Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1035/08.0TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Data do Acordão: 11/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.483, 497, 560, 563, 564 CC, 50 CE
Sumário: I - O estacionamento de um veículo articulado a ocupar dois terços da meia faixa de rodagem constitui uma condição integrante do nexo de causalidade que conduziu a um embate na sua traseira, por parte do veículo A, postas estas condições:
(a) O veículo ligeiro A circulava no mesmo sentido;

(b) O seu condutor, momentos antes do embate, foi obrigado a circular pela faixa de rodagem contrária, com o fim de passar pelo veículo articulado;

(c) O condutor do veículo A foi obrigado a regressar à sua mão de trânsito para evitar colidir de frente com o veículo B que circulava em sentido oposto, não evitando, porém, o condutor do veículo A, a colisão com a traseira desse veículo articulado.

II - Para efeitos do disposto no artigo 497.º do Código Civil, a culpa do condutor do veículo A é superior à do condutor do veículo articulado, devido ao facto de ter sido a condição colocada pelo condutor do veículo A aquela que fechou o processo causal e, por isso, foi o condutor do veículo A o sujeito que esteve melhor colocado para evitar o acidente, isto é, aquele que teve mais informação factual ao seu dispor para verificar o perigo de acidente e evitá-lo e, por isso, deve fixar-se em 80% a culpa do condutor do veículo A, sendo os restantes 20% imputáveis ao condutor do veículo articulado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

*

Recorrente/Recorrido/Autor      J (…).

Recorrente/Recorrida/Ré………Companhia de Seguros A (…) S. A., com sede na Rua (. ..) em Lisboa.

Recorrente/Recorrida/Ré………M (…) Seguros Gerais, com sede na (. ..) , em Lisboa.

Intervenientes………O (…) – Transportes, Unipessoal, Lda., (…)

....……………………   M (…)

 , ………………………T (…), Lda., com sede em Rua (. ..) , Guarda.

…………………………Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Rua da República, n.º 59, 4.º andar, 1050-189 Lisboa.


*

I. Relatório.

a) O processo em epígrafe respeita a um acidente de viação que ocorreu no dia 7 de Maio de 2006, pelas 02:00 horas, na Avenida Principal, na localidade de Vila Cortez do Mondego, concelho da Guarda.

Consistiu no embate do automóvel ligeiro de passageiros, matrícula 53-63-OM, na traseira do reboque com a matrícula R-6786-BBR, o qual se encontrava estacionado naquela avenida.

Deste choque resultaram danos para o Autor, que seguia no automóvel como passageiro.

A sentença considerou responsável pelo acidente apenas o condutor do veículo 53-63-OM e a respectiva seguradora, a Companhia de Seguros A (…), S.A., a qual foi condenada a pagar ao Autor a quantia de €315,95 euros a título de danos patrimoniais; €28.863,45 euros ainda a título de danos patrimoniais e €30.000,00 euros respeitantes a danos não patrimoniais, quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a data da sentença até efectivo pagamento, salvo quanto à primeira quantia cujos juros foram fixados a partir da citação.

Foram absolvidas do pedido a empresa O (…) – Transportes, Unipessoal, Lda., proprietária do reboque; a seguradora M (…) Seguros Gerais, seguradora deste reboque; o condutor do tractor do veículo articulado, M (…) e a empresa T (…), Lda., proprietária do mesmo tractor.

Recorreram desta sentença o Autor, o qual vem pedir uma indemnização superior e a Companhia de Seguros A (…), que pretende obter a condenação da seguradora M (…) Seguros Gerais no pagamento de metade da indemnização arbitrada ao Autor, por entender que a presença do reboque na via também contribuiu para a produção do acidente.

b) O Autor concluiu assim:

(…)

c) A Ré A (…) concluiu as suas alegações desta forma:

(…)

c) Objecto do recurso.

A primeira questão colocada consiste em verificar se, além do condutor do veículo ligeiro, também é responsável pela existência do acidente o condutor do veículo articulado e, por via do respectivo contrato de seguro, a seguradora que assumiu contratualmente a responsabilidade civil do proprietário do reboque, no caso a Ré M (…) Seguros Gerais (não vem colocada a questão de saber se o proprietário do tractor também poderia ser responsabilizado).

Em segundo lugar, coloca-se a questão da indemnização dos danos patrimoniais ligados à incapacidade de 7 pontos que passou a afectar definitivamente o Autor.

Esta indemnização foi fixada em €28.863,45 euros, pretendendo o Autor que suba para €40.000,00 euros.

Em terceiro lugar, em conexão com a questão anterior, cumpre saber se os juros relativos a esta quantia devem ser fixados a partir da citação, em consonância com o art. 805.º, n.º 3 do Código Civil, como pretende o Autor recorrente, ou se apenas são devidos a partir da sentença, como se decidiu.

Em quarto lugar, surge a questão da indemnização dos danos não patrimoniais futuros, fixados na sentença em €30.000,00 euros, pretendendo o Autor a sua fixação em quantitativo não inferior a €60.000,00 euros, considerando que o Autor irá ser submetido no futuro a um mínimo de quatro operações para colocação de novo material endroprotésico, uma vez que as próteses têm uma duração média entre 10 a 15 anos, as quais implicarão novos períodos de internamento e de reabilitação funcional.

