Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2687/20.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DER FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
JUÍZOS CONCLUSIVOS E GENÉRICOS.
ANULAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA EM 1.ª INSTÂNCIA
OMISSÃO DE DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO DOS ARTICULADOS
Data do Acordão: 12/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: ART. 607.º N.º 4, E 662.º, N.º 2, ALÍNEA C), DO C.P.C.,
Sumário: I - Na decisão sobre a matéria de facto, deverá o julgador consignar os factos jurídicos concretos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas (art.º 552.º, n.º 1, d) e 572.º, alínea c), ambos do C.P.C.), expurgados de formulações genéricas, de direito ou conclusivas.

II - Apesar de no actual Código de Processo Civil, não se consignar preceito idêntico ao disposto no art.º 646.º, n.º 4 do C.P.C de 1961, resulta da conjugação do disposto nos artigos 607.º n.º 4, e 662.º, n.º 2, alínea c), do C.P.C., que se manteve idêntico entendimento, devendo tal matéria considerar-se por não escrita.

III - Nos casos em que da decisão proferida não constem os factos constitutivos da pretensão em causa, mas apenas uma enunciação conclusiva e genérica, deve ser anulada a decisão impugnada e ordenado ao tribunal a quo que a fundamente, nos termos previstos no art.º 662.º n.º 2, alínea c), do C.P.C., sob pena de violação do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.

IV - Este dever de anulação deve considerar-se extensível aos casos em que o juiz de primeira instância omitiu despacho de aperfeiçoamento dos articulados, nos termos previstos no art.º 590.º, n.º 4, do C.P.C., apesar destes conterem imprecisões e insuficiências na exposição da matéria de facto, que inquinam a decisão da causa.

Decisão Texto Integral:

Relator: Cristina Neves
Adjuntos: Teresa Albuquerque
Falcão de Magalhães


Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


RELATÓRIO

S..., S.A., AA, BB, e CC, intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra os réus P..., Lda. e DD, pedindo a sua condenação solidária a pagar a cada um dos AA. a quantia de € 10.000,00, por ofensas à sua honra e consideração.

Para tanto, alegam que a sociedade ré e o réu, sócio gerente da sociedade ré, prestaram, para a sociedade autora, os seus serviços de revisão de contas, ao longo de vários anos, tendo entre 2013 e 2016, efectuado denúncias de factos que sabiam serem falsos ao M.P. e às ordens profissionais dos AA., originando processos disciplinares que vieram a ser arquivados e processos-crime, que vieram a terminar por absolvição dos arguidos cerca de seis anos depois, tendo sofrido danos por culpa dos RR.

 


*

Regularmente citados, os RR. deduziram acusação invocando a excepção de ilegitimidade passiva da 1ª R., a excepção de prescrição pelo decurso do prazo previsto no artº 498 nº1 do C.C. e, por impugnação, alegando a veracidade dos factos denunciados e o cumprimento do dever legal do ROC de denúncia destes factos e ainda que uma participação crime não pode constituir um ilícito gerador de responsabilidade aquiliana, por se traduzir no exercício de um direito consagrado constitucionalmente e de um dever imposto ao ROC.


*

Dispensada a audiência prévia, fixou-se o valor da causa e proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da 1ª R. e a excepção de prescrição.

Definiu-se o objecto do litígio e elaboraram-se temas de prova.


*

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, após o qual se proferiu sentença que absolveu os RR. do pedido.

***


Não conformados com esta decisão impetraram os AA. recurso da mesma, formulando afinal, as seguintes conclusões:

1. Os Autores instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra os réus P..., Lda., contribuinte nº ..., com sede na Rua ..., ... Coimbra e DD, revisor oficial de contas, contribuinte nº ..., residente na Urbanização ... ..., ... Coimbra. De facto,

2. A sociedade ré, que tem por objecto a “revisão legal de contas, auditoria às contas e os serviços relacionados de empresas e outras entidades, bem como o exercício de outras funções que a lei exija a intervenção própria e autónoma de revisores oficiais de contas”, e o réu, sócio

gerente da sociedade ré, prestaram, para a sociedade autora, os seus serviços de revisão de contas, ao longo de vários anos e, sendo, a Ré, à data uma sociedade Unipessoal, detida, em absoluto, o seu capital social, pelo aqui Réu, eram, ainda, membro do Conselho Fiscal eleito

para o período de 2011 a 2013 na sociedade Autora.

3. Os réus remeteram ao Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra, uma participação crime, alegando a existência de, segundo os próprios, “factos indiciadores de cometimento de Crimes Públicos”.

4. Também fizeram seguir, para a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, participação contra o autor BB, que foi objecto de análise, resposta, e consequente decisão de arquivamento;

5. Fizeram, ainda, seguir participação contra o autor CC, na Ordem dos Advogados, em 2 de Janeiro de 2016, que foi objecto de análise, resposta e, por fim, decisão de arquivamento.

6. Da leitura da participação-crime e das participações disciplinares, completamente infundadas, como bem sabem os réus, resultam que se encontraram denunciados factos subsumíveis, em abstracto, nos crimes de fraude na obtenção de subsídios e de fraude fiscal, pelo que, no âmbito do inquérito criminal que correu termos sob o nº 1819/13...., foi a queixa-crime remetida à Directoria do Centro da Polícia Judiciária e ao Director Distrital de Finanças de Coimbra, para que fizessem investigações.

7. E, no âmbito do mesmo processo crime, foi, o réu, a 6 de Dezembro de 2013, inquirido, mantendo tudo o já alegado em sede de participação crime.

8. E, a 12 de Dezembro de 2013, remeteu aos autos criminais, uma exposição da sua versão dos factos, mais uma vez, imputando a prática dos crimes aos aqui autores. E, a 24 de Julho de 2014, remeteram, os réus, ao mesmo processo crime, aquilo que apelidaram de “alegações de novos factos”.

9. Por força da invenção dos aqui réus, a representante do Ministério Público, acabou por, a 13 de Dezembro de 2016, acusar os autores do crime de falsificação de documento.

10. Por força da actuação infundada e ilícita e culposa dos aqui réus, os autores viram correr contra si um processo crime, que durou 6 anos, e, bem assim, processos disciplinares, nas respectivas ordens profissionais.

11. Processo-crime onde o réu prestou testemunho, continuando a acusar os autores e, bem assim, não satisfeito, ainda dirigiu vários escritos ao processo.

12. Todos os processos vieram a ser arquivados, com a absolvição dos aqui autores, seja em sede disciplinar, seja no Tribunal de primeira instância, seja no Tribunal da Relação de Coimbra.

13. Por força da invenção dos aqui réus, e para além do processo crime e dos processos disciplinares, também diversos jornais se interessaram pelo assunto e deram foro de primeira página às imputações dos réus, nomeadamente do 2º réu.

14. Durante seis anos, os autores tiveram sobre as suas “costas” os processos acima referidos e o confronto com as notícias dos jornais, nas quais algumas vezes o próprio 2º réu prestava “informações”.

15. Durante mais de um ano, os autores tiveram que se apresentar no julgamento que corria no Tribunal ... e, aí, assumir o lugar de arguidos, sujeitos a todas as pressões, humilhações e desgastes, com acompanhamento do mesmo, nomeadamente, pela comunicação social.

16. Em consequência da conduta dos réus, os autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização pretendem.

17. Pelo exposto, entenderam e entendem que devem os réus ser condenados, solidariamente, a pagar aos autores, para reparação dos danos que os actos dos réus lhes causaram, as seguintes quantias, acrescidas de juros, devidos desde a citação dos mesmos, até efectivo e integral pagamento: `

o À sociedade S..., S.A., a quantia de 10.000,00 €;

o A AA, a quantia de 10.000,00 €;

o A BB, a quantia de 10.000,00 €;

o A CC, a quantia de 10.000,00 €.

18. O Tribunal há de formar a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada, nos factos admitidos por acordo das partes, no teor dos diversos documentos juntos aos autos, nas declarações de parte dos autores e do réu, bem como no depoimento das testemunhas inquiridas.

19. Ora, da prova produzida nos autos, impõe-se proceder à alteração da resposta à matéria de facto do Tribunal de 1.ª Instância. Em concreto,

20. Importa dar como não provado, ao contrário do entendimento do Tribunal de Primeira Instância:

11. “Em Março de 2013, o réu tratou de emitir a certificação legal de contas da primeira autora, referentes ao ano de 2012 e, por intermédio da auditora, sua colaboradora, Dr.ª EE, deu-se conta de factos que constam da participação remetida à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.

12. De imediato, no cumprimento dos seus deveres profissionais, tratou de reunir com o conselho de administração da primeira autora, alertando os respectivos membros das irregularidades detectadas.

Porém, a primeira autora não atendeu aos seus reparos e decidiu apresentar as contas para aprovação aos respectivos accionistas.

13. O réu DD procurara já contactar o FF, admitindo que este, na qualidade de representante do principal accionista da autora sociedade (a Diocese ...) pudesse chamar à razão o autor AA. No entanto, tal não surtiu o referido efeito.

14. O réu DD também contactou o POPH, em 2 de Abril de 2013, com o objectivo de ver esclarecidas as dúvidas já referidas e poder emitir a certificação legal de contas de 2012. Com base na informação fornecida, o réu DD entendeu que a primeira autora pedira subsídios com base em valores de vencimentos pagos aos seus trabalhadores que não eram verdadeiros - que a primeira autora registou na sua contabilidade custos com pessoal superiores aos que efectivamente suportou e com este erro levou o POPH a pagar-lhe mais em subsídio do que o devido.

14. Não concordando com o parecer, por não responder ao problema que suscitou, foi pedido novo parecer, tendo os autores diligenciado inclusivamente para que o jurista estivesse presente na assembleia geral de 6 de Maio e respondesse a todas as dúvidas.

