Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
258/12.2TTCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 01/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 98º-D; 98º-I, Nº 4, AL. A); E 98º-J, Nº 3 DO CPT.
Sumário: I – De acordo com o artº 98º-J, nº 3 do CPT, nos casos em que o empregador não apresentou o articulado motivador do despedimento, ou não juntou o processo disciplinar ou os documentos comprovativos das formalidades exigidas, o juiz deve declarar a ilicitude do despedimento do trabalhador e: a) condena o empregador a reintegrar o trabalhador ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar…; b) condena ainda o empregar no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado; c) ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.

II – Não se podendo determinar o montante efectivo da retribuição do trabalhador, não pode ser o empregador condenado pagamento de retribuições intercalares em quantia determinada, impondo-se a solução de o condenar a esse título no que se apurar em liquidação de sentença, nos termos do disposto no artº 661º, nº 2 do CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor instaurou contra a ré a presente acção de impugnação de despedimento, sob a forma de processo especial, apresentando formulário previsto no art. 98º-D do Código de Processo do Trabalho, onde declara opor-se ao despedimento promovido pela ré, em 5-01-2012, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

Notificada para apresentar articulado motivador do despedimento, a ré não o apresentou.

Foi então proferido o seguinte despacho:

A empregadora, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no nº4, a), do artigo 98º-I, do C.P.T., não veio apresentar articulado motivador.

Assim sendo, com vista à prolação da decisão a que alude o nº 3, do artigo 98º-J, do C.P.T., notifique o trabalhador para, em 10 dias, vir juntar aos autos cópia do eventual contrato de trabalho que celebrou com a entidade empregadora, ou informar quando teve início a relação laboral, bem como de um recibo de vencimento.

Respondendo a esta notificação, o autor veio alegar o seguinte: que foi admitido ao serviço da ré no dia 25 de Outubro de 2011 com a categoria de motorista de veículos pesados de transportes internacionais, mediante a celebração de um contrato de trabalho a termo certo, pelo prazo de 12 meses sucessivamente renovável nos termos da lei, contrato que não junta, uma vez que, o mesmo se encontra no interior do veiculo pesado que conduzia, pertença da ré; que prestava a sua actividade no estrangeiro, mais concretamente na Alemanha, o que aconteceu desde o inicio do contrato até finais de Dezembro de 2011; que auferia uma remuneração base mensal de € 558,00, acrescida das prestações (especiais) referentes ao designado “prémio TIR” e cláusula 74 do CCTV. 

Juntou cópia de recibo de vencimento referente ao mês de Novembro de 2012.

Foi então proferido um outro despacho, ordenando a notificação da ré para, em 10 dias, vir aos autos juntar uma cópia do contrato de trabalho que celebrou com o autor e, ainda, a sua notificação da supracitada peça apresentada pelo autor.

A ré veio então juntar cópia de contrato de trabalho a termo com o autor.

Logo após, foi proferido o seguinte despacho:

A...veio intentar a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra a empregadora B...s, Ldª.

Recebido o requerimento e realizada audiência de partes, na qual não foi obtida a conciliação, a empregadora foi, posteriormente notificada nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do nº4, do artigo 98º-I, do C.P.T., no entanto, não apresentou articulado motivador.

Assim, ao abrigo do disposto no nº3 do artigo 98º-J, do C.P.T., cumpre proferir decisão:

Não há exceções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

Factos provados:

1- O trabalhador iniciou a sua prestação de trabalho para a empregadora em 27/10/2011, pelo prazo de um ano.

2- Em Novembro de 2011, o trabalhador auferia o vencimento base mensal de € 558, € 112 a título de prémio TIR e € 230 a título de cláusula 74ª.

3 - A empregadora enviou ao trabalhador a carta junta a fls. 2, cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido.

Os factos dados como provados assentam nos documentos juntos aos autos (fls. 2, 29 e 33 a 34).

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa.

Ao abrigo do disposto no nº3, do artigo 98º-J, do C.P.T., cumpre declarar ilícito o despedimento e condenar a empregadora no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento (Janeiro de 2012) até ao trânsito em julgado, tendo em conta a data de 31/07/12, bem como a reintegrar o mesmo, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, tendo em conta o disposto no artigo 393º, nº 2, a) e b), do C.T., ou seja, porque o termo do contrato ocorre posteriormente ao trânsito em julgado da presente decisão.

Pelo exposto, declaro ilícito o despedimento de que foi alvo o trabalhador - A...- por parte da empregadora - B...s, Ldª - e, consequentemente, condeno a empregadora na reintegração do trabalhador, bem como a pagar ao mesmo, a título de retribuições, a quantia de € 6.300 (€ 900 -558+112+230-x7 meses).

Valor da ação: € 6.300 (nº2, do artigo 98º-P, do C.P.T.).

Registe e notifique.

Notifique o trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação, ou cessação (artigo 98º-J, nº 3, c), do C.P.T.).

É desta decisão que, inconformada e juntando então procuração constituindo mandatário judicial, a ré veio apelar.

