Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
344/11.6TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
MOTIVAÇÃO
CONTESTAÇÃO
PRESSUPOSTOS
PRAZO
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ARTºS 98º, NºS 1 E 2, 98º - I, NºS 3 E 4, AL. A) E 98º-J, Nº 3, ALS. A), B) E C) DO CÓDIGO DE PROCESSO DE TRABALHO (DL Nº 295/2009, DE 13/10).
Sumário: I – Tendo-se frustado a tentativa de conciliação em acção de impugnação de despedimento promovida pelo trabalhador, a entidade patronal é imediatamente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do artº 98º-I do CPT (apresentação do articulado motivador do despedimento e junção do procedimento disciplinar…).

II – A entidade patronal para além de poder apresentar a motivação do despedimento deve juntar também, entre outros, o processo disciplinar.

III – Se o não fizer a consequência para essa omissão é a declaração da ilicitude do despedimento – nº 3 do artº 98º-J.

IV – A notificação do trabalhador para contestar apenas deverá ser feita depois de se verificar se o disposto no nº 3 do artº 98º-J do CPT foi ou não cumprido, se há ou não que proferir decisão a julgar o despedimento ilícito.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – A..., residente na ..., veio requerer que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do seu despedimento promovido por B..., LDA, com sede na ... tendo para o efeito apresentado o formulário a que aludem os artº 98º-C e 98º-D do DL 295/2009 de 13/10.


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II - Na audiência de partes, na qual estiveram presentes a trabalhadora e a sua mandatária e a empregadora representada pela sua mandatária, não foi possível obter uma composição amigável do litígio pelo que se fez consignar na acta o seguinte despacho:

Face às posições manifestadas por ambas as partes e nos termos do disposto no nº 4 do artº 98º I do C.P.T., notifique:

a) A empregadora, para no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer provas, sob pena de ser declarado a ilicitude do despedimento (nº 3, al. a) e b) do artº 98º J do C.P.T.);

b) Para audiência final, designo o dia 24 de Novembro de 2011, pelas 09:30 hora, para a audiência final”.


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No dia 07.06.2011 a empregadora veio apresentar articulado a motivar o despedimento (fls 41).

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Com data de 09.06.2011 (fls. 51 do suporte electrónico dos autos) foi a Drª C... “notificada, na qualidade de mandatária da trabalhadora, para no prazo 15 dias, contestar, querendo, a presente acção, sob pena de se considerarem confessados os factos articulados pelo empregador, sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.

Deve, com a contestação, apresentar ou requerer a produção de prova.

O prazo corre em férias, visto que se trata de um processo urgente.

Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte”.


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Posteriormente, no dia 13.06.2011, sob a alegação de que o sistema “citius” não permitiu que todos os documentos fossem enviados com o referido articulado (uma vez que se ultrapassa os 3MB permitidos), veio juntar o procedimento disciplinar.

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A ora recorrente foi notificada da apresentação do PD em 14.06.2011.

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Em 04.07.2011 a trabalhadora apresentou a sua contestação.

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Com data de 07-07-2011 foi proferido seguinte despacho:

O trabalhador foi notificado para contestar, por carta registada, no dia 09 de Junho de 2011.

Ora, nos termos do art 254º, nº 3 do CPC, a notificação postal presume-se feita no 3º dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

Assim, o prazo para contestar iniciou-se no dia 14 de Junho. Assim, mesmo tendo em conta o disposto no art 145º, nº 5 e 6 do mesmo diploma legal, sempre o prazo para apresentar a contestação teria terminado em 01 de Julho de 2911.

Pelo exposto, tendo a contestação sido apresentada em 04.07 é a mesma intempestiva pelo que se determina que, após trânsito do presente despacho, seja a mesma desentranhada dos autos, tudo se passando como se o trabalhador a não tivesse apresentado”.


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II – Não se conformando com tal despacho dele a trabalhador interpôs recurso, alegando e concluindo:

1. Em 23 de Maio de 2011, em sede de Audiência de Partes, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 98º-I do CPT, foi a empregadora R. notificada para, “no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar (…) sob pena de ser declarado a ilicitude do despedimento (n.º 3, al. a) e b) do art. 98º J do CPT)” (cfr. Acta de Audiência de Partes);

2. A R. juntou aos autos o articulado inicial – p.i., com junção do contrato de trabalho e os docs. n.ºs 2 a 13, no dia 07 de Junho de 2011.

