.927,87 e juros.

 - Em Setembro de 1996, teve o Sr. Juiz Conselheiro um primeiro A.V.C., que o incapacitou de continuar na administração dos seus bens; momento a partir do qual, dada a sua incapacidade de facto, a D. R... passou a administrar exclusivamente esse património, tendo poderes para movimentar as suas contas bancárias e aplicações financeiras (que, no entanto, eram património exclusivo do mesmo).

 - Assim, desde a referida data e até à sua morte, fez levantamentos e transferências para outras contas suas ou de familiares de avultadas importâncias; fez desaparecer elevados montantes, de que se apropriou; resgatou várias aplicações financeiras, fazendo seu o respectivo produto líquido.

 - Mais concretamente:

Liquidou aplicações financeiras existentes no Montepio geral, constantes da conta nº (...), no total de 6.859.882$50;

Resgatou de fundos de investimento no montante de 1.440.000$00.

Resgatou certificados de aforro no IGCP, onde era aforrista nº (...), no montante de 1.381,840$00.

Resgatou um seguro na Companhia de Seguros (...) 4ª série", apólice (...), no montante de 2.056.110$00.

Resgatou depósitos a prazo e outras aplicações existentes na Caixa Geral de Depósitos da conta nº (...), em montante que ronda os 15.000.000$00.

Tudo num total – as quantias de que a ré se apropriou - de 57.223.000$00 = €  287.477,00.

Tendo entretanto falecido a D. R..., os seus herdeiros (os seus netos, uma vez que o seu filho entretanto também faleceu) contestaram, alegando, em resumo, que o Sr. Conselheiro W... e a D. R... sempre viveram em economia comum do vencimento e reforma do Sr. Conselheiro, que sempre manteve a lucidez e inteligência, correspondendo a administração e disposição dos seus bens e rendimentos à vontade de ambos; como foi o caso das aquisições das duas fracções habitacionais (em Coimbra e Braga), que traduziram a vontade efectiva e querida do Sr. Conselheiro W...; e como foi o caso das movimentações bancárias e aplicações financeiras de que o Sr. Conselheiro sempre soube o destino, partilhando e colaborando nas decisões comuns e delas ficando ciente e aprovando-as.

Concluíram pois pela improcedência da acção e pela consequente absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador – tendo sido declarada a total regularidade da instância, estado em que se mantém – organizada a matéria factual com interesse para a decisão da causa, instruído o processo e realizada a audiência, após o que o Exmo. Juiz proferiu a seguinte sentença:

“ (…) julgo a acção parcialmente procedente por provada e em conformidade:

a) Declaro que os réus M..., N..., O..., P..., na qualidade de herdeiros habilitados de Q...entretanto falecido e este na qualidade de herdeiro habilitado da ré entretanto falecida R..., são devedores à herança de W... da quantia de € 14.963,94, referente à compra alegada no art. 27º da petição, com juros à taxa legal como frutos civis, desde a morte daquele, até ao pagamento, a liquidar oportunamente

b) Condeno os réus a pagar tais quantias à herança

c) Declaro que os réus são devedores à herança de W... da quantia de € 19.951,92, referente à compra alegada no art. 38º da petição, com juros à taxa legal como frutos civis, desde a morte daquele, até ao pagamento, a liquidar oportunamente

d) Declaro que a ré R... entretanto falecida se apropriou indevidamente da quantia de € 208.421,32, pertencentes à herança de W...

e) Condeno os réus a reconhecer que tal quantia é bem da herança referida, a partilhar entre os seus herdeiros

f) Condeno os mesmos a restituir à herança a referida quantia, com juros à taxa legal desde a morte do inventariado, até efectiva restituição

g) No mais absolvo os RR. do pedido

(…)”

Inconformados com tal decisão, interpuseram os RR. recurso/apelação, visando a sua revogação e a sua substituição por decisão que os absolva da totalidade do pedido.

Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. A actuação da Ré R..., enquanto cônjuge do Sr. Conselheiro W..., a título algum pode subsumir-se no conceito legal de “enriquecimento sem causa”;

2. Na verdade, tal atuação resultou – e desde sempre – da prática diária do então casal e em consonância com a vontade expressa, real e efetiva do “de cujus”;

3. Assim aconteceu quer na aquisição de imóveis (em compropriedade), quer na criação e abertura de contas solidárias e aplicações financeiras comuns;

4. O frágil estado de saúde do Sr. Conselheiro W..., de natureza meramente física, jamais o impediu de reger a sua pessoa e bens, como nunca lhe retirou a sua capacidade de querer e entender;

5. O Tribunal “a quo” valorou de modo deficiente a prova testemunhal que lhe foi presente, desvalorizando a prova documental e dando aliás como certos determinados factos que apenas poderiam provar-se através de documento; exemplo disso é considerar-se provada a existência de vários AVC, quando tais factos carecem em absoluto de suporte documental, nomeadamente através do historial clínico e hospitalar do Sr. Conselheiro;

6. De igual sorte, na douta sentença recorrida estabelece-se a data de 25/12/1998 como momento do início da incapacidade de facto do Sr. Conselheiro, quando quer em termos médicos quer em termos reais, tal ilação não poderia ser retirada do contexto (conjugação da prova testemunhal com a prova documental);

7. Na douta sentença recorrida não são sequer considerados os normativos legais que regem e impõem a limitação de responsabilidade dos herdeiros às forças da herança;

8. A exceção dilatória de prescrição do direito dos AA. nem sequer é abordada na mesma douta sentença – apesar de a mesma ser do conhecimento oficioso do Tribunal.

9. É por conseguinte manifesta a contradição entre os fundamentos apresentados e a decisão de fls..

Os AA. responderam, sustentando, em síntese, que a sentença recorrida não violou qualquer norma processual e ou substantiva, designadamente, as referidas pelos recorrentes, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

Terminam a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. Como é Jurisprudência uniforme, são as respetivas conclusões que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao Tribunal de recurso a apreciação de questões só levantadas no texto das alegações, sem terem sido levadas às respetivas conclusões;

2. Seguindo uma ordem logica, relativo às conclusões apresentadas pela recorrente, deverá apreciar-se primeiramente a invocada nulidade da sentença, por violação do disposto no artº 615º nº 1 alíneas c) e d) do C.P. Civil; Ora,

3. Não se verifica a nulidade de contradição entre os fundamentos e a decisão, já que a decisão representa a conclusão das premissas logicas em que se baseia, sendo a decisão proferida a logica consequência dessas premissas de que partiu;

4. Também se não verifica a nulidade de omissão de pronúncia, já que a sentença decidiu todas as questões que foram levantadas nos articulados;

5. Referindo-se a recorrente à falta de apreciação duma pretensa – e não existente prescrição do direito dos autores – tal omissão não se verifica, já que a prescrição não foi invocada como exceção na contestação e, a mesma não é do conhecimento oficioso como resulta do artº 303º do C. Civil;

6. Ao sindicar a matéria de fato, a recorrente não observou o disposto no artº 640º do C.P. Civil, já que, se limitou a invocar conceitos genéricos sobre a apreciação da prova, não concretizando os pontos concretos de fato que pretendia sindicar nem indicou consequentemente, a decisão que no seu entender, sobre tas pontos deveria ter sido proferida;

7. Por cautela porém, impugna-se que, os fatos dos pontos 8 e 10 da matéria de fato da sentença que parece poder enquadrar-se na impugnação, mereçam ser alterados;

8. Os depoimentos citados no texto desta resposta, do Dr. V..., S..., T... e X..., que aqui se dão por reproduzidos, conjugados com os documentos clínicos junto aos autos, levam a que, a decisão do Sr. Juiz recorrido sobre esses pontos, se deva considerar inteiramente correta;

9. Quando aos AVCs é matéria assente por confissão das partes – alínea Q) da Matéria Assente;

10. Quanto ao início da incapacidade do Sr. Conselheiro, resulta dos depoimentos já citados e dos documentos junto aos autos;

11. O Direito foi bem aplicado, no que respeita ao Instituto do Enriquecimento sem causa, pelo menos no que diz respeito às condenações das alíneas a) e c) da sentença;

12. Na condenação restante, se não se entender aplicar o Instituto do Enriquecimento sem causa, terá de aplicar-se a responsabilidade por fato ilícito, já que a ré R... se apropriou de valores, que não lhe pertenciam, de modo sistemático e doloso, em proveito próprio e de seus familiares;

Obtidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*


II – Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos apurados – lógia e cronologicamente alinhados e expurgados de repetições, lapsos e factos não essenciais – com relevo para a apreciação do recurso:

1. No dia 9/8/2000, faleceu na freguesia de Cernache, concelho de Coimbra, o Conselheiro jubilado do S.T.J., Dr. W....

2. Faleceu no estado de casado, em segundas núpcias de ambos, com R... no regime da separação de bens, conforme documento de fls. 29 e 30.

