Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
353/18.4GAPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
REQUISITOS
CONSENTIMENTO DO CONDENADO
DESCONHECIMENTO DO PARADEIRO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 10/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE PORTO DE MÓS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 43.º DO CP
Sumário: I – A omissão, na sentença recorrida, das condições pessoais, profissionais, económicas, entre outras, relevantes à formulação do juízo de inserção social do arguido, de importância inquestionável em sede de determinação da sanção, só constitui o vício previsto na al. a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, se o tribunal da 1.ª instância não encetou todas as diligências possíveis e adequadas tendentes a apurá-las, investigando tudo o que podia e devia.

II – O consentimento do condenado, requisito (formal) necessário à execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, que convive em harmonia com a disciplina do art. 4.º da Lei n.º 33/2010, de 02-09 (relativa à vigilância electrónica), deve ser prestado pessoalmente por aquele, perante o juiz, na presença do seu defensor.

III – Todavia, não tendo sido possível obter o consentimento pessoal do condenado, sequer a realização do relatório social visando a determinando da sanção, sem que nesta vertente também se detecte qualquer falta de diligência do tribunal, que tudo fez, designadamente para localizar o arguido, em causa ficou, desde logo, o pressuposto formal da aplicação do regime enunciado no n.º 1 do art. 43.º do CP, revelando-se, neste circunstancialismo, desnecessário mergulhar na ponderação dos respectivos requisitos materiais, o mesmo é dizer, no juízo conducente à eventual aplicação do dito regime.

Decisão Texto Integral:





Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo abreviado n.º 353/18.4GAPMS do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, P. de Mós – JL Criminal, mediante acusação pública, foi o arguido J., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe, então, imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento por sentença de 13.06.2019 o tribunal decidiu [transcrição parcial]:

“6.1. condenar o arguido J., pela prática, em 14.12.2018, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos n.º 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de dez meses de prisão; outrossim na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de vinte meses; (…).”

3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:

1 – Discutida a causa, foi o ora recorrente condenado, como autor material, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 10 meses de prisão.

2 – A pena é efetiva.

3 – Os autos em epígrafe que a sentença ora recorrida vem de analisar ponderar e sentenciar constituem o repositório de condutas pouco edificantes, de atualidade e de extremo perigo social, designadamente a do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

4 - Face à prova produzida – e que aqui se dá por integralmente reproduzida é grande o inconformismo do recorrente, não tanto pela pena aplicada, antes pela omissão relativa ao modo de execução da pena.

5 – O presente recurso incide assim sobre a) (não aplicação do novo regime previsto no artigo 43.º do CP (cumprimento da pena em regime de obrigação de permanência na habitação e a omissão completa relativamente à nem sequer ponderação desta possibilidade;

6 – Os antecedentes criminais do arguido, ora recorrente, resultam exclusivamente do cometimento de crimes da mesma natureza que são considerados como criminalidade de gravidade reduzida, sendo certo que a reiteração desta prática impõe uma maior severidade como função retributiva da censura.

7 – A sua família é diligente, e no que diz respeito ao arguido, o mesmo é cumpridor. O contexto familiar é positivo e de coesão interna.

8 – Não são percetíveis fatores de risco que se perspetivem comprometedoras relativamente a condutas futuras do arguido.

9 – Nos termos do disposto no artigo 43.º do CP as penas até 2 (dois) anos de prisão podem ser cumpridas em regime de Obrigação de Permanência na Habitação, não tendo a sentença ora recorrida se pronunciado, como devia, sobre esta possibilidade.

10 – Não sendo decretada a suspensão da pena em que foi condenado deverá ser ordenada a realização de relatório social tendente a aferir das condições tendentes ao cumprimento da pena em regime de OPH com VE.

11 – E é tanto quanto se reclama em sede de recurso.

Nestes termos, devem os autos ser reenviados à 1.ª instância (artigo 426.º n.º 1 do CPP) para elaboração de relatório social tendente a aferir da possibilidade de execução da pena em regime de OPH com VE.

Termos em que:

Deve ser designado dia e hora para a realização de audiência nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 411.º do CPP e em consequência:

a) Devem os autos ser reenviados à 1.ª instância (artigo 426.º nº 1 do CPP) para elaboração de relatório social tendente a aferir da possibilidade de execução da pena em regime de OPH com VE.

b) Deve, em consequência e após relatório, ser ordenada a execução da pena em que o recorrente foi condenado em regime de OPH com VE.