Alegando, concluiu:

[…]

O autor apresentou contra-alegações ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto, também, pela sua improcedência.
A apelante respondeu a este parecer.

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II- FUNDAMENTAÇÃO
É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.
Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver se pode equacionar da seguinte forma: se o tribunal a quo podia ou não, na sequência da declaração da ilicitude do despedimento, ter liquidado as chamadas retribuições intercalares, a que o autor tinha direito, do modo como o fez.
Vejamos:
De acordo com o artigo 98.º-J, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, nos casos em que o empregador não apresentou o articulado motivador do despedimento, ou não juntou o processo disciplinar ou os documentos comprovativos das formalidades exigidas, o juiz deve declarar a ilicitude do despedimento do trabalhador e: “a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos n.ºs 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho; b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado; c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.”
Foi essa condenação que a sentença recorrida procurou realizar, em face da não apresentação pela ré do articulado motivador do despedimento.
No que toca, porém, à operação da liquidação das “retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado”, o tribunal a quo deparou-se com as conhecidas dificuldades operativas resultantes da falta de elementos de facto suficientes na fase processual em que essa condenação deveria ter lugar. É que na acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, a simplicidade do formulário que lhe dá início (a que alude o art. 98.º-C do CPT), não permite ter como apurados para o processo o valor das retribuições periódicas auferidas pelo trabalhador, tornando-o manifestamente insuficiente para que o juiz de 1.ª instância profira as condenações constantes das alíneas a) e b) do n.º 3 do já referido artigo 98.º-J.
Nessa situação de ausência de elementos de facto para fixar o valor das retribuições intercalares, a solução normal seria a de relegar essa fixação para liquidação de sentença nos termos do disposto no art. 661.º n.º 2 do CPCivil.
Admite-se, no entanto, que a superação da insuficiência de facto possa ser colmatada na 1.ª instância, antes da sentença, através, por exemplo, duma adequação do processado determinada pelo juiz para se munir dos elementos suficientes, usando dos poderes conferidos pelos artigos 265.º-A e 266.º do CPC.
De certo modo, foi este último caminho aquele que pensamos ter sido seguido pelo tribunal a quo quando ordenou a notificação do autor “para, em 10 dias, vir juntar aos autos cópia do eventual contrato de trabalho que celebrou com a entidade empregadora, ou informar quando teve início a relação laboral, bem como de um recibo de vencimento”.
Todavia, antes de assim proceder não ouviu ambas as partes sobre o caminho a seguir, como o impunha o art. 265.º-A do CPC, passando-se de imediato a operar de acordo com a adequação processual pensada.

O autor veio responder a essa notificação, alegando a data do início do contrato de trabalho, a categoria de motorista de veículos pesados de transportes internacionais, o contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de 12 meses e a retribuição auferida que, segundo o mesmo, seria constituída pela remuneração base mensal de € 558,00, acrescida das prestações (especiais) referentes ao designado “prémio Tir” e cláusula 74 do CCTV, o que seria comprovado, ainda segundo a sua posição, pela cópia que então juntou de recibo de vencimento referente ao mês de Novembro de 2012.

Sucede que a ré, não tendo sido ouvida sobre a adequação do processado, não foi advertida que uma eventual não impugnação dos factos alegados pelo autor seria entendida como a admissão dos factos por ele alegados. Por outro lado, a lei não prevê para o caso essa cominação para a falta de resposta a tal alegação. Por isso, não é possível considerar os factos alegados pelo autor como estando admitidos por acordo das partes

É certo que a própria ré, notificada para tanto, veio juntar cópia do contrato de trabalho que celebrou com o autor, assinado pelas partes, documento não impugnado pelo autor. Tal documento não impugnado reveste as condições para se considerar como provadas as declarações nele contidas, atento o disposto no art. 376.º do Código Civil.

Podemos também considerar que o indicado “recibo de vencimento”, na medida em que a sua autoria foi imputada à ré, sem que o tenha impugnado, prova as declarações nele contidas. O mesmo sucede com a “carta de despedimento” junta com o formulário inicial.

Assim sendo, constando dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto e fazendo uso dos poderes desta Relação nos termos do disposto no art. 712.º n.º 1 al. a) do CPC, entendemos que a matéria de facto deve ficar assim estabelecida, alterando em parte a decisão da 1.ª instância acima transcrita:

1- O trabalhador iniciou a sua prestação de trabalho para a empregadora em 26/10/2011, mediante contrato de trabalho escrito a termo certo, pelo prazo de um ano, nos termos constantes do documento junto a fls. 33 e 34 que aqui se dá por reproduzido, “para exercer funções inerentes à categoria profissional de motorista, podendo ser-lhe conferida temporariamente outras”.

2- Em Novembro de 2011, a ré emitiu recibo ao trabalhador declarando pagar-lhe de “Vencimento” € 558,00, de “Prémio TIR” € 112,00, de CLª 74 € 230,00 e de Ajudas de Custo € 713,23 – doc. de fls. 29 que aqui se dá por reproduzido,.