II. Fundamentação.

A – Matéria de facto.

1 - O Autor nasceu no dia 8 de Junho de 1985 – a) dos factos assentes.

2 - Na data do acidente, o proprietário do veículo de matrícula 53-63-OM, havia transferido a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo para a Companhia de Seguros A (…), S. A., através de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 5070/691513 – b) dos factos assentes.

3 - No dia 7 de Maio de 2006, por volta das 02:00 horas, na Avenida Principal, na localidade de Vila Cortez do Mondego, concelho da Guarda, ocorreu um embate entre o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca Renault e modelo Clio, com a matrícula 53-63-OM, e o reboque com a matrícula R-6786-BBR – resposta ao quesito 1.º da base instrutória.

4 - A faixa de rodagem, no local do embate, tinha pavimento alcatroado e descrevia a forma de uma recta, com 200 a 300 metros de extensão – resposta ao quesito 2.º da base instrutória.

5 - A faixa de rodagem no local do embate tem a largura de 5,75 metros, medindo a hemi-faixa 2,86 metros no sentido ascendente e no sentido descendente 2,98 metros – resposta aos quesitos 3.º e 4.º da base instrutória.

6 - No lado ascendente da Avenida Principal existe um passeio para peões e no lado descendente, junto à casa dos pais do chamado (…), uma valeta, com alguma profundidade e que permite o estacionamento de veículos, ficando sempre os pneus do lado direito no alcatrão, no limite da hemi-faixa – resposta ao quesito 5.º da base instrutória.

7 - Existiam e existem sinais verticais a proibir a circulação a velocidade superior a 30 km/hora, no início da recta, no sentido ascendente, e após a curva existente, no sentido descendente – resposta ao quesito 6.º da base instrutória;

8 - O veículo ligeiro era conduzido por (…) – resposta ao  quesito 7.º da base instrutória.

9 - No banco da frente e ao lado do condutor seguia o Autor – resposta ao quesito 8.º da base instrutória.

10 - O reboque encontrava-se estacionado na referida avenida, no lado direito da via, atento o sentido de marcha do veículo ligeiro, ocupando, pelo menos, dois terços a via – resposta ao quesito 9.º da base instrutória.

11 - Sem qualquer sinalização luminosa a assinalar a sua presença e sem que se encontrasse colocado o triangulo de pré-sinalização – resposta ao quesito 10.º da base instrutória.

12 - O reboque havia sido estacionado pelo interveniente (…), junto à sua residência, numa altura em que se encontrava ao serviço da sua entidade empregadora, a interveniente A (…), Lda. – resposta ao quesito 11.º da base instrutória.

13 - O veículo ligeiro circulava na referida avenida, no sentido descendente, em direcção a um cruzamento – resposta ao quesito 12.º da base instrutória.

14 - A uma velocidade de, pelo menos, 60 km/hora – resposta ao quesito 13.º da base instrutória.

15 - Circulava com as luzes ligadas nos «médios» – resposta ao quesito 14.º da base instrutória.

16 - O seu condutor, quando iniciaram a descida da Avenida Principal de Vila Cortez do Mondego, passou a circular na hemi-faixa esquerda (sentido ascendente) para ultrapassar o reboque mencionado em «3» sem se ter apercebido que nesse momento e no sentido ascendente circulava um outro veículo ligeiro, conduzido por (…) – resposta aos quesitos 15.º a 17.º da base instrutória;

17 - O que fez com que o condutor do veículo ligeiro onde circulava o autor tivesse voltado com o veículo para a metade direita da via, atento o seu sentido de marcha – resposta ao quesito 18.º da base instrutória.

18 - Face à presença do reboque na metade direita da via, ocupando-a quase na totalidade, o condutor do veículo ligeiro onde seguia o autor não conseguiu evitar que o veículo embatesse com a parte da frente direita na parte traseira esquerda do reboque – resposta ao quesito 19.º da base instrutória.

19 - O veículo reboque era visível a pelo menos 50 metros de distância, atento o sentido de marcha do veículo OM – resposta ao quesito 21.º da base instrutória.

20 - O local onde ocorreu o acidente era iluminado, com 8 postes de iluminação pública, com o esclarecimento de que já existiam na Avenida Principal (local onde ocorreu o embate) na data mencionada no quesito 1.º e continuam a existir seis postes de iluminação pública no lado ascendente e dois postes no sentido descendente – resposta ao quesito 22.º da base instrutória.

21 - Em consequência do embate, o Autor efectuou fractura sub-capital do fémur direito, ficou com hematomas no olho direito e com várias escoriações na face, no braço e no peito, estas provocadas pelos vidros provenientes do pára-brisas que quebrou – resposta ao quesito 23.º da base instrutória.

22 - Devido aos ferimentos, o Autor foi transportado para o Hospital Sousa Martins, na Guarda, onde ficou internado – resposta ao quesito 24.º da base instrutória.

23 - Face à fractura da anca, ficou internado no serviço de ortopedia do Hospital Sousa Martins, onde foi operado no dia 10 de Maio de 2006, com anestesia geral – resposta ao quesito 25.º da base instrutória.

24 - Tendo sido feita artroplastia da anca e sido colocada prótese bimaleolar (biarticular) com haste femural não cimentada – resposta ao quesito 26.º da base instrutória.