Assim farão V. Exas. a tão costumada Justiça.

4. Foi proferido despacho de admissão do recurso.

5. Em resposta ao recurso o Ministério Público concluiu:

1. Em primeiro lugar, o arguido desinteressou-se sobre o destino do processo (não esteve presente em qualquer sessão de audiência de discussão e julgamento e não comunicou nova morada aos autos).

2. Não deu o seu consentimento para aplicação do regime que, ora, requer (um dos pressupostos da sua aplicação).

3. O Tribunal a quo, conforme deixou vertido na sentença (e supra se transcreveu), tudo fez para o localizar.

4. Tudo fez pela obtenção de relatório social, nomeadamente, para escolha e determinação concreta da pena.

5. Não obstante todos os esforços foram em vão.

6. Não foi, sequer, possível, a realização deste relatório ou a localização do arguido.

De onde resulta, não haver consentimento do arguido, à data da prolação da sentença, para aplicar o regime de cumprimento da pena de prisão na habitação e não foi possível, com reporte, à mesma data, obter qualquer informação pessoal (favorável) do arguido, por impossibilidade de realizar relatório social.

Os factos mostram-se fixados.

E deles não resultam os elencados pelo Ilustre Causídico nos pontos 7 e 8 das conclusões de recurso.

Pelo exposto, com o devido respeito, entendemos estar esse Venerando Tribunal em condições de declarar a apontada nulidade, mas, também, de decidir no sentido da inaplicabilidade do requerido regime, ao caso concreto (uma vez que, não há consentimento do arguido nos autos e não se pode concluir que, pelo meio ora requerido, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, já que, o arguido não esteve presente nas sessões de audiência de discussão e julgamento, não apresentou testemunhas abonatórias do seu comportamento e foi impossível realizar relatório social, devido ao desconhecimento do paradeiro do arguido), sem necessidade do processo retornar ao Tribunal de Primeira Instância para esse desiderato.

Pelo que, julgando o recurso parcialmente procedente, farão V. Exas. a costumada Justiça.

6. Na Relação o Exmo. Procurador da República apôs o visto (artigo 416.º, n.º 2 do CPP).

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a audiência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de eventuais questões de natureza oficiosa, no presente caso cabe decidir se, ao não ponderar o cumprimento da pena de prisão efetiva em regime de permanência na habitação, incorreu a sentença em omissão de pronúncia.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença [transcrição parcial]:

Da discussão da causa resultaram os seguintes factos provados:

1. No dia 14.12.2018, cerca das 10h44m, na Estrada Nacional 356, ao km (…), em (…), o Arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (…), apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,576 gramas/litro.

2. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra descritas, o Arguido foi interveniente em acidente de viação, o qual envolveu outras viaturas.

3. Ao agir como descrito, o Arguido atuou em livre manifestação de vontade, com o propósito concretizado de conduzir um veículo motorizado na via pública, influenciado por um estado de alcoolemia superior ao limite máximo permitido por lei para o exercício da condução de veículos na via pública, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida penalmente.

4. O Arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.

Apurou-se, ainda, que:

5. O Arguido foi condenado no âmbito do processo comum singular n.º 14732/03.8TDLSB, pelo 6.º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, 12.09.2003, de um crime de emissão de cheque sem provisão, por sentença proferida de 26.01.2005, transitada em julgado em 15.04.2005, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00, extinta pelo seu pagamento em 09.01.2007.

6. O Arguido foi condenado no âmbito do processo comum n.º1697/04.8TDLSB, pelo 4.º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 19.08.2003, de crime de emissão de cheque sem provisão, por sentença de 19.02.2010, transitada em julgado em 01.09.2010, na pena de 160 dias de multa à razão diária de €5,00, substituída pela prestação de 160 horas de trabalho a favor da comunidade, extinta pelo seu cumprimento em 17.04.2014.

7. O Arguido foi condenado no âmbito do processo abreviado n.º1000/10.8SILSB, pelo 1.º Juízo da Pequena Instância Criminal de Lisboa, pela prática, em 25.07.2010, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, por sentença de 12.10.2010 e transitada em julgado em 13.12.2010, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €6,00 e na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses e 15 dias, ambas extintas pelo seu cumprimento.

