Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
417/10.2JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: DIREITO AO SILÊNCIO
DEPOIMENTO INDIRETO
Data do Acordão: 03/21/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 129º CPP
Sumário: 1.- O direito ao silêncio, como direito que é não pode prejudicar o arguido, não podendo dele ser retiradas quaisquer consequências probatórias da matéria da acusação;

2.- Mas se do exercício do direito ao silêncio não podem resultar consequências desfavoráveis ao arguido também não pode do seu exercício retirar-se consequências probatórias favoráveis ao arguido – vg. explicativas, justificativas ou atenuativas que exijam uma atitude proactiva do arguido;

3.- Podendo o arguido contraditar plenamente a testemunha em audiência, se o não faz não pode queixar-se da sua própria omissão;

4. O agente da PJ que interveio pessoalmente na realização de uma busca domiciliária e que nesse âmbito prestou declarações sobre as circunstâncias/resultado/esclarecimento dessa diligência de recolha de prova não presta depoimento indireto, na medida em que relata a ocorrência vivida pela testemunha, incluindo a natural “reação” de quem foi surpreendido, no local da busca, na disponibilidade dos bens/objetos/substância estupefaciente apreendida.

Decisão Texto Integral: I.
Após audiência pública de discussão e julgamento com exercício pleno do contraditório, foi proferida decisão final, de mérito, na qual o tribunal de 1ª instância decidiu:
1. - Condenar o arguido A..., pela prática em co-autoria, na forma consumada, de: - um crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210º n.1 do Código Penal (absolvendo-o do demais), na pena de 4 (quatro) anos de prisão; e - pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º do D.L. nº 15/93 de 22.01, por referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão; - condenar o arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
2. - Condenar o arguido B..., pela prática em co-autoria, na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º n.1 do C. Penal (absolvendo-o do demais), na pena de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução se suspende pelo período de dois anos, subordinada a regime de prova, nos termos do artigo 53º do C.P.
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Inconformado com tal decisão, dela recorre o arguido A....
Na respectiva motivação, formula as seguintes CONCLUSÕES:
1. Por acórdão proferido no dia 02 de Dezembro de 2011 no âmbito do processo supra identificado, foi o arguido condenado na pena de 4 (quatro) anos de prisão pela prática, em co-autoria, na forma consumada, de um crime de roubo (artigo 210°, n.º 1 do C.P.), e na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, (artigo 21°, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22/01, por referência à tabela l-C, anexa ao mesmo diploma), sendo que em cúmulo jurídico, decidiu o Tribunal a quo condenar o arguido na pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.
2. Entende o recorrente que o Tribunal a quo valorou indevidamente prova proibida, bem como julgou, incorrectamente, como provada matéria de facto e entende; ainda, existirem incorrecções na determinação da moldura da pena, tal como infra se demonstrará
I - Questão prévia: Da valoração de prova proibida no que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes
3. No acórdão recorrido foi dado como provado que "18. Pelo menos as substâncias estupefacientes encontradas no anexo da habitação utilizado como quarto, bem como a referida balança, eram propriedade do arguido A....”
4. Da fundamentação resulta que foi valorado o depoimento da testemunha …, inspector da Polícia Judiciária, o qual informou o Tribunal que o arguido, no âmbito das diligências de busca realizadas e das quais resultou a apreensão das referidas substâncias e balança, havia indicado que as mesmas eram sua pertença, assim como se encontrava a residir no local onde foram apreendidas.
5. O conhecimento de tais factos adveio à testemunha em questão em virtude das conversas que, no local e no decurso das operações que então se realizavam, foram tidas com o arguido, a qual se limitou a reproduzir o que lhe havia sido referido.
6. O arguido, tanto no decurso das diligências de inquérito, como em sede de audiência de julgamento, exerceu o seu direito ao silêncio.
7. Desta forma, Tribunal a quo levou em consideração na fundamentação da sua convicção as chamadas "conversas informais" que não podem ser admitidas como meio de prova, por violação do disposto no artigo 129º do C.P.P.
8. A jurisprudência maioritária defende a tese de que não poderão ser valoradas as provas que resultem de declarações proferidas pelo arguido no âmbito de diligências levadas a cabo no decurso do inquérito, conforme resulta, nomeadamente, dos acórdãos:
A) proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 15-02-2007, no âmbito do processo 06P4593;
B) proferidos pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 30-03-2011, no âmbito do processo 370/08.2TACVL.C1 e em 09-12-2010 no âmbito do processo 1168/07.0PBVIS.C1;
C) proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 31-05-2010, no âmbito do processo 670/07PBGMR.G1;
D) proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 13-01-2004, no âmbito do processo 2175/03-1;
Todos eles disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.
9. O facto de o recorrente ainda não ter sido constituído arguido no momento em que ocorreram as diligências em causa, não é, no presente caso, motivo suficiente para que se considere que, de acordo com a jurisprudência maioritária, não estamos perante as chamadas conversas informais porquanto há muito que o inquérito havia sido instaurado e contra o mesmo pendiam mandados de detenção
10. Da audição da testemunha em questão resulta que os bens foram primeiramente descobertos pelo órgão de polícia criminal que, posteriormente, chegou à conclusão de que os mesmos pertenceriam ao arguido A...após este o ter referido, tal como sucedeu com a indicação que estaria a habitar o anexo onde os mesmos foram encontrados.
11. Este depoimento assenta em conversas que ocorreram ao longo das diligências de busca e detenção, não se sabendo em que contexto ou de que forma é que as mesmas terão ocorrido, mas sabendo-se que a operação em causa foi "muito bem preparada" e realizada numa residência onde habitava uma família que se encontrava referenciada devido ao cultivo deste tipo de substâncias.
12. Com o depoimento da testemunha … procurou-se suprir o silêncio do arguido - que desde sempre se manteve em silêncio - uma vez que, tendo sido impossível recolher outro tipo de prova que pudesse imputar a detenção dos produtos ilícitos à pessoa do arguido A…, era a única forma de o incriminar
13. As indicações sobre a pertença dos produtos estupefacientes que consta dos testes de fls. 243 e 244 resultaram igualmente das conversas tidas com o arguido A...no decorrer das operações de busca realizadas, o qual não assinou qualquer auto de declarações ou de outro género.
14. Assim, tanto o depoimento da testemunha …, como as indicações da prova constante de fls. 243 e 244 referem-se a palavras e indicações que alegadamente foram dadas pelo arguido A...à margem de qualquer garantia processual nomeadamente o direito ao silêncio.
15. Tal prova não é admissível por violar o disposto nos artigos 125°, 128° e 129° do C.P.P., bem como o direito ao silêncio e o princípio da imediação.
16. Pelo que são essas provas nulas, não podendo nessa parte servir como meio de prova.