18. Na assembleia geral da primeira autora, realizada a 08/04/2013, com continuação a 06/05/2013, destinada a aprovar as referidas contas de 2012, o réu DD, estando presente, informou os accionistas de que iria participar os factos em causa ao Ministério Público – até porque entendia que o parecer, subscrito pelo Dr. GG (constante do doc. ... junto com a p.i.), trazido à reunião pelos autores para suportar uma eventual aprovação das contas, entre outras questões, não tratava das questões relativas às irregularidades junto do POPH.

19. Os réus solicitaram ao Professor Dr. HH um parecer sobre as questões em causa, parecer que corroborou o entendimento do réu.

45. Um parecer da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas de 25/09/2017 corroborou o entendimento do réu relativo às irregularidades, inclusive com implicações fiscais, que o réu entende que os autores praticaram.

46. Também a Autoridade para as Condições de Trabalho, em 28 de Abril de 2014, se pronunciou no sentido do entendimento do réu relativamente à redução dos vencimentos dos trabalhadores da ré sociedade.

47. O Revisor Oficial de Contas que substitui o réu, e que não colocou reservas à certificação legal de contas da autora sociedade relativa ao ano de 2013, foi sancionado disciplinarmente pela OROC, na medida em que “(...) deveria ter adotado uma posição mais prudente em relação à existência ou não de indícios de fraude (...)” - tendo-lhe sido aplicada uma pena de multa no valor de €1.500, acrescida de €350 de despesas do processo.

48. O POPH também teve o mesmo entendimento do réu - de que o procedimento levado a cabo pela autora enfermava das ditas irregularidades.

49. O recebimento, pela autora sociedade dos custos com a alimentação, que eram subsidiados pelo POPH, por intermédio de pagamento efectuado pelos respectivos pais, foi comunicado ao réu por um encarregado de educação. O réu concluiu que a autora apresentava balancetes errados para receber do POPH o que também recebia dos pais dos alunos (total ou parcialmente).”

21. Mais, importa dar como provado, ao contrário do entendimento do Tribunal de Primeira Instância:

5. “que por força da invenção dos réus, a representante do Ministério Público acabou por, a 13 de Dezembro de 2016, acusar os autores do crime de falsificação de documento;

6. que por força da actuação infundada e ilícita e culposa dos réus, os autores viram correr contra si um processo crime e processos disciplinares;

7. que os réus visavam perseguir notória e injustificadamente os autores;

8. que o réu prestou “informações” aos jornais.”

22. De facto, o Réu, quando prestou as suas declarações, a 21 de Setembro de 2021, que “ficaram registadas em suporte digital desde as 14:25 até às 15:47 horas”, conforme respectiva acta,

23. Afirmou, novamente, conforme se pode ler na transcrição integral de tais declarações, que se anexa, para completa e integral compreensão, que aqui se dá por reproduzido – “Ficheiro: 20210921142529_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 01:22:12”

24. Basta ler estas declarações para se concluir que o Réu agiu sem qualquer fundamento, sem qualquer razão, sem qualquer sustentação e, não obstante todos lhe dizerem que não tinha razão.

25. Ou seja, segundo o próprio Réu, ninguém lhe reconheceu razão e, este agiu só e só porque sim!!!

26. E, só por força desta confissão se impunha e impõe a procedência da acção e a condenação dos Réus no peticionado.

27. A alteração, acima referida, à resposta á matéria de facto, resulta além da objectiva documentação, junta aos autos,

28. Ainda, das declarações de parte dos Autores:

a. Depoimento de Parte do Autor - AA - Ficheiro: 20210923101728_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 01:06:52 - Declarações ficaram registadas em suporte digital desde as 10:17 até às 11:25 horas, conforme acta judicial referente à audiência de julgamento de 23 de setembro.

i. Como fica claro, o perpetrado pelos Réus é uma pura vingança pessoal, usando o Estado de Direito, sem fundamento e, com dolo, prejudicando os Autores.

b. Mais se atente às declarações do Autor CC – O mesmo prestou as suas declarações no mesmo dia 23 de Setembro de 2021, tendo, as mesmas, sido registadas em suporte digital desde as 11:25 até às 12:27 horas. - Ficheiro: 20210923112536_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 01:01:24.

29. Mais do que as declarações das partes,

30. E, os documentos juntos,

31. Também os testemunhos vertidos nos autos, que, igualmente se transcreveram na íntegra e se juntam, dando-se o seu teor por integralmente reproduzido, permitem e impõe que se altere a resposta à matéria de facto. Na verdade,

a. Sessão de 20 de Outubro de 2021 - Depoimento da Testemunha - GG - Ficheiro: 20211020101434_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:20:40 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 10:14 até às 10:35 horas.

b. Atente-se ainda ao depoimento da testemunha II - Sessão de 20 de Outubro de 2021 - Depoimento da Testemunha - Dr. II - Ficheiro: 20211020104829_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:23:23 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 10:48 até às 11:11 horas.

c. Sessão de 27 de Outubro de 2021 - Depoimento da Testemunha - JJ - Ficheiro: 20211027110637_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:14:47 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 11:06 até às 11:21 horas.

d. Sessão de 27 de Outubro de 2021 - Depoimento da Testemunha - KK - Ficheiro: 20211027112716_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:13:16 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 11:27 até às 11:40 horas.

e. Sessão de 27 de Outubro de 2021 - Depoimento da Testemunha - LL - Ficheiro: 20211027115133_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:21:47 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 11:51 até às 12:13 horas.

f. Sessão de 27 de Outubro de 2021 - Depoimento da Testemunha - MM - Ficheiro: 20211027121531_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:15:41 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 12:15 até às 12:31 horas.

g. Sessão de 27 de Outubro de 2021 - Depoimento da Testemunha - NN -Ficheiro: 20211027141157_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:43:28 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 14:11 até às 14:55 horas.

h. Sessão de 27 de Outubro de 2021 - Depoimento da Testemunha - OO - Ficheiro: 20211027150230_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:25:08 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 15:02 até às 15:25 horas.

i. Sessão de 27 de Outubro de 2021 - Depoimento da Testemunha - PP - Ficheiro: 20211027152826_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:25:23 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 15:28 até às 15:53 horas.

j. Sessão de 17 de Novembro de 2021 - Depoimento da Testemunha - EE - Ficheiro: 20211117102002_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:55:58 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 10:20 até às 11:16 horas.

k. Sessão de 17 de Novembro de 2021 - Depoimento da Testemunha - QQ - Ficheiro: 20211117111655_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:13:23 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 11:16 até às 11:30 horas.

l. Sessão de 17 de Novembro de 2021 - Depoimento da Testemunha - RR - Ficheiro: 20211117113112_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:30:19 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 11:31 até às 12:01 horas.

m. Sessão de 17 de Novembro de 2021 - Depoimento da Testemunha -SS - Ficheiro: 20211117120236_2903656_2870726 - Duração do ficheiro: 00:10:57 - O seu depoimento ficou registado em suporte digital desde as 12:02 até às 12:13 horas.

32. Assim, importa que se conclua, ao contrário do que fez o Tribunal “a quo”:

33. Que a colaboradora dos Réus, a testemunha EE, não deu conta dos factos que constam da participação remetida à OROC. Ao invés, como a mesma testemunha, até levou uma “reprimenda” por não ter visto o que apenas foi visto, até hoje, pelo Réu.

34. Como ficou, ainda, provado, nunca o Réu conseguiu explicar o, diga-se, inexplicável (a sua versão), seja aos Autores, seja ao Perito, o único que testemunhou e que continua a defender a legalidade da actuação, criminalizada, só e apenas pelos Réus.

35. Nunca os Réus pretenderam ver esclarecidas dúvidas mas, antes, ver reconhecido, sem fundamento, uma versão que só o Réu encontrou e defendeu, sem qualquer sustentação.

36. Réu, que, pelo seu comportamento, foi mesmo alvo de processo disciplinar instaurado pela própria Ordem.

37. Mas, nem assim se coibiu de perpetrar os factos que sustentam a procedência do aqui peticionado.

38. Não existindo um qualquer fundamento para o perpetrado pelos Réus.

39. Mais, importa dar como provado, ao contrário do entendimento do Tribunal de Primeira Instância:

a. Que por força da invenção dos réus, a representante do Ministério Público acabou por, a 13 de Dezembro de 2016, acusar os autores do crime de falsificação de documento.

b. E, que por força da actuação infundada e ilícita e culposa dos réus, os autores viram correr contra si um processo crime e processos disciplinares

c. Que, como testemunhado e documentado, os réus visaram e conseguiram perseguir notória e injustificadamente os autores.

d. Os mesmos Réus, únicos mentores e os mesmos únicos autores de toda esta actuação e, por isso, os únicos capazes de prestar tais “informações” aos jornais.”

40. Quem induziu o Ministério Público foi o réu.

41. Ao longo do inquérito e ao longo do julgamento o réu foi juntando documentos e dirigindo cartas, trouxe ao processo dados…

42. O réu, como se disse, quis e conseguiu massacrar os autores.

43. O Réu extravasou e, violou, aquilo que eram os seus deveres de ROC.

44. A testemunha GG, advogado, declarou que foi contactado telefonicamente pelo AA para elaborar uma consulta escrita - um parecer que elaborou sobre financiamentos relativos a cursos profissionais, cursos básicos de

ensino… Depois foram solicitados esclarecimentos sobre o parecer e esteve presente numa assembleia de accionistas do colégio onde estava o réu, o Dr. TT e o Réu. Disse que o procedimento não constituía qualquer ilícito fiscal e que, as dúvidas que lhe puseram foram esclarecidas.

45. A testemunha Dr. NN, colega do réu (é ROC) declarou que sabe que há um diferendo entre o réu e o Colégio. Era membro do Conselho Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Conta quando o assunto foi para lá – remetido pela própria Ordem. O processo disciplinar foi remetido para o Conselho Disciplinar para apreciação da conduta do réu

46. A testemunha Drª EE declarou que é ROC e foi funcionária da ré sociedade. Nunca lhe negaram qualquer documentação ou informação.