8. O Arguido foi condenado no âmbito do processo sumaríssimo n.º42/09.0SXLSB, pelo 2.º Juízo da Pequena Instância Criminal de Lisboa, pela prática, em 29.09.2009, de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença transitada em julgado em 18.01.2011, na pena de 100 dias de multa à razão diária de €6,00, e na sanção acessória de proibição de conduzir por 4 meses, ambas extintas pelo seu cumprimento.

9. O Arguido foi condenado no âmbito do processo sumário n.º63/12.6PALRS, pelo 1.º Juízo da Pequena Instância Criminal de Loures, foi condenado pela prática, em 18.02.2012, de crime de condução em estado de embriaguez por sentença de 20.02.2012 e transitada em julgado 03.05.2012, na pena 90 dias de multa à taxa diária de €6,50 e na proibição de conduzir por 5 meses, a primeira extinta por força da prescrição, a segunda pelo cumprimento.

10. O Arguido foi condenado no âmbito do processo comum n.º144/10.0SPLSB, pelo 5.º Juízo Criminal de Lisboa, pela prática, em 23.11.2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença de 04.07.2012, transitada em julgado em 19.09.2012, na pena de 120 dias de multa à razão diária de €5,00 e na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses, aquela substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, extinta por força da prescrição.

11. O Arguido foi condenado no âmbito do processo sumário n.º807/13.9SGLSB, pelo Juízo Local – Juiz 4 da Pequena Criminalidade de Lisboa, pela prática, em 14.09.2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença de 03.10.2013, transitada em julgado em 02.12.2015, na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano e na proibição de conduzir pelo período de 8 meses, ambas extintas pelo seu cumprimento.

12. O Arguido foi condenado no âmbito do processo sumário n.º1298/15.5PHLRS, pelo Juízo Local – Juiz 1 de Pequena Criminalidade de Loures, pela prática, em 01.12.2015, de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença de 02.12.2015, transitada em julgado em 17.03.2016, na pena de 8 meses de prisão substituída pela pena de 240 dias de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 8 meses.

13. O Arguido foi condenado no âmbito do processo abreviado n.º55/16.6PHLRS, pelo Juízo Local – Juiz 1 de Pequena Criminalidade de Loures, pela prática, em 28.01.2016, de um crime de violação de proibições, por sentença de 06.07.2016, transitada em julgado em 06.10.2016, na pena de 80 dias de multa à razão diária de €5,00.


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Não se provarem outros factos com relevância para a decisão da presente causa.

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A convicção do Tribunal baseou-se na prova documental oportunamente juntas aos autos, bem assim na pessoal produzida em audiência de discussão e julgamento que confirmou a primeira, concretizando o Auto de notícia, fls.2, a Participação de Acidente de Viação, a fls.52-60, e o Talão do alcoolímetro a fls.11, outrossim o depoimento prestado pelo Guarda Principal de 39 anos de idade (…), que, além de relatar a ocorrência, tal como por si percecionado e feito constar naquele Auto, explicou os termos em que procedeu à identificação do Arguido, através dos documentos de identificação, a saber a carta de condução e o cartão de cidadão.

Do certificado de registo criminal do Arguido, junto aos autos em 12.04.2019, decorreram os seus antecedentes criminais.

3. Apreciação

Inconformado com a sentença enquanto não ponderou o cumprimento da pena de prisão efetiva em regime de permanência na habitação, invoca o recorrente a omissão de pronúncia.

Conclui, pedindo o reenvio dos autos (artigo 426.º do CPP) ao tribunal de primeira instância com vista à elaboração de relatório social tendente a aferir da possibilidade de execução da pena em regime de OPH com VE.

Significa, pois, sem expressamente o invocar, ser seu entendimento padecer a sentença do vício da alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP.

Vejamos.

É de afirmar a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada sempre que do texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta uma lacuna no apuramento dos factos, os quais deveriam e poderiam ter sido averiguados, para fundamentar a decisão de direito.