II - Dos factos incorrectamente dados como provados e dos elementos probatórios (a sua ausência) que impunham decisão diversa relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes

17. O Tribunal a quo deu como incorrectamente provados os factos indicados sob os números 18, 19 e 20 da matéria de facto dada como provada.
18.A convicção do Tribunal a quo, no que respeita à prática do crime de tráfico de estupefacientes, fundou-se no depoimento da testemunha … , inspector da Policia Judiciária que acompanhou as buscas e detenção do ora recorrente em conjugação com "o teor do relato de diligência externa de fls. 207 a 209, 215 a 217, auto de busca e apreensão de fls. 237 a 242, teste de fls. 243 e 244, auto de exame de fls 323, à balança electrónica, exame de toxicologia de fls. 328.”
19. O depoimento da referida testemunha, no que se refere ao modo de determinação da pertença das substâncias estupefacientes e da balança de precisão (e ainda a indicação de que era naqueles aposentos que residia o arguido) não podiam ter sido aceite pelo Tribunal a quo, por serem nulo, em conformidade com o indicado nas conclusões 3 a 16.
20. Por sua vez, do restante depoimento da testemunha em questão - única inquirida no que respeita à prática deste crime e prestado, cuja gravação relevante se encontra dos 01 min29s do ficheiro 20111102162843-20110-65208.wma aos 00 min42s do ficheiro 20111102163118_20110_65208.wma; dos 01min42s aos 04min21s do ficheiro 20111102163118_2011 0_65208.wma; dos 06m in06s aos 09min17s do ficheiro 20111102163118_2011 0_65208.wma - a única coisa que se poderá depreender é que os bens em questão foram encontrados no local das buscas.
21. Os documentos que serviram para, conjuntamente, o Tribunal a quo formar a sua convicção [que se encontram a fls. 207 a 209, 215 a 217, 237 a 242, 323, 328 (com a ressalva da nulidade invocada sobre os documentos de fls. 243 e 244)] nada demonstram sobre a quem pertenciam os bens apreendidos.
22. Reapreciando-se, assim, a matéria de facto dada como provada, tendo por base as provas que a sustentaram, teremos de concluir que não foi produzida prova suficiente que permitisse imputar ao arguido A...a pertença tanto do produto estupefaciente como a balança de precisão que foram encontrados no anexo da habitação em causa.
23. Pelo que deverão os factos indicados sob os n.ºs 18, 19 e 20 do douto acórdão serem dados como não provados e o arguido ser absolvido da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em virtude do princípio in dubeo pro reo.

III - Da pena aplicada pelo crime de roubo
24. Pela prática do crime de roubo, foi o arguido A...condenado na pena de 4 (quatro) anos de prisão, conforme ficou já supra referido.
25. No entanto, entende o recorrente que o Tribunal a quo não valorou devidamente a condição pessoal do arguido e a sua situação económica.
26. Não foram valorados o facto de o arguido ter, na data dos factos, 24 anos, ter um filho de tenra idade, e os depoimentos das testemunhas abonatórias que o qualificaram como uma pessoa trabalhadora, bem vista e que não originava conflitos.
27. O Tribunal valorou negativamente o silêncio do arguido, que qualificou como falta de reflexão, auto-crítica, e de sinais de arrependimento relativamente aos factos em questão.
28.Assim, entende-se que o desvalor que foi atribuído ao silencio do arguido ­na nossa opinião erradamente por violar o princípio do direito ao silêncio sem que o mesmo possa, por tal, ser prejudicado - acabou por determinar a aplicação de uma pena mais elevada.
29. Visto que da ponderação da culpa, bem como das exigências de prevenção geral e especial relativas ao concreto caso assim o impunham, a pena de prisão não deveria ultrapassar os 3 anos.
30. Pelo que, deverá o Tribunal ad quem alterar para 3 (três) anos a medida da pena de prisão aplicada pelo Tribunal a quo.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. mui superiormente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência:
A) Serem declarados nulos tanto o depoimento da testemunha … , como as indicações da prova constante de fls. 243 e 244, por terem sido obtidos no âmbito de "conversas informais", que constituem prova proibida por violação do disposto nos artigos 125°, 128° e 129° do C.P.P., bem como o direito ao silêncio e o principio da imediação;
B) Serem julgados não provados os factos indicados sob os nºs 18, 19 e 20 do douto acórdão porquanto não existe prova suficiente que os sustente e em consequência, ser o arguido A... absolvido da prática de um crime de tráfico de estupefaciente;
C) Ser a pena de prisão relativa ao crime de roubo, em que o arguido A... foi condenado reduzida para 3 anos.
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Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, rebatendo a motivação do recurso, concluindo que o recurso não merece provimento.
Neste tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual sufraga a argumentação aduzida na resposta.
Corridos vistos, cumpre decidir.

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II.
1. Vistas as conclusões, que delimitam o objecto do recurso, está em causa no presente recurso: a reapreciação da matéria de facto, suscitando-se, como questão prévia, a nulidade de depoimento testemunhal valorado pelo acórdão recorrido e a medida concreta da pena aplicada ao crime de roubo.
A apreciação das questões suscitadas obriga a convocar a decisão do tribunal recorrido em matéria de facto.
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2. A decisão do tribunal recorrido em matéria de facto, com a motivação que a suporta, é a seguinte:

A) Matéria de facto provada
-I-
1. Dia 27 de Julho de 2010, pelas 12:00 horas, os arguidos dirigiram-se ao posto de abastecimento de combustível …, sito na EN n.° 17, em Gândara de Espariz, área desta marca de Tábua, propriedade da empresa … . e de que é legal representante … , em cumprimento de um plano previamente acordado entre ambos e com o propósito comum de subtraírem todo o dinheiro que se encontrasse em tal estabelecimento.
2. Para tanto, fizeram-se transportar no veículo motociclo da marca e modelo Honda CMX, 250cc, de cor preta e matrícula … , melhor descrita a fls. 141 e propriedade de … , tio do arguido B..., sendo que este era o condutor e o arguido A...seguia no lugar de passageiro.
3. Ambos envergavam capacetes pretos, sendo que o capacete utilizado pelo arguido B... tinha uma inscrição à frente de cor vermelha CMS, com viseira, inscrições do lado direito UFO e K e do lado esquerdo PLAST e na sua retaguarda CMS, enquanto o capacete utilizado pelo arguido A… tinha viseira branca, a inscrição AGV à frente e a trás.
4. Na altura, o arguido B... vestia uma T-Shirt preta MDS Jeans e uns calções de praia cinza e laranja da marca Longbord, sendo que o arguido A...envergava, além do mais, umas calças de ganga azul da marca Broadway, pertença do arguido B....
5. O arguido A...estava munido com uma arma de fogo, tipo caçadeira, de canos compridos e coronha de madeira, cujas características exactas e estado de funcionamento, não se logrou apurar e uma mochila de cor preta e marca Highlander, colocada às costas.
6. Chegados ao local e verificando que não se encontravam quaisquer clientes, o arguido B... parou o veículo e de imediato o arguido A...saiu do mesmo empunhando a arma referida e apontando-a ao tronco e à cabeça do funcionário … , a única pessoa que se encontrava no local, dando-lhe ordem, em tom sério e ameaçador, para entrar na loja que integra aquele espaço comercial e se destina à venda de tabaco, gelados, bebidas e alguns artigos de mecânica auto e onde se encontra igualmente o balcão de pagamento.
7. Enquanto o arguido A...ficou junto à porta exercendo vigilância e mantendo sempre a arma apontada na direcção do referido funcionário, e sempre com o dedo sobre o gatilho, o arguido B... entrou no local juntamente com … ordenando-lhe que entregasse todo o dinheiro, ao que este acatou, receoso de ser atingido na sequência de um disparo.
8. Assim, retirou todas as notas e moedas e ainda vales de débitos de clientes que se encontravam numa gaveta sita na lateral do balcão de atendimento, de diferentes montantes, perfazendo um total de € 862,57 (sendo 507,00€ em dinheiro e o restante de vales) e colocou-as em cima do referido balcão, ao que o arguido, de imediato, se apoderou das mesmas.
9. Acto seguido, e por indicação do arguido A…, que, entretanto, avançou para o interior da loja e encostou o cano daquela arma ao corpo do funcionário, o arguido B... retirou de um expositor 38 maços de cigarros (4 Marlboro Ks soft, 7 Marlboro, 2 SG Gigante, 6 SG Ventil, 6 Marlboro Intense, 8 Camel, 4 Português Suave KS e l Águia), no valor global de € 123,87. Retirou ainda, do interior do balcão, o telemóvel da marca Nokia, modelo 6630, com o IMEI … e o cartão … , propriedade do referido … .
10. Antes de se ausentarem do local, o arguido B... colocou o dinheiro, os cigarros e o telemóvel na mochila que o arguido A...trazia às costas, ao mesmo tempo, que este deu ordem, sempre sob a ameaça de arma de fogo, para que … se deitasse no chão, o que este obedeceu de imediato, tendo ambos abandonando o local de seguida, no mesmo veículo.
11. Alcançado o desiderato pretendido, ambos os arguidos regressaram a casa do arguido A..., sita na … , Oliveira do Hospital, local onde o A...lhe entregou a quantia de € 80,00 e alguns maços de tabaco, tendo ficado na posse da excedente quantia em dinheiro, dos restantes maços de tabaco e do telemóvel acima identificado.
12. Mais tarde, pelas 17 horas e 25 minutos do mesmo dia, os arguidos foram abordados pela GNR de Arganil, entre as localidades de Dreia e Benfeita, quando aquele B... conduzia o veículo acima assinalado e A... se fazia transportar noutro motociclo conduzido por … , de matrícula … , tendo o arguido A...encetado fuga a pé por uma zona de mata, sem que os militares presentes tivessem logrado alcançá-lo.
13. No local foram apreendidos, encontrando-se à ordem dos autos, o motociclo de matrícula … e os capacetes acima identificados.
14. Foram igualmente apreendidas três notas de € 20,00, um maço de tabaco Marlboro, devidamente fechado e outro contendo 4 cigarros e um cartão de segurança da TMN, que se encontravam na posse do arguido B....
15. Foram também apreendidos a mochila acima identificada, 5 maços de cigarros Camel, 4 Marlboro, l Marlboro intense e 2 SG Ventil, assim como um cartucho de caça deflagrado de calibre 12, a T-Shirt preta, os calções de praia e as calças de ganga que os arguidos envergavam e que se encontravam na residência do arguido B....
