Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2061/10.5TBCTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BARATEIRO MARTINS
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
PROCESSO DE EXECUÇÃO
Data do Acordão: 12/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - CASTELO BRANCO - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 281.º DO CPC
Sumário: 1 - Em todas as hipóteses de deserção da instância consideradas no art. 281.º do CPC se exige e alude à “negligência das partes”.

2 - Assim, embora o art. 281.º/5 do CPC, a propósito do processo de execução, diga que se “considera deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial”, tal não obsta a que, por despacho, se proceda à apreciação da imputação subjectiva da paralisação processual.

3 - Estando apenas retratado nos autos, em termos de paralisação processual, a ausência de actos por parte do agente de execução, tal é insuficiente para, sem notificar o exequente para se pronunciar sobre tal paralisação processual, estabelecer a sua negligência na paragem do processo.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório
Banco A..., SA, com sede em Lisboa, intentou execução para pagamento de quantia certa (subsequente a AECOP, a cujo requerimento executivo foi conferida força executiva) contra B... , identificada nos autos, para haver dela a quantia de € 18.384,35 e juros; indicando como agente de execução C..., com domicílio em Odivelas.
Não havendo lugar a despacho liminar (a execução deu entrada em 21/11/2012), foi notificado o agente de execução indicado para iniciar as diligências de penhora; diligências que, todas elas infrutíferas, ele efectuou/documentou nos autos até 09-03-2014.

Em 05/05/2015, foi o agente de execução notificado do processo estar sem movimento desde 10/03/2014 e para “proceder à extinção dos presentes autos, nos termos do disposto nos art. 281.º ou 750.º do NCPC, comprovando-o nos autos”; nada vindo dizer ou informar nos autos.
Em face de tal silêncio, foi aberta conclusão com tal informação, tendo a Exma. Juíza, em 09/09/2015, proferido o seguinte despacho:

“Analisados os autos, resulta que os presentes se encontram sem qualquer impulso processual há mais de seis meses.

Com efeito, anote-se que o último acto praticado pelo Sr. Agente de Execução nos autos data de 31 de Maio de 2014, e, apesar de notificado em 05 de Maio de 2015, nada veio informar, sem prejuízo do lapso temporal entretanto decorrido. De igual modo, também o Exequente, no mesmo lapso temporal, nada veio informar ou requerer nos autos, sem prejuízo de lhe competir o respectivo impulso processual.

Em face do exposto, forçoso se torna concluir que os presentes autos se encontram, por conseguinte, sem qualquer impulso processual há mais de seis meses.

Determina o artigo 281.º, n.º 5 do Código de Processo Civil que se considera deserta a instância executiva, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

In casu, tal como salientado supra, constata-se que, pelo menos desde Maio de 2014 (i. é, há mais de um ano), os presentes autos se encontram a aguardar o impulso processual por parte do Exequente.

Destarte, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável aos presentes autos, em virtude do disposto no artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, declaro deserta a presente instância e, consequentemente, tenho-a por extinta.”

Inconformado com tal decisão – e após prévio requerimento em que, sem sucesso, solicitou que tal decisão fosse dada “sem efeito”, prosseguindo-se nos autos – interpôs o Banco exequente o presente recurso, visando a revogação da “decisão que ordenou a extinção da execução e substituindo-se a mesma por acórdão que ordene o normal e regular prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei (…)

Não foi apresentada qualquer contra alegação.

Dispensados os vistos cumpre decidir.


*

II – Fundamentação

A – Os elementos factuais pertinentes são os que já constam do relatório precedente.

B – Quanto à discussão de direito:

Quando, em 09/09/2015, foi proferido o despacho de que se recorre, estava o processo – está fora de questão e o Banco apelante não o discute – sem andamento objectivo há mais de 6 meses.

A questão – toda a questão da apelação – está pois em saber se tal não andamento pode ser imputado à negligência do Banco apelante.

Em acórdão proferido em 02/06/2015, na apelação n.º 432/09.C1 do T. F. e Menores da Comarca de Viseu (Lamego), sustentámos o seguinte:

“ (…) Importa começar por notar que se começa a desenhar jurisprudência que se afasta da aplicação cega e automática do art. 281.º/1 do CPC, ou seja, não obstante a semelhança de redacção entre o actual art. 281.º/1 do CPC e o art. 285.º do anterior CPC (este, é certo, respeitante à suspensão da instância), entende-se que não se deve ligar, automática e cegamente, ao mero decurso do prazo, o efeito agora previsto na lei; compreensivelmente, uma vez que não é a mesma coisa suspender automaticamente “apenas” a instância (como se fazia, antes, no art. 285.º do CPC) e extingui-la automaticamente (como agora sucede com o art. 281.º/1 do novo CPC).

Nesta linha de raciocínio, suavizando a aparente severidade resultante do art. 281.º/1 do CPC, começa a sustenta-se que a negligência das partes não deve/pode ser presumida e, em consequência, que sobre tal questão (e para dela apurar) deve ser aberto um contraditório prévio, nos termos do art. 3.º/3 do CPC[1].