3. Deste casamento não houve filhos.

4. Havia filhos do primeiro casamento, quer do falecido, os ora autores; quer da R..., do primeiro casamento desta.

5. O falecido não deixou testamento, nem outros filhos, sendo os AA. e a R..., os seus únicos herdeiros.

6. Por óbito do Dr. W..., foi instaurado inventário que correu termos sob o n° 5818/03.OTJCBR, do 2° Juízo Cível desta Comarca e em que a primeira autora exerce as funções de cabeça de casal.

7. Autores e R... foram citados para o referido inventário, não impugnando a sua legitimidade, nem a dos outros interessados.

8. A cabeça de casal apresentou nos referidos autos de inventário a relação de bens, cuja cópia consta a fls. 22 a 25 e se dá aqui por inteiramente reproduzida.

9. Notificada a R..., da referida relação de bens, apresentou reclamação contra a mesma.

10. Requereu a exclusão das verbas n.º 1 e 2 referentes a direitos de crédito da herança sobre ela, e a exclusão da verba n° 4 referente a dinheiro pertencente à herança (conforme doc. de fls. 26 a 28, cujo teor e conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido).

11. Decidindo o incidente, foi proferida decisão conforme doc. de fls. 26 a 28, na qual foram remetidas as partes para os meios comuns, e determinado, para já, a eliminação das verbas n°s 1, 2 e 4, sem prejuízo dos interessados exigirem tais créditos por recurso aos meios comuns.

12. Por escritura celebrada em 6/7/1993, na Secretaria Notarial de Coimbra, pelo preço de 6.000.000$00, o W... e a R... adquiriram a fracção autónoma “C”, do prédio urbano em propriedade horizontal, inscrito na matriz da freguesia de (...) – Coimbra, sob o art° 2254, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n° 266/ (...).

13. O preço foi integralmente pago pelo pai dos autores ( W...), não tendo a R... contribuído com qualquer quantia do seu património, para pagamento do mesmo.

14. Por escritura celebrada em 26/10/1995, no 2° Cartório Notarial de Braga, o W... e a R... adquiriram o apartamento constituído pelo Rés do chão esquerdo, fracção “B”, com entrada pelo n° de policia 63, com garagem na cave, designada pelo n° 1 do prédio urbano sito na Rua (...), Braga, então não inscrito na matriz, mas actualmente correspondente ao art. 1485 daquela freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n° 559/ (...), pelo preço aí declarado de 8.000.000$00.

15. O preço foi integralmente pago pelo pai dos autores ( W...), não tendo a R... contribuído com qualquer quantia do seu património, para pagamento do mesmo.

16. Por escritura pública de 11.11.1998, o W... e a R... fizeram doação ao filho desta, Q..., do apartamento referido em O), na qual tiveram intervenção os ora autores, aos quais foi doada, na mesma escritura, a fracção descrita em M), doações feitas por conta da quota disponível deles doadores, quanto aos respectivos filhos.

17. Em Setembro de 1996, quando já residiam apenas em Coimbra, o pai dos autores, teve um primeiro A.V.C.

18.A partir do início da sua doença, foi a R... quem passou a administrar esse património.

19.Tendo a mesma poderes legais para movimentar as contas bancárias do marido e as respectivas aplicações financeiras.

20.Que no entanto eram constituídas por valores auferidos exclusivamente por aquele.

21. Após 25 de Dezembro de 1998 o pai dos autores deixou de poder locomover-se, não mais saiu de casa, a não ser para internamentos hospitalares, tornando-se totalmente dependente.

22. O W... recebia uma pensão de reforma em Setembro de 1996, de € 4.655,28, mais subsidio de ferias e subsidio de Natal, ou seja 14 mensalidades anuais.

23.Em 1997, a sua pensão de reforma era de € 4.794,45.

24.Em 1998, era de €4.926,63.

25.Em 1999, já era de € 5.073,77.

26.E em 2000, essa pensão de reforma era de € 5.198,47

27.Em Dezembro de 1996, a sua conta de depósito à ordem da Caixa Geral de Depósitos com o n° 0171/055375/700 apresentava um saldo de 4.813.924$00.

28.Todas as importâncias creditadas nas suas contas bancárias, nomeadamente na acima referida, provinham na sua totalidade da pensão da reforma do inventariado, ou do rendimento das suas aplicações financeiras.

29.Os valores aí depositados não resultaram de qualquer entrega efectuada e pertença da R....

30.Durante o período compreendido entre 25 de Dezembro de 1998 e a sua morte, ocorrida em 9 de Agosto de 2000, a ré R... foi-se apropriando e desviando da referida conta em proveito próprio de avultadas importâncias.

31.Que desviou para contas próprias ou para contas de seu filho Q... ou seus netos, nomeadamente sua neta N....

32.Embora na conta bancária do pai dos autores, entrassem avultadas quantias, nomeadamente as já referidas, essa conta em 11/10/2000, tinha apenas um saldo de 341.046$00.

33.Para além dos custos com electricidade, água, gás e telefone – despesas certas de pouca monta – as despesas limitavam-se à escassa alimentação que lhe era fornecida.

34.Despesas medicamentosas e ao pagamento dos serviços de pessoas que tratavam do marido.

35.Durante cerca de dois anos e meio, desde Janeiro de 1998 a Agosto de 2000, a alimentação, apoio domiciliário e higiene pessoal do pai dos autores, era assegurada pelo Centro Sócio Cultural de (...) pagando apenas a módica mensalidade de 37.500$00 (187,00€).

36. No último mês de vida deu entrada numa Instituição de Solidariedade Social, onde esteve até à sua morte.

37. Entre as quantias apropriadas pela R..., encontra-se, em Dezembro de 1997, um levantamento no total de 150.000$00.

38.Em Janeiro de 1998, levantou por seis vezes 1.100.000$00 e passou um cheque de 161.000$00, outro de 75.000$00 e outro de 45.000$00.

39.Em Fevereiro de 1998, levantou por três vezes 600.000$00 e passou vários cheques no montante de 100.000$00.

40.Em Março de 1998, em cinco levantamentos retirou da conta 800.000$00 e passou cheques no valor de 141.000$00.

41.Em Abril de 1998, em quatro levantamentos retirou da conta 800.000$00.

42.Em Maio de 1998, em três levantamentos retirou da conta 670.000$00.

43.Em Junho de 1998, retirou da conta em três levantamentos 650.000$00.

44.Em Julho de 1998, retirou da conta 600.000$00.

45.Em Agosto de 1998, retirou da conta em três levantamentos 500.000$00.

46.No mês de Setembro de 1998, retirou através de cheque 1.000.000$00 e também 140.000$00, 450.000$00, 500.000$00.

47.Procedeu então ao resgate de um depósito a prazo de 4.000.000$00, quantia que desapareceu de património do pai dos autores e de que a ré se apropriou.

48.Em Outubro de 1998, levantou da conta 300.000$00.

49.Em Novembro de 1998, procedeu ao levantamento de 1.500.000$00 e ainda, em quatro levantamentos, 795.520$00.

50.Em Dezembro de 1998, levantou por duas vezes 450.000$00.

51.Em Janeiro de 1999, em dois levantamentos retirou 700.000$00 e através de dois cheques mais 311.008$00.

52.Em Fevereiro de 1999, levantou 476.000$00.

53.Em Março de 1999, retirou da conta 500.000$00, sendo um levantamento de 250.000$00 e através de cheque 250.000$00.