25 - Teve alta no dia 17 de Maio de 2006 – resposta ao quesito 27.º da base instrutória.

26 - Continuou a ser observado em consulta externa de ortopedia após tal data – resposta ao quesito 28.º da base instrutória.

27 - Em consequência do acidente, o autor sofreu e continuará a sofrer dores na anca direita, agravadas pela marcha prolongada – resposta ao quesito 21.º da base instrutória.

28 - Apresenta as seguintes sequelas:

29 - Nos termos do relatório junto a fls. 18 e seguintes se concluiu que o autor se encontrava curado em 7 de Maio de 2007 com desvalorização – resposta ao quesito 32.º da base instrutória.

30 - Em consequência do embate em causa nos autos:

- A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 12 de Dezembro de 2006;

- O período de incapacidade temporária geral foi de 30 dias, correspondente ao período de internamento, acamamento no domicílio e deambulação com duas canadianas;

- O período de incapacidade temporário parcial foi de 189 dias, correspondente ao restante período até à consolidação médico-legal das lesões;

- O quantum doloris corresponde ao grau 4 numa escala de 7, considerando a natureza e gravidade das lesões resultantes (fractura subcapital do fémur direito) e os tratamentos efectuados (cirurgia com colocação de prótese), bem como o período e recuperação funcional e o sofrimento psíquico naturalmente vivenciado – resposta aos quesitos 33.º a 37.º da base instrutória.

31 - As próteses têm a duração média de entre 10 a 15 anos – resposta ao quesito 39º da base instrutória.

32 - O autor necessitará submeter-se a várias intervenções cirúrgicas para colocação de novo material endropotésico, que implicarão novos períodos de internamento e de reabilitação funcional – resposta aos quesitos 40.º e 41.º da base instrutória.

33 - O autor ficou portador de uma incapacidade permanente geral fixável em 7 pontos sendo previsível o agravamento futuro – resposta ao quesito 42.º da base instrutória.

34 - O autor, pelo menos durante o ano de 2004 e até 25 de Agosto de 2005 exerceu a sua actividade de servente de pedreiro, ao serviço de Luís Henriques da Silva Osório, sendo remunerado em €35,00 euros por cada dia que trabalhasse, e não trabalhava aos sábados e domingos – resposta aos quesitos 43.º e 44.º da base instrutória.

35 - As sequelas emergentes do acidente apresentam um esforço acrescido no desempenho da actividade profissional de servente da construção civil – resposta ao quesito 45.º da base instrutória.

36 - O autor gostava de conduzir motociclos – resposta ao quesito 48.º da base instrutória.

37 - O autor, em consultas e na obtenção do relatório médico junto a fls. 18 a 26, despendeu a quantia de €315,95 euros – resposta ao quesito 50.º da base instrutória.

38 - O autor, na data do acidente, não trabalhava, encontrando-se em tratamento ambulatório em virtude de acidente de viação sofrido em 25 de Agosto de 2005 – resposta ao quesito 52.º da base instrutória.

39 - Teve alta das lesões resultantes do acidente de 25 de Agosto de 2005 no início de Novembro de 2007 – resposta ao quesito 53.º da base instrutória.

40 - No referido acidente o autor sofreu múltiplas lesões que, na data do acidente referido nos autos, o mantinham incapacitado há mais de 3 meses – resposta ao quesito 54.º da base instrutória.

41 - O autor na data do acidente em causa nestes autos, apresentava o membro inferior direito engessado abaixo do joelho, em consequência de fractura que sofreu no acidente mencionado em 39.º - resposta ao quesito 56.º da base instrutória;

42 - O reboque mencionado em «3» encontrava-se parado o mais próximo possível do limite direito da sua faixa de rodagem e paralelamente a esta, atento o sentido de trânsito em que se encontrava - resposta ao quesito 59.º da base instrutória;

43 - O referido reboque encontrava-se acoplado ao veículo tractor de matrícula 16-97-ZN, da marca DAF XF 430 – resposta ao quesito 60.º da base instrutória.

44 - O interveniente (…) encontrava-se com o veículo em período de descanso – resposta ao quesito 61.º da base instrutória.

B – Apreciação das questões objecto dos recursos.

1 – Vejamos se a presença do veículo articulado no local contribuiu para a ocorrência do acidente, ou, por outras palavras, se a sua presença no local gerou uma condição factual que veio integrar o nexo causal que produziu o acidente.

A resposta deve ser afirmativa, pelas seguintes razões:

a) No artigo 563.º do Código Civil determina-se que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria se não fosse a lesão».

A doutrina e a jurisprudência concordam no sentido de que esta norma consagra a teoria jurídica da causalidade adequada.

Sobre esta problemática, o Prof. Vaz Serra, referiu que «Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse resultado. O problema não é um problema de ordem física ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto de ele ser obrigado a indemnizar.

Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados, para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária. Esta fórmula que é a de Enneccerus, não se distancia substancialmente das demais, que se referiram.

Não se afigura conveniente que o agente responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta não era adequada. Se a responsabilidade se basear na culpa, o razoável é que o agente responda pelos danos que a sua conduta podia, segundo a natureza geral e as regras ordinárias da experiência, causar – pois só esses danos podia ele prever, ainda que com grande esforço, como consequência da sua conduta.

