Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
171/13.6GTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ALCOOLÍMETRO
CONTROLO DE ACTIVIDADE
EMA
ANALISADOR QUALITATIVO E QUANTITATIVO
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 5.º E 8.º DO RCMA; ART. 153.º DO CE
Sumário: I - Compete ao Instituto Português da Qualidade, I.P. o controlo destes instrumentos, o qual compreende as seguintes operações de controlo metrológico: a) aprovação do modelo, b) primeira verificação, c) verificação periódica e, d) verificação extraordinária (art. 5º do RCMA).

II - Até ao momento, o estado da ciência não permitiu ao homem a realização de medições absolutamente exactas. Qualquer resultado de medição está sujeito a uma margem, por mínima que seja, de incerteza, pela simples razão de que não foi ainda possível conceber instrumentos de medição sem margem para erro.

III - A lei não exige, como pressuposto de validade da realização de exame com analisador quantitativo, que previamente tenha que ser efectuado exame com analisador qualitativo, como também entendemos que a lei não exige igualmente a referência no auto de notícia, à realização de exame com analisador qualitativo, nos casos em que ele tenha ocorrido.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


 

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Peniche – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal.

Por sentença de 7 de Novembro de 2014 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de sessenta e cinco dias de multa à taxa diária de € 7 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de cinco meses.

 


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            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1ª – A sentença padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, n.º 2-c) do CPP, ou, pelo menos, de erro de julgamento na decisão proferida sobre a matéria de facto, porquanto a TAS que se deu como provada na 2ª parte do ponto 2 dos factos provados [(…) acusou uma taxa de álcool no sangue de 1.95 g/l, que deduzido o erro máximo admissível corresponde a um taxa de álcool de 1.79 g/l], deveria ter sido considerada não provada, em virtude da ausência de certificação e comprovação de que o alcoolímetro estivesse a funcionar, conforme exigido pelo artigo 170º, nºs 3 e 4 do Cód. da Estrada, de acordo com as rigorosas regras:

a) De controlo metrológico previstas no Decreto-Lei n.º 291/90, de 20-09, nomeadamente à verificação periódica imposta pelo artigo 4º e regulamentada na Portaria n.º 1556/2007, de 10-12;

                b) De certificação de conformidade, mediante aposição do competente selo, nos termos exaustivamente impostos pela Diretiva 2009/34/CE, de 23-04-2009, promanada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.

                2ª – Por outro lado, em reforço desse juízo de não prova, milita, igualmente, a não comprovação do cumprimento das regras instituídas pela Lei n.º 18/2007, de 17-05, por ausência de demonstração da realização dos dois testes, e respetivos resultados, exigidos pelos seus artigos 1º, nºs 1 e 2 e 2º, n.º 1: um – o primeiro –, com recurso a analisador qualitativo; ou outro – segundo –, por intermédio de analisador quantitativo.

3ª – Este duplo requisito não pode deixar de ser considerado uma garantia de defesa, com tutela constitucional (artigo 32º, nºs 1, 2 e 5, da CRP), na medida em que, através dele, se assegura a confirmação, por duas vias distintas, da presença de álcool no sangue.

4ª – Desde já se arguindo a inconstitucionalidade dos citados artigos lº, nºs 1 e 2 e 2º, n.º 1 da mencionada Lei, por violação daquele normativo constitucional, caso venham a ser interpretados em sentido contrário ao ora defendido.

5ª – Os apontados erros na apreciação da prova e na inerente definição dos factos provados e não provados expressos na sentença, implicaram que o Tribunal a quo tivesse violado os artigos 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1-a), do Cód. Penal, e, bem assim, o artigo 32º, nºs 1, 2 e 5 da CRP e o artigo 170º, nºs 3 e 4 do Cód. da Estrada, pois interpretou-os no sentido de que a realidade probatória e fática sub judice deveria ser subsumida à sua previsão.

6ª – Deveria tê-los interpretado em sentido contrário. Justamente no sentido de que, à luz da conjugação dos citados normativos, não poderia dar-se como provada a TAS assacada ao arguido, nem, consequentemente, o seu comportamento integrado na previsão do artigo 292º, nº 1 do Cód. Penal.