3 - A empregadora enviou ao trabalhador a carta junta a fls. 2, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, datada de 5 de Janeiro de 2012, declarando, entre o mais “denunciar a rescisão do Contrato de Trabalho celebrado entre V. Ex.ª e a Empresa B..., Lda”.
No recurso, a ré sustenta que não é possível retirar dos factos apurados que o autor auferia a retribuição mensal de € 900,00, sendo € 558,00 de retribuição base, € 112,00 de “prémio TIR” e € 230,00 de “cláusula 74.º”. Insurge-se, no entanto, apenas quanto à condenação referente às retribuições intercalares que considerou o valor da retribuição mensal superior a € 558,00.

Ora, também nós não podemos aceitar que se possa concluir dos factos apurados que o autor recebia mensalmente € 112,00 de “prémio TIR” e € 230,00 de “cláusula 74.ª” ou mesmo que tivesse direito a tais quantias. Na verdade, o eventual facto de as ter recebido num mês não significa que recebesse regular e periodicamente tais parcelas remuneratórias. Por outro lado, os factos provados, designadamente quanto às funções exercidas pelo autor (sendo certo que o contrato apenas designa as de “motorista”, sem que contenha o que quer que seja quanto à sua retribuição), não são suficientes para determinar se à relação entre as partes é ou não aplicável o CCTV entre a ANTRAM e a Feder. dos Sind. de Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, publicada no BTE nº 9 de 08/03/80, com alterações posteriores e com Portarias de Extensão publicadas, sobretudo na parte desse IRCT que contém a referência aos chamados direitos a “prémio TIR” e  “cláusula 74.ª”
Sucede assim que, analisando o objecto do recurso, não podendo nós determinar o montante efectivo da retribuição do autor, não pode subsistir a condenação da ré no pagamento de retribuições intercalares em quantia determinada, impondo-se antes a solução de a condenar a esse título no que se apurar em liquidação de sentença, nos termos do disposto no art. 661.º n.º 2 do CPCivil.
Contudo, não se colocando no recurso em causa a condenação líquida na parte em que se toma como base de cálculo pelo menos o valor da retribuição € 558,00, deve esta subsistir sem prejuízo do mais que se venha posterior e eventualmente a liquidar.

Sustenta ainda a ré no recurso que se na sentença se tomou em conta a data de 31/07/2012 para apurar até onde ia o direito do autor às retribuições intercalares, então o cálculo dos montantes devidos ao autor a este título deveria ter considerado o período que vai da data do despedimento em 5 de Janeiro de 2012 até àquela primeira data, ou seja o período de seis meses e vinte e cinco dias e não o período de sete meses completos, como se considerou na sentença.
Vejamos:
Nos termos do artigo 98.º-J, n.º 3 al. b) do Código de Processo do Trabalho, nos casos em que o empregador não apresentou o articulado motivador do despedimento, o juiz, para além do mais, deve condenar o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado.
Nos termos do disposto no art. 393.º n.º 2 al. a) do Código do Trabalho/2009, sendo declarado ilícito despedimento num contrato de trabalho a termo, a indemnização a atribuir não pode ser inferior às retribuições que o trabalhador deixar de auferir desde o despedimento até ao termo do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão se o termo ocorrer posteriormente.
Se bem que tenhamos que reconhecer que a sentença indicou incorrectamente o dia 31/7/2012 como o dia do trânsito em julgado e dia limite para as retribuições intercalares, certo é que essa questão não foi colocada em crise por via de recurso (pela ré ou pelo autor), razão pela qual o seu tratamento não pode ser por nós alterado, considerando-se abrangida pelo caso julgado.
No entanto, sendo essa a data limite final a atender para o direito do autor às designadas retribuições intercalares, certo é que a data do despedimento deveria ter sido a atendida, como limite inicial, tal como defende a ré no recurso. Ou seja, o autor tem direito a seis meses e vinte e cinco dias de retribuições, a contar do despedimento e não a sete meses completos.

Assim, concluindo, tem direito na parte já líquida a € 3.813,00 (6 meses x €558,00 + 25 dias x €22,32 = €3.348,00 + 465,00), bem como ao que se apurar em liquidação de sentença, relativo ao mesmo período, considerando eventualmente um valor da sua retribuição mensal superior a € 558,00, conforme se venha ou não a determinar no incidente de liquidação próprio.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar parcialmente procedente a apelação e, mantendo-a no mais, altera-se a sentença recorrida na parte em que condenou a ré a pagar ao autor, “a título de retribuições, a quantia de € 6.300 (€ 900 -558+112+230-x7 meses”, indo, em substituição, a ré condenada a pagar ao autor a esse título, na parte já líquida, a quantia de € 3.813,00 (6 meses x €558,00 + 25 dias x €22,32 = €3.348,00 + 465,00), bem como no que se liquidar em execução de sentença, caso se apure no respectivo incidente que a retribuição mensal devida o autor era superior a € 558,00.

Custas no recurso na proporção de 50% por cada uma das partes.

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Azevedo Mendes (Relator)

Felizardo Paiva

Jorge Loureiro