Concordamos que o actual art. 281.º/1 do CPC não deve ser interpretado/aplicado com a “rigidez” e “automatismo” do antigo art. 285.º do CPC[2]; assim como também admitimos que haverá casos em que o contraditório prévio se mostra, em face de elementos resultantes dos autos, desnecessário e inútil, tanto por a negligência ser já patente, como por ser evidente a falta dela.”

Continuamos a sustentar o mesmo[3].

Embora o caso dos autos/recurso tenha a ver com um processo de execução e seja subsumível ao 281.º/5 (e não ao 281.º/1), a verdade é que em todas as hipóteses de deserção consideradas no art. 281.º do CPC se exige e alude à “negligência das partes”.

Efectivamente, importa ter presente o seguinte:

Dantes, no CPC revogado, a deserção da instância pressupunha um anterior despacho de interrupção da instância, de natureza constitutiva, onde podiam/deviam ser apreciadas as razões da paralisação[4]; razão por que, depois, a deserção podia operar, no CPC revogado, ope legis.

Agora, embora o art. 281º/4 do NCPC corresponda, ipsis verbis, ao art. 291º/4 do VCPC, face ao desaparecimento do prévio despacho de interrupção da instância, a apreciação das razões da paralisação tem que ser feita quando se profere o despacho de deserção[5] ou quando, como é o caso do art. 281.º/5, se é chamado a dizer/declarar a instância do processo executiva como estando já deserta.

De facto, embora o art. 281.º/5 do NCPC diga que “considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial”, também alude/exige a “negligência das partes”, pelo que a aparente inconciliabilidade se resolve pela negação da natureza constitutiva a um tal despacho, mas sem que tal obste a que no mesmo se proceda à apreciação das razões da paralisação na data, passada, em que a deserção possa ter produzido os seus efeitos.

É justamente por tudo isto que, para apurar da negligência das partes, no âmbito de despacho a proferir nos termos do art. 281.º/5 do NCPC, é normalmente conveniente sujeitar a contraditório o que objectivamente resulta dos autos[6].

É – tem que ser – o caso dos autos.

Apenas está retratada nos autos, em termos de paralisação processual, a mera ausência de actos por parte do agente de execução; objectividade que, a nosso ver, é insuficiente para estabelecer a negligência do Banco exequente na paragem do processo.

É verdade que incumbe ao exequente acompanhar o processo e impulsionar os autos (e o agente de execução), porém, importa não esquecer que o agente de execução, sendo embora escolhido pelo exequente (e exercendo as funções em regime de profissão liberal), não tem com ele um contrato de prestação de serviços, não está no processo “como mandatário do exequente, ainda que sem representação, mas como auxiliar de justiça do Estado, escolhido pelo exequente[7].

E, sendo esta a veste do agente de execução, a sua actuação omissiva, consistente em não andar com o processo, não se “repercute” automática e irreversivelmente sobre o exequente – sem que este seja notificado para se pronunciar sobre a paralisação processual decorrente de tal actuação omissiva – e não pode valer e ser iuris et de iure considerada como inobservância, por negligência, do ónus de impulso processual por parte do exequente.

É quanto basta para concluir que o não andamento do presente processo não pode ser, desde já, imputado à falta de impulso do banco exequente e/ou à sua negligência; e que, em consequência, não podia ser declarada a deserção e extinta a instância executiva.


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III – Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se que a execução prossiga, designadamente com a notificação do exequente para se pronunciar sobre a paralisação processual, retratada na ausência de actos por parte do agente de execução entre 10/03/2014 e 05/05/2015.

Sem custas.


Coimbra, 01/12/2015

(Barateiro Martins)

(Arlindo Oliveira)

(Emídio Santos)



[1] Cfr. v. g. Ac da Rel. Lisboa de 09/09/2014 e Ac. Rel. Porto de 02/02/2015 e 24/02/2015, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[2] Interpretação que foi pacificamente aplicada nos tribunais ao longo de décadas.
[3] Cfr., mais recentemente, Ac. da Rel. Lisboa de 26/02/2015, 12/05/2015, 16/06/2015, 9/07/2015, 15/10/2015 e 4/11/2015 e Ac. Rel. Porto de 28/10/2015, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

[4] Embora também se entendesse que bastaria um despacho a mandar aguardar o decurso do prazo da interrupção, por o mesmo conter uma decisão implícita (Ac. do STJ de 14.9.06, in dgsi).

[5]Com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transita para a deserção (…) Diferentemente do que ocorria no direito anterior, a instância não se considera deserta "independentemente de qualquer decisão judicial" - Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao CPC, 2013, pág. 249/250.

[6] Só poderá não ser assim – mas não é o caso dos autos – se, em face de elementos resultantes dos autos, tal for claramente desnecessário e inútil, tanto por a negligência ser já patente, como por ser evidente a falta dela.
[7] Rui Pinto, Manual da Execução, pág. 134