54. Em Abril de 1999, levantou 1.100.000$00 e emitiu mais um cheque de 250.000$00.

55. Em Maio de 1999, levantou por três vezes 365.000$00.

56.Em Junho de 1999, levantou por três vezes 450.000$00 e emitiu dois cheques de 200.000$00.

57.Em Julho de 1999, levantou 350.000$00 e emitiu um cheque de 70.000$00.

58.Em Agosto de 1999, emitiu um cheque de 200.000$00.

59.Em Setembro de 1999, resgatou uma conta a prazo do pai dos autores, transferindo para contas suas ou de familiares 10.121.000$00, que assim fez desaparecer do património do pai dos autores.

60.Nesse mesmo mês, levantou da conta referida 490.000$00.

61.Em Outubro de 1999, em duas operações levantou 380.000$00.

62.Em Novembro de 1999, em 3 levantamentos retirou 480.000$00.

63.Em Dezembro de 1999, retirou através de cheque 500.000$00 e levantou 300.000$00.

64.Em Janeiro de 2000, procedeu a levantamento através de cheque 500.000$00 e em dois levantamentos retirou mais 460.000$00.

65.No mês de Fevereiro de 2000, retirou 300.000$00 por levantamento.

66.Em Março de 2000, em três levantamentos retirou 480.000$00.

67. No mês de Abril de 2000, levantou 300.000$00 e através de cheques mais 200.000$00 e 100.000$00.

68. No mês de Maio de 2000, fez dois levantamentos de 250.000$00 e um de 100.000$00 num total de 600.000$00.

69.No mês de Junho de 2000, levantou 280.000$00 e através de cheques retirou mais 300.000$00.

70. No mês de Julho de 2000, levantou 400,000$00 e retirou através de cheques 269.373$00.

71.No mês de Agosto de 2000, já após da morte do inventariado transferiu para uma sua conta ou de um seu familiar 4.500.000$00 e levantou 324.822$00.

72.Os levantamentos efectuados pela R..., estão muito para além das despesas necessárias à economia doméstica do pai dos autores.

73.Os cheques emitidos pela mesma, não têm qualquer justificação em despesas do casal, nem respeitavam quaisquer encargos ou obrigações a saldar da responsabilidade do pai dos autores.

74.Constituíram um aproveitamento por parte da ré, em beneficio próprio ou de seus familiares.

75. As quantias de que a ré se apropriou ascendem ao montante de 41.784.723$00 equivalentes a € 208.421,32.

76.O Conselheiro W... e D. R... viviam em economia comum, do vencimento e reforma auferidos pelo mesmo.

77.A administração desses bens e rendimentos sempre foi comum até ao início da doença do Conselheiro W....

78.A conta bancária existente na Caixa Geral de Depósitos era comum.

79. Até meados de 1997, o Conselheiro W... sempre conduziu a sua viatura automóvel e se deslocava frequentes vezes para Braga, Vila Nova de Gaia e Coimbra.

80. A sua casa em Coimbra sempre albergou filhos e netos de ambos, quer em mera visita, prestando-lhes cama mesa e roupa lavada e tudo isto durante vários anos e no decurso dos respectivos cursos universitários.

81. Quando um neto se formou, foi-lhe dada quantia em dinheiro com a qual adquiriu uma viatura automóvel.

82. A R... pagou à Casa de Repouso (...) a quantia de 508.859$00.

83. A ré R... , veio a falecer em 17.11.2006, já no decurso da presente acção, tendo sido habilitados como seus sucessores, para com ele prosseguir a demanda, o seu único filho Q..., casado no regime da comunhão geral de bens com M....

84. Q..., sucessor habilitado da falecida ré R..., veio a falecer em 19.11.2007, tendo sido habilitados como seus sucessores, para com ele prosseguir a acção, a sua viúva M... e os filhos N..., divorciada; O..., casado com Z..., no regime de comunhão de adquiridos e P..., casado com Y..., no regime de comunhão de adquiridos.

85. A autora E..., faleceu em 11.10.2008, tendo sido habilitados como herdeiros da mesma para com eles prosseguir a demanda, A..., B..., C... e D....

*

III – Fundamentação de Direito

Como resulta do relatório inicial, a presente acção é o “meio comum” para que remete a decisão (proferida no inventário) referida no ponto 11 dos factos; isto é, no inventário, por óbito do Dr. W..., foram relacionadas 3 créditos da herança aberta por sua morte (créditos pertencentes ao acervo hereditário da mesma) sobre a interessada R... (cônjuge supérstite), do que houve reclamação desta (requerendo a exclusão de tais créditos/quantias), tendo o tribunal decidido ser inconveniente a decisão incidental de tal reclamação, remetendo os interessados para os meios comuns para dirimir as questões relativas à existência ou não de tais 3 créditos da herança sobre a interessada R... (ou mais exactamente, tendo esta falecido, sobre os seus herdeiros e nessa qualidade)[2].

Créditos esses que, em dois casos, decorrem, segundos os AA., de enriquecimentos sem causa da R..., estando pois em causa, em tais dois casos, a repetição/restituição do indevido; e que, no terceiro caso, decorre, ainda segundo os AA., da R... se haver apropriado de somas pecuniárias pertencentes ao então seu marido e falecido Dr. W....

Tendo a invocação/reclamação de tais créditos, como “fulcro”, o regime de bens do casamento de ambos.

Como resulta dos factos (e do assento de casamento de fls. 29 e 30), casaram um com o outro, no dia 9/04/1969, “no regime de separação de bens, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 1720.º do C. Civil”; efectivamente, o Dr. W... tinha 61 anos de idade e a D. R... 57 anos, ambos casavam em segundas núpcias e havia filhos (legítimos, assim de dizia à época), pelo que, em face do art. 1720.º/1/b) e c) (na redacção então vigente e anterior à reforma do DL 496/77), o regime de bens tinha que ser o regime imperativo da separação de bens.

Regime esse, da separação de bens, que significa e envolve uma completa autonomia dos bens que cada um dos cônjuges leva para o casamento ou adquire na constância do matrimónio.

É o que resulta do art. 1735.º do C. Civil, segundo o qual, “se o regime de bens imposto por lei ou adoptado pelos esposados for o da separação, cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles livremente”.

Há assim uma completa separação, quer do domínio, quer da fruição, dos bens adquiridos por cada cônjuge; há duas massas de bens: os bens próprios do marido e os bens próprios da mulher, ou seja, não há bens comuns em sentido técnico (haverá, quando muito, bens em regime de compropriedade, em que a quota de cada um dos cônjuges integra o seu património próprio); bens próprios de que cada respectivo titular pode dispor livremente.

Livre disponibilidade “condicionada” pelos reflexos que a sociedade conjugal traz a alguns aspectos das relações patrimoniais, designadamente e no que aqui pode interessar pela obrigação/dever que ambos os cônjuges têm de contribuir para os encargos da vida familiar, dever a ser cumprido “de harmonia com as possibilidades de cada um, e [que] pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar (…) ” (art. 1676.º/1 do C. Civil); sucedendo que, “se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar exceder a parte que lhe pertencia nos termos do número anterior, presume-se a renúncia ao direito de exigir do outro a correspondente compensação” (art. 1676.º/2 do C. Civil, na redacção vigente à data da dissolução do casamento).

Livre disponibilidade sem prejuízo, ainda, de ser “nula a doação entre casados, se vigorar imperativamente entre os cônjuges o regime da separação de bens” – cfr. 1762.º do C. Civil.

É pois dentro deste contexto legal que deve ser avaliada a postura processual de ambas as partes; que pode/deve ser apreciado o modo como se situam no litígio.

Assim:

Dizem os AA., como ponto de partida estruturante de toda a sua pretensão, que todas as somas pecuniárias existentes na conta da CGD (com o n.º 0171/055375/700) pertenciam e eram bem próprio do seu falecido pai, Dr. W...; assim como as quantias pagas, a título de preço, nas compras e vendas referidas nos factos 12 e 14; acrescentando que a R... não tinha bens nem rendimentos e que as referidas somas e quantias eram provenientes da pensão de reforma de Juiz Conselheiro do Dr. W....

O que os RR., em boa verdade e em rigor processual, nunca impugnam: nem na contestação, nem sequer agora (seria tarde, mas a verdade é que não o fazem) na sua alegação recursiva.