Baseando-se a responsabilidade na culpa, só quer impor-se o dever de indemnizar a quem procede com negligência: ora, por mais previdente que o homem seja, não é natural ou, pelo menos, obrigatório, que preveja consequências extraordinárias da sua conduta.

E, se assim é quando o dever de indemnizar se fundar na culpa, com maioria de razão assim deve ser quando a responsabilidade for independente dela.

Isto não significa que, para haver nexo causal, seja indispensável a previsibilidade do dano (…).

Seja como for, e ainda que o devedor da indemnização deva reparar também os danos imprevisíveis, isso só quer dizer que é obrigado a reparar mesmo os danos que não podiam ser previstos com a sua usual diligência. Mas não implica que deva ser forçado a reparar os danos que a sua conduta não podia, segundo o curso ordinário das coisas, produzir» ([1]).
A teoria da causalidade adequada selecciona entre as várias condições que se congregam e produzem o resultado danoso, aquelas que, postas pelo agente, justificam juridicamente a sua atribuição a ele, segundo um critério objectivo e abstracto de normalidade ou probabilidade para produzirem o dano, segundo a regra id quod plerumque accidit, de harmonia, pois, com as regras da experiência comummente conhecidas.

Portanto, o agente, para poder ser responsabilizado, há-de colocar no processo causal que desembocou no evento, através de uma acção ou omissão suas, uma condição sem a qual esse processo causal não se teria formado e não teria produzido o evento.

A relevância causal da condição introduzida pelo agente só não relevará se, em termos práticos, for inadequada para o resultado verificado, o qual só aconteceu devido à presença de outra ou outras condições anómalas ou excepcionais não conhecidas do agente (isto é, que nunca ou raramente acompanham as demais condições conhecidas do agente) e, por isso, o mesmo não as pôde levar em conta no momento em que agiu, por acção ou omissão, e colocou no processo a «sua» condição, a que faltava para que o dano se verificasse.
Tratando-se de negligência, como é o caso dos autos, a responsabilização do agente pode justificar-se considerando que, face ao quadro factual que se encontrava perante si e no qual ele agia, o agente podia ter previsto que, por acção sua, estava a colocar uma condição em marcha, a qual, associada a outra ou outras condições previsíveis, poderia dar azo a que se completasse um processo gerador de um evento danoso; ou, então, devia ter previsto que ao omitir a acção que devia executar e não executou, o agente estava a deixar em liberdade um estado de coisas que, por si só ou conjuntamente com outra condição previsível pelo agente culminaria também num evento gerador de um dano.
Dentro da concepção da causalidade adequada há uma formulação dita positiva (mais restrita), no sentido de que a causa de um prejuízo será toda a condição que, segundo um critério de normalidade, for adequada ou idónea a produzi-lo, mas já não se o evento tiver sido produzido com o auxílio de circunstâncias particulares ou estranhas ao curso normal das coisas (a menos que fossem conhecidas do agente), e uma fórmula negativa (mais ampla) para a qual a condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre inteiramente inadequada, indiferente para aquele resultado, que só se produziu devido a circunstâncias anómalas ou excepcionais (não conhecidas do agente).
A doutrina e a jurisprudência mais representativas têm optado por esta última formulação no que respeita a factos ilícitos e culposos, categoria em que se insere o caso dos autos ([2]).

b) Vejamos o caso concreto.

A presença do veículo articulado a ocupar dois terços da faixa de rodagem é um facto ilícito, na medida em que constitui infracção ao disposto na al. a), do n.º 1, do artigo 50.º, do Código da Estrada (Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio) onde se prevê que a proibição de estacionamento nesta situação: «Impedindo o trânsito de veículos ou obrigando à utilização da parte da faixa de rodagem destinada ao sentido contrário, conforme o trânsito se faça num ou em dois sentidos».

 No caso dos autos, como a via tinha apenas, no local do embate, a largura de 5,75 metros, medindo a hemi-faixa 2,86 metros no sentido ascendente e no sentido descendente 2,98 metros (resposta aos quesitos 3.º e 4.º da base instrutória) e ocupando o veículo articulado «…pelo menos, dois terços a via» (resposta ao quesito 9.º da base instrutória) ([3]), quem circulasse no sentido em que seguia o veículo 53-63-OM teria de ocupar a meia-faixa de rodagem contrária para conseguir passar pelo veículo articulado.

Verifica-se, por isso, que o estacionamento deste veículo infringia a referida norma do Código da Estrada, não podendo estar, como estava, estacionado naquele local.

Por conseguinte, o caso deve ser apreciado à luz da formulação negativa da teoria da causalidade adequada, isto é, a presença do reboque no local onde estava só deixará de ser causa do embate do veículo 53-63-OM na sua traseira, se a sua presença na via se mostrar inteiramente inadequada ou indiferente para a produção do embate que ocorreu, o qual só se verificou devido a circunstâncias anómalas ou excepcionais (não conhecidas do agente).

Vejamos este aspecto.

De um ponto de vista estritamente naturalístico a presença do reboque na via é uma causa do embate, pois facilmente se mostra isso mesmo construindo mentalmente uma outra realidade que poderia ter existido, como seria aquela que existiria se o veículo articulado não se encontrasse no local a ocupar a via.