47. Assim, importa proceder à alteração da matéria de facto. Sem prescindir, E, ainda que assim não se entenda

48. Como se pode ler na decisão recorrida, a presente acção está estruturada na responsabilidade civil dos réus por facto ilícito consistente na violação de direitos de personalidade dos autores (danos ocorridos na sua imagem, honra e bom nome).

49. A decisão recorrida viola, assim, o disposto no artigo 483.º do Código Civil.

50. Estatui o nº 1 do art. 483º que "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.".

51. Decorre do art. 484º do mesmo diploma, igualmente violado pela decisão recorrida, que “quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou coletiva, responde pelos danos causados.”

52. Os factos perpetrados pelos Réus são ilícitos e, os mesmos, agiram com culpa.

53. A conduta dos Réus é merecedora de reprovação ou censura do direito,

54. No caso, os Réus, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas do caso, podiam e deviam ter agido de outro modo.

55. Como se pode, ainda, ler na decisão recorrida:

“O direito ao bom nome e reputação e à imagem encontra-se consagrado no art. 26º da Constituição da República Portuguesa.

Também a lei ordinária contempla no art. 70º do Código Civil a proteção contra toda a ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade física ou moral (onde se insere o direito ao bom nome e reputação). Esta consiste em a pessoa não ser ofendida ou lesada na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a correspondente reparação.”

56. Atenta a matéria de facto provada, não se pode concluir que o réu decidiu apresentar as referidas participações na convicção de que os factos eram verdadeiros.

57. Como provado, documentado e testemunhado, o que existia era uma “tensão pessoal” e, o Réu, serviu-se, ilegalmente, do seu estatuto de ROC para prejudicar, gravemente e se fundamento, os Autores.

58. E, atenta toda a informação e documentação a que teve acesso e, designadamente, ao parecer da testemunha inquirida, não diligenciou no sentido de esclarecer dúvidas e ouvir opiniões estando, sempre, certo, da falsidade das suas imputações.

59. O réu agiu de forma dolosa, com falsidade e visando prejudicar os autores.

60. O réu não exerceu o seu dever de denúncia, convencido da sua razão.

61. Basta, para tal, atentar ao teor da documentação subscrita pelos Réus e junta aos autos.

62. Como comprovadamente demonstrado, designadamente, por documento,

63. Ficou provado o intuito dos Réus de ofender gratuitamente a honra e consideração dos Autores, a intenção de os “perseguir”.

64. Por isso entendemos que não se deve concluir que a atuação dos réus foi infundada, ilícita e culposa.

65. Ou seja, entendemos que se encontram preenchidos os requisitos do art. 483º do Código Civil.

66. Por tudo o que fica exposto, a acção terá de proceder.

Em resumo, resumido:

• Muito embora se discorde da participação, por infundada,

o Ainda que, no limite, se aceite a sua apresentação,

▪ Sempre, toda a actuação dos Réus, designadamente, no vertido em sede de participação crime e demais actos,

• É, manifestamente, ofensiva

o O que denota uma intencionalidade que vai para além dos factos.

O ROC, o Réu, no exercício da sua actividade profissional, ao produzir expressões manifesta e objectivamente ofensivas, como produziu (e que estão suficientemente retratadas nos autos) excedeu manifestamente as suas funções e o mero direito ou dever de denuncia,

Ou seja,

Os Réus podem exercer a sua obrigação e o direito e obrigação de denuncia,

Que até pode prevalecer sobre o direito à honra,

Mas, os Réus, não se limitaram a descrever factos nem a exprimir opiniões;

Os Réus excederam, manifestamente os limites da mera opinião técnica, ao produzir, de forma gratuita, expressões como as que produziram tais como os Autores serem criminosos, várias vezes referido. A não ser assim, o Réu, os Réus, todos, poderiam produzir todo o tipo de afirmações que estariam sempre a coberto da lei…

NÃO É ADMISSÍVEL!!!!

ASSIM SE JUSTIFICANDO A PROCEDÊNCIA DO RECURSO!!!!!

Termos em que, deve o recurso ser julgado procedente, por provado, alterando-se a resposta à matéria de facto e, sempre, revogando-se a decisão recorrida, por violação das normas acima referidas, concluindo-se pela procedência dos pedidos, por provados e fundamentados.”


***

Por sua vez, os RR., vieram apresentar contra-alegações, concluindo da seguinte forma:

“1. Ao contrário do que é dito pelos recorrentes, o juízo do Tribunal a quo assenta na apreciação motivada da prova, não só documental, mas também testemunhal e relativa aos depoimentos de parte. De forma profusa, entre as páginas 11 e 23 da douta Sentença, a prova é minuciosamente analisada e concatenada.

2. A presente acção foi proposta num gesto abusivo, injustificável e injusto de vingança por parte dos AA., ora recorrentes. Por pura e mesquinha vendetta, os AA. propuseram, em abuso do direito de agir, a presente acção contra os RR..

3. Em 2013, o 1.º R. detectou que o S..., S.A. registou na sua contabilidade custos com pessoal superiores aos que efectivamente suportou, e com este erro levou o POPH a pagar-lhe mais em subsídio do que o devido.

4. Os erros na contabilidade que o 1.º R. detectou e denunciou, e que constam da sua participação à ORC datada de 21 de Outubro de 2013, eram evidentes, o que foi confirmado em juízo, designadamente, por: Dr. UU, Dr. OO, Dr. PP e Dr. RR.

5. Confirmou-se, também em juízo, que a informação da Autoridade Tributária, dos serviços de Coimbra, Serviço de Apoio Técnico à acção Criminal, sobre o assunto está errada. A este propósito, foi impressivo o depoimento do Dr. VV, que era o Director de Finanças ..., responsável à época, e que disse que aquela informação estava errada, e que a única forma de reparar o lapso era estar em Tribunal a dizê-lo. A esse propósito, são também esclarecedores a informação da AT, de 2021, junta aos autos já na pendência da acção, e o parecer da Ordem dos Contabilistas.

6. Relativamente à conduta do 1.º R., a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas proferiu um Acórdão do respectivo Conselho Disciplinar, que atestou do rigoroso cumprimento dos seus deveres profissionais.

7. O 1.º R. vinha, desde há 2 ou 3 anos antes da sua cessação de funções, dando conta ao Conselho de Administração do S..., S.A., nos Relatórios Anuais, de desconformidades contabilísticas, como demonstram os documentos juntos com a p.i.. Esses erros, que voltaram a ser relatados na participação que o 1.º R. fez ao Ministério Público, por intermédio da sua Ordem Profissional, reconduzem-se a:

a) A amortização de grandes reparações à taxa de 100%, o que é ilegal e prejudica o Estado; b) O proveito proveniente da anulação duma divida a pagar é e sempre foi proveito do ano e não pode ser diferido por 5 anos, como fez o a 1ª A., e isto prejudica o Estado;

c) Os descontos sobre a parte dos salários fictícios (o valor da redução) são, também, fictícios.

8. Todas as testemunhas que depuseram sobre o assunto, incluindo os Directores de Finanças, Dr. SS e Dr. VV, foram unânimes em dizer que um Contabilista normal não faria este erro e alguns foram claros em dizer que o Dr. BB os fez porque quis, sabendo que estava a lesar o Estado, tendo alguns avaliado o prejuízo que no computo geral no 1º ano seria superior a 200.000€.

9. O MP disse, com clareza, que havia indícios da prática pelos AA. de um crime de burla qualificada. Ou seja, o Ministério Público não teve qualquer dúvida de que os AA. montaram um esquema com os vencimentos dos trabalhadores do S..., S.A., para defraudar a lei.

10. Como também ficou claro durante o julgamento, os AA. só não foram acusados de burla qualificada porque, após a denúncia feita pelo 1.º R., o POPH obrigou os AA. a descontarem no pedido final de financiamento os valores entretanto indevidamente pagos, o que estes aceitaram e fizeram, depois de saberem, daquela denúncia, há cerca de dois meses.

11. O alegado pelos AA. a propósito da possibilidade de o 1.º R. ter tido influência sobre o MP é um completo absurdo, salvo o devido respeito, e é até ofensivo da respectiva magistratura. A magistratura do Ministério Público não acusa ou arquiva a pedido de quem quer que seja!

12. Mais: o Revisor Oficial de Contas que substitui o 1.º R., junto do S..., S.A., e que não colocou reservas à certificação legal de contas do S..., S.A., relativa ao ano de 2013, foi sancionado disciplinarmente pela OROC, na medida em que “(...) deveria ter adotado uma posição mais prudente em relação à existência ou não de indícios de fraude (...)”.

13. Relativamente à ressonância que o comportamento dos AA. teve nos jornais, à data, a mesma não é imputável aos RR., mas sim aos AA., pois ela é reveladora da gravidade dos respectivos comportamentos.

14. O 1.º R. (e a fortiori a primeira Ré) actuou no escrupuloso cumprimento das leges artis que regem a actividade de um Revisor Oficial de Contas (ROC) e de um Fiscal Único de uma sociedade anónima. Isso mesmo foi confirmado em juízo pelas seguintes testemunhas: Dr. NN, Dr. OO, Dr. PP, QQ, Dr. RR, Dr. SS.

15. A atividade de qualquer ROC é independente, a nível funcional e hierárquico, relativamente às entidades às quais presta serviços, à luz do art.º 49 nº 1 do Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (doravante, EOROC 2015), aprovado pela Lei n.º 140/2015, de 7 de Setembro).

16. O ROC tem de assegurar que a realidade económica da empresa está refletida nas demonstrações financeiras, correspondendo estas a uma imagem fiel daquela, a ser transmitida aos credores, fornecedores e consumidores.

17. Ou seja, o ROC tem a obrigação legal de se certificar que o que se relata financeiramente da sociedade, corresponde à realidade, e esta obrigação é violada quando aquele ignora a existência de erros ou fraudes!