É verdade que, duma forma genérica[3], os RR. dizem impugnar praticamente toda a PI com excepção dos primeiros 16 artigos, porém, lendo-se com atenção e argúcia o que referem na contestação e agora mantêm, percebe-se que estamos perante a situação de impugnação genérica vedada pelo então art. 490.º/1 do CPC (hoje, 574.º/1 do NCPC).

A posição dos RR. – agora e sempre – é a que começam por traçar na sua alegação recursiva e que se passa a transcrever:

O “ de cujus” era um distinto Magistrado, com profundos conceitos éticos e morais e profundo sentido de família, a que se acresce a sua elevada craveira, enquanto Ilustre Magistrado.

Estes princípios transportados para o seu dia a dia, levaram-no naturalmente a derrogar, tanto quanto possível, as limitações resultantes do regime imperativo-separação absoluta de bens imposto, a quando do seu matrimónio com a D. R..., realizado em 1969.

Assim e desde sempre fez questão de tratar a sua mulher como sua igual, partilhando com ela, porque de vida em comum e em plenitude, todos os seus haveres presentes e futuros.

Esta sua vontade efectiva, objectiva e real prevaleceu sempre ao longo dos tempos, impondo-se a tudo e todos e obviamente gerando uma grande harmonia conjugal e familiar.

Assim se explica a sua incontornável vontade e exigência de colocar sua esposa na qualidade de comproprietária dos imóveis adquiridos em Braga e em Coimbra;

Assim se entende que haja constituído contas bancárias nas quais figurava sua mulher – D. R..., como segunda titular.

Assim, ainda, fez aplicações financeiras, nas quais esta figurava, também, como 2ª titular.

Aliás, conforme ficou amplamente demonstrado em audiência de Julgamento, o Sr. Conselheiro W...o sempre apreciou presentear os seus familiares mais próximos (filhos, netos ) com generosas quantias em dinheiro e até com um veiculo automóvel.

Tendo sido sempre esta a posição dos RR., não disseram, naturalmente, uma única palavra a impugnar, concreta e definidamente, a proveniência (alegada pelos AA.) de uma única (das largas dezenas) verba referida na PI..

Tudo o que os RR. dizem na sua contestação tem ínsita a confissão de todas as somas pecuniárias (referidas na PI) serem provenientes/originárias do Sr. Juiz Conselheiro; uma vez que – com carácter defensivo, mas também confessório sobre a proveniência de tais verbas – referem:

Como era ao tempo corrente, usual e normal e segundo os usos e costumes à época vigentes, era o marido que provinha às necessidades do lar” (art. 5.º).

Era, pois, com o vencimento auferido pelo Sr. Conselheiro W..., diga-se, que a família vivia, nela se incluindo a finada R...” (art. 7.º)

 “Estas aquisições (referindo-se às duas compras) traduziram e traduzem a vontade real, efectiva e querida do Sr. Conselheiro W... e não é sequer posta em causa pelos AA.” (art. 17.º)

Esquecendo, ainda, que o Sr. Conselheiro W... podia dispor livremente dos seus bens – como sempre o fez e quis – “(art. 19.º)

Mais, para além de não dizerem uma única palavra a impugnar, concreta e definidamente, a proveniência (alegada pelos AA.) de uma única (das largas dezenas) verba referida na PI., também não utilizam qualquer passo do seu articulado para dizer/alegar que este ou aquela concreta verba (nem uma, ao menos) não foi levantada ou transferida pela sua avó, D. R....

Lida a contestação com atenção, há apenas dois factos que os RR. verdadeiramente contestam:

 - A incapacidade do Sr. Conselheiro nos últimos anos de vida; alegam por diversas vezes, como no art. 34.º, que “sempre manteve a lucidez e inteligência argutas e vivas e sempre discerniu com clareza e eficácia”.

 - Ter-se a D. R... apoderado de quaisquer verbas; alegam designadamente, “a R. R... não se locupletou ou usou em proveito próprio ou de quaisquer familiares seus dinheiro da conta comum do Sr. Conselheiro W...” (art. 52.º); “sempre o fez com o conhecimento, consentimento e claro assentimento do, então, seu marido – Sr. Conselheiro W... – e de comum acordo com este” (art. 53.º); e “o Sr. Conselheiro W... sempre sabia e soube do destino a dar ao dinheiro comum (…)” (art. 54.º).

Significa tudo isto – analisando criticamente as provas (art. 607.º/4 do NCPC, ex vi art. 663.º/2 do NCPC), ou seja, à luz do que, findo os articulados, devia ter sido dado como provado e não provado[4] – que, factualmente relevante e controvertido, só tínhamos/temos, findos os articulados, o “destino” dado às verbas levantadas/transferidas pela D. R... da conta da CGD já identificada.

Ou seja, face à postura processual dos RR/recorrentes nos articulados, o recurso de facto é liminarmente de rejeitar, ou seja, sem necessidade de nos envolvermos na apreciação da prova testemunhal produzida, a conclusão imediata é que a decisão de facto, quanto aos factos essenciais, não merece nenhuma das censuras que os RR/recorrentes lhe apontam.

Detalhando um pouco mais:

Dizem os RR/recorrentes que “os pontos 4, 7, 12 e 22[5] não têm sequer em consideração a comparticipação da R. R... na economia comum do casal (confecção de refeições, limpeza, enfim toda a vida doméstica de uma casa ,neste caso até 2 casas ( Coimbra e Braga ), assim como toda a economia do casal, comparticipação esta que se prolongou durante muitos e muitos anos ( desde 1969 a 2000 ) – não obstante o considerado em 10,onde se concluiu que a R. R... “ …passou administar……..esse património.

Nos pontos de facto em causa diz-se, basicamente, que todas as somas pecuniárias existentes na conta da CGD eram do Sr. Conselheiro e que também eram dele as quantias que pagaram as duas aquisições; o que a alegação dos RR/recorrentes não contesta, não se percebendo em que medida “a comparticipação da R. R... na economia comum do casal” pode mudar tal titularidade, para mais, em sede de decisão de facto.

Dizem também os RR/recorrentes, “quanto aos itens 23, 24, 86 e 93 da decisão em análise, (…)” que “a conclusão extravasa claramente as premissas obtidas nos autos – não de carácter testemunhal, aliás inexistente – mas de cariz documental”. Que “nos pontos 49 a 84 parece ainda misturarem-se valores e conceitos distintos, com datas bem anteriores a 25/12/1998, que assim conduzem necessariamente a conclusões que se mostram inquinadas. A saber:

1 – as quantias ditas apropriadas pela Ré R... (itens 49 a 62), conforme expresso na douta sentença, “maxime” no seu nº 95 (“a administração desses bens e rendimentos sempre foi comum até ao início da doença do Sr. Conselheiro W...”, isto é, até 25/12/1998 – o que não se concede – foram-no por decisão mútua e de acordo com a vontade dos cônjuges, pelo que a douta sentença labora em manifesto erro.

2 – após aquela data (artigos 63 a 82) as quantias ditas apropriadas pela R... encontram-se envolvidas em espessa névoa, porquanto:

a) Ninguém sabe, e a douta sentença disso não faz ciência, se efectivamente os cheques foram por ela emitidos;

b) Mais: e se o foram, se com o consentimento, assentimento e acordo do Sr. Conselheiro, isto na hipótese de os cheques terem sido emitidos por ela;

c) Não há no processo qualquer prova documental da emissão dos mesmos, pela aqui Ré… o que, salvo melhor opinião, inquina a douta decisão;

d) Com efeito, a única coisa que se encontra documentalmente provada são os levantamentos, conhecidos através dos extractos de conta;

e) Quem assinou os cheques, quem os levantou, para que fim, porquê – são dúvidas insanáveis e que a douta sentença não esclarece nem poderia nunca esclarecer, porque não fundamentada em prova documental, como em nossa modesta opinião se imporia…

f) Não esqueçamos que as contas eram comuns e qualquer um dos seus titulares poderiam movimentá-las, porquanto estavam legalmente habilitados a fazê-lo.

g) Aliás, não se apurou, nem temos de saber, se tais cheques foram ou não subscritos pela R... – nem a douta sentença disso nos dá inequivocamente eco, já que não está minimamente determinado, ou sequer sabido, qual o literal de cada um desses títulos de crédito,

h) Não havendo consequentemente prova documental suficiente e idónea para extrair tal ilação;

i) Uma vez mais, a douta sentença toma a nuvem por Juno … fundando-se em presunções ou meras suposições, perfeitamente desligadas da essencialidade da situação real em apreço.