16. Os arguidos B... e A...actuaram de forma livre, voluntária e consciente, em comunhão de esforços e de forma concertada e previamente planeada, com o firme propósito de se apoderarem dos objectos, supra descritos, que encontraram no posto de abastecimento de combustível assinalado, fazendo-os seus, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos seus legítimos donos, não se abstendo de ameaçar … com disparo de arma de fogo, exibindo a arma supra referida, assim o constrangendo e condicionando na sua liberdade de acção para melhor lograr os seus intentos, impedindo-o de assim opôr qualquer resistência.
-II-
17. Ademais, na sequência de busca realizada em 22.03.2011, à habitação sita no lugar de … , Arganil, onde o arguido A... residia à altura, foram apreendidos:
- na sala da habitação principal, sobre a mesa, um saco de cor vermelha com a marca John Player Special, que continha no seu interior 10,020gr de produto estupefaciente Cannabis (fls./smid);
- num anexo da habitação, utilizado como quarto, no interior de um armário de máquina de costura, foi encontrado um saco plástico translúcido, contendo no seu interior 48,373gr de produto estupefaciente Cannabis (fls./sumid); e ainda
- na mesma divisão, no interior de um armário, uma balança de precisão da marca Kern, modelo TMB250-1 Pocket Balance, com o n.° de série WM0304989, com alcance de pesagem até 250gr, fraccionadas em décimos de grama, em razoável estado de conservação.
18. Pelo menos as substancias estupefacientes encontradas no anexo da habitação utilizado como quarto, bem como a referida balança, eram propriedade do arguido A... .
19. O arguido A... agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo as características e a natureza daquelas substâncias que detinha, e que as destinava, entre outros, a vender e ceder a outrem, bem sabendo ainda que a mera aquisição, detenção, venda e cedência de tais produtos eram proibidas e punidas por lei como ilícito criminal, e mesmo assim não se coibiu de o fazer.
20. Mais sabiam ambos os arguidos que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como ilícitos criminais.
*
Da situação pessoal:
1. O arguido A… tem antecedentes criminais pela prática de diversos ilícitos criminais, designadamente:
- PS 418/03.7GAOHP- sentença de 18.02.04- crime de condução sem habilitação legal, pena de multa, extinta pelo pagamento;
- PA 247/06.6GBAGN- sentença de 15.02.07- crime de condução sem habilitação legal, pena de multa, extinta pelo pagamento;
- PCC 264/05.3GATBU – acórdão de 21-02-2007, transitado em 08.03.2007- crime de roubo na forma tentada, em pena de prisão de 2 anos e 4 meses suspensa por 3 anos.
2. O arguido B... à data dos factos não tinha antecedentes criminais. Posteriormente veio a ser condenado:
- PCS nº 459/08.8GAOHP sentença de 16.02.2011- crime de condução sem habilitação legal, pena de multa;
- PA nº 334/10.6GBAGN, sentença de 06.07.2011 - crime de condução sem habilitação legal, pena de multa;
4. B... cresceu num ambiente familiar muito instável, a que não eram alheios fracos hábitos de trabalho e o consumo exagerado de bebidas alcoolicas por parte do progenitor, com consequentes brigas familiares, tendo crescido num ambiente caracterizado por fraco investimento das figuras parentais na educação dos filhos.
4. Iniciou o consumo de cannabis com cerca de 14 anos, tendo trabalhado na área da construção civil, na área das madeiras, em Inglaterra durante algum tempo, em festivais de música, e posteriormente, em Portugal, como tecnico na manutenção de extintores e numa fábrica.
5. Actualmente vive com uma companheira na Amadora, a qual tem o curso de professora primária, e com o filho menor desta. O arguido que tem o 7º ano de escolaridade, encontra-se a trabalhar na distribuição e montagem de publicidade por conta de uma empresa de trabalho temporário, perspectivando vir a trabalhar para a Suiça.
6. O arguido A… tem o 7º ano de escolaridade, tendo iniciado actividade laboral na área da carpintaria e numa serração de pedra e finalmente como empregado de bar, teve um percurso de vida estruturado dentro de uma família funcional e com condições estáveis a nível sócio-económico. No final da adolescência iniciou o consumo de cannabis, acompanhando individuos pares com práticas desviantes, mantendo recaídas no consumo até à actualidade. O arguido a dada altura passou a viver fora do agregado familiar e em paradeiro desconhecido dos pais. Tem um filho de 3 anos de idade que vive com a mãe, ex-companheira do arguido, o qual foi já sujeito em 2009, a uma suspensão provisória de processo, por crime de violência doméstica (tendo como ofendida a companheira), que não chegou a cumprir.
7. Após a detenção do arguido e na sequência de um período inicial de ausência, a mãe, irmãos e ex-companheira passaram a visitá-lo no EP onde não são assinalados reparos ao seu comportamento.
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B) Matéria de facto Não provada
Foram estes os factos provados, mais nenhum outro se provou com relevância para a decisão da causa.
Não se provou: - que a substância encontrada na sala da habitação principal, 10,020gr de produto estupefaciente Cannabis (fls./smid)fosse propriedade do arguido A… .