18. De acordo com o n.º 3 do artigo 422.º do CSC, “O fiscal único, o revisor oficial de contas e os membros do conselho fiscal devem participar ao Ministério Público os factos delituosos de que tenham tomado conhecimento e que constituam crimes públicos” (negrito nosso).

19. O 1.º R. (e, também a 1.º Ré, a fortiori) actuou, assim, no estrito cumprimento dos seus deveres, sem ilicitude e sem que tenha actuado com culpa, sequer mera culpa.

20. Aplicando a melhor jurisprudência portuguesa ao caso concreto, (cfr. por todos, o Ac. do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/12/2018, disponível em www.dgsi.pt, sendo Relator o Il. Conselheiro Dr. Sebastião Póvoas), nenhuma responsabilidade aquiliana poderia ser imputada aos RR.., desde logo por não se verificar, no caso, qualquer ilicitude (nem, relativamente aos RR. os demais pressupostos da responsabilidade civil).

21. Não padece, pois, a douta Sentença a quo, de qualquer erro de julgamento, tanto no plano dos factos, quanto do Direito.

Assim se constata que a douta decisão recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento, tanto de facto como de Direito.

Deve, por conseguinte, esta decisão recorrida ser inteiramente confirmada pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra, julgando o presente recurso de apelação totalmente improcedente.

Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA”


***

QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Efectuada esta delimitação prévia, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consistem em apurar:

a) Se dos autos resulta que existiu erro de julgamento.

b) Se se verificam os pressupostos da responsabilidade extra-contratual, prevista no artº 483.º do C.C.;


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.

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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido fez consignar a seguinte matéria de facto:

“A sociedade autora é uma sociedade que tem por objecto social, a que se dedica, nomeadamente, o ensino, actividade que desenvolve no Colégio ..., sito em Coimbra, onde tem a sua sede.

O autor AA é o Presidente do Conselho de Administração da sociedade autora, desempenhando as funções de administrador da sociedade autora.

 O autor BB desempenha as funções de técnico oficial de contas na sociedade autora.

O autor CC é advogado, também da sociedade autora, assessorando a mesma nomeadamente nas questões de ordem jurídica e contratual.

A sociedade ré, que tem por objecto a “revisão legal de contas, auditoria às contas e os serviços relacionados de empresas e outras entidades, bem como o exercício de outras funções que a lei exija a intervenção própria e autónoma de revisores oficiais de contas”, e o réu, sócio gerente da sociedade ré, prestaram, para a sociedade autora, os seus serviços de revisão de contas, durante mais de 10 anos. O réu DD, enquanto gerente da sociedade ré, exerceu as funções de ROC e membro do conselho fiscal da sociedade autora, tendo cessado as suas funções em 2013.

Em Março de 2013, o réu tratou de emitir a certificação legal de contas da primeira autora, referentes ao ano de 2012 e, por intermédio da auditora, sua colaboradora, Drª EE, deu-se conta de factos que constam da participação remetida à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.

De imediato, no cumprimento dos seus deveres profissionais, tratou de reunir com o conselho de administração da primeira autora, alertando os respectivos membros das irregularidades detectadas. Porém, a primeira autora não atendeu aos seus reparos e decidiu apresentar as contas para aprovação aos respectivos accionistas. O réu DD procurara já contactar o FF, admitindo que este, na qualidade de representante do principal accionista da autora sociedade (a Diocese ...) pudesse chamar à razão o autor AA. No entanto, tal não surtiu o referido efeito.

O réu DD também contactou o POPH, em 2 de Abril de 2013, com o objectivo de ver esclarecidas as dúvidas já referidas e poder emitir a certificação legal de contas de 2012. Com base na informação fornecida, o réu DD entendeu que a primeira autora pedira subsídios com base em valores de vencimentos pagos aos seus trabalhadores que não eram verdadeiros - que a primeira autora registou na sua contabilidade custos com pessoal superiores aos que efectivamente suportou e com este erro levou o POPH a pagar-lhe mais em subsídio do que o devido.

Na assembleia geral da sociedade autora de 8 de Abril de 2013, o réu disse que não haveria certificação legal de contas. A sessão foi suspensa, depois de identificadas as questões, deliberando-se pedir um parecer a jurista especializado na matéria - Dr. GG -, o que veio a acontecer. Não concordando com o parecer, por não responder ao problema que suscitou, foi pedido novo parecer, tendo os autores diligenciado inclusivamente para que o jurista estivesse presente na assembleia geral de 6 de Maio e respondesse a todas as dúvidas. Foram então aprovadas as contas com uma certificação legal de contas qualificada com reservas. No final desta assembleia, o réu apresentou a renúncia ao cargo.

Na assembleia geral da primeira autora, realizada a 08/04/2013, com continuação a 06/05/2013, destinada a aprovar as referidas contas de 2012, o réu DD, estando presente, informou os accionistas de que iria participar os factos em causa ao Ministério Público - até porque entendia que o parecer, subscrito pelo Dr. GG (constante do doc. ... junto com a p.i.), trazido à reunião pelos autores para suportar uma eventual aprovação das contas, entre outras questões, não tratava das questões relativas às irregularidades junto do POPH.

Os réus solicitaram ao Professor Dr. HH um parecer sobre as questões em causa, parecer que corroborou o entendimento do réu.

Os réus, “na qualidade de membro do Conselho Fiscal eleito para o período de 2011 a 2013 na sociedade” autora, remeteram ao Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra (via Ordem dos Revisores Oficiais de Contas) uma participação crime - datada de 21 de Outubro de 2013.

Nessa participação, os réus alegam a existência de, segundo os próprios, “factos indiciadores de cometimento de Crimes Públicos”. De acordo com a mesma participação crime, referem os réus: “O Revisor Legal de Contas - aqui réus - face às vicissitudes e à postura da Administração do Colégio ... e à da nova Gerência da GC... - os aqui autores - renunciou às suas funções. No Colégio ..., em 06-05-2013 (Doc. ...); Na GC..., em 03-12-2012 (doc. ...); Os factos eventualmente ilícitos/Apreciação Sumária… A Administração entendeu que se tratava de Investimento e como tal foi contabilizado, como um custo plurianual (para que o custo pudesse ser dividido por vários anos) mas com segunda intenção pois, ... Mas em Agosto/Setembro de 2012, quando se confirmou a redução efectiva de 4 turmas em regime de contrato associação, a empresa teve necessidade de reduzir o valor dos vencimentos do pessoal, docente e não docente, e fê-lo, mas recorrendo a um esquema complexo que se traduz nisto: 1) Os vencimentos ilíquidos, constantes nos recibos de vencimentos mantêm-se inalterados; 2) O vencimento líquido, constante nos recibos, também; 3) Mas o trabalhador não recebe este valor líquido; 4) Porque há, mês a mês, um valor que é retido pelo Colégio, logo, não pago efectivamente (Doc. ...); 5) Este valor retido é supostamente para entregar a uma IPSS, também com sede no Colégio, e gerida praticamente pelas mesmas pessoas que o Colégio, para supostamente financiar bolsas no estudo de alunos que frequentam o Colégio; 7) Este esquema tem subjacentes dois contratos, sem data, que tentam explica-lo e justifica-lo com argumentos que não correspondem à realidade, nomeadamente ... 1) O Colégio pode apresentar maiores custos com o pessoal e, por essa via, ver o subsídio do POPH aumentado; … O que quer dizer que além do erro proveniente da simulação poderá haver outro que desconhecemos a origem… Então quem perdeu? O Estado, e perdeu tanto quanto o Colégio ganhou. Ora este esquema... O benefício é apenas e só receber um valor de subsídio, via POPH, maior, e ao mesmo tempo reduzir o valor efectivamente pago com vencimentos de todo o pessoal, docente e não docente. Estamos pois, eventualmente, face a negócios simulados que não têm base nem necessidade fáctica de qualquer natureza e que nunca seriam efectuados se não houvesse uma intenção oculta de enganar o Estado, em benefício do Colégio. Esta foi a única necessidade. Para a satisfazer praticaram-se actos simulados e errou-se a contabilidade, com o objectivo de enganar terceiros que, neste caso, é o Estado… Foram assim praticados ilícitos fiscais e há, ainda hoje, impostos por pagar referentes a 2010 .... além de outros ilícitos conexos… Esta dualidade de naturezas para a mesma despesa (que só pode ter tecnicamente 1 natureza) é feita voluntária e conscientemente para enganar o Estado… há uma tentativa de cometer o ilícito ... Quanto a outros valores recebidos, se o foram, podem ter sido recebidos ilicitamente… o dolo da prática… Tudo até pode parecer bem e assim seria se este esquema simulado não tivesse o objectivo de ... aliciar o pessoal… Esta situação é de todas a menos relevante e só se traz à participação para dar ideia da postura do TOC (aqui autor BB) e da Administração (aqui autor AA) em arranjar, continuamente, esquemas. O Participante é Revisor Oficial de Contas do Colégio há muitos anos e estas situações só começaram a surgir com a entrada do actual TOC (aqui autor BB) que, como mais-valia do seu trabalho, parece fazer parte a sua aptidão criar esquemas… errado e viciado voluntariamente. Apesar de quer a Administração (aqui autor AA), quer o TOC (aqui autor BB), terem sido avisados e colocados perante o ilícito que estavam a praticar, o que fizeram foi ameaçar-me e, pior que isso, quando pedi a palavra na Ass. Geral que aprovou as contas de 2010, o Dr. Coimbra, advogado e acionista (aqui autor CC), impediu-me de falar convencido que eu ia colocar a questão à Assembleia Geral e no final,... Outras situações irregulares Esta postura permanente, quer da Administração do Colégio ..., quer dos seus dois assessores (TOC e Jurista), verificou-se também (e eventualmente se está a verificar ainda) recebendo dos pais de alguns alunos o custo com a alimentação… A coacção Moral A “luta” do Participante com o Administrador AA e com o TOC Dr. BB, já vem de anos anteriores, mas apenas se iniciou com a entrada deste TOC na empresa. O ROC não teve aqui tarefa fácil, face a posturas intimidatórias... (incluindo a Administração, o TOC e o Advogado)... Aquelas três pessoas não respeitam a vontade da Igreja, pelo contrário. A contabilidade do Colégio Ela foi intensionalmente forjada pois ao registar actos simulados ela não traduz a realidade ... foram esses os documentos forjados e os respectivos balancetes que foram entregues ao POPH ... Como clara é a postura do TOC e do AA que afirmaram que as várias auditorias nada detectaram. Pudera, a marosca estava bem feita e feita pelas mesmas pessoas. O ROC, só por erro deles ... a detectou ... não há crimes perfeitos. Ora o TOC (aqui autor BB) registou na contabilidade actos simulados o que originou que a conta dos salários tenha saldos superiores aos reais, para com eles justificar, no tal mapa, os mesmos valores superiores aos reais. Ora o TOC (aqui autor BB), intencionalmente, adulterou a contabilidade e os mapas e isto é tanto mais grave porque foi ele que também os validou, autonomamente, como TOC (O POPH exige que os mapas sejam certificados por um ROC e, nalguns casos de menor valor, por um TOC independente). Ou seja, o TOC (aqui autor BB) ajeitou a ferramenta à medida das suas necessidades, sabendo bem o que estava fazer. Actuou ilicitamente em ambas as suas funções técnicas… enganaria o Fisco com mais facilidade. Terá o TOC, com esta postura, idoneidade para exercer funções de TOC que são de interesse público e sujeitas a uma “licença” delegada pelo Estado à OTOC? Julgo que não. Postura da Administração (autor AA) /TOC (o aqui autor BB)/Advogado (o aqui autor CC) – Geral Bem se pode dizer que estamos face a uma Troika organizada com um chefe inteligente e dominador – AA. Os outros são fiéis seguidores prontos a tudo para fazer a vontade ao Chefe, até porque não têm as mesmas capacidades de inteligência… O TOC é o executor; o Advogado criou os contratos e todo o esquema Jurídico e o AA impô-los a tudo e todos.”.