Quanto às aplicações financeiras e quejandos, é bom não olvidar que as mesmas eram comuns por vontade própria do Sr. Conselheiro, ou seja, foram criadas em nome de ambos e eram bem anteriores a 25/12/1998, pelo que – salvo melhor opinião – foram resgatadas com o conhecimento e consentimento expresso do Sr. Conselheiro.

O mesmo se diga da quantia expressa no nº 71 dos “factos provados”. Por outro lado, e relativamente ao prescrito no nº 83 da douta sentença (factos provados), como e quando terá a D. R... transferido para a sua conta, ou de um seu familiar, a quantia de esc. 4.500.000$00 e levantou esc. 324.822$00 ? a) Para que conta? b) Para que seu familiar? c) Por ordem do esposo? Concluindo: como poderão, clara e inequivocamente, afirmar-se estes factos e a decisão que sobre eles se produziu na douta decisão de fls….?

E concluem os RR/apelantes a sua alegação sobre o recurso de facto do seguinte modo:

“ (…) a questão que assume maior relevância para a boa decisão da causa consiste afinal em apurar qual o destino dado às diversas quantias disciminadas na petição inicial, que alegadamente a Ré R... terá “desviado” em seu proveito:

Afinal, quem teria delas beneficiado?

Representarão, parcial ou totalmente, pagamentos feitos a terceiros?

Ou foram entregues a familiares, a quem o casal tantas vezes presenteava?

São questões às quais o processo não dá resposta, sendo certo que, pelas regras do ónus da prova, competia aos Recorridos demonstrá-lo. O que não aconteceu.

Dito por outras palavras: como poderá afirmar-se que foi a D. R... quem se apropriou destes valores?

E apropriou-se de todos eles, ou só de uma parte? E em que montante?

Tudo para significar – ao contrário do que se escreve na douta sentença recorrida – que inexistiu “enriquecimento”…

Conclusão final – com que se concorda quando se diz que a questão “consiste afinal em apurar qual o destino dado às diversas quantias discriminadas na petição inicial” – que é reveladora dum certo equívoco dos RR./recorrentes sobre a posição que têm que necessariamente tomar sobre os factos; comportam-se, com o devido respeito, como se fossem a parte acusada num processo crime e, verdadeiramente, o que dizem é que ficam dúvidas, que não foram exploradas e afastadas todas as hipóteses que permitiriam “absolver” a D. R... da “apropriação” dada como provada.

Mas, claramente, as coisas – e a impugnação da decisão de facto – não se colocam de tal modo.

Resultando distintamente das 81 folhas (que retratam, a partir de 1996, a movimentação da conta da CGD) que a mesma era alimentada a crédito quase exclusivamente pela pensão de reforma do Sr. Conselheiro, tinham os RR., no mínimo, que alinhar (na contestação ou quando muito em sede de instrução) os factos concretos integradores das perguntas/dúvidas que colocam na parte final da sua conclusão supra transcrita.

Coisas vagas e genéricas é, via de regra, o mesmo que nada.

Repare-se: uma coisa é não haver concretas e exactas explicações/justificações (anos passados) para todos os movimentos / levantamentos/transferências, outra, bem diversa, é não haver uma única exacta e concreta explicação/justificação.

Enfim – é onde se quer chegar – o que se refere na alegação recursiva dos RR/apelantes (na transcrição efectuada), é só por si, no contexto dos autos, insuficiente para fundamentar a pretendida e relevante alteração da decisão de facto.

As únicas alterações à da decisão de facto que, a partir da alegação recursiva, poderão ser efectuadas são juridicamente irrelevantes.

Vejamos:

Dizem os RR/apelantes que, “ao contrário do que se escreve no ponto 1 não existe nos autos qualquer elemento demonstrativo de que o Sr. Conselheiro possuísse um avultado património quando desposou a R. R...; pelo contrário, este surge apenas na constância do matrimónio de ambos, conforme se vê por documentos juntos aos autos – Escrituras Notariais.

Será porventura assim, admite-se; mas, acima de tudo, é completamente irrelevante para o desfecho do presente litígio.

Dizem os RR/apelantes que “ao arrepio do que se escreve nos itens 8 e 14 da matéria provada, não existe qualquer prova documental ou testemunhal que fundamentem a afirmação de que o pai dos AA. ficou incapacitado de continuar na administração a partir de 25/12/1998. – vide doc. médico de fls. 625 e e depoimentos das testemunhas S... e T... ( dos A.A.), Dr. U...( dos R.R) e Declarante Q...”.

Seja assim ou não, é, no caso e no momento, irrelevante.

A incapacidade do Sr. Conselheiro a partir do dia 25/12/1998 não é um facto essencial e imprescindível para o desfecho do litígio.

Essencial é saber de quem eram as somas pecuniárias e o que lhes “aconteceu”; uma e outra coisa são independentes da incapacidade do Sr. Conselheiro para governar a sua pessoa e bens[6]

Não se contesta, naturalmente, o interesse instrumental da facticidade respeitante à capacidade/incapacidade do Sr. Conselheiro (ou o interesse da facticidade sobre a sua fragilidade física e psíquica, por volta dos seus 90 anos), porém, assente o que é essencial – e está assente, como referimos – não interessa estar a discutir o que é meramente instrumental.

Em conclusão final, a decisão de facto, quanto aos factos essenciais, não merece, no sentido propugnado pelos RR/recorrentes, nenhuma censura; porém, retiram-se – já se retiraram no alinhamento antes feito – do elenco dos factos provados os factos instrumentais (como os dois acabados de referir[7] e outros sem relevo) a que os RR/apelantes revelam oposição na sua alegação recursiva.

*

Assentes os factos, passemos à sua análise estritamente substantiva.

Começando pelo terceiro crédito:

Como já se referiu e resulta do art. 1735.º do C. Civil, no regime da separação de bens – que era aquele em que estavam casados o Dr. W... e a D. R... – há uma completa autonomia dos bens; quer dos bens que cada cônjuge leva para o casamento quer dos bens que adquire na constância do matrimónio.

Assim, em face do que consta dos pontos 20, 22 a 26, 28 e 29 dos factos provados, é indiscutível que as verbas referidas nos pontos 37 a 71 e 75 dos factos provados eram bens próprios do Dr. W...; uma vez que tais verbas tinham como proveniência/origem as suas pensões de reforma de Juiz Conselheiro.

Como também já se referiu, no regime da separação não há bens comuns, mas, quando muito, bens em regime de compropriedade, em que a quota de cada um dos cônjuges integra a sua massa de bens, o seu património próprio.

O que significa que o que se invoca – sobre o Dr. W... partilhar tudo com a esposa, D. R..., e dar/reputar todos os seus haveres como comuns – não tem respaldo ou contemplação na lei, sequer em termos de compropriedade.

Não se ousa duvidar que o que os RR/recorrentes referem seja a expressão da verdade, que tal corresponda à “sua vontade efectiva, objectiva e real (…) ao longo dos tempos, impondo-se a tudo e todos e obviamente gerando uma grande harmonia conjugal e familiar”.

Sucede, isso sim, que a sua vontade era/é insuficiente, no caso, para se sobrepor à lei, mais exactamente ao comando do art. 1762.º do C. Civil, segundo o qual “é nula a doação entre casados, se vigorar imperativamente entre os cônjuges o regime da separação”.

O legislador é sensível – daí a sua hostilidade às liberalidades entre cônjuges – ao clima de suspeição que envolve a realização de liberalidades entre pessoas unidas pelo vínculo patrimonial; à ideia das “doações entre cônjuges serem frequentemente determinadas pela pressão que um deles exerce sobre o outro – pressão grandemente facilitada através da comunhão diária de vida existente entre os pactuantes – ou pelos sentimentos exaltados do doador, que o levam a beneficiar imoderadamente o seu consorte”; à ideia do “amor poder ser causa de espoliações e não dever a doação ser o preço da paz doméstica, sendo o cônjuge mais generoso despojado pelo mais egoísta e avaro[8].