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C) Motivação
A convicção do tribunal para dar os factos como provados, alicerçou-se na ponderada conjugação e análise crítica e ponderada de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, aliada à prova existente nos autos e cuja valoração é permitida, conjugada na sua globalidade com as regras da experiência comum.
Na verdade, foram valoradas as declarações prestadas pelo arguido B..., o qual confessou integralmente os factos que lhe vêm imputados, o que fez de forma espontânea, merecendo-nos as suas declarações credibilidade na conjugação com tudo aquilo que infra se explanará. Este arguido relatou ainda a intervenção nos factos em apreço por parte do co-arguido A... e a actuação conjunta de ambos na sua concretização, explanando-a concretamente e confirmando o teor das fotografias de fls. 77 e segs.. O arguido B... refere-nos ainda que a arma era do A..., foram-na buscar a um pinhal, não estava carregada, nem a funcionar.
Em conjugação com as declarações do arguido B... e confirmando-as, quer no que se refere à sua intervenção, quer aquela que nos foi referida por este quanto ao co-arguido A..., foram valorados os depoimentos prestados por … , a qual à data dos factos era namorada do arguido B... e se encontrava a morar em casa dele e que nos relatou que no dia da ocorrência dos factos descritos em 1º, ambos os arguidos (B... e A..., que nessa data residia também naquela casa) saíram de casa por volta das 10.30/11 horas, e que quando ambos regressaram a casa traziam com eles maços de tabaco, tendo-lhe o B... relatado o que ambos tinham feito (roubo).
Por outro lado, extrai-se dos elementos juntos aos autos e bem assim do depoimento da testemunha … , amigo dos arguidos, que nesse mesmo dia da parte da tarde, lhe pediram para levar o A... à Benfeita. No percurso relata que assim que avistaram a polícia o A... fugiu. Tal relato mostra-se conforme com aquilo que nos vem transmitido no depoimento prestado por … , militar da GNR, que na sequência do alerta dado relativamente ao roubo ocorrido, e deparando-se com dois motociclos a circular com características idênticas às referenciadas no roubo, interceptaram o motociclo onde seguia o arguido A... como pendura, o qual logrou fugir para uma zona de mato, ficando junto a este a testemunha acima referida … .
Em conjugação com os depoimentos das testemunhas referidas, foi valorado na sua objectividade o teor do auto de notícia de fls. 40 a 42, o relato de diligência externa e fotografias de fls.13 a 21, dos quais se extrai a intercepção do motociclo onde circulava o arguido A... e bem assim aquele onde seguia o arguido B... e a apreensão do material e bens que este tinha na sua posse, entre os quais tabaco, dinheiro e os capacetes, que segundo se extrai das declarações do arguido B... e da análise dos fotogramas colhidos pelas câmaras de vigilância do posto, foram os utilizados no roubo- cfr. ainda auto de apreensão de fls. 43/44. Valorado também o auto de busca e apreensão de fls. 32 a 36, ao quarto do arguido B..., de que se extrai a apreensão do vesturário/mochila utilizados no roubo ocorrido e de maços de tabaco na altura subtraídos do posto, conforme se pode aquilatar do teor das imagens colhidas pelas câmaras de vigilância a fls. 76 a 89 em contraposição com as de fls. 33 a 36.
Ainda na firmação da convicção do tribunal e corroborando a confissão efectuada pelo arguido B..., temos o depoimento prestado por … , operador de combustíveis e ofendido na situação em apreço, o qual relatou as circunstâncias e modo como tudo ocorreu, explicitando o comportamento dos dois indivíduos que o abordaram, a utilização de uma arma, que lhe pareceu ser uma caçadeira, a circunstância de levarem os capacetes colocados e a viseira fechada o que o impossibilitou a sua identificação. Por seu turno, a testemunha … representante da empresa … referiu-nos sobre os valores que foram furtados (esclarecendo e especificando o valor constante da acusação, mormente quanto ao montante de dinheiro subtraído), esclarecendo a forma da sua contabilização.
É assim, na conjugação e articulação lógica e coerente de todos os elementos probatórios acima referidos, os quais corroboram na íntegra a declaração confessória do arguido B... e bem assim aquilo que por este nos foi transmitido quanto à intervenção do arguido A... ., cuja actuação nos factos apurados em conjugação de esforços e vontades com o arguido B... e na forma por este descrita, se mostra corroborada pelos demais elementos de prova acima escalpelizados, e mormente o que nos foi transmitido pela testemunha … quanto à movimentação dos arguidos naquele dia e aos bens que traziam com eles, bem como ao que lhe foi relatado pelo seu namorado B..., conjugado com a atitude do arguido A... na fuga encetada nesse mesmo dia à tarde, assim que avistou as entidades policiais.
Cumprirá salientar, por último, que a arma em questão não foi apreendida, não havendo elementos para determinar as suas exactas características e maxime para permitir concluir se a arma estava em condições de funcionamento, ou se contrariamente, conforme é referido pelo arguido B..., nem sequer funcionava.
No que tange à situação descrita em -II-, a convicção do tribunal alicerçou-se na conjugação do depoimento prestado por … , inspector da Policia Judiciária, o qual nos relatou as circunstâncias em que lograram localizar o arguido A... alguns meses após a ocorrência do roubo, a residir num anexo de uma casa localizada numa zona de difícil acesso em Arganil e a apreensão que efectuaram no quarto ( anexos) indicado por este como o seu, do produto estupefaciente- cannabis- que aí se encontrava, bem como de uma balança electrónica de precisão, que pelo arguido lhes foi na altura indicados como seus, referindo-lhes ainda que a balança de precisão não se encontrava a funcionar o que foi contrariado pelo exame à mesma. Em conjugação com o depoimento prestado foi valorado o teor do relato de diligência externa de fls. 207 a 209, 215 a 217, auto de busca e apreensão de fls. 237 a 242, teste de fls. 243 e 244, auto de exame de fls. 323, à balança electrónica, exame de toxicologia de fls. 328.
Cumprirá salientar e pese embora o silêncio do arguido A..., que este não deu qualquer explicação para a detenção do produto estupefaciente encontrado na sua detenção, sendo certo que a balança de precisão, instrumento usado para pesagem daquele tipo de produto, claramente aponta para a intencionalidade daquela detenção quanto à venda ou cedência do produto estupefaciente em apreço.
Atinentes à sua situação pessoal foram valoradas as declarações prestadas pelo arguido B... e o teor dos relatórios sociais juntos aos autos, bem como os depoimentos prestados por … e … , irmã e mãe do arguido A... . e … e … , tio e mãe do arguido B... e … , vizinho da mãe.
No que se refere aos antecedentes criminais dos arguidos, nos C.R.C.s juntos aos autos.
Já no que se refere ao facto não provado resultou da ausência de prova suficiente sobre o mesmo, uma vez que o produto se encontrava numa outra zona da residência (separada do anexo onde dormia o arguido) onde residiam outras pessoas, não havendo elementos probatórios suficientes para concluir que a mesma era propriedade do arguido.