Os réus, em 2 de Janeiro de 2016, remeteram para a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, participação contra o autor BB, que foi objecto de análise, resposta e decisão de arquivamento.

Também remeteram, na mesma data, uma participação contra o autor CC, na Ordem dos Advogados, que foi objecto de análise, resposta e, por fim, decisão de arquivamento, por extinção do direito de queixa - porque o participante teve conhecimento dos factos pelo menos em 2013.

Da leitura da referida participação-crime e das participações disciplinares, resulta que se encontram denunciados factos subsumíveis, em abstracto, aos crimes de fraude na obtenção de subsídios e de fraude fiscal.

No âmbito do inquérito criminal que correu termos, sob o nº 1819/13...., foi a queixa-crime remetida à Directoria do Centro da Polícia Judiciária e ao Director Distrital de Finanças de Coimbra, para que fizessem investigações.

No âmbito do mesmo processo crime, foi o réu, a 6 de Dezembro de 2013, inquirido, mantendo o já participado em sede de participação crime. A 12 de Dezembro de 2013, remeteu aos autos criminais uma exposição da sua versão dos factos, mais uma vez, imputando a prática dos crimes aos aqui autores. A 24 de Julho de 2014, os réus remeteram ao mesmo processo crime, aquilo que apelidaram de “alegações de novos factos”.

A Magistrada do Ministério Público, a 17 de Dezembro de 2016, acusou os aqui autores do crime de falsificação de documento. Antes disso, convictos da sua inocência, notificados para o efeito, os autores manifestaram a sua discordância com a suspensão provisória do processo.

Consta do despacho de acusação do Ministério Público: “(...) concluída a investigação dela resulta que os arguidos, de forma concertada, elaboraram e executaram um plano, por via do qual convenceram os trabalhadores do Colégio ... a abdicarem de parte dos seus vencimentos, sem que essa redução salarial se fizesse refletir na documentação contabilística, porquanto os convenceram a que a mesma fosse entregue como se de um donativo se tratasse. Com este esquema os arguidos pretendiam que em termos contabilísticos não fosse possível detetar a redução salarial operada, inviabilizando possíveis consequências decorrentes do incumprimento da legislação laboral, uma vez que a redução do vencimento dos trabalhadores está prevista para situações excecionais que não se verificavam no caso concreto (…) Por outro lado, visavam ainda os arguidos poder incluir nas rubricas relativas a encargos com remunerações de docentes e outro pessoal afeto ao projeto ... - Cursos Básicos do Ensino Artístico e Especializado esses mesmos valores, obtendo um maior volume de financiamento. Na execução deste plano os arguidos conseguiram que a maioria dos trabalhadores docentes e não docentes do Colégio ... assinassem um acordo, por via do qual autorizavam a que, entre os meses de setembro de 2012 e agosto de 2013, o Colégio ... retivesse 5% nos vencimentos de valor até 750,00 € e 12% nos vencimentos de valor superior a 750,00 €, com o que obtinham um valor total de 170.576,00 €. Este valor correspondia ao valor exato da comparticipação que o Centro Social S... (que é uma IPSS ligada à sociedade arguida Colégio ..., sendo presidida pelo arguido AA), se comprometeu a entregar ao Colégio ..., sob a forma de bolsas, sendo que na realidade esta IPSS não tinha qualquer encargo com as bolsas atribuídas na medida em que elas correspondiam ao exato valor que o Colégio deixou de pagar nos vencimentos dos seus trabalhadores… O outro fim visado pelos arguidos era o de não ser feito refletir o decréscimo de custos com vencimento no projeto financiado pelo POPH que estava em curso. Ora, os arguidos sabiam que o pagamento de despesa era feito com base no custo efetivamente pago, podendo a entidade gestora do projeto solicitar documentos comprovativos da realização da despesa, no caso das remunerações poderiam ser solicitados os recibos de vencimento. Por tal facto não poderiam os recibos de vencimento conter qualquer elemento que denunciasse a existência do decréscimo salarial a que os trabalhadores se sujeitaram… Os arguidos com a sua conduta criaram uma situação que fez os técnicos do POPH incorrerem em erro, e convencidos que os valores apresentados eram corretos, transferir verbas a que a sociedade arguida não tinha direito… Face a esta redução de financiamento, que correspondia a 341.152,00 €, e tendo a atividade do Colégio ... sido programada no pressuposto que disporiam de verbas correspondentes a 12 turmas de contrato de associação, os arguidos delinearam um plano tendo em vista reduzir o impacto deste decréscimo de financiamento para o Colégio. O plano consistia em reduzir os custos com o pessoal docente e não docente da sociedade arguida Colégio ..., sem que essa redução fosse dada a conhecer a outras entidades que atribuíam financiamento ao Colégio, com base no valor das retribuições pagas, como era o caso dos fundos provenientes do POPH. Conscientes de que não era permitido reduzir o valor dos vencimentos dos trabalhadores da sociedade arguida, os arguidos AA, CC e BB conceberam uma estratégia que consistia em colocar os trabalhadores numa posição de instabilidade profissional que os levasse a abdicarem de parte dos seus vencimentos em favor do Colégio, sem que tal se repercutisse na sua efetiva prestação de trabalho e nos documentos e registos contabilísticos relativos ao processamento de vencimentos. No plano gizado pelos arguidos foi ainda concebida uma forma de dissimular aquela redução de vencimento, a qual passava pela entrega do valor dos cortes a uma Instituição Privada de Solidariedade Social (IPSS), como se de um donativo se tratasse, sendo que essa IPSS previamente escolhida e indicada pelos arguidos, faria regressar o dinheiro ao Colégio sob a forma de bolsas de estudo. Com este esquema os arguidos pretendiam reduzir os custos do Colégio sem que, em termos contabilísticos, fosse possível detetar a redução salarial operada, inviabilizando possíveis consequências decorrentes do incumprimento da legislação laboral, uma vez que a redução do vencimento dos trabalhadores está prevista para situações excecionais que não se verificavam no caso concreto… Ao atuarem da forma descrita os arguidos AA e BB sabiam que os valores relativos aos vencimentos dos trabalhadores da sociedade arguida que faziam constar das declarações e documentos remetidos ao POPH não correspondiam à realidade, pois tinham despendido quantias inferiores nesses pagamentos. Mais sabiam que por essa via estavam a adulterar os elementos que eram tidos em consideração no cálculo do valor custo/hora do projeto, o que lhes permitia vir a receber um montante superior de comparticipação… Ao atuar da forma descrita os arguidos sabiam que estavam a colocar em crise a credibilidade que é conferida aos formulários relativos ao pedido de adiantamento e ao pedido de saldo final dos projetos em curso e financiados pelo POPH, enquanto documentos onde são registados dados essenciais relativos à execução do projeto a que respeitam, e que criava na entidade que os rececionava, o POPH, a convicção de que os dados que neles estavam vertidos traduziam, de forma verídica, o processo de execução daquele projeto de financiamento.”.

Os aí arguidos não foram acusados de crime de burla qualificada, porque o POPH os “obrigou” a descontarem no pedido final de financiamento os valores entretanto indevidamente pagos, o que estes aceitaram e fizeram, depois de saberem, daquela denúncia, há cerca de dois meses.

A sociedade autora, a 28 de Maio de 2013, fez uma exposição, solicitando a intervenção da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas para analisar o processo e alterar a certificação emitida pelo Revisor. Tentou junto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas alterar os termos em que foi elaborada a certificação legal de contas do ano de 2012, o que conduziu à prolação de um acórdão do respectivo Conselho Disciplinar, que concluiu que o réu actuou de acordo com o seu julgamento profissional. A “resposta” do Conselho Disciplinar chegou em 19 de Outubro de 2016, concluindo que “não foi provado ter existido negócio simulado tripartido nem que desse acordo tenha resultado prejuízo para o Estado pela via de obtenção de subsídios públicos injustificados”. Refere também que a certificação legal de contas só pode ser impugnada por via judicial e que “De tudo o que antecede não podemos concluir que tenha havido, por parte do ROC DD, incumprimento dos seus deveres profissionais, tendo actuado de acordo com o seu julgamento profissional relativamente à situação relatada.”.