7ª – Pugna-se, portanto, pela prolação de acórdão que determine a revogação da sentença recorrida e declare a absolvição do arguido.


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            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões

            1 – Nenhuma prova foi apresentada ou produzida que permita questionar o bom funcionamento do equipamento utilizado nas medições para pesquisa de álcool no sangue;

                2 – A sentença apreciou correctamente a prova, subsumiu os factos ao direito sem violação de preceitos legais e condenou numa medida de pena ajustada à culpa do agente e às necessidades de prevenção geral e especial.

                Assim, julgando-se o recurso improcedente deve a mesma ser mantida.

                Por ser de Justiça.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, subscrevendo os fundamentos da contramotivação do Ministério Público, e concluiu pela improcedência do recurso.


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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo arguido, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- O erro notório na apreciação da prova e/ou a incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto;

- A violação do art. 32º, nºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

           

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

            1. No dia 11 de Agosto de 2013, pelas 5 horas c 40 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula (... )BA, pela Estrada do Baleal, concelho de Peniche, após ter ingerido bebidas alcoólicas, quando foi mandado parar por militares da GNR em serviço.

2. Submetido ao teste para pesquisa de álcool no sangue através do aparelho DRAGER ALCOTEST 7110 MKIII, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1.95 g/l, que deduzido o erro máximo admissível corresponde a uma taxa de álcool de 1,79 g/l.

3. O arguido não requereu contraprova.

4. Ao ingerir as bebidas alcoólicas o arguido sabia dos efeitos que as mesmas provocam no organismo e das consequências que acarretam pura uma condução atenta e segura.

5. Pretendeu praticar os factos, agindo sem qualquer constrangimento a uma vontade livre e esclarecida apesar de saber que tais comportamentos não eram permitidos pelo Direito.

6. O arguido não tem antecedentes criminais.

7. O arguido é engenheiro civil.

8. O arguido fez um investimento na área da construção civil e engenharia na Guiné, do qual aufere mensalmente cerca ele € 2.000,00/€ 2.500,00.

9. O arguido vive em união de facto com uma companheira, que trabalha e aufere mensalmente cerca de € 1.500,00/€ 2.000,00.

10. O arguido tem um filho com 15 anos de idade e outro com 5 anos de idade, sendo que apenas este último vive consigo.

11. O arguido contribuiu mensalmente para o sustento do filho de 15 anos com a quantia de € 200,00/€ 300,00.

12. O arguido contraiu empréstimo bancário para aquisição de habitação própria, pagando mensalmente cerca de € 400,00.

13. O arguido contraiu mútuo para aquisição de veículo, pagando mensalmente cerca € 300,00.

(…)”.

B) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte motivação de facto:

“ (…).

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente:

Nas declarações do arguido que esclareceu o tribunal acerca das suas condições pessoais, tendo merecido credibilidade, o tribunal, não teve razões para dele duvidar.

Quanto aos factos o arguido exerceu o seu direito ao silêncio, não tendo prestado declarações.

No depoimento da testemunha B... militar da GNR, referiu que conhece o arguido dos factos em causa nos autos, mencionou cm que circunstância abordou o arguido quando o mesmo conduzia veículo automóvel, e que o mesmo foi submetido a exame de pesquisa de álcool 110 sangue e acusou a taxa de álcool que referiu.

A testemunha confirmou o auto de notícia de fls. 4 e 5, local onde o arguido foi abordado e veículo que conduzia.

O depoimento da testemunha mereceu a credibilidade ao tribunal, a testemunha depôs sobre os factos em que teve intervenção no exercício das suas funções, de forma isenta e credível, o tribunal não teve razões para dela duvidar.

O Tribunal estribou ainda a convicção no auto de notícia de fls. 4 e 5, e talão de fls. 6, de onde consta a taxa de álcool de que o arguido era portador, taxa esta que após dedução do erro máximo admissível previsto na Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro para a verificação periódica/verificação extraordinária, por ser a mais favorável ao arguido (redução superior), uma vez que não se encontra junta aos autos a ficha de verificação do aparelho Drager para se constatar se se trata da primeira verificação, sendo que apenas consta do auto de notícia que o aparelho foi verificado pelo IPQ em 25/03/2013, resulta a taxa de € 1,79 g/l.