Nesta estado de coisas hipotético, mas possível e que existiria se tivesse sido cumprida a lei, como se viu, o veículo em que seguia o Autor não teria passado a circular pela meia-faixa de rodagem contrária, não teria entrado em rota de colisão com o veículo que se aproximava em sentido oposto, não teria regressado à sua meia faixa de rodagem, porque não teria saído dela e não teria embatido na traseira do reboque.

Por conseguinte, não há dúvida que, do ponto de vista naturalístico, a presença do veículo articulado foi uma condição factual do embate, pois, como se disse, retirada esta condição do processo causal, o embate não teria ocorrido.

Vejamos se tal condição deve ser considerada juridicamente como causa adequada do embate.

A resposta é positiva.

Verifica-se que a presença do reboque alterou as condições de circulação na via em dois aspectos:

Por um lado, obrigou a que o trânsito realizado em cada uma das meias-faixas de rodagem, em sentidos opostos, passasse a fazer-se unicamente, naquele local pela meia-faixa da esquerda, considerando o sentido do veículo 53-63-OM. Assim, se dois veículos circulassem em sentidos opostos e se acercassem desse local não podiam passar ambos ao mesmo tempo. Os veículos que seguissem no sentido que levava o veículo 53-63-OM teriam de ceder a passagem aos que circulassem em sentido contrário.

Por outro, a presença do reboque a ocupar dois terços da faixa de rodagem, sendo o reboque bem mais alto que o automóvel ligeiro 53-63-OM, cortava a visibilidade ao condutor deste, ou de qualquer outro ligeiro, em relação à via que existia para além do reboque, impedindo a visibilidade de qualquer outro veículo que circulasse em sentido oposto, até o respectivo condutor passar a circular pelo menos junto ao eixo da via ou para lá deste, considerando o seu sentido de marcha.

Ora, estas duas circunstância factuais não são indiferentes para a ocorrência de um embate ou um despiste de veículos no local, pois, ao ser reduzida a faixa de rodagem e ao impedir-se a visibilidade do trânsito que circulava de frente, isso implicava necessariamente um aumento do risco de virem a ocorrer acidentes.

Era previsível para alguém colocado na posição do condutor do veículo articulado que um qualquer condutor, fosse por deficiência de visão, calculo errado da distância e velocidade a que se aproximava um veículo vindo em sentido oposto ou por mera distracção, passasse a circular pela meia-faixa de rodagem oposta com o fim de passar pelo reboque.

Assim como era previsível que tal condutor o fizesse num momento em que, por simples acaso, circulasse em sentido contrário outro veículo, alcançando, ambos, ao mesmo tempo, o veículo articulado.

Sendo ainda previsível que um desses possíveis condutores já não tivesse tempo para imobilizar o veículo: (1) quer antes de embater no veículo que vinha em sentido oposto, (2) quer na traseira do reboque, se circulasse no sentido tomado pelo veículo 53-63-OM, (3) quer na frente do tractor, se circulasse em sentido oposto, (4) ou saísse inclusive para fora da faixa de rodagem ao tentar evitar o embate com o veículo que vinha em sentido oposto.

Verifica-se, pois, por isto que acaba de ser observado, que a presença do reboque na via não era e não foi uma condição inteiramente inadequada ou indiferente para a ocorrência do embate do veículo 53-63-OM na traseira do reboque e que este embate só se tenha produzido devido a circunstâncias anómalas ou excepcionais não conhecidas do condutor do veículo articulado.

É certo que as condições factuais colocadas pelo condutor do veículo articulado não foram só por si suficientes para causar o acidente.

Foi necessário que a estas condições se tivesse somado uma acção negligente do condutor do veículo 53-63-OM, o qual, ao constatar a presença do reboque a ocupar a via, devia ter logo reduzido a velocidade, por forma a parar à sua retaguarda, se necessário, só devendo ocupar a outra metade da faixa, com o fim de passar pelo reboque, depois de se ter certificado que, em sentido contrário, não se aproximava outro veículo com o qual pudesse vir a colidir, se passasse a circular pela faixa contrária.

Se o condutor do veículo 53-63-OM tivesse procedido assim, como era seu dever, o acidente não tinha ocorrido; assim como não tinha ocorrido se o reboque não estivesse a ocupar a via e o obrigasse a circular pela outra metade da faixa de rodagem.

Porém, a falta de cuidado do condutor do veículo 53-63-OM não constituiu uma circunstância anómala ou excepcional.

Esta afirmação obtém comprovação no facto das condutas negligentes serem frequentemente causa de acidentes, de viação e de outra natureza, os quais resultam de infracções a regras de cuidado que acaso tivessem sido observadas teriam evitado os sinistros.

Termina-se esta parte referindo que a presença do reboque na via constituiu uma condição relevante segundo a teoria da causalidade adequada para a existência do embate aqui em análise ([4]).

c) Graduação da culpa.

Cumpre estabelecer o grau de culpa de cada uma das condutas tendo em vista o disposto no artigo 497.º do Código Civil.

Neste aspecto, afigura-se que a culpa do condutor do veículo 53-63-OM é superior à do condutor do veículo articulado, devido ao facto de ter sido a condição colocada Pelo condutor do ligeiro aquela que fechou o processo causal e, por isso, foi este condutor o sujeito que esteve melhor colocado para evitar o acidente, isto é, aquele que teve mais informação factual ao seu alcance para verificar o perigo de acidente e evitá-lo.