O legislador, por outro lado, não podia olvidar que “as mesmas considerações que induzem a lei a proibir o estabelecimento de qualquer regime de comunhão entre cônjuges justificam o facto de não se permitir que um deles faça doações ao outro, durante a constância do matrimónio[9].

Daí a nulidade das doações – de todas as que eventualmente haja feito – do Dr. W... à esposa, D. R...; doações que nunca fariam, por definição, dos bens doados “bens comuns”, mas que, perante tal nulidade, também não geraram uma compropriedade.

E a circunstância das verbas monetárias terem sido e estarem depositadas em conta conjunta do Dr. W... e da D. R... e desta as poder movimentar legalmente não muda as coisas de figura.

Quando estamos perante quantias que estão depositadas em contas bancárias, importa distinguir que uma coisa é a titularidade das contas bancárias em que as disponibilidades monetárias se encontram depositadas e outra, em que pode haver diferentes titulares, a propriedade dos fundos depositados[10].

De facto, o depósito de dinheiro num banco não passa de um mero contrato obrigacional, “pelo qual uma pessoa (depositante) confia dinheiro a uma instituição bancária (depositário), a qual, tornando-se proprietária dos fundos depositados, fica com direito de livremente dispor deles para as necessidades da sua actividade profissional e assume a obrigação de restituir outro tanto em conformidade com o estipulado pelas partes[11]; contrato de que, após ser validamente celebrado (isto é, após, o depositante haver entregue os fundos a depositar - contrato real), resulta a obrigação de restituir a cargo do banco; obrigação de restituir que, no chamado depósito ou conta colectiva solidária[12], vincula o banco a restituir a totalidade dos fundos depositados a qualquer um dos titulares da conta.

Ou seja, na conta colectiva “solidária” – como certamente seria o caso – o direito que está em causa, em relação ao banco, é o direito que qualquer dos titulares tem de poder movimentar sozinho e livremente a conta; direito este que – é absolutamente pacífico, insiste-se – está dissociado da propriedade das quantias depositadas[13], que se deve presumir igual entre todos os titulares da conta (cfr. artigo 516.º do C. Civil).

Daí que, quando estamos perante quantias que estão depositadas em contas bancárias, o centro do busílis acabe, via de regra, por estar no afastamento de tal presunção.

Afastamento que está nos autos feito pela circunstância da conta ser alimentada a crédito apenas pelas pensões de reforma do Dr. W...; que era assim o primitivo dono/proprietário de todas as quantias em causa, razão pela qual (continuando sempre a sê-lo por causa do regime de separação de bens) era aos RR/recorrentes que competia alegar/provar qualquer situação/relação jurídica susceptível de configurar uma excepção com força suficiente para impedir a pertença à herança de tais bens (verbas da conta bancária).

E as coisas não permitem conclusões diversas caso procuremos configurar a posição de titular da conta bancária, por parte da D. R... (que não era a dona das verbas), como uma espécie de autorização para movimentar tal conta; como uma relação jurídica de mandato com representação[14].

Em tal hipótese jurídica, importa ter presente que quem administra bens ou interesses alheios – é um princípio geral – está obrigado a prestar contas da sua administração; prestação de contas que, sendo uma obrigação (no caso, seria da mandatária – cfr. 1161.º/d) do C. Civil), impunha à D. R... (aqui, aos RR/recorrentes) que as prestasse.

Princípio geral este – de que quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração – que contém uma ideia/racional que indica o desfecho do pedido respeitante ao terceiro crédito (o que estamos a apreciar), ou seja (em síntese silogística): as verbas monetárias entraram na conta bancária como bens próprios do Dr. W...o; assim permaneceram (como bens próprios), em face da completa separação de patrimónios entre ambos e da nulidade das recíprocas doações; por conseguinte, quando a D. R... movimentou/transferiu/levantou as verbas de tal conta bancária, no montante global de 41.784,723$00 = € 208.421,32, movimentou/transferiu/levantou dinheiro alheio, pelo que é ela (são os RR/recorrentes) que tem explicar/provar o que fez a tal dinheiro alheio.

E se não explica/prova – estando o dinheiro “desaparecido” há anos – a conclusão final só podia ser a dos pontos 30 e 74 dos factos provados, ou seja, apoderou-se do mesmo.

Assim, embora no momento da abertura da herança (na data da morte do Dr. W... – cfr. 2024.º, 2025.º e 2031.º, todos do C. Civil) tais verbas monetárias não estivessem em poder do Dr. W...[15], o certo é que o valor do seu crédito faz parte da herança.

Neste contexto, a única dúvida/questão que pertinentemente, com o devido respeito, se pode/deve colocar tem a ver com o quantum de tal crédito.

É que importa não desprezar à ressonância jurídica ambivalente de alguns factos.

Disse-se que todas as quantias monetárias que passaram pela conta de depósito tinham como proveniência/origem as pensões de reforma de Juiz Conselheiro do Sr. Dr. W... e, ao mesmo tempo, também se disse que a D. R... não tinha – ou teve sequer durante a constância do casamento – quaisquer bens ou rendimentos próprios (e é justamente por tudo isto que é/foi fácil dizer e estabelecer – embora o dinheiro seja todo igual e completamente fungível – que todo o dinheiro sobrante/remanescente era e é bem próprio do Dr. W...).

Significa o que se acaba de dizer – não ter a D. R... quaisquer bens ou rendimentos – que no final da vida de ambos (e, em 1998, ele já tinha 90 anos e ela 86 anos) era o Dr. W..., em face das suas possibilidades, que tinha que custear a totalidade dos encargos da vida familiar (com 86 anos, não se está a ver a D. R... a cumprir a sua parte dos encargos com “trabalho despendido no lar”).

De tal modo isto é/era assim que os próprios AA. aceitam (na pi, entre os artigos 61.º e 76.º) que dum montante global de cerca de 40 mil contos de reformas recebidas se produzisse, descontadas as despesas da economia doméstica, um aforro nunca inferior a 25 mil contos[16].

Ou seja, pese embora o que se deu como provado no facto 73 (em que, em todo o caso, apenas se fala em “cheques emitidos” e não também em levantamentos e transferências) e no facto 74 (em que, em todo o caso, apenas se diz que os levantamentos estão “para além” das despesas da economia doméstica), importa ter bem presente e fazer relevar para o “quantum” do crédito da herança a circunstância (referida no facto 76) do “Conselheiro W... e a D. R... viverem em economia comum, do vencimento e reforma auferidos pelo mesmo”.

Em síntese, na globalidade e contexto dos factos, entendemos que podemos/devemos considerar (até em face de serem reduzidos os restantes movimentos que a conta bancária – por onde passava todo o suporte financeiro da economia comum – espelha ao longo de 4 anos), num julgamento “ex aequo et bono”[17] – tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida[18] – como inteiramente justo e equilibrado, como a boa justiça do caso concreto, fixar o crédito da herança, decorrente do dinheiro (sobrante/remanescente) que era bem próprio do Dr. W... e de que a R... se apoderou, em apenas € 175.000,00[19]; fixação esta que – com a redução de apenas € 33.42133 – não deixamos reflectir a ideia de reprovação e censura que a apropriação da D R... claramente merece e suscita[20].

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Passemos pois aos 1.º e 2.º créditos invocados: aos créditos correspondentes às metades das quantias pagas, a título de preço, nas compras vendas referidas nos pontos 12 e 14 dos factos provados:

Quantias que a sentença recorrida concedeu aos AA., com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa (como os AA. pediam).

Com o devido respeito – embora seguindo um percurso jurídico diferente do invocado pelos RR/recorrentes – não se concorda com o decidido.

Pelo seguinte: para que haja obrigação de restituir, nos termos do art. 473.º/1 do CC, é necessário que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa (ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a perdeu), porém, a falta de causa justificativa para a deslocação patrimonial terá que ser alegada por quem pede a restituição do indevido e, depois, provada, de harmonia com o princípio geral do art. 342.º do CC[21]; ora, como resulta da PI, a falta de “causa justificativa” não foi devidamente alinhada e, em função disso, não ficou provada.