O tribunal baseou-se ainda no documento de fls. 8, de onde resulta que o arguido não requereu a contraprova.

Quanto aos factos atinentes à matéria do foro interno ou íntimo do arguido, trata-se no fundo de averiguar a matéria referente ao dolo, em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14º do Código Penal.

Assim, e como o dolo pertence à vida interior de cada um, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência.

Na verdade, o ânimo ou intenção, embora seja um acto interno revela-se pelos factos externos que precedem ou acompanham o facto criminoso.

Deste modo, considerando os factos do foro externo ou objectivo dados como provados relativos ao arguido, quando apreciados à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, dúvidas não restaram assim no tribunal em dar como provada toda a factualidade referente à matéria do foro interno ou íntimo do arguido vertida nos factos provados.

No que toca aos antecedentes criminais o tribunal levou em consideração o Certificado de Registo Criminal de fls. 115 dos autos.

Fazendo a análise crítica da prova produzida, e de acordo com o disposto no artigo 127º, do Código de Processo Penal, resultou a convicção do tribunal expressa na matéria de facto acima exposta.

(…)”.


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            Do erro notório na apreciação da prova e/ou a incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto

            1. Alega o recorrente – conclusões 1ª, 2ª e 5ª a 7ª – que a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova relativamente á concreta TAS que considerou provada, dada a ausência de certificação e comprovação de que o alcoolímetro estivesse a funcionar conforme o exigido pelo art. 170º, nºs 3 e 4 do C. da Estrada, e dada a ausência de demonstração dos dois testes previstos nos art. 1º, nº 1 e 2º, nº 1, da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, erro que impõe a sua absolvição pela não subsunção do seu comportamento à previsão do art. 292º, nº 1 do C. Penal.

            Oposta é, como se disse, a posição do Ministério Público para quem a sentença recorrida, não enfermando das apontadas invalidades, deve ser mantida.

            Vejamos a quem assiste razão.

Os vícios previstos no nº 2, do art. 410º do C. Processo Penal – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação do prova – respeitam à estrutura interna da decisão penal, exigindo a lei, por tal razão, que a sua demonstração resulte do respectivo texto por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum.

No âmbito da revista alargada, como comummente é conhecido este regime, o tribunal ad quem não conhece da matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova –, apenas detecta os vícios que a sentença, por si só e nos seus precisos termos, evidencia e, não podendo saná-los, reenvia o processo para novo julgamento. 

Existe erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valoriza contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, Verbo, pág. 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., pág. 74).

Posto isto.

2. O primeiro argumento adiantado pelo recorrente para fundamentar a existência do vício é, como se disse, a inexistência de comprovação da aprovação legal e regulamentar do alcoolímetro usado pela GNR na sua fiscalização, invocando para o efeito a afirmação constante da sentença em crise de que não se encontra documentada, nem, por inerência, comprovada a garantia/certificação da autenticidade do alcoolímetro e que ele estivesse a funcionar de harmonia com os critérios de qualidade metrológica exigidos para o modelo respectivo.

O que se lê na sentença, mais precisamente, na motivação de facto é que, «O Tribunal estribou ainda a convicção no auto de notícia de fls. 4 e 5, e talão de fls. 6, de onde consta a taxa de álcool de que o arguido era portador, taxa esta que após dedução do erro máximo admissível previsto na Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro para a verificação periódica/verificação extraordinária, por ser a mais favorável ao arguido (redução superior), uma vez que não se encontra junta aos autos a ficha de verificação do aparelho Drager para se constatar se se trata da primeira verificação, sendo que apenas consta do auto de notícia que o aparelho foi verificado pelo IPQ em 25/03/2013, resulta a taxa de € 1,79 g/l.».

Como se vê, não é desde logo exacta a afirmação do recorrente de que a sentença reconhece a falta de comprovação da garantia/certificação da autenticidade do alcoolímetro.

Quanto ao mais.

2.1. Para efeitos de fiscalização da condução influenciada pelo álcool, a quantificação da taxa de álcool no sangue [doravante, TAS], só pode ser feita por analisador ou alcoolímetro quantitativo, devidamente homologado e calibrado, ou por análise de sangue (art. 153º, nºs 1, 2 e 3 do C. da Estrada e arts. 1º, 2º, 4º e 14º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, doravante, RFCIASP).

A Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros [doravante, RCMA], define os alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos como instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado, expressa em miligrama por litro (arts. 2º e 3º do RCMA).

Os alcoolímetros quantitativos devem cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos pela Recomendação OIML R 126 (art. 4º do RFCIASP).

Compete ao Instituto Português da Qualidade, I.P. o controlo destes instrumentos, o qual compreende as seguintes operações de controlo metrológico: a) aprovação do modelo, b) primeira verificação, c) verificação periódica e, d) verificação extraordinária (art. 5º do RCMA).

A primeira verificação consiste no exame e conjunto de operações destinadas a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a do respectivo modelo aprovado e com as disposições legais aplicáveis (art. 3º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o regime do controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição), e é efectuada antes da colocação do alcoolímetro no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, e a verificação periódica é anual, salvo quando outro for o prazo indicado no despacho de aprovação de modelo (art. 7º, nº 1 do RCMA).

A verificação periódica consiste no conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo (art. 4º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro), e é anual (art. 7º, nº 2 do RCMA), sendo válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação em contrário (art. 4º, nº 5 do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro).

A verificação extraordinária consiste no conjunto de operações destinadas a verificar se o instrumento de medição permanece nas condições regulamentares e pode ser requerida por qualquer interessado ou pelas entidades oficiais competentes (art. 5º, nºs 1 e 2 do Dec. Lei nº 291/90, de 20 de Setembro). 

Os alcoolímetros devem apresentar, de forma visível e legível, além do mais, o símbolo de aprovação do modelo, a marca, o modelo, o número de série e o nome do fabricante (art. 9º, nº 1 do RCMA), e dos registos de medição devem constar, além de outros elementos, a marca, modelo e número de série do instrumento, e a data da última verificação metrológica (nº 2 do mesmo artigo).

2.2. O recorrente invoca ainda, a Directiva 2009/34/CE, de 23 de Abril de 2009, do parlamento Europeu e do Conselho, mas sem específica indicação de que normativos foram desrespeitados.

Dir-se-á, no entanto, que o diploma em questão, visa eliminar os obstáculos à livre concorrência, decorrentes das diferentes regulamentações dos Estados-Membros dos meios de controlo estabelecidos, e assegurar a livre circulação dos instrumentos de medição na Comunidade.

Para tanto, entendendo necessário o reconhecimento mútuo das operações de controlo e a instituição, com este objectivo, de processos adequados de Aprovação CE de modelo e de Primeira Verificação CE, bem como de métodos de controlo metrológico, ao longo dos seus vinte e dois artigos define critérios de Aprovação CE de modelo e de Primeira Verificação CE, mas em termos completamente respeitados pela legislação nacional, supra referida.    

2.3. Até ao momento, o estado da ciência não permitiu ao homem a realização de medições absolutamente exactas. Qualquer resultado de medição está sujeito a uma margem, por mínima que seja, de incerteza, pela simples razão de que não foi ainda possível conceber instrumentos de medição sem margem para erro.

Sendo os alcoolímetros quantitativos instrumentos destinados a medir o teor de álcool no ar expirado [doravante, TAE], as medições por eles efectuadas estão também sujeitas a erro. Por isso, o art. 8º do RCMA prevê os erros máximos admissíveis [doravante, EMA], variáveis em função do TAE, definindo os respectivos valores no quadro anexo ao regulamento, que é o seguinte:

Os erros máximos admissíveis – EMA, são definidos pelos seguintes valores:

TAE – teor de álcool no ar expirado (mg/l)

                             EMA

Aprovação de modelo/

primeira verificação

Verificação periódica/

verificação extraordinária

TAE < 0,400 + - 0,020 mg/l + - 0,032 mg/l
0,400 < _ TAE < _ 2,000 + - 5% + - 8%
TAE > 2,000+ - 20% + - 30%

A divergência jurisprudencial que versava a dedução ou não dos EMA às concretas TAS medidas pelos analisadores quantitativos foi resolvida, se assim se pode dizer, por via legislativa, com a alteração introduzida pela Lei nº 72/2013, de 3 de Setembro, no art. 170º, nº 1 do C. da Estrada, que prevê os requisitos do auto de notícia e de denúncia.