Com efeito, quando o condutor do veículo articulado colocou a respectiva condição causal (estacionamento do veículo na faixa de rodagem a ocupar dois terços desta), o processo causal de um eventual acidente ainda estava em formação e não era seguro que viesse a completar-se no futuro, pois exigia que dois veículos circulassem em sentidos opostos e se aproximassem sensivelmente ao mesmo tempo da frente e da retaguarda do veículo articulado e este último circulasse a uma velocidade que já não permitisse a sua imobilização antes de atingir a traseira do veículo articulado ou embater em algum outro lado.

Afigura-se, pois, tendo em conta a contribuição de ambas as condutas para a existência do embate, que a actuação do condutor do veículo 53-63-OM é muito mais censurável e, por isso, deve fixar-se em 80%, restando 20% imputáveis ao condutor do veículo articulado.

2 – Quanto ao montante da indemnização por danos patrimoniais.

O Autor coloca em questão o montante fixado para a indemnização dos danos patrimoniais ligados à incapacidade de 7 pontos que passou a afectar definitivamente o Autor, que pretende ver aumentada de €28.863,45 euros para €40.000,00 euros.

Nos termos do n.º 2, do artigo 564.º, do Código Civil, «Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».

No caso dos autos não se colocam questões jurídicas relativamente a este tipo de indemnização, mas apenas a sua determinação quantitativa.

Vejamos então.

É de concluir pela manutenção da indemnização fixada em 1.ª instância, quer atendendo à idade do Autor, 21 anos, ao tempo restante de vida laboral, calculado até aos 78 anos (mais 57 anos), tempo provável de vida e à incapacidade parcial de 7 pontos numa escala de zero a cem, bem como ao salário anual do Autor de €10 290,00 euros.

Aplicando, por exemplo, a fórmula de indemnização utilizada para cálculo do dano patrimonial futuro indicada no anexo III da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio (A Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, reproduz esta formula, mas de forma diferente).

DPF = {[(1 – ((1 + 0,02) : (1 + 0,05))^n ) : (0,05-0,02)] x (1+0,05)} x p;

{[(1 – (1,02 : 1,05)57 ) : (0,03)] x (1,05)} x p;

{[(1 – (0,971428)57 : (0,03)] x (1,05)} x p;

{[(1 – 0,191610) : 0,03)] x (1,05)} x p;

{[ 0,80839: 0,03] x (1,05)} x p;

{26,946333 x 1,05} x p;

28,29365 x p;

28,29365 x €10 290,00 =€291141,65;

€291 141,65 x 0,07 (incapacidade) =€20 379,91 euros.


*

A aplicação desta fórmula destina-se a calcular a importância que deve ser entregue de uma só vez, com vista a compensar o dano biológico padecido pelo autor onde entra o seu salário, grau de incapacidade e período restante da sua vida activa.

Sobre esta problemática afigura-se que a indemnização dos danos decorrentes de acidentes de viação deve coincidir com o elenco de danos indemnizáveis que vem indicado na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, por se entender que a classificação aí mencionada reflecte correctamente a realidade.

Refere-se no preâmbulo desta Portaria que só deve atribuir-se indemnização «…por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra».

Sendo assim, quando se constatar que existe uma incapacidade permanente parcial de, por exemplo, 2%, 5%, 10%, 20% ou qualquer outra, mas insusceptível de causar uma diminuição de remuneração, «…o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica» ([5]), mas já não propriamente uma indemnização por perda de remunerações porque tal perda não existe, ainda que se utilizem esses parâmetros para o cálculo desse dano pois ele também se reflecte na actividade profissional, ainda que ao nível de esforços acrescidos para conseguir a mesma prestação profissional.

No caso dos autos, aplicando os critérios da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, actualizados pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, a indemnização pelo denominado dano biológico seria de €7542,50 euros.

Com efeito, atendendo aos pontos atribuídos à incapacidade e à idade do autor a cada ponto corresponde o valor de €1 077,50 euros entre o mínimo de €1030,00 euros e o máximo de €1220,00 euros.

E mesmo considerando que este valor está calculado segundo o valor do rendimento mínimo garantido, mesmo que se atribuísse um valor aproximado à média nacional, cerca do triplo do rendimento mínimo garantido nunca se chegaria ao valor atribuído na sentença.

Concluindo.

Chegou-se através dos mencionados cálculos a resultados que mostram não ser desadequada a quantia fixada em 1.ª instância, no montante de €28.863,45 euros, verificando-se, por outro lado, que não pode ser atendido o valor pedido pelo Autor.

Improcede, por conseguinte, o recurso nesta parte.

3 – Quanto  ao prazo inicial dos juros.

O Autor sustenta que os juros relativos a esta quantia devem ser fixados a partir da citação, em consonância com o art. 805.º, n.º 3 do Código Civil.

O n.º 3, do artigo 805.º, do Código Civil determina o seguinte:

«Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número».

Vejamos como articular esta norma com os danos futuros.

Se se indemniza um dano futuro, por exemplo, as despesas geradas por tratamentos futuros, por exemplo, no montante de €1.000,00 euros, a realizar passados cinco anos, parece não se encontrar justificação para o vencimento de juros desde a citação quanto a esta despesa futura que ainda não foi feita e demorará ainda algum tempo a ser realizada.