No caso concreto, debruçando-nos sobre o acervo factual vertido na sentença facilmente se constata ser o mesmo omisso quanto às condições pessoais, profissionais, económicas, entre outras, relevantes à formulação do juízo de inserção social do arguido, de importância inquestionável em sede de determinação da sanção, lacuna que, sem mais, levaria a concluir pelo sobredito vício. Contudo, é o mesmo de afastar se o tribunal encetou todos os esforços com vista a apurá-las, investigando tudo o que podia e devia. Na verdade, situações ocorrem em que semelhante indagação, malgrado o empenho do julgador, resulta frustrada. Foi o que sucedeu!

Com efeito, sem que tal tenha merecido qualquer reação por parte do recorrente, mostra-se consignado na sentença: “Procedeu-se, em 29.04.2019 à realização da primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, na ausência do Arguido, solicitando-se, então, atenta a complexidade da decisão a proferir e a elevada probabilidade de aplicação de pena de prisão efetiva, a elaboração de relatório social nos termos do artigo 370.º do Código Processo Penal, fixando prazo de 15 dias para a sua junção aos autos e designando, para continuação da diligência, o dia 21 de Maio de 2019. Por e-mail de 20.05.2019, a Equipa Competente informou “que o arguido não se encontrava a residir na morada fornecida por esse Tribunal. Assim, foi efetuada deslocação à mesma, tendo-se contactado o respetivo progenitor, que informou, desconhecer o paradeiro do filho, há mais de um ano, pensando, contudo, que aquele residirá na zona de Leiria. Sendo assim inviável a elaboração do relatório pretendido”. Por despacho de 21.05.2019, na tentativa da concretização da diligência determinada, este Tribunal ordenou a pesquisa nas diversas bases de dados pelo atual paradeiro do Arguido e, sendo o caso, que se solicitasse a sua confirmação junto do O.P.C. competente, de modo que, sobrevindo morada diversa da já conhecida nos autos, se solicitasse, com urgência, a elaboração do relatório social em causa, o qual deveria ser junto aos autos até à data para a qual, por conseguinte, se transferiu a continuação da audiência de julgamento, a saber o dia 07 de Junho de 2019. Por Despacho sequente também de 21.05.2019, e uma vez que das pesquisas efetuadas não resultou morada diversa da conhecida nos autos, determinou-se que se solicitasse, com urgência, à G.N.R. e à P.S.P. de Leiria, bem ainda à G.N.R. de Porto de Mós, da Batalha e de Mira de Aire sobre se têm algum conhecimento do paradeiro atual do Arguido nos presentes autos, tendo todas as respostas obtidas, juntas aos autos, sido negativas. Por Despacho de 04.06.2019, diante das diversas e sucessivas diligência ordenadas e realizadas, porém frustradas, com vista ao apuramento do atual paredeiro do Arguido, conclui-se que esta Tribunal tudo fez ao seu alcance para concretizar a elaboração do relatório social então solicitado, vendo-se, pois, objetivamente impossibilitado de reunir (outros/mais) elementos que pudesse atender na escolha e na determinação da sanção a aplicar nos presentes autos, nada mais havendo e/ou podendo determinar para o efeito. Nesta ordem de ideias, este Tribunal manteve a continuação da audiência de julgamento tal como agendada para a sexta-feira dia 07 de Junho, no âmbito da qual, nada mais tendo sido requerido/promovido, pela Defesa e/ou pela Acusação, as diligências de prova deram-se por concluídas, avançando-se para a fase das alegações orais e, após, a elaboração da presença sentença, cuja leitura teve lugar na data supra, isto é, em 13.06.2019.”

No “cenário” descrito, naturalmente que ficou o tribunal a quo – sem que lhe possa ser apontada uma menor diligência – impossibilitado de se pronunciar sobre aspetos relevantes à determinação da pena, não sendo, como tal, de decidir pela verificação do referido vício.

Prosseguindo.

No segmento reservado à escolha e medida da pena, o julgador, após ter afastado, com os fundamentos então aduzidos, a aplicação da multa, prevista no tipo legal em alternativa à pena de prisão, e fixado a última - com recurso aos comandos normativos que versam sobre a matéria - em dez meses de prisão efetiva, não deixou de equacionar a sua substituição, ponderando, expressamente, a aplicação da pena de multa, substitutiva da prisão (artigo 45.º do C.P.) e a suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º do C.P.), fazendo ainda referência à prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do C.P.), para concluir, no que às duas primeiras respeita, por não se mostrarem reunidos os respetivos pressupostos, o mesmo sucedendo quanto à última.