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3. Apreciação
3.1. Valoração de meio de prova proibido
Alega o recorrente que o tribunal recorrido valorou, como suporte da decisão fáctica, o depoimento da testemunha … , que se limitou a reproduzir conversas tidas com o recorrente, valorando assim as chamadas "conversas informais" em violação do disposto no artigo 129º do C.P.P.
Postula o citado artigo 129º: 1. Se o depoimento resultar de se ouvir dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.
Com interesse para a apreciação do caso (depoimento de órgão de polícia criminal), importa convocar ainda o artigo 356º, n.º7 do CPP: “Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida... não podem ser ouvidos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas”.
A possibilidade do depoimento indirecto corresponde à ideia de «melhor prova», quando é de todo impossível ouvir a pessoa que tinha razão de ciência directa sobre os factos.
Se é certo que a admissibilidade dos depoimentos indirectos ou de ouvir dizer implica alguma limitação de alguns princípios processuais relativos à produção de prova, tal limitação, ainda que mitigada pela impossibilidade material de ouvir a pessoa que presenciou os factos, justifica-se ainda pelas finalidades últimas do processo penal, afinal a descoberta da verdade material sobre determina ocorrência da vida em sociedade num domínio onde estão em causa os valores éticos supremos, indispensáveis à vida em comunidade.
Aliás subjacente a toda a problemática da proibição das provas em processo penal está – como aliás em todo o universo jurídico - a ponderação e a hierarquização de valores em conflito. Escreve COSTA ANDRADE (Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, p. 198): “Apesar das proibições de prova... acaba por prevalecer o entendimento assente na ponderação entre os bens jurídicos tutelados pelas proibições de prova e os valores encabeçados pela perseguição penal”. Sendo certo, que, na palavra do mesmo autor (ob. cit. p. 164) “Mais do que um problema de admissibilidade ou legitimidade, os testemunhos de ouvir dizer suscitam sobretudo um problema de ponderação relativa do seu valor probatório...será em sede de livre apreciação da prova que há-de, em concreto, sindicar-se e acertar-se o peso probatório dos testemunhos de ouvir dizer”.
Os princípios de imediação, da dignidade da pessoa humana, da igualdade de armas e do contraditório compaginam-se com o testemunho de ouvir dizer, dentro do quadro limitado em que este é admitido pelo nosso sistema processual, como é unanimemente reconhecido.
Não viola assim a Constituição da República. Nem tão-pouco a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que não impõe ao direito interno um determinado e específico conceito de testemunha de acusação – Cfr. Costa Andrade, ob., cit., p. 165-166.
Na esteira do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (sentença de 17 de Dezembro de 1996, caso Sauders vs. Reino Unido), entende-se que o direito à não auto-incriminação se refere, em primeira linha, ao respeito pela vontade do arguido em não prestar declarações, ao direito ao silêncio; esse direito se não estende ao uso, em processo penal, de elementos obtidos do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito, por exemplo as colheitas, por expiração, de sangue, de urina, assim como de tecidos corporais com finalidade de análises de A.D.N.”
O direito ao silêncio, como direito que é não pode prejudicar o arguido. Como direito que é não podem dele ser retiradas quaisquer consequências probatórias da matéria da acusação. Sendo certo que é à acusação que compete provar os seus pressupostos. E, em caso de dúvida fundada/razoável, esta beneficia o arguido, por efeito do princípio da presunção de inocência e in dubeo pro reo que nele entronca.
Mas se do exercício do direito ao silêncio não podem resultar consequências desfavoráveis ao arguido também não pode do seu exercício retirar-se o significado contrário. Ou pretender extrair do silêncio, sem mais, consequências probatórias favoráveis ao arguido – vg. explicativas, justificativas ou atenuativas que exijam uma atitude proactiva do arguido.
Podendo o arguido contraditar plenamente a testemunha em audiência, se o não faz não pode queixar-se da sua própria omissão.
No caso sub judice, está em causa o depoimento da testemunha José Carlos Lopes, Inspector da Polícia Judiciária que depôs em audiência nessa qualidade.
A PJ é um órgão de polícia criminal de competência genérica [art. 3º, n.º1, al. a) da Lei de Organização da Investigação Criminal]. E, nos termos do art. 11º, n.º3, al. h) da Lei Orgânica da PJ (DL 275-A/2000 de 09.11), o Inspector da PJ é uma autoridade de polícia criminal para efeitos do art. 1º, n.º1, al. d) do CPP. Sendo, aliás a investigação do crime em causa é da competência reservada da PJ – art. 4º, al. q) da referida Lei 21/2000 de10.12.
Ora, como decidiu o Tribunal Constitucional (AC.T.C. de 08.07.1999, BMJ 489º, p.5) que “O art. 129º, nº1 (conjugado com o art. 128º, n.º1) do CPP, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido, que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no uso do direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Não o atinge, ao menos na dimensão em essa norma foi aplicada ao caso. Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal não é inconstitucional”.
NO sentido de que os agentes da Polícia Judiciária que procederam à diligências instrutórias diversas da não a tomada de declarações podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessas diligênciascfr. entre outros os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-1996, BMJ 462, pg. 299, de 22-4-2004, CJ, STJ, XII, tomo II, pg. 165, e de 30-03-2005, proc. n.º 552/05. Escrevendo-se neste último: Porque os depoimentos das referidas testemunhas não incidiram sobre declarações prestadas pelo arguido, não estava vedada pelo n.º 7 do artigo 356.º do Código de Processo Penal, a inquirição das mesmas e, consequentemente, a valoração dos depoimentos.
Na mesma esteira cfr. o Ac. S.T.J., de 20/4/2006, Processo n.º 06P363, in www.dgsi.jstj/ onde pode ler-se: “…os órgãos de polícia criminal só não podem depor em julgamento relativamente ao conteúdo de declarações que tiverem recebido e cuja leitura não seja permitida, como será o caso das declarações anteriormente prestadas pelo arguido quando ele opte pelo silêncio no julgamento, tudo nos termos dos artigos 356.º, n.º 7, 357.º e 343.º, n.º 1, todos do CPP, mas não já relativamente a factos de que tenham conhecimento directo obtido por meios diferentes das declarações de arguido no decurso do processo”.
No mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos de 11/12/96, Proc. n.º 780/96 - 3.ª; de 22/5/97, Proc. n.º 152/97 - 3.ª; de 22/4/04, Proc. n.º 902/04 - 5ª; de 15/1/05, Proc. n.º 3276/04 - 3.ª. Lendo-se neste último, relativo a uma diligência de reconstituição do facto em que interveio o arguido: «Vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo, e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo do arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre o modo e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto, não estando abrangidas na proibição do art. 356.º, n.º 7 do CPP.»
No mesmo sentido cfr. ainda o Tribunal da Relação de Coimbra, Acórdão de 2/4/2008, Processo n.º 1541/06.1PBAVR, in www.dgsi.pt/: “Excluídas do impedimento constante do art. 356º, nº7, do CPP ficam as percepções obtidas em todos os actos processuais que não sejam interrogatórios ou inquirições, mesmo que neles tenham participado arguidos ou testemunhas. Assim acontece, como tem reconhecido a jurisprudência do STJ, com a reconstituição do facto, em que o testemunho do referido agente da Polícia Judiciária resulta de conhecimento directo sobre o que se passou nesse acto, ganhando assim autonomia, pois nessa parte não envolve a repetição de declarações do arguido.” Bem como o Acórdão do TRC de 12-01-2011, recurso 17/09.0PECTB.C1, disponível em htt//www.trc.pt/: “É atendível o depoimento que incide sobre diligências de investigação legitimamente efectuadas por órgão de polícia criminal relativamente a infracção de que teve conhecimento no exercício das suas funções, antes ainda da instauração do inquérito e da constituição como arguido. 2. A norma ínsita no nº 7 do art. 356º não tem um alcance de tal modo amplo que vá ao ponto de vedar o depoimento do agente que relata em audiência as diligências investigatórias que levou a cabo e as providências cautelares que tomou relativamente aos meios de prova”.