Os autores viram correr contra si um processo crime, que durou 6 anos - bem como os referidos processos disciplinares, nas respectivas ordens profissionais.

No processo-crime onde o réu prestou depoimento como testemunha, este ainda dirigiu vários escritos ao processo, nomeadamente, em 17 de Agosto de 2017, afirmando, designadamente, o seguinte: “... Pela consulta dos documentos que o POPH apresentou na minha Ordem no processo disciplinar que me instaurou, como castigo e, ao que julgo, para obter um documento de defesa para o AA, por não obedecer aos pedidos do Bastonário para não avançar com a Participação do processo-crime, bem como os documentos que apresentou em Tribunal ... Para se entender a postura desatempada e descordenada do POPH, julgo relevante levar ao conhecimento do Tribunal de modo sucinto por agora, que: a) O Bastonário da OROC garantiu ao AA, logo em Abril, que resolvia o assunto comigo, isto é, que a participação ao Ministério Público não seguiria; b) Eu, porque tudo fiz junto do Bispo, do AA e do POPH, só apresentei à OROC o projecto de participação em 21-102013. Passaram-se sete meses; c) Nestes sete meses o AA e o POPH tinham a garantia de que não haveria participação ao Ministério Público; d) Só após a minha imposição que a Participação avançasse, o POPH actuou e a minha Ordem acionou o processo disciplinar para defesa do AA, na certeza que este pressionou o Bastonário várias vezes, após saber que ele não teve força para parar a minha Participação” ... Ao encontrar a fraude nos vencimentos, lembrei-me do que o TOC me tinha dito sobre a razão de fazer “truques” nas Amortizações…Mas uma coisa é certa, o POPH, pelo menos, informou-me que o “esquema” montado pelo S..., S.A. para o enganar estava errado e deu-nos essa informação parcial, o que prova que também aqui o S..., S.A. (os seus agentes) actuou de modo fraudulento e tentaram enganar o POPH e no crime de fraude na obtenção de subsídio a tentativa tem relevância. Não se trata de um erro contabilístico involuntário…Talvez a resposta possa ter duas utilidades: ... Servir para concluir da enormidade feita pelo Fisco ao dizer que o procedimento estava correcto, quando ele está, absolutamente errado e a defraudar o Estado e ao arrepio total da prática corrente da A.T. (A regra é que vê tudo a seu favor e aqui fez o contrário”.

Durante mais de um ano, os autores tiveram que se apresentar no julgamento que corria no Tribunal ... na qualidade de arguidos, sujeitos a pressões, humilhações e desgastes, com o acompanhamento do mesmo, nomeadamente, pela comunicação social. O julgamento teve início a 21 de Junho de 2017 e terminou a 5 de Setembro de 2018.

Os autores foram absolvidos no processo crime, quer no Tribunal de primeira instância, por sentença datada de 5/09/2028, quer no Tribunal da Relação de Coimbra por acórdão de 20 de Março de 2019.

Diversos jornais se interessaram pelo assunto e deram foro de primeira página às imputações dos réus, nomeadamente do 2º réu - tal como aconteceu na primeira página do Jornal ... de 11.02.2017, na primeira página do Jornal ... de 16.03.2017, 14.06.2017, 07.09.2017, 13.09.2018 e 24.01.2019.

A autora S..., S.A., dedica-se ao ensino e à educação, tem mais de 60 anos de existência e é conhecida em todo o país e além-fronteiras pela qualidade dos serviços que presta e dos valores que defende, perante um público alvo com mais de oitocentos alunos, anualmente e centenas de famílias.

Em consequência dos factos supra referidos, foi alvo de comentários e a sua competência e reputação questionadas, quer por pais, quer por trabalhadores, quer pela sociedade envolvente.

O autor AA, sacerdote católico diocesano de Coimbra, Presidente do Conselho de Administração da autora sociedade, director pedagógico do Colégio ..., era, também, à data dos factos, responsável pelo I..., que tem a seu cuidado as publicações periódicas e não periódicas da Diocese ..., bem como director da Escola ... e Ministérios e da Escola  M.., professor nas escolas referidas, membro do Secretariado da Coordenação Pastoral da Diocese .... À data dos factos, o autor AA celebrava missas na Igreja de ..., a maior paróquia da cidade .... Ao longo dos seis anos do processo, sofreu por ver afectada a sua credibilidade e honestidade. Passou a ter preocupações com o seu futuro pessoal e do Colégio, uma vez que a sua honorabilidade, honestidade e bom nome foram postos em causa. Andou ansioso, com dificuldade em dormir. Sentiu a necessidade de permanentemente justificar e esclarecer junto da comunidade educativa (alunos, pais, trabalhadores), acionistas, colegas padres, Bispo ... e paroquianos, e até da família, as notícias que iam sendo publicadas. A última eleição do conselho de administração (triénio 2017-2019) não foi unânime, precisamente por haver um processo crime, ainda não concluído, tal como especificou o acionista TT que votou contra. Em Julho de 2019 e, em consequência dos actos dos réus, foi enviada uma carta anónima para a DGESTE que referia que o director do Colégio, que também é padre, tem um passado duvidoso e de problemas com a justiça. Aliás, tal deu origem a um processo de inquérito pela IGE. A referida decisão judicial absolutória não teve a mesma visibilidade junto da comunicação social. O autor BB é Técnico Oficial de Contas da sociedade autora. Sentiu-se deprimido, instável e consternado, envergonhado, triste, angustiado e revoltado, que o levaram a perder o sono, a paciência e a alegria de viver.

O autor CC, advogado há mais de vinte e cinco anos, foi diversas vezes interpelado por colegas advogados, por juízes, por clientes e por representantes de diversas instituições políticas, sociais e religiosas com as quais contacta no exercício da sua profissão, sobre as imputações feitas pelos réus. Tal abalou o autor CC, ao ver afectados também os seus familiares, os que lhe eram mais próximos e mais queridos, constrangidos, tristes e abalados pelas ditas imputações. A participação feita à Ordem dos Advogados, que abriu um procedimento disciplinar contra o autor CC, causou-lhe tristeza, exaustão e cansaço físico e mental.

Um parecer da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas de 25/09/2017 corroborou o entendimento do réu relativo às irregularidades, inclusive com implicações fiscais, que o réu entende que os autores praticaram.

Também a Autoridade para as Condições de Trabalho, em 28 de Abril de 2014, se pronunciou no sentido do entendimento do réu relativamente à redução dos vencimentos dos trabalhadores da ré sociedade.

O Revisor Oficial de Contas que substitui o réu, e que não colocou reservas à certificação legal de contas da autora sociedade relativa ao ano de 2013, foi sancionado disciplinarmente pela OROC, na medida em que “(...) deveria ter adotado uma posição mais prudente em relação à existência ou não de indícios de fraude (...)” - tendo-lhe sido aplicada uma pena de multa no valor de €1.500, acrescida de €350 de despesas do processo.

O POPH também teve o mesmo entendimento do réu - de que o procedimento levado a cabo pela autora enfermava das ditas irregularidades.

O recebimento, pela autora sociedade dos custos com a alimentação, que eram subsidiados pelo POPH, por intermédio de pagamento efectuado pelos respectivos pais, foi comunicado ao réu por um encarregado de educação. O réu concluiu que a autora apresentava balancetes errados para receber do POPH o que também recebia dos pais dos alunos (total ou parcialmente).”


*

Nada mais se provou com relevância para a decisão, designadamente não se provou:

- que por força da invenção dos réus, a representante do Ministério Público acabou por, a 13 de Dezembro de 2016, acusar os autores do crime de falsificação de documento;

- que por força da actuação infundada e ilícita e culposa dos réus, os autores viram correr contra si um processo crime e processos disciplinares;

- que os réus visavam perseguir notória e injustificadamente os autores;

- que o réu prestou “informações” aos jornais.”

 


***

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Insurgem-se os AA. contra a decisão sobre a matéria de facto proferida pela primeira instância, alegando erro de julgamento por ter decidido de forma contrária à prova produzida, quer por documentos, quer com base nas declarações de parte dos AA. e do próprio R., quer com base no depoimento testemunhal, impetrando que se dê como não provado que:

“Em Março de 2013, o réu tratou de emitir a certificação legal de contas da primeira autora, referentes ao ano de 2012 e, por intermédio da auditora, sua colaboradora, Dr.ª EE, deu-se conta de factos que constam da participação remetida à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.

De imediato, no cumprimento dos seus deveres profissionais, tratou de reunir com o conselho de administração da primeira autora, alertando os respectivos membros das irregularidades detectadas. Porém, a primeira autora não atendeu aos seus reparos e decidiu apresentar as contas para aprovação aos respectivos accionistas.

O réu DD procurara já contactar o FF, admitindo que este, na qualidade de representante do principal accionista da autora sociedade (a Diocese ...) pudesse chamar à razão o autor AA. No entanto, tal não surtiu o referido efeito.

O réu DD também contactou o POPH, em 2 de Abril de 2013, com o objectivo de ver esclarecidas as dúvidas já referidas e poder emitir a certificação legal de contas de 2012. Com base na informação fornecida, o réu DD entendeu que a primeira autora pedira subsídios com base em valores de vencimentos pagos aos seus trabalhadores que não eram verdadeiros - que a primeira autora registou na sua contabilidade custos com pessoal superiores aos que efectivamente suportou e com este erro levou o POPH a pagar-lhe mais em subsídio do que o devido.

Não concordando com o parecer, por não responder ao problema que suscitou, foi pedido novo parecer, tendo os autores diligenciado inclusivamente para que o jurista estivesse presente na assembleia geral de 6 de Maio e respondesse a todas as dúvidas.