Porém, não é esta a situação que ocorre no caso dos autos

A indemnização de €28.863,45 euros respeita ao dano biológico, o qual surgiu logo a partir do acidente, inicialmente de forma difusa, mas definindo-se posteriormente de forma gradual até se fixar, sem prejuízo de poder vir a agravar-se, na data em que ocorreu a cura das lesões.

Ora, nestes casos, justifica-se que os juros se contem a partir da citação, nos termos da segunda parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, por se tratar de um dano já temporalmente existente à data da citação.

Procede o recurso nesta parte.

4 Relativamente à questão dos danos não patrimoniais futuros.

O Autor suscita ainda a questão da indemnização de danos não patrimoniais resultantes das intervenções cirúrgicas a que irá ser submetido no futuro, num mínimo de quatro operações, para colocação de novo material endroprotésico, uma vez que as próteses têm duração média de entre 10 a 15 anos, as quais implicarão novos períodos de internamento e de reabilitação funcional.

Pela leitura da sentença não se fica a saber se a indemnização de €30.000,00 euros fixada incluiu os danos relativos às intervenções cirúrgicas futuras.

O Autor pretende o aumento da indemnização para quantia não inferior a €60.000,00 euros.

Vejamos uma amostra de valores atribuídos pelos nossos tribunais para casos com alguma similitude com o dos autos.

O Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 23 de Novembro de 2011, no processo n.º 90/06.2TBPTL (in www.dgsi.pt), considerou não ser excessiva a indemnização de €12.500,00 por danos não patrimoniais atribuída a um lesado de 47 anos, que até então não sofria de nenhuma enfermidade e que, em virtude do acidente de que foi vítima ficou afectado na capacidade de trabalho e de ganho, com uma incapacidade permanente de 8%. Sofreu seriamente com o acidente, teve de se submeter a diversos tratamentos e ficou a padecer de sequelas que afectam a sua qualidade de vida.

No acórdão de 6 de Janeiro de 2010, do mesmo tribunal, relativo ao processo n.º 1234/06.0TASTS (in www.dgsi.pt), considerou-se justa e equilibrada a indemnização arbitrada no montante de €35.000,00 euros, respeitante aos danos de natureza não patrimonial decorrentes de sequelas permanentes que ficaram a afectar o lesado e igualmente justa e equilibrada a indemnização relativa aos danos morais do mesmo, no período de doença e até à alta clínica, fixada em €10.000, 00 euros, tratando-se de um sinistrado que esteve internado durante 8 dias e necessitou de 117 dias convalesça. Ficou portador de uma incapacidade parcial permanente de 6%, que lhe tornam mais penoso o trabalho e o obrigam a maior esforço na sua profissão habitual de operário fabril não especializado.

 No acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Maio de 2011, no processo n.º 513/08.6PBMTS (in www.dgsi.pt), foi mantida a indemnização de €7 000,00 euros por danos não patrimoniais sofridos por um jovem de 13 anos de idade, vítima de acidente, cujas lesões (traumatismo craniano) demoraram a consolidar cerca de um ano, com um quantum doloris valorado como de grau 3 em 7 e com uma incapacidade permanente geral em 5 pontos.

No acórdão da mesma Relação, de 21 de Setembro de 2010, no processo n.º 38/06.4TBCDR (in www.dgsi.pt), fixou-se a quantia de €12.000,00 euros a título de danos não patrimoniais quanto a um sinistrado que sofreu fracturas na face e nariz; esteve internado no hospital durante 5 dias; foi operado aos maxilares e nariz; foram-lhe extraídos dois dentes; durante cerca de dois meses teve de usar um aparelho na boca, para fixação dos dentes e maxilares, e durante esse lapso temporal, em consequência dos lesões sofridas e do uso do aparelho/tala na boca, não conseguiu falar e não pôde alimentar-se com alimentos sólidos; sofreu dores quantificáveis de grau 5, numa escala de 1 a 7; ficou com uma cicatriz linear, nacarada, supra labial, junto ao nariz, sendo a mesma visível.

No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21 de Setembro de 2010, no processo n.º 1/09.3T2AND (in www.dgsi.pt), foi fixado o valor de €25.000,00 euros a um jovem de 22 anos que sofreu lesões numa perna e num ombro; sofreu dores nos três meses subsequentes ao acidente, período no qual foi operado por duas vezes e sujeito a fisioterapia, tendo ficado com sequelas que passam a impedi-lo, em definitivo, de exercer a sua anterior profissão de militar contratado; ficou afectado de uma IPG de 18 pontos e o quantum doloris foi fixado no grau 5 numa escala ascendente de 1 a 7.

No acórdão do mesmo tribunal, de 19 de Outubro de 2010, relativo ao processo n.º 90/07.5TBMIR (in www.dgsi.pt), face às dores sofridas e às cicatrizes resultantes das lesões na mão esquerda e na perna esquerda, que por vezes sente «fria» e «adormecida», ou seja, sem sensibilidade, foi atribuída ao lesado, um estudante do ensino técnico-profissional de informática, de 17 anos de idade, que ficou a padecer de uma IPG de 3%, a quantia de €9.000,00 euros.