3. Apesar de no final daquele indicar a junção do processo disciplinar não o fez, uma vez ultrapassarem os referidos documentos os 3 MB permitidos pelo sistema, tendo apenas junto o mencionado processo no dia 13 de Junho.

4. Assim, foi o A. notificado para contestar, no prazo de 15 dias, no dia 09 de Junho. Mas foi apenas notificado da junção do processo disciplinar no dia 14 de Junho.

5. Em 11 de Julho foi notificada a mandatária do A. do presente despacho de que recorre, no sentido em que “o prazo para contestar iniciou-se no dia 14 de Junho (…) teria terminado em 01 de Julho de 2011”, sendo a mesma intempestiva por ter sido apresentada no dia 04 de Julho.

6. Salvo o devido respeito, a Mm.º Juiz do processo não decidiu correctamente.

7. Dispõe o art. 98º-I, n.º 4, al. a) que “frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar despedimento, juntar procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas (…)”.

8. Assim, é entendimento dominante da Jurisprudência e da Doutrina, que “a falta de junção do procedimento disciplinar em acção de impugnação de despedimento deixou de constituir mera irregularidade que deve ser arguida no prazo de 10 dias a que alude o art. 205º, n.º 1 do CPC (…), e passou a integrar um vício de conhecimento oficioso, causante da declaração imediata da ilicitude do despedimento (n.º 3 deste artigo)” (in ABÍLIO NETO, Código de Processo de Trabalho Anotado, 4ª ed., Ediforum, Lda., Lisboa, pág. 222).

9. Ora, a R. entregou o seu articulado inicial dentro dos 15 dias. Não juntou, porém, nesse prazo o processo disciplinar, mas sim no dia 13 de Junho. Contudo, justificou-o no âmbito do art. 10º da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro.

10. Só tendo sido junto o articulado com o procedimento disciplinar (cfr. exige o art. 98º-I, n.º 4, al. a) CPT) naquela data, sendo que define a lei que “se o empregador não apresentar o articulado ou não juntar o procedimento disciplinar (…) o juiz declara a ilicitude do despedimento” (art. 98º-J, n.º 3 CPT), salvo o devido respeito, o prazo para contestar de 15 dias começa da contagem da notificação do articulado referido naquele artigo, quando junto com todos os documentos exigidos por lei, sob pena de o A. trabalhador não poder tomar posição sobre a peça principal que motiva esta acção especial – o procedimento disciplinar, que tem como base a contrario para motivar a sua contestação.

11. É também esta a linha de pensamento de MESSIAS CARVALHO, quando escreve que “caso o trabalhador seja notificado para contestar, sem que o empregador tenha procedido à junção do procedimento disciplinar (…) de acordo com o disposto no n.º 4, alínea a) do artigo 98º-I, o trabalhador pode arguir nulidade por falta de pronúncia do Juiz conforme dispõe o n.º 3 do artigo anterior e, posteriormente interpor recurso sobre o decidido, caso a nulidade não tenha sido sanada, pois, como refere o n.º 3 do artigo anterior, a falta de junção quer do procedimento disciplinar quer dos documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, acarretam a declaração da ilicitude do despedimento” (in Acção de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, Estudos 2010 – n.º 6, p. 31).

12. Assim, salvo douto entendimento em contrário, o A. considerou ter apenas sido regularmente notificado no dia 14 de Junho, pelo que, nos termos do art. 145º, presumia-se a sua notificação no 3º dia útil posterior ao do registo, ou seja, no dia 17. Nesses termos, os 15 dias de prazo para contestar começariam no dia 18 de Junho, terminando no dia 4 de Julho (segunda-feira).

13. Pelo que, consideramos ser a contestação junta aos autos tempestiva, não devendo ser a mesma desentranhada.

14. A sentença recorrida violou, assim, as disposições legais insertas no artigo 98º-I, nº 4, al. a) e 98º-J, n.º 3 do CPT e o art. 145º CPC.


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A recorrida não contra alegou.

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Recebida a apelação o Exmº PGA emitiu parecer no sentido de que o recurso deve merecer provimento.

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II - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso (artºs artºs 684 nº 3 e 685º-A nº 3, ambos do Código de Processo Civil), a questão que importa resolver reside em saber se o trabalhador, na sequência do articulado motivador do despedimento por parte da empregadora, apresentou  ou não em tempo a sua contestação.