Com a nova redacção, o nº 1 citado passou a ter duas alíneas, constando da alínea a), no essencial, a anterior redacção do citado número, e tendo a alínea b) o seguinte teor:

O valor registado e o valor apurado após a dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infracção for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais regulamentares.

Apesar de a norma nova dispor apenas, quer pela letra, quer pela inserção legal, para as contra-ordenações rodoviárias, independentemente da sua natureza interpretativa, não descortinamos razão consistente para afastar a sua aplicação, no que à dedução do EMA respeita, às condutas qualificadas como crime, sabido que é que a condução influenciada pelo álcool apresenta esta dupla natureza, a de crime [prevista no art. 292º do C. Penal] e a de contra-ordenação, [grave, prevista nos arts. 81º, nºs 1 e 2 e 145º, nº 1, l) do C. da Estrada, e muito grave, prevista no arts. 81º, nºs 1 e 2 e 146º, j) do C. da Estrada], em função da TAS quantificada pelo alcoolímetro.

Deve, porém, notar-se que, na referida operação [dedução do EMA à TAS quantificada pelo alcoolímetro], uma vez que a TAS é expressa em g/l e a TAE em mg/l, há que relevar o factor de conversão previsto no art. 81º, nº 4 do C. da Estrada e no art. 4º do Dec. Lei nº 65/98, de 2 de Setembro [que alterou o C. Penal] segundo o qual, 1 mg de álcool por litro de ar expirado [TAE] é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue [TAS].

Deste modo, observado que seja todo o procedimento legalmente previsto para a obtenção de uma medição juridicamente válida da TAS [procedimento essencialmente previsto nos arts. 153º do C. das Estrada e 2º a 6º do RFCIASP], pressuposta a homologação, aprovação e a validade da verificação do analisador quantitativo utilizado, o resultado concretamente obtido, conquanto não possa ser considerado prova pericial em sentido estrito (cfr. art. 152º, nº 1 do C. Processo Penal), mas apenas o resultado de um exame, deve ser considerado prova vinculada ou tarifada e, nessa medida, subtraída à livre apreciação do julgador (já assim o havia entendido o aqui relator no Ac. da R. de Coimbra de 16 de Maio de 2012, processo nº 191/11.5PAPBL.C1, e os aqui relator e adjunto no Ac. da R. de Coimbra de 15 de Abril de 2015, processo nº 155/14.7GAVZL.C1 [que, neste ponto, seguimos de perto], in www.dgsi.pt; no mesmo sentido, Acs. da R. de Lisboa de 11 de Novembro de 2014, processo nº 102/14.6GCSNT.L1 e de 11 de Dezembro de 2014, processo nº 708/14.3PLSNT.L1, in www.dgsi.pt, e Francisco Marques Vieira, Direito Penal Rodoviário, Os Crimes dos Condutores, Publicações Universidade Católica, 2007, pág. 153 e ss.; contra, Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica Editora, 1ª Edição, 1996, pág. 81). 

2.4. Contrariamente ao entendimento do recorrente, e ressalvado sempre o devido respeito, os autos demonstram a regularidade da operação de fiscalização a que foi sujeito, incluindo, na parte respeitante ao instrumento de medição utilizado.

Com efeito, consta do auto de notícia, a fls. 5, relevado, em termos probatórios, pela Mma. Juíza a quo, que o alcoolímetro Dräger, modelo Alcotest 7110MKIII, nº ARBM0141 foi aprovado e autorizado pela ANSR pelo despacho nº 19684/2009, de 27 de Agosto, pelo IPQ pelo despacho de aprovação de modelo nº 211.06.07.06, com o despacho nº 11037/2007, e que o instrumento foi verificado em 25 de Março de 2013, tudo, portanto, em conformidade com o exigido pelo art. 14º do RFCIASP. Por sua vez, todos estes elementos, excepção feita às aprovações, constam do talão de medição emitido pelo alcoolímetro, de fls. 6, igualmente relevado em termos probatórios.  