No caso dos autos, como se viu, o arguido não foi ouvido pelo Inspector da PJ em “declarações” prestadas sobre o objecto do processo.
E, em audiência a testemunha não foi ouvida sobre “conversas” que pudesse ter tido com o arguido, sobre o mesmo objecto.
O que sucede no caso é bem diferente: os agentes da PJ (entre eles a testemunha cujo depoimento é questionado) foram incumbidos de proceder à realização de uma busca domiciliária. O que fizeram no estrito exercício das suas funções, com base em previsão legal, no âmbito de procedimento legal em curso. E aquilo sobre que a testemunha depôs em Tribunal, não foi sobre declarações/conversas com o arguido. Mas antes e apenas, rigorosamente, sobre aquilo que a testemunha presenciou durante essa operação – em suma, a apreensão da droga efectuada, descrição do lugar e a identificação das pessoas que se apresentavam como moradoras no local, indícios da relação de domínio aparente sobre a droga objecto da apreensão.
Apenas prestou declarações sobre as circunstâncias/resultado/esclarecimento do resultado da diligência autónoma de recolha de prova levada a cabo – a busca domiciliária efectuada e na qual interveio pessoalmente.
Assim o depoimento não é indirecto, na medida em que relata a ocorrência vivida pela testemunha, incluindo a natural “reacção” de quem foi surpreendido, no local da busca, na disponibilidade dos bens/objectos/substância estupefaciente apreendida. Tudo devidamente justificado do ponto de vista processual e numa relação de imediação com as circunstâncias que se depararam à testemunha no exercício das suas funções, quer na entrada na residência visada pelos mandados quer a surpresa do arguido, apanhado em flagrante, naquele espaço fechado de que tinha o domínio, numa evidente relação de proximidade e disponibilidade sobre os objectos e substância apreendidos.
Com efeito, postula o artigo 249º e n.º2 do CPP: Compete ao órgão de polícia criminal, nomeadamente: (…) a) Proceder a exames dos vestígios do crime, em especial às diligências previstas no n.º2 do artigo 171º e no artigo 173º, assegurando a manutenção do estado das coisas e dos lugares.
E aquilo que emerge do depoimento da testemunha repousa no seu conhecimento directo, advindo da intervenção na busca executada na legalidade dos mandados e na necessidade de constatação de dados relevantes não só para a existência do crime como dos seus autores. Estando os agentes encarregados obrigados não só á sua realização como ainda ao recolhimento de todos os elementos relevantes.
Com efeito, nem os agentes sabiam, nem podia saber, de antemão, aquilo que iam encontrar na busca. E, para além de terem que realizar a busca sem por em causa a sua finalidade, tinham o dever de recolher os dados relevantes – entre eles, manifestamente, os sinais ou outros elementos relevantes para a identificação dos autores.
Tendo a actuação da testemunha decorrido ainda numa dinâmica assente na perspectiva de aquisição processual dentro dos princípios da boa-fé processual.
Além do mais, se não houvesse ninguém com “ligação” ostensiva imediata, ao facto, a investigação, encontrado o corpo de delito, teria que seguir (outro) rumo para identificar o seu dono.
Ora o arguido, apanhado dentro do quarto que tinha por residência de acordo com os elementos dos autos, na posse da droga que ali se encontrava, perante a evidência flagrante mais não fez do que reconhecer o óbvio e incontroverso, naquele contexto, ou seja, que a coisa que detinha no quarto onde vivia e onde se encontrava, lhe pertencia. Até porque caso “atirasse” a titularidade da droga para sobre os donos da casa, além contrariado pela crueza e imediatismo da realidade verificada, aqueles teriam que ser ouvidos, logo de imediato ou em tempo oportuno, “contraditando” qualquer perspectiva imaginosa sem suporte na frieza da realidade flagrada.
Sem que haja o mínimo indício de que o agente policial pudesse ter actuado no sentido de aproveitamento de uma qualquer (in)confidência do arguido fora, nos preliminares ou durante declarações prestadas sobre o objecto do processo em desrespeito do seu direito ao silêncio sobre o objecto do processo.
Não existe, pois, valoração de prova proibida pelo que se impõe a improcedência do recurso neste âmbito.
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3.2. Reapreciação da prova
A perspectiva subjacente à reapreciação da prova proposta pelo recorrente – com vista a dar como não provada a titularidade do produto estupefaciente objecto de apreensão – repousa exclusivamente na invocada e já apreciada valoração de meio de prova proibida.
Certo é que o recorrente invoca diversos excertos do depoimento prestado em audiência. Fá-lo, porém, no sentido de demonstrar que a prova da acusação sobre a titularidade da droga apreendida se resume, exclusivamente, ao referenciado depoimento do agente da PJ interveniente na busca domiciliária.
Ora, a prova de tal matéria não se resume ao aludido depoimento – aliás o depoimento surge, como se viu, como meramente explicativo da apreensão da droga realizada. O “corpo de delito” relativo a este crime é constituído pelo auto de busca e apreensão de fls. 237 a 242, de onde resulta a apreensão material da droga no quarto onde o recorrente vivia e sob o seu domínio exclusivo.
Por outro lado a busca realizada não constituiu um a ocorrência ocasional ou fortuita. Mostrando-se antes devidamente enquadrada e ancorada e contextualizada numa série de actos prévios que levaram á sua realização, por sucessivos elos que apontavam na direcção do arguido. Contra o qual pendiam até mandados de detenção – como alegado, aliás na conclusão n.º9 da motivação do recurso.
Assim a apreensão da droga efectuada – documentada em auto - mais não foi do que a confirmação daquilo que sucessivos elementos probatórios apontavam e que foram determinantes para a emissão dos mandados de busca domiciliária – cfr., além do mais, os autos de diligência de fls. 207-209 e 215-217. Havendo que contextualizar o resultado da busca com os meios de prova que levaram à emissão dos mandados, tendo em vista a actuação de pessoa certa e determinada.
A decisão recorrida não radica, pois, nuclearmente no depoimento. Mas antes na constatação da apreensão da droga na posse do arguido, conforme consta do auto de busca e apreensão, não sendo invocada nem objecto de discussão outra possibilidade sobre a sua titularidade que não a da pessoa procurada, na posse de quem foi encontrada. O depoimento da testemunha em causa nem surge como essencial para a prova dos factos. Apenas esclarecendo o contexto, daquilo que emerge e pode legitimamente inferir-se, a nível subjectivo, dos dados objectivos resultantes do referido auto.
Impõe-se assim a improcedência do recurso também neste ponto.
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3.3. Pena a aplicar ao crime de roubo
A pena abstracta aplicável ao crime (n.º1 do art. 210º) é de prisão de um a oito anos.
Entre os aludidos e mínimo máximo, a decisão recorrida fixou a pena de 4 anos.