Face aos valores que vêm indicados afigura-se adequado elevar um pouco mais a indemnização, ou seja, fixando para cada intervenção cirúrgica previsível a quantia de €7000,00 euros, pelos respectivos danos não patrimoniais futuros, num total de €28000,00 euros, acrescendo mais €10000,00 euros a título de danos não patrimoniais relativos às lesões já sofridas e respectivo tratamento a que o Autor foi já submetido, num total de €38000,00 euros.

Procede em parte, neste aspecto, o fundamento do recurso.

III. Decisão.

Considerando o exposto:

1 – Julga-se o recurso interposto pelo Autor procedente no que respeita ao vencimento de juros que se fixam quanto à quantia de €28.863,45 (vinte e oito mil, oitocentos e sessenta e três euros e quarenta e cinco euros) desde a citação.

2 – Julga-se o recurso interposto pelo Autor parcialmente procedente no que respeita ao pedido relativo a danos não patrimoniais que se fixa agora em €38000,00 (trinta e oito mil euros).

 3 – Julga-se o recurso interposto pelo Autor improcedente no que respeita às restantes questões.

4 – Custas deste recurso pelo Autor na proporção do vencimento que é de 27% e no restante pelas Rés M (…) e A (…).

5 – Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré A (…) e condena-se solidariamente a Ré M (…)a pagar ao Autor as quantias arbitradas ao Autor a título de indemnização, distribuindo-se a responsabilidade entre as Rés Companhia de Seguros A (…)  e M (…) Seguros Gerais na proporção de 80% para a primeira e 20% para a segunda.

6 – Custas deste recurso pela Companhia de Seguros A (…) na proporção de 80% e pela Ré M (…) na proporção de 20%.


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 Alberto Augusto Vicente Ruço ( Relator )

Fernando de Jesus Fonseca Monteiro

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura



[1] Obrigação de Indemnização – BMJ n.º 84 (Março/1959), pág. 15/16.
[2] Cfr. Pereira Coelho, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil (1955), pág. 20, nota 21; Inocêncio Galvão Teles – Direito das Obrigações, 3.ª edição (1980) pág. 364; Antunes Varela, Das Obrigações ena Geral, vol. I (1991), pág. 885 e seg.; A. Costa, Direito das Obrigações (1991), pág. 632; na jurisprudência, por todos, acórdão do S.T.J. de 20-01-2010 (Álvaro Rodrigues) no processo n.º 670/04.0TCGMR.S1, in www.dgsi.pt.
[3] Haverá alguma imprecisão na redacção dada a esta resposta. Para o veículo articulado ocupar, pelo menos, dois terços da via, como se diz na resposta, isso implicaria que o mesmo ocupasse 3,83 metros da via, mas como a sua largura é inferior, estaríamos perante um facto impossível, pelo que os dois terços se referirão à própria meia-faixa de rodagem, ocupando então o veículo articulado cerca de 1,98 metros desta meia-faixa de rodagem, situação que sempre implicaria que o veículo 53-63-OM necessitasse de ocupar a faixa de rodagem contrária para passar pelo veículo pesado, pois este só deixava livre mais um metro da meia-faixa de rodagem por onde seguia o veículo 53-63-OM.
[4] Neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30-11-1982 (Oliveira Matos), citado nas alegações da Recorrente, onde se ponderou que «É concorrente para o acidente de viação, a actuação do condutor de um tractor agrícola, a que se encontra ligado um atrelado, que o deixa estacionado na via pública, de noite, com todas as luzes desligadas, tendo apenas a assinalar a sua presença o sinal de pré-sinalização sobre o taipal da retaguarda do atrelado, com a do condutor de um auto-ligeiro que, conduzindo-o nessa via, apenas com os médios acesos, não adequa a velocidade à eficiência iluminante desses faróis» (Sumário) – Colectânea de Jurisprudência, ano VII, Tomo V, pág. 44.
[5] João A. Álvaro Dias refere a este propósito que «…não existe qualquer proporcionalidade, qualquer paralelismo entre a taxa de incapacidade fisiológica (handicap pessoal) e a incapacidade profissional para o trabalho. Trata-se de dois conceitos perfeitamente distintos que devem dar lugar a uma análise e a uma quantificação separadas. É perfeitamente concebível que uma reduzida incapacidade fisiológica possa motivar uma total impossibilidade para o trabalho específico realizado (v.g. pianista ou violinista que se vê privado do indicador) como pode acontecer que uma elevada incapacidade fisiológica (v.g. paraplégia) não tenha quaisquer repercussões na capacidade de ganho, por força da sua específica ocupação ou actividade desenvolvida (v.g. banqueiro)» -  Dano Corporal…, pág. 134. Almedina, 2001.
Acrescentando, mais adiante, que «…é frequente caracterizar-se o dano à saúde como um dano base, uma componente constante ou um dano-evento que se repercute sempre sobre a vida de relação, como tal sendo indemnizável, independentemente das suas consequências patrimoniais, tomada esta expressão no sentido tradicional» - pág. 138. E que, «…poderemos dizer que o dano à saúde (componente constante) é, além de um dano à integridade bio-psíquica, um dano à vida de relação que, em determinados casos, incide também sobre a capacidade produtiva da pessoa (dano patrimonial em sentido estrito). Por outras palavras, e tido em conta o contexto da afirmação, é também dano à saúde tudo o que não comporta, demonstradamente, uma diminuição da capacidade de produção de réditos» - pág. 140/141.