A tal propósito, apenas temos provado o que consta dos pontos 12 a 15 da fundamentação de facto deste acórdão, ou seja, que ambos – Dr. W... e D. R... – outorgaram, como compradores, as escrituras de compra e venda das fracções e que “o preço (de ambos os negócios) foi integralmente pago pelo pai dos autores (Dr. W...), não tendo a D. R... contribuído com qualquer quantia do seu património, para pagamento do mesmo”.

Em face disto, tendo a D. R... outorgado ambas as escrituras como compradora, viu, inquestionavelmente, aumentado o seu património (uma vez que passou a ser comproprietária[22] das duas fracções habitacionais); por outro lado, também se pode e deve dizer que tal aconteceu à custa do empobrecimento do património do seu marido, Dr. W..., que pagou a integralidade dos preços e que, formalmente, só ficou proprietário de metade de cada uma das duas fracções habitacionais.

Sucede – é o ponto – que a circunstância dos preços terem sido integralmente pagos pelo Dr. W... (não tendo a R... contribuído com qualquer quantia para o pagamento dos mesmos) não significa/representa a prova da falta de “causa justificativa” para a deslocação patrimonial.

O não se ter provado, insiste-se, a causa da deslocação patrimonial não significa ou equivale à prova positiva da deslocação patrimonial ter falta de causa[23].

Vale a pena fazer, no caso, a seguinte ponderação:

Na compra e venda, é obrigação do comprador pagar o preço, o que significa que era obrigação da D. R... pagar a sua metade no preço de cada uma das compra e vendas.

Assim, em termos hipotéticos, o Sr. Conselheiro pode ter pago a metade (do preço) da D R... convicto de que era uma obrigação própria (cfr. art. 477.º do C. Civil); como pode tê-lo feito convicto de que era uma obrigação alheia e de que estava obrigado a cumpri-la (cfr. art. 478.º do C. Civil); como pode tê-lo feito por lhe estar, com tais pagamentos, a emprestar tal numerário; do mesmo modo que pode tê-lo feito com “animus donandi”.

São tudo hipóteses em abstracto plausíveis, que os factos provados, em tese, consentem e que, justamente por nenhuma de tais hipóteses estar excluída pelos factos provados, impedem que se diga e se conclua pela prova positiva da falta de causa da deslocação patrimonial.

Em todo o caso, se reflectirmos um pouco mais, se descermos mais ao concreto do caso, somos forçados a concluir que é a última hipótese (doações) que se impõe (que só a última hipótese pode ser no caso verdadeira).

Pelo seguinte:

Não se está a ver o Sr. Juiz Conselheiro a pagar a metade (do preço) da D R... convencido que tal era uma obrigação própria dele; e/ou convicto de que era uma obrigação da D. R... que ele estava obrigado a cumprir; tão pouco, em face de todo o contexto factual (do Sr. Conselheiro partilhar com a D. R... “todos os seus haveres presentes e futuros”), se está a ver o Sr. Conselheiro a estar a emprestar tais montantes à esposa, D. R....

A nosso ver e com o devido respeito, “estamos convencidos” que o que aconteceu foram doações; uma vez que tal factualidade não foi devidamente colocado sob discussão, não está explicitamente provado o animus donandi (razão pela qual não afirmamos categoricamente a ocorrências das doações e só dizemos “estamos convencidos”), porém, repete-se, é quem invoca a falta de causa justificativa para a deslocação patrimonial que tem o ónus da prova da mesma (art. 342.º do CC).

“Estamos convencidos” que as duas compras e vendas – em que não houve qualquer simulação – acabaram por realizar indirectamente um outro fim, que ficou na intenção e na mente do Sr. Conselheiro e da D. R... sem se traduzir em qualquer clausulado das escrituras; fim esse – doar metade das fracções à D. R... – que com a intervenção da D. R..., como compradora, foi alcançado.

Sendo assim, sendo tais doações indirectas nulas (cfr. art. 1672.º do C. Civil), assistiria aos AA. o direito a fazer regressar/ingressar na massa hereditária do seu pai a totalidade das fracções[24]; e dizemos “assistiria”, uma vez que, em função do que consta do referido ponto 16 dos factos, já não assiste: tais fracções foram entretanto doadas, doações em que inclusivamente os AA. foram intervenientes e donatários[25].

Ou seja, a “hipótese” doações, além de factualmente mais evidente, seria até a que proporcionaria aos AA. uma solução jurídica mais fácil (em face da nulidade, já referida, decorrente do art. 1762.º do C. Civil), não fora o facto constante do ponto 16, segundo o qual, em 11/11/1998, o Sr. Conselheiro e a D. R... doaram a fracção de Braga ao filho desta e a fracção de Coimbra aos filhos do Sr. Conselheiro e aqui AA. (doações em que estes naturalmente intervieram, aceitando-as).

Enfim, o que seria juridicamente fácil, tornou-se juridicamente “impossível”[26]; o que terá levado – é, com todo o respeito, o nosso ponto de vista – à construção da tese, juridicamente artificial, do enriquecimento sem causa[27].

Em todo o caso, repete-se uma última vez, o que conta/releva é que não está provado o requisito da falta de causa justificativa para a deslocação patrimonial e, por conseguinte, não há obrigação de restituir dos RR/apelantes com fundamento em enriquecimento sem causa.

Tanto mais que, não pode ser esquecido, o instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária (cfr. 474.º do C. Civil), o que significa, no caso, na hipótese “doações” referida, que não há lugar à restituição por enriquecimento por a lei “facultar ao empobrecido outro meio [a nulidade e os seus efeitos] de ser indemnizado ou restituído”.

Concluindo – seguindo embora, como se começou por referir um percurso jurídico diferente do invocado pelos RR/recorrentes[28] – o recurso procede totalmente quanto aos dois primeiros créditos concedidos na sentença recorrida, devendo deles os RR./recorrentes ser absolvidos.

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Uma última e final nota a propósito da conclusão 7.ª dos RR/recorrentes, segundo a qual “na sentença recorrida não são considerados os normativos legais que regem e impõem a limitação de responsabilidade dos herdeiros às forças da herança”.

Vejamos:

A herança, enquanto indivisa, é um património autónomo, de afectação especial, pelo que somente o seu activo, e não o património dos herdeiros, responde colectivamente pela satisfação das respectivas dívidas (2068.º e 2098.º do CC) e encargos (art. 2097.º do CC).

Efectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos encargos e dívidas na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (2098.º/1 do CC); ou seja, só responde na proporção/força da sua quota.

Mas o credor não é obrigado a aguardar que as partilhas se processem – o que pode nunca acontecer – para reclamar o seu crédito; pode exigir o seu crédito dos herdeiros; de todos os herdeiros – já que são eles, todos eles, os representantes da herança (2091.º do CC) – qualidade em que são demandados pelos encargos/dívidas da herança (sendo assim partes legítimas em acção destinada à respectiva cobrança); ou seja, são demandados, todos os herdeiros, como co-titulares de tal património autónomo, sendo nesta qualidade/veste e apenas nela (e não directamente por si) que têm legitimidade, motivo por que são responsáveis pelos encargos/dívidas apenas por que titulares dessas massas patrimoniais autónomas e por isso mesmo a sua responsabilidade não se processa ultra vires hereditatis (art. 2098.º CC)

No caso, como resulta dos pontos 83 e 84 dos factos, os ora RR. estão no processo na veste/qualidade de herdeiros da sua avó R...[29], pelo que, naturalmente, a sua condenação conjunta não poderá deixar de exprimir a qualidade em que são demandados/responsabilizados, bem como a circunstância de não haver notícia nos autos de já ter sido efectuada a partilha da avó R....

Foi isto, aparentemente, que se quis reflectir na decisão recorrida (supra transcrita), embora o modo como se organizou a redacção possa gerar equívocos interpretativos, que agora se procurará corrigir.