O art. 71º do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se “em função da culpa do agente e das exigência de prevenção”. Critério que é precisado depois no nº2, que estabelece: na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.
Os factores concretos a ter em conta são depois definidos nas várias alíneas do citado nº2, reconduzem-se a três grupos ou núcleos fundamentais: factores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpam sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta}; factores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto}; e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto {alínea e)}.
O modo como estes princípios regulativos irão influir no processo de determinação do quantum da pena é determinado ainda pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que se reconduz a dois princípios, enunciados no art. 40º do C. Penal (redacção introduzida pela Reforma de 95): 1 A aplicação da pena... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Consagrando tal disposição o entendimento mais recente do Prof. Figueiredo Dias sobre os fins das penas (cfr. Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra editora, 2ª ed., e Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, p. 227, este tendo já por referência o projecto que veio a ser plasmado no art. 40º da redacção actual do Código Penal): “A justificação da pena arranca da função do direito penal de protecção dos bens jurídicos; mas esta função de exterioridade encontra-se institucionalmente limitada pela exigência de culpa e, assim, por uma função de retribuição como ressarcimento do dano social causado pelo crime e restabelecimento da paz jurídica violada; o que por sua vez implica a execução da pena com sentido ressocializador – só assim podendo esperar-se uma capaz protecção dos bens jurídicos”.
Os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que a prevenção geral, no Estado de Direito, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, e coloca assim a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum. Se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então dentro da moldura geral a moldura penal aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) a pena concreta há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente.
No caso, para fixar pena em 4, dentro dos aludidos limites abstractos, pondera, além do mais a decisão recorrida, tendo em vista os factores de medida da pena previstos no artigo 71º, perspectivados nas finalidades da pena enunciadas no art. 40º do Código Penal:
há que considerar a gravidade da ilicitude, indiciada pelo número e grau de violação dos interesses ofendidos, suas consequências e eficácia dos meios utilizados, e que no caso é acentuada, tendo em conta o interesse protegido da propriedade e ainda da liberdade individual (no que se refere ao crime de roubo), os valores subtraídos, a forma de actuação dos arguidos, em pleno dia, e em conjugação de esforços, o que confere maior eficácia às respectivas actuações e menor capacidade de defesa por parte do ofendido. Por outro lado, o modo de actuação dos arguidos, fazendo uso de uma arma de fogo (note-se que tal circunstância não foi usada como qualificativa), acentua o juízo de censurabilidade das suas condutas, já que o temor que provoca na vítima naturalmente facilita a respectiva actuação daqueles, tudo factores a conferir uma mais intensa ilicitude do facto e maior gravidade à sua actuação; o dolo mostra-se intenso, dolo directo, os arguidos representaram o significado ilícito das suas condutas e quiseram praticar os factos.
Em desfavor do arguido a existência de antecedentes criminais, sendo especialmente relevante esse factor no caso do arguido A...de ., uma vez que havia já, à data dos factos, sofrido uma condenação pela prática de um crime de roubo, pelo qual veio a ser condenado em pena de prisão que havia sido suspensa na sua execução, tendo o prazo de suspensão terminado poucos meses antes do cometimento dos factos ora em apreciação. Tal situação revela de forma impressiva, acrescidas as necessidades de prevenção especial e geral. Com efeito, demonstra a insensibilidade do arguido ao efeito dissuasor das penas anteriores (prevenção especial), uma das quais de prisão pela prática de crime de idêntica natureza ao destes autos, suspensa na sua execução, a qual não se revelou susceptível de afastar o arguido do cometimento de novos ilícitos criminais, apesar da oportunidade que lhe foi anteriormente concedida, o que revela, outrossim, que se mostra inadequada in casu a opção por penas alternativas, ou de prisão sem execução. As condenações anteriores sofridas pelo arguido A..., evidenciam, por outro lado, um desrespeito notório pela ordem jurídica instituída maxime pelas normas que disciplinam a vida em sociedade, pondo em perigo as expectativas dos demais cidadãos na validade das normas jurídico penais (prevenção geral). Ainda a referir que o arguido A... não manifestou qualquer sinal de arrependimento, reflexão ou auto-crítica relativamente aos factos praticados, mostrando uma postura de alheamento revelada desde logo pela fuga encetada para paradeiro desconhecido após a sua prática. Cumprirá, por último, salientar, que atenta a frequência e acréscimo da prática destes ilícitos criminais (roubo) são, por outro lado, prementes as necessidades de prevenção geral, atento o sentimento de insegurança na comunidade em geral, gerado pela prática destes concretos ilícitos criminais”.
Perante esta argumentação o recorrente alega apenas, de forma incipiente, que a decisão não valorou a condição pessoal do arguido e a sua situação económica que o tribunal valorou negativamente o seu silêncio em audiência.
Ora, cumpre salientar que a decisão recorrida afastou a aplicação, no caso, da circunstância agravante modificativa do crime de roubo pela qual o arguido/recorrente vinha acusado - [prevista na al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP – utilização de arma aparente]. Com o fundamento de que a arma utilizada não estava em condições de disparar. Não podendo, pois a circunstância ser novamente valorada.
No que toca à invocada valoração negativa do silêncio nem o arguido esclarece nem se vê onde ou sobre quê o tribunal tenha valorado negativamente o silêncio. Pelo contrário, se o arguido exerceu o direito ao silêncio, não pode depois pretender extrair dessa atitude efeitos incompatíveis com a mesma. Tem o direito de não se auto-incriminar mas se opta pelo silêncio não pode, depois, queixar-se da sua própria omissão pretendendo dela extrair efeitos que exigiam uma atitude proactiva que não teve.
Relativamente aos demais fundamentos invocados - idade, ter um filho de tenra idade, os depoimentos abonatórios – além de estranhos ao grau de ilicitude e de culpa, necessidade de protecção dos bens jurídicos violados, prevenção geral e especial, verifica-se a personalidade revelada no facto e nos antecedentes criminais impedem ostensivamente que se lhes atribua maior relevo que o conferido na decisão recorrida.
Impõe-se assim a improcedência do recurso também neste ponto.

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III.
Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso. -- Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC.

Belmiro Andrade (Relator)
Abílio Ramalho