Não subsistem, portanto, dúvidas, sobre o bom funcionamento do alcoolímetro utilizado pela GNR no momento em que fiscalizou o arguido, posto tratar-se de instrumento aprovado para o efeito pela autoridade competente e com data de verificação válida.

E também o recorrente não teve dúvidas sobre o funcionamento do instrumento. Nem no momento da fiscalização pois, se assim fosse, não teria deixado de requerer a realização de contraprova, direito de que prescindiu, como resulta da declaração constante de fls. 8, e foi considerado provado na própria sentença. Nem em momento posterior, pois não há notícia de que tenha requerido a sua verificação extraordinária.

2.5. O alcoolímetro quantificou a TAS de 1,95 g/l. A verificação de 25 de Março de 2013, mencionada no auto de notícia e constante do talão de medição emitido, só pode, atentas as datas dos despachos de aprovação e autorização, referir-se a verificação periódica ou, menos provavelmente, a verificação extraordinária, sendo certo que para ambas, vigora o mesmo EMA.

Convertendo a TAS em TAE obtemos [1,95 : 2,3 =] 0,8478 TAE, para cujo intervalo corresponde um EMA de 8%. Deduzindo o EMA ao valor registado [1,95 – (1,95 x 0,08) =] apuramos o valor de TAS 1,79 g/l, precisamente, o que consta como do ponto 2 dos factos provados da sentença.

Em suma, o alcoolímetro quantitativo cumpre os requisitos legais e regulamentares e foi observado, na realização da medição, o procedimento legalmente previsto. Por outro lado, mostra-se correctamente calculado o resultado apurado, resultante da dedução do EMA ao valor medido pelo instrumento, e levado aos factos provados.

Tratando-se, como se deixou dito, de prova tarifada ou vinculada, e mostrando-se a mesma respeitada pelo tribunal a quo, não é certamente por esta via que se verifica erro notório na apreciação da prova.

3. O segundo argumento adiantado pelo recorrente para fundamentar a existência do vício é, como se referiu, a não comprovação nos autos de terem sido realizados os dois testes de pesquisa de álcool previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio.  

Vejamos.

O art. 1º, nº 1 do RFCIASP dispõe que a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo. Já o nº 2 do mesmo artigo estabelece que a taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue. Por sua vez, o art. 2º, nº 1 do mesmo diploma, regulamentando o método de fiscalização, dispõe que quando seja indiciada a presença de álcool no sangue através do teste realizado em analisador qualitativo, o examinando é submetido a novo teste, em analisador quantitativo.

Por sua vez, estabelecem os nºs 1, 2 e 3 do art. 153º do C. da Estrada que o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado através da utilização de aparelho aprovado para o efeito e que, sendo o resultado de tal exame positivo, a autoridade notifica o examinando, além do mais, do resultado, das sanções aplicáveis e de que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova, sendo esta realizada, de acordo com a vontade do examinando, por novo exame através de outro aparelho aprovado, ou por análise de sangue.

Resulta da interpretação conjugada destas normas que nos métodos de determinação da taxa de alcoolemia há que distinguir entre a detecção da presença de álcool no sangue e a determinação da taxa de álcool no sangue, sendo certo que só esta última releva para efeitos de tipificação criminal e contra-ordenacional. Assim, o agente fiscalizador pode utilizar o analisador qualitativo para pesquisar indícios de álcool no sangue do condutor fiscalizado, mas sendo o resultado positivo, terá de seguida que submeter o condutor a um exame feito com analisador quantitativo, pois só este assegura um resultado cientificamente fidedigno no que respeita à quantificação da TAS. Já nas situações em que não é possível a realização de exame de pesquisa de álcool no ar expirado, v.g. porque o condutor se encontra incapacitado de o realizar, deve ser efectuada colheita de sangue para análise (arts. 4º, nº 1 do RFCIASP e 153º, nº 8 do C. da Estrada).

Assim, se o agente de autoridade, no exercício da fiscalização rodoviária, pode usar um analisador qualitativo para detectar a presença de álcool no sangue, nada impede que esse mesmo agente use, para essa detecção, um analisador quantitativo, com a vantagem, neste caso, de o aparelho, mais do que detectar a presença de álcool, logo determina a respectiva quantidade.