Já no que concerne à execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação (artigo 43.º do C.P.) o tribunal a quo não lhe fez referência expressa, colocando-se a questão de saber se, em função disso - como defende o recorrente - incorre a sentença em omissão de pronúncia (cf. artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P.).

Sobre a execução da pena em Regime de permanência na habitação dispõe o artigo 43.º do Código Penal:

1 – Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;

(…)

2 – O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão,

(…)” – [negrito nosso].

Do regime, assim, delineado decorre que a par dos pressupostos materiais, o legislador exige como pressuposto formal da aplicação desta especifica pena de substituição em sentido impróprio ou forma de execução/cumprimento da pena de prisão (conforme o entendimento) entre outros, o consentimento do condenado, requisito que convive em harmonia com a disciplina do artigo 4.º da Lei n.º 33/2010, de 02.09 (relativo à vigilância eletrónica), cujo n.º 2 não dispensa a sua (do condenado) prestação pessoal perante o juiz, na presença do defensor.

Ora, no caso em apreço, como dá nota a sentença, a audiência de julgamento realizou-se na ausência do arguido, não tendo sido possível, malgrado as inúmeras diligências, para o efeito encetadas, localizá-lo. Pela mesma razão, conforme detalhadamente o tribunal a quo cuidou de esclarecer, revelaram-se infrutíferas as “tentativas” de elaboração do relatório social para determinação da sanção (artigo 370.º do CPP), circunstâncias, estas, nunca postas em causa no recurso.

Perante semelhante “quadro”, tendo presente que só ocorre omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de se debruçar sobre as questões relevantes que lhe foram diretamente colocadas ou que não o tendo sido, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso, sobre si impendia o poder/dever de o fazer, não se vê fundamento para concluir pela dita invalidade. Na verdade, não tendo sido possível obter o consentimento pessoal do condenado, sequer a realização do relatório social tendente à determinação da sanção – sem que nisso – enfatiza-se - se detete qualquer falta de diligência do tribunal, que tudo fez, designadamente para localizar o arguido - em causa ficou, desde logo, o pressuposto formal da aplicação do regime enunciado no n.º1, do artigo 43.º do CPP, revelando-se, no presente caso, infrutífero mergulhar na ponderação dos respetivos requisitos (pressupostos) materiais o mesmo é dizer no juízo conducente à eventual aplicação do regime (artigo 43.º do C.P.).

Se é certo que a “ponderação” e o “afastamento” do modo de execução da pena de prisão efetiva (se em ambiente prisional; se em regime de permanência na habitação) constituem dois momentos distintos da “operação” tendente à determinação da pena, que se impõe ao juiz de julgamento, não é menos verdade que a “etapa” da “ponderação” na situação em apreço perde sentido útil quando em crise está a verificação de um pressuposto formal, o qual malgrado o esforço, se revelou de impossível verificação.

É claro que pode sempre argumentar-se que o juízo sobre o específico pressuposto formal, traduzido no “consentimento”, só é de formular se previamente for de concluir que através do regime de permanência na habitação “se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão”. Porém, num caso como o documentado nos autos – em que foram esgotadas as diligências que poderiam conduzir à prestação do “consentimento” – semelhante rigor técnico redundaria em pura inutilidade. Em situações similares afigura-se-nos de todo justificado que a não verificação deste específico pressuposto formal – tal como daquele outro de que se ocupa a alínea a), do n.º 1, do artigo 43.º do C.P. – dispense o tribunal do juízo sobre a presença do dito pressuposto material.

Concluindo, no caso dos autos, não se verificando o pressuposto “formal” para aplicação do regime, traduzido no consentimento do condenado, esclarecidas que se mostram as razões objetivas que definitivamente inviabilizaram a sua eventual prestação, nenhuma razoabilidade – por carecida de sentido útil - se alcança na exigência da “ponderação” sobre a adequação e suficiência do regime de permanência na habitação às finalidades da execução da pena de prisão, pelo que não incorreu a sentença em omissão de pronúncia.

Em suma, não merece censura a sentença recorrida.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em julgar improcedente o recurso.

Custas, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UCs, a cargo do recorrente – [cf. artigos 513.º e 514.º do CPP; artigo 8.º do RCP].

Coimbra, 28 de Outubro de 2020

[Texto elaborado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira – relatora

Isabel Valongo - adjunta