Na assembleia geral da primeira autora, realizada a 08/04/2013, com continuação a 06/05/2013, destinada a aprovar as referidas contas de 2012, o réu DD, estando presente, informou os accionistas de que iria participar os factos em causa ao Ministério Público - até

 porque entendia que o parecer, subscrito pelo Dr. GG (constante do doc. ... junto com a p.i.), trazido à reunião pelos autores para suportar uma eventual aprovação das contas, entre outras questões, não tratava das questões relativas às irregularidades junto do POPH.

Os réus solicitaram ao Professor Dr. HH um parecer sobre as questões em causa, parecer que corroborou o entendimento do réu.

Um parecer da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas de 25/09/2017 corroborou o entendimento do réu relativo às irregularidades, inclusive com implicações fiscais, que o réu entende que os autores praticaram.

Também a Autoridade para as Condições de Trabalho, em 28 de Abril de 2014, se pronunciou no sentido do entendimento do réu relativamente à redução dos vencimentos dos trabalhadores da ré sociedade.

O Revisor Oficial de Contas que substitui o réu, e que não colocou reservas à certificação legal de contas da autora sociedade relativa ao ano de 2013, foi sancionado disciplinarmente pela OROC, na medida em que “(...) deveria ter adotado uma posição mais prudente em relação à existência ou não de indícios de fraude (...)” - tendo-lhe sido aplicada uma pena de multa no valor de €1.500, acrescida de €350 de despesas do processo.

O POPH também teve o mesmo entendimento do réu - de que o procedimento levado a cabo pela autora enfermava das ditas irregularidades.

O recebimento, pela autora sociedade dos custos com a alimentação, que eram subsidiados pelo POPH, por intermédio de pagamento efectuado pelos respectivos pais, foi comunicado ao réu por um encarregado de educação. O réu concluiu que a autora apresentava balancetes errados para receber do POPH o que também recebia dos pais dos alunos (total ou parcialmente).”

Mais requerem que se dê como provado:

 “que por força da invenção dos réus, a representante do Ministério Público acabou por, a 13 de Dezembro de 2016, acusar os autores do crime de falsificação de documento;

que por força da actuação infundada e ilícita e culposa dos réus, os autores viram correr contra si um processo crime e processos disciplinares;

que os réus visavam perseguir notória e injustificadamente os autores;

que o réu prestou “informações” aos jornais.”

Do invocado erro de julgamento

 

Estatui o artº 640, nº1, do C.P.C. que pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os meios probatórios que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

No que se reporta à especificação dos meios probatórios, dispõe o nº1, alínea a, deste preceito, que quando estes tenham sido “gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Deste preceito, resulta assim a imposição de dois ónus ao recorrente: “- um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – art. 640.º, n.º 1, do CPC; e - um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC.[3], que se destina fundamentalmente a auxiliar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova relevantes, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa que decorrem do disposto na alínea b, do nº2, do artº 640 e do nº2, alínea c) do artº 662 do C.P.C.

Do teor destes preceitos decorre a garantia de um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, impondo-se à Relação que forme a sua própria convicção e que, mesmo oficiosamente, intervenha, alterando-a quando os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente assim o impuserem e, anulando a decisão sobre a matéria de facto, quando a repute deficiente, obscura ou contraditória.

Este poder/dever da Relação incide não só sobre o acervo fáctico fixado pelo tribunal a quo, mas também sobre a existência de factos alegados pelas partes constitutivos da causa de pedir e de eventuais excepções, desconsiderados pelo tribunal recorrido, bem como sobre aqueles factos que, integrando-se no disposto no nº2 do artº 5 do C.P.C., devessem ter sido considerados na sentença e o não tenham sido.

O exercício deste duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, está dependente do efectivo cumprimento do dever de fixação de factos na sentença, conforme o impõe o artº 607 do C.P.C. Dispõe este preceito legal, nos seus nºs 3 e 4 que na fundamentação da sentença, o juiz deve discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, devendo ainda tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova previsto pelo nº5 deste preceito legal.

Esta apreciação, conforme refere Miguel Teixeira de Sousa[4], “baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”. Deste princípio da livre apreciação da prova, excepcionam-se apenas, cfr. dispõe o nº5 do artº 607 do C.P.C., os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, os que só possam ser provados por documentos e os que estejam já plenamente provados por documentos, por acordo ou por confissão das partes.
A respeito do cumprimento do dever de fundamentação constante deste preceito legal, refere Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação ao artº 607 do C.P.C.[5], que esta factualidade deve “ser descrita pelo juiz de forma fluente e harmoniosa (…) Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, se inscreveram nos temas de prova factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos, a qual deve ser convertida num relato natural da realidade apurada… […]. O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção.”

São pois os factos jurídicos concretos que devem ser considerados na decisão recorrida, estando vedado ao juiz consignar na decisão a proferir meras juízos conclusivos e genéricos, pois que estes não constituem factos, não representam a realidade sobre a qual terá de incidir o direito. Factos, conforme nos ensina LEBRE DE FREITAS[6], são realidades que correspondem “ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido”, conforme decorre do disposto nos artºs 5 nº 1 e 552, nº1, d), do C.P.C.

Assim, embora não conste do novo C.P.C. norma idêntica à que constava do artº 646 nº4 do C.P.C. (D.L. 329-A/95), deste preceito resulta que se mantém a obrigação de “em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação.”[7]

Nestes termos e, à semelhança do que constava deste preceito e decorre actualmente do disposto nos artºs 607, nº 4 e 662, nº2, c), do C.P.C., deve o Tribunal da Relação considerar por não escritos os pontos da matéria de facto que contenham matéria de direito, juízos conclusivos e genéricos.

 Volvendo à impugnação da matéria de facto, os alegados pontos de facto impugnados pelo recorrente e, em geral, toda a suposta “matéria de facto” fixada pelo tribunal a quo, no essencial não contém factos, mas meras conclusões e juízos valorativos, reunindo num mesmo parágrafo, não numerado, factos respeitantes à certificação legal de contas, existência de reuniões da Assembleia de accionistas da 1ª A. e participações à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, às ordens profissionais dos AA. e ao M.P., com meras conclusões e juízos valorativos que nada nos dizem sobre o que em concreto foi objecto da participação e qual a relevância desses factos para os alegados prejuízos sofridos pelos AA.

Sendo invocado pelos AA. a prática de actos ilícitos pelos RR., ofensivos da sua honra e reputação (direitos constitucionalmente protegidos no artº 26 da Constituição), são factos constitutivos da sua pretensão, os integradores do ilícito, da culpa, do dano e do nexo de causalidade entre estes factos e o invocado dano. 

É sobre estes factos que deve incidir a instrução da causa, conforme decorre do disposto nos artºs 410 e segs do C.P.C., em consonância aliás com o que se fez constar dos temas da prova fixados no despacho saneador. Com efeito, fez-se consignar neste despacho que constituíam temas de prova, os seguintes:

“Circunstancialismo relativo à participação feita ao DIAP e ao processo crime a que a mesma deu origem;

Circunstancialismo relativo à participação feita à Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas;

Circunstancialismo relativo à participação feita à Ordem dos Advogados;

Circunstancialismo relativo às diligências feitas pelo réu antes da participação feita ao DIAP ... e seus resultados/consequências;

Circunstancialismo relativo aos danos não patrimoniais alegadamente sofridos por cada um dos autores em consequência da alegada conduta dos réus, nomeadamente:

-divulgação dos factos pela comunicação/social jornais, comentários, interpelações por terceiros;

-danos ao bom nome dos autores;

-pressões, humilhações, desgaste, exaustão, ansiedade, dificuldades em dormir, depressões, vergonha tristeza, angústia, revolta, etc.”

Este circunstancialismo refere-se a factos. Eram estes que tinham de ter sido alegados, que integravam o tal circunstancialismo e eram estes factos que, se não objecto de confissão, importava provar, quer por documentos, quer por prova testemunhal ou por declarações de parte.

E este dever de alegação de factos perceptíveis e devidamente encadeados não é suprido pela remissão para documentos que são meios de prova de factos e não os podem substituir.[8]

Ora, em relação ao primeiro ponto impugnado que o recorrente identificou como o ponto 11 (embora não conste esta numeração, nem outra qualquer pelo tribunal recorrido), apenas constitui facto que “Em Março de 2013, o réu tratou de emitir a certificação legal de contas da primeira autora, referentes ao ano de 2012”. Já quanto ao demais dele constante não se sabe a que factos se refere este ponto, por que não descritos no mesmo e aliás, nem em nenhum dos pontos que antecedem. A remissão para a “participação remetida à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.”, não supre esta deficiência, porque também não consta da sentença recorrida, o que foi participado em concreto a esta Ordem e qual a sua relevância para os alegados danos que os AA. se arrogam.

Como não constam as razões (o circunstancialismo referido nos 4 primeiros temas de prova) para a alegada participação de factos que pudessem constituir ilícito fiscal e criminal, pois que no ponto seguinte impugnado pelos recorrentes o que resulta é que o 2º R. “tratou de reunir com o conselho de administração da primeira autora, alertando os respectivos membros das irregularidades detectadas. Porém, a primeira autora não atendeu aos seus reparos e decidiu apresentar as contas para aprovação aos respectivos accionistas.” Não se sabe que irregularidades foram então detectadas, se coincidentes com as que constam da participação feita ao DIAP ..., nem quais os reparos feitos e que não foram atendidos pelo conselho de administração da 1ª A., nem as razões para tal.

De igual modo, quanto aos alegados contactos do 2º R. como o FF, alegadamente relevantes para a causa, a redacção dada a este ponto, também impugnado, é completamente opaca e incompreensível, pois que em bom rigor, de toda a sentença não são indicados os factos que pudessem constituir irregularidade fiscal e/ou criminal que tenham sido detectados pelo 2º R. antes desta Assembleia, o que foi concretamente comunicado pelo R. à Assembleia (os tais “reparos”) e o que nela foi decidido e porquê (as razões de não terem sido atendidos os alegados “reparos”).