O art. 170º do C. da Estrada, que regula o auto de notícia que tenha por objecto contra-ordenação rodoviária, determina que do auto mencione, os factos que constituem a infracção, o dia, hora, local e circunstâncias do seu cometimento, o nome e qualidade do agente que a presenciou, a identidade do agente da infracção, a identidade de pelo menos uma testemunha presencial, quando possível, e ainda, na parte em que especificamente se refere a infracções aferidas por aparelhos ou instrumentos de medição, o valor registado e o valor apurado após a dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista.   

Por seu turno, o art. 243º do C. Processo Penal estabelece nas diversas alíneas do seu nº 1 as menções que devem constar do auto de notícia, a saber: os factos que constituem o crime; o dia, hora, local e circunstâncias do seu cometimento e; tudo o que puder ser averiguado sobre a identidade dos agentes, dos ofendidos e dos meios de prova conhecidos. É pois patente a identidade de menções exigidas, com excepção da referente aos métodos de instrumentos de medição, mas que, por identidade de razão, se deve ter por aplicável ao processo penal, quando estejam em causa os crimes previstos nos arts. 291º e 292º do C. Penal.  

Em síntese conclusiva, entendemos que a lei não exige, como pressuposto de validade da realização de exame com analisador quantitativo, que previamente tenha que ser efectuado exame com analisador qualitativo, como também entendemos que a lei não exige igualmente a referência no auto de notícia, à realização de exame com analisador qualitativo, nos casos em que ele tenha ocorrido pelo que, também por esta via, não resulta evidenciado o erro notório na apreciação da prova.

4. Não padece a sentença recorrida, como vimos, do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º, nº 2 do C. Processo Penal.

Por outro lado, também não vemos, contrariamente ao entendimento do recorrente – mas sem que tenha desenvolvido maior argumentação – que tenha ocorrido erro de julgamento, tendo por objecto a concreta TAS acusada por si no acto da fiscalização e a resultante da dedução do EMA, levada ao ponto 2 dos factos provados.


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            Da violação do art. 32º, nºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa

            5. Alega o recorrente – conclusões 3ª e 4ª – que a exigência de um exame com analisador qualitativo seguido de um exame com analisador quantitativo é uma garantia de defesa com tutela no art. 32º, nºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa quanto à prova da TAS, sendo inconstitucional outra interpretação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 18/2007, de 17 de Maio que assim não entenda.

            Pois bem.

            É sabido que no art. 32º da Lei Fundamental se condensam os mais importantes princípios materiais do processo penal, da mesma forma que o seu nº 1 representa a condensação de todas as normas vertidas nos restantes números.

Correndo o risco de nos repetirmos, a propósito da questão suscitada, diremos que a quantificação da taxa de álcool no sangue [TAS], para efeitos de fiscalização da condução influenciada pelo álcool, só pode ser feita por analisador ou alcoolímetro quantitativo, devidamente homologado e calibrado, ou por análise de sangue (art. 153º, nºs 1, 2 e 3 do C. da Estrada e arts. 1º, 2º, 4º e 14º do RFCIASP). Vale isto dizer que, para efeitos de tipicidade do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º, nº 1, a), e do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, nº 1, ambos do C. Penal, e para efeitos de tipicidade contra-ordenacional de condução sob influência de álcool prevista no art. 81º do C. da Estrada, apenas releva o exame feito com alcoolímetro quantitativo.

Por outro lado, visando o exame feito com o alcoolímetro qualitativo apenas a pesquisa de indícios de álcool no sangue do condutor fiscalizado, é evidente que tal exame não confirma, nem é confirmado, pelo exame feito com o alcoolímetro quantitativo. Por tal razão, a realização deste último exame, sem a prévia realização do exame com alcoolímetro qualitativo não viola, em nosso entender, qualquer garantia de defesa.

Deste modo, ainda que se desconheça, porque o auto de notícia não o refere – nem tinha, como vimos, que referir – se o recorrente foi ou não sujeito, a prévio exame com alcoolímetro qualitativo, mesmo que assim tenha sucedido, não se mostra violado o art. 32º da Constituição da República Portuguesa.


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III. DECISÃO

   Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.


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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III do R. das Custas Processuais).

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Coimbra, 8 de Julho de 2015


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)