Na resolução da enunciada questão há que levar em conta o preceituado nos seguintes normativos do Cód. Proc. Trabalho:

Artigo 98.º -I (Audiência de partes)

(…)

4 - Frustrada a tentativa de conciliação, na audiência de partes o juiz:

a) Procede à notificação imediata do empregador para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado para motivar o despedimento, juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas;

b) Fixa a data da audiência final.

Artigo 98º -J (Articulado do empregador)

(…)

3 - Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:

a) Condena o empregador a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador, no mínimo, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, sem prejuízo dos n.os 2 e 3 do artigo 391.º do Código do Trabalho;

b) Condena ainda o empregador no pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado;

c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.

Artigo 98º (Contestação)

1 - Apresentado o articulado referido no artigo anterior, o trabalhador é notificado para, no prazo de 15 dias, contestar, querendo.

2 - Se o trabalhador não contestar, tendo sido ou devendo considerar -se regularmente notificado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram –se confessados os factos articulados pelo empregador, sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.

No caso dos autos frustrou-se a tentativa de conciliação e, conforme manda a lei, a empregadora foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no nº 3 do artigo 98º-I.

A empregadora para além de poder apresentar a motivação deve juntar também, entre outros, o procedimento disciplinar; e se o não fizer a consequência para essa omissão é a declaração da ilicitude do despedimento – nº 3 do artigo 98º - J.

Assim, antes de se ordenar a notificação para contestar há que verificar se o procedimento disciplinar se encontra junto aos autos.

Se se constatar que a empregadora não fez essa junção o tribunal dará cumprimento ao disposto no preceito atrás citado e declarará a ilicitude do despedimento e, neste caso, já não haverá necessidade de ordenar a notificação da trabalhadora para contestar; em princípio o processo terminará aí.

Daqui resulta que, no caso, a notificação para contestar foi realizada prematuramente, ou seja, antes de se saber se o PD era ou não junto aos autos, em nítido prejuízo da trabalhadora.

Basta atentar na hipótese do PD não ser definitivamente junto aos autos.

Nesta hipótese, a seguir o raciocínio do tribunal “a quo” a contestação da trabalhadora podia ser mandada desentranhar por não ter sido apresentada no prazo legal com a consequente confissão dos factos articulados pelo empregador (nº 2 do artigo 98º Lei do Cód.Proc. Trabalho), em nítido beneficio do infractor que poderia deixar de ver o despedimento declarado ilícito.

A trabalhadora podia perder a acção (o que acontece na esmagadora maioria dos casos) quando devia ter obtido ganho de causa por a empregadora não ter cumprido a lei!

Afigura-se-nos óbvio que tal não pode ocorrer.

A notificação da trabalhadora para contestar apenas deverá ser feita depois de se verificar se o disposto no nº 3 do artigo 98º-J do Cód. Proc. Trabalho foi ou não cumprido; se há ou não que proferir decisão a julgar o despedimento ilícito.

Tudo isto para dizer que, com a notificação da trabalhadora para contestar antes de se encontrar junto aos autos o PD, se praticou prematuramente um acto que a lei não permite, influindo manifestamente essa prática no exame e decisão da causa, o que configura nulidade processual nos termos do disposto no artigo 201º nº 1 do Cód.Proc. Civil, nulidade esta arguida tempestivamente porquanto, como é o caso “se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão” - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393 (no mesmo sentido, Profº Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 507 e Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 182)

Nos termos do nº 2 do artigo 201º do Cód. Proc. Civil “quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que deles dependam absolutamente (…)”.

Acontece que a trabalhadora apresentou a sua contestação no terceiro dia útil (04.07.11) posterior ao termo do prazo de 15 dias para contestar (29.06.11), contados a partir do dia seguinte ao da notificação da junção do PD (14.06.11), tendo pago a respectiva multa.

Assim, não se justifica a anulação do acto de notificação da trabalhadora para contestar e processado posterior (que pode em parte ser aproveitado) mas apenas o despacho recorrido onde se decidiu ter a contestação sido apresentada fora de prazo e ordenou o seu desentranhamento.


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VI Termos em que se delibera julgar a apelação totalmente procedente em função do que se decide anular o despacho proferido a fls. 110[1] que ordenou o desentranhamento da contestação com o consequente prosseguimento dos autos.

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Sem tributação.

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Joaquim José Felizardo Paiva (Relator)

Manuela Bento Fialho

Luís Miguel Ferreira de Azevedo Mendes)



[1] Do suporte informático