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IV – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, que se substitui (a)) pela declaração da R..., entretanto falecida, se haver apropriado indevidamente da quantia de € 175.000,00, pertencente à herança do Dr. W...; (b)) pela condenação conjunta dos RR. M..., N..., O... e P... – na qualidade/veste de co-titulares do património autónomo constituído pela herança da sua avó R... e pelas forças/bens da herança desta[30] – a restituir à herança do Dr. W..., tal quantia de € 175.000,00, com juros à taxa legal desde a morte do inventariado até efectiva restituição[31], a fim de ser partilhada entre os seus herdeiros; e (c) pela absolvição dos RR. do pedido em tudo o mais.

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Custas, em ambas as instâncias, em partes iguais.

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Coimbra, 24/02/2015

 (Barateiro Martins - Relator)

 (Arlindo Oliveira)

 (Emídio Santos)


[1] A primitiva ré – R... – em relação a quem estão redigidos os pedidos da PI.

[2] Estamos pois, em substância, perante uma “petição de herança”; que se caracteriza por nela se formularem dois pedidos: o do reconhecimento da qualidade de herdeiro que se arroga (pedido que, no caso, está implícito nos pressupostos da acção); e o de exigir a restituição dos bens que se diz serem pertença da herança.
[3] Conforme art. 21.º e 50.º da contestação.
[4] E lembra-se que era pacífico que a especificação e o questionário, assim como os despachos que se lhes seguiram (sobre os factos assentes e base instrutória), não fazem caso julgado formal.
[5] Da sentença, mas não deste acórdão (em que os factos foram colocados por ordem lógica e cronológica).

[6] O Sr. Conselheiro podia estar incapaz e tais somas não terem sido apropriadas; e podia estar perfeitamente capaz e as mesmas terem sido apropriadas.
[7] Verdadeiramente, só este último – sobre a incapacidade dada como provada – está reflectido nas conclusões da alegação, pelo que pode dizer-se que só ele faz parte do objecto da impugnação da decisão de facto, que a restante argumentação não foi levada pelos RR/recorrentes até ao fim (até às conclusões alegatórias).
[8] Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol IV, pág. 485.
[9] Antunes Varela, C. Civil Anotado, Vol IV, pág. 488.
[10] Cfr., v. g., Ac. STJ de 20-1-1999, in CJ, 1999, Tomo I, pág. 48; Ac. STJ de 17-6-1999, in CJ, 1999, Tomo II, pág. 152; Ac. RL de 26-5-1994, in CJ, 1994, Tomo III, pág. 105.
[11] José Maria Pires, Direito Bancário, II Vol., pág. 168.
[12] Conta constituída por diversas pessoas, com a faculdade atribuída a cada uma delas da sua livre movimentação - cfr. José Maria Pires, Direito Bancário, IIº Vol., pág. 168.

[13] O banco pode nem sequer saber – e em regra não sabe, nem se interessa por saber – qual a quota de cada um dos titulares da conta colectiva “solidária”.

[14] Em face da noção constante do art. 1157.º do C. Civil – em que se diz que o mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra – sendo os movimentos/levantamentos/transferências bancárias factos juridicamente relevantes, é/era possível configurar tal relação de mandato.
[15] Nem estamos a ser completamente rigorosos, uma vez que a última das verbas – a referida no facto 71 – foi movimentada após a morte do Dr. W....
[16] Este facto foi levado à base instrutória, onde ficou não provado; porém, o que procuramos relevar é o raciocínio dos AA. (mais, para além de tal facto ser no contexto da acção duma instrumentalidade bastante remoto, sucede, mais do que isso, que é até algo desfavorável aos AA., pelo que o “não provado” é até processualmente questionável).
[17] Entendemos poder/dever ir já para o art. 566.º/3 do C. Civil; ao fim de tantos anos, “mandar” as partes para um incidente de liquidação seria fastidioso e inútil.
[18] Pires de lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, 4ª ed., Vol. 1º, p. 501.
[19] Tanto mais que o termo inicial dos juros fixado na sentença recorrida (“desde a morte do inventariado”) não faz parte do objecto da presente apelação (ou seja, considerando-se tal crédito da herança como uma dívida de valor, a sua actualização fica/está feita pelos juros concedidos).

[20] Efectivamente, uma coisa era “viverem em economia comum” e o Dr. W... considerar todos os bens como comuns, outra, bem diversa, foi a D. R... ter querido ficar com todo o dinheiro para si.

[21] Cfr., v. g. Ac. STJ de 23/11/2011, in CJ, Tomo III, pág. 133, em que se decidiu que “a falta de causa da atribuição patrimonial tem que ser alegada e provada por quem pede a restituição do indevido; alegação e prova que não se bastam com a não existência duma causa para a atribuição, sendo necessário alegar e fazer a prova positiva da falta de causa para a atribuição (uma vez que, in dúbio, deve considerar-se que a deslocação patrimonial verificada teve causa justificativa)”.
[22] Tem-se presente o que já se referiu sobre o que significa ser casado no regime da separação de bens.

[23] A “falta de causa” resulta, via de regra, de se conhecer com detalhe o que aconteceu e o motivo da deslocação patrimonial, que, porém, não tem um bom e suficiente motivo jurídico; daí, não ser “causa jurídica justificativa”.
[24] Ou seja, o pedido certo não seria um montante pecuniário, devendo antes traduzir-se em pedir que o tribunal declarasse o falecido Dr. W... como único proprietário de ambas as fracções.

[25] Doações que colocam problemas de colação e de eventual inoficiosidade que aqui não somos chamados a decidir.
[26] E praticamente inútil; uma vez que sendo a doação aos AA. sujeita à colação e imputada nas suas legítimas é bastante seguro que a doação ao filho da D. R..., só por si, não excederia a quota disponível do Sr. Conselheiro (de 1/3, cfr. 2159.º/1 do C. Civil); especialmente agora, com o 3.º crédito a incrementar a massa hereditária.

[27] Tese em que os AA. acabam por tentar obter um incremento da posição patrimonial inicial do seu falecido pai; uma vez que, a propósito da fracção habitacional de Coimbra, para além de já haverem adquirido, por doação, a totalidade da sua propriedade, pretendem agora que lhes seja restituído/entregue metade do preço de aquisição de tal fracção habitacional; enfim, em termos práticos, acabam a querer, em relação à fracção habitacional de Coimbra, mais do que era a posição inicial do seu falecido pai.

[28] Importando ainda referir que os RR/recorrentes não têm qualquer razão na invocação da nulidade da sentença consistente em a mesma não se haver pronunciado sobre a prescrição da obrigação de restituir do art. 482.º do C. Civil; mais, a entenderem os RR/recorrentes que havia/há tal prescrição, tal invocação, só agora, representa até a confissão dum erro processual dos RR/recorrentes. Efectivamente, segundo o básico e estruturante princípio processual da eventualidade ou preclusão (consagrado no art. 489.º do CPC e 573.º do NCPC), a excepção da prescrição (matéria que não é de conhecimento oficioso – cfr. 303.º do C. Civil) só pode ser conhecida se for oportunamente suscitada na contestação, o que os RR/recorrentes não fizeram em algum momento de tal articulado. Daí que nulidade de sentença existiria, isso sim, se a mesma (em excesso de pronuncia) se tivesse debruçado sobre a prescrição; daí que suscitá-la só e apenas nas alegações de recurso configure um erro processual da parte que assim procede.

Tão pouco se verifica a nulidade da sentença da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC. De facto, segundo tal alínea c), constitui causa de nulidade da sentença os fundamentos estarem em oposição com a decisão, porém, quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto. Ora, é de todo evidente que só por lapso tal se pode invocar (aliás, não se explica, ainda que sucintamente, onde se vislumbra tal causa de nulidade) em relação a uma sentença em que os fundamentos, de facto e de direito, se encontram expostos, em que se conclui em perfeita harmonia com o exposto e em que se conheceu, sem excesso ou omissão, das questões devidas.
[29] Ao contrário do que os AA. defendem a questão não tem que ser invocada; aliás, a questão ficou logo patente na citação, não efectuada, da primitiva R. ( R...) por a mesma ter falecida dois dias após a propositura da acção.
[30] E, caso a herança já tenha entretanto sido partilhada, pela proporção/força das suas quotas hereditárias.
[31] O segmento condenatório dos juros não foi alvo/objecto de recurso.