Relativamente aos contactos com o POPH, também não se sabe que dúvidas o R. pretendeu ver esclarecidas e muito menos qual a informação alegadamente prestada pelo POPH que levou o R. a entender, e porquê, “que a primeira autora pedira subsídios com base em valores de vencimentos pagos aos seus trabalhadores que não eram verdadeiros - que a primeira autora registou na sua contabilidade custos com pessoal superiores aos que efectivamente suportou e com este erro levou o POPH a pagar-lhe mais em subsídio do que o devido.”  

É uma conclusão genérica e vaga que não pode constar da sentença, mas que deveria constar de factos dos quais se pudesse retirar essa ilacção (que subsídios, que vencimentos, que valor foi pago a mais) de forma a poder concluir-se que o R. actuou no exercício de um dever ou, pelo contrário, se limitou a participar factos que bem sabia serem falsos, com intenção de prejudicar e ofender os AA.

A enunciação do pedido de parecer, ou pareceres (jurídico/fiscais), feita na decisão recorrida e sua relevância jurídica é igualmente obscura e incompreensível. Fazer-se constar da matéria de facto que “Não concordando com o parecer, por não responder ao problema que suscitou, foi pedido novo parecer, tendo os autores diligenciado inclusivamente para que o jurista estivesse presente na assembleia geral de 6 de Maio e respondesse a todas as dúvidas.” e que este parecer “entre outras questões, não tratava das questões relativas às irregularidades junto do POPH”. equivale a erigir em facto uma enunciação genérica, obscura porque quem a lê nada apreende do seu conteúdo e que teria de ser corporizada com factos (o tal circunstancialismo que cumpria apurar).

O mesmo se dirá dos supostos factos relativos aos pareceres pedidos pelos RR. e que, segundo se fez constar na decisão recorrida, corroborou “o entendimento do réu.” É uma conclusão a retirar do parecer, mas que não constitui facto. Não se sabe, lendo a matéria de facto, a que pareceres se refere, quais as dúvidas que visavam esclarecer e quais as questões a que não respondiam e qual a conclusão destes pareceres para se apurar afinal se corroboravam ou não o entendimento do 2º R. e se se justificavam as participações ao M.P. e Ordens Profissionais, ou se, pelo contrário, conforme alegam os AA., estes excedeu o seu dever, enquanto ROC, de participação de irregularidades na contabilidade que pudessem constituir ilícito fiscal e criminal, e se limitou a perseguir os AA.

Por outro lado, constitui igualmente uma enunciação genérica e obscura fazer-se consignar que “Na assembleia geral da primeira autora, realizada a 08/04/2013, com continuação a 06/05/2013, destinada a aprovar as referidas contas de 2012, o réu DD, estando presente, informou os accionistas de que iria participar os factos em causa ao Ministério Público – até porque entendia que o parecer, subscrito pelo Dr. GG (constante do doc. ... junto com a p.i.), trazido à reunião pelos autores para suportar uma eventual aprovação das contas, entre outras questões, não tratava das questões relativas às irregularidades junto do POPH.” Não se sabe, mais uma vez, nem que factos iriam ser participados, nem de que irregularidades se tratava.

Da mesma deficiência enferma o suposto facto de que “Também a Autoridade para as Condições de Trabalho, em 28 de Abril de 2014, se pronunciou no sentido do entendimento do réu relativamente à redução dos vencimentos dos trabalhadores da ré sociedade.” È uma conclusão que não pode, nem deve constar da sentença, e que terá de ser retirada de factos que não constam da suposta matéria de facto. 

Quanto ao alegado entendimento do POPH, erigido em matéria de facto, enferma este na sua redacção de vício idêntico. É conclusivo e obscuro, por ausência de factos, fazer consignar que o “POPH também teve o mesmo entendimento do réu - de que o procedimento levado a cabo pela autora enfermava das ditas irregularidades.” Quais irregularidades e que entendimento? Resultante este alegado entendimento de que ofício, comunicação, ou outro qualquer provindo desta entidade?

Todos os pontos acima referidos enfermam de vícios que determinariam a sua exclusão da suposta “matéria de facto”, por se tratar de enunciação genérica, obscura e conclusiva.

Não se trata, no entanto, dos únicos pontos da “matéria de facto”, que enfermam destes vícios.

Os demais “factos” constantes desta sentença, como provados (e mesmo os não provados), pese embora não objecto de impugnação por via do artº 640 do C.P.C., enfermam, em maior ou menor medida, da mesma deficiência e obscuridade.

A matéria de facto, relativa às participações feitas pelos RR., para além do facto de que efectivamente foram feitas e objecto de decisão de arquivamento, deveria conter, porque relevante para a decisão da causa, tendo em conta a alegada ofensa ao bom nome e reputação dos AA., os factos participados, as razões desta participação (o circunstancialismo referido em sede de temas de prova) e as razões da decisão de arquivamento. São estes factos que podem integrar o ilícito imputado aos RR. E são precisamente estes factos que não constam da decisão, embora este circunstancialismo até tenha sido minimamente alegado nos artºs 79 a 93 da p.i.

Fazer-se consignar que “Da leitura da referida participação-crime e das participações disciplinares, resulta que se encontram denunciados factos subsumíveis, em abstracto, aos crimes de fraude na obtenção de subsídios e de fraude fiscal.”, é incluir um juízo conclusivo que não tem lugar na matéria de facto. O que teria lugar nesta matéria de facto seria o teor das aludidas participações disciplinares, uma vez que o teor da participação remetida ao DIAP se encontra minimamente reproduzido na matéria de facto.

 No que se reporta ao parágrafo relativo à inquirição do 2º R. em sede de inquérito, mantêm-se as apontadas deficiências. Seria relevante fazer constar que “No âmbito do mesmo processo crime, foi o réu, a 6 de Dezembro de 2013, inquirido” se se descrevesse o por este afirmado, se relevante para os factos respeitantes ao ilícito imputado ao R., de ofensa culposa do bom nome e reputação dos AA.

Os pontos seguintes “A 12 de Dezembro de 2013, remeteu aos autos criminais uma exposição da sua versão dos factos, mais uma vez, imputando a prática dos crimes aos aqui autores. A 24 de Julho de 2014, os réus remeteram ao mesmo processo crime, aquilo que apelidaram de “alegações de novos factos”, são igualmente conclusivos e obscuros, pois o que haveria que levar à matéria de facto, são os factos, as expressões alegadamente utilizadas pelos RR. que, em tese, pudessem ser ofensivas do bom nome e reputação dos AA., não constituindo, por si só, qualquer ilícito, a exposição de factos. Há que explicar que factos e porque razão constituem um ilícito.  

Fazer-se consignar ainda na matéria de facto que “Os aí arguidos não foram acusados de crime de burla qualificada porque o POPH os “obrigou” a descontarem no pedido final de financiamento os valores entretanto indevidamente pagos, o que estes aceitaram e fizeram, depois de saberem, daquela denúncia, há cerca de dois meses.”, é fazer-se consignar uma conclusão, obscura e incompreensível, que deveria ser retirada de factos concretos, descriminados e perceptíveis.

As mesmas razões obstam à inclusão como facto de “Diversos jornais se interessaram pelo assunto e deram foro de primeira página às imputações dos réus, nomeadamente do 2º réu - tal como aconteceu na primeira página do Jornal ... de 11.02.2017, na primeira página do Jornal ... de 16.03.2017, 14.06.2017, 07.09.2017, 13.09.2018 e 24.01.2019.” Mas que imputações são estas? Feitas pelos RR. talvez não, porque ao mesmo tempo, se deu como não provado que os RR. tenham passado informações para os jornais. Constantes então da acusação deduzida pelo M.P.? E o que se fez constar afinal destes jornais, potencialmente ofensivo dos direitos de personalidade dos AA.?
Por outro lado, o suposto facto referente à 1ª A., “Em consequência dos factos supra referidos, foi alvo de comentários e a sua competência e reputação questionadas, quer por pais, quer por trabalhadores, quer pela sociedade envolvente”, carece de especificação. Em consequência da prática de que factos e em que medida estes factos levaram a que a competência e reputação desta A. fosse questionada? Em que termos e porque meios foi questionada?   
E se a “honorabilidade, honestidade e bom nome” do A. AA foram postos em causa, cabe indicar por quem e decorrente da prática de que factos. Por causa das notícias que iam sendo publicadas”? Por causa da acusação deduzida pelo M.P., resultante (ou não) de afirmações específicas feitas pelos RR.? Na formulação que consta da sentença estas conclusões genéricas são ainda obscuras e contraditórias com o demais consignado, também em jeito de conclusão, na matéria não assente.
Por outro lado, não se pode fazer consignar que “Em Julho de 2019 e, em consequência dos actos dos réus, foi enviada uma carta anónima para a DGESTE que referia que o director do Colégio, que também é padre, tem um passado duvidoso e de problemas com a justiça”, sem explicitar quais os actos dos RR. que foram causais desta carta e qual a sua relevância (se alguma) para os alegados danos.
O mesmo se dirá em relação às supostas “imputações dos RR.” que constam referidas como causa dos danos sofridos pelo A., CC, que carecem igualmente de concretização. Quais imputações dos RR. é que foram causa destes danos?
Em suma, a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, não contém matéria de facto, não contém a indicação de factos concretos e individualizados, relevantes para a decisão da causa. Pelo contrário, contém reunidos em parágrafos, um acervo de conclusões genéricas e alegações obscuras que não identificam em momento algum, os supostos factos praticados pelos RR. que pudessem, em tese, integrar a previsão normativa invocada e pudessem constituir causa adequada dos danos alegadamente sofridos pelos AA.
Reproduziu o juiz de primeira instância os articulados de AA. e RR., sem qualquer preocupação quanto à suficiência desta matéria de facto, nem de escolha e individualização dos factos relevantes para a decisão a proferir, constantes das participações apresentadas pelos RR., da acusação do M.P. e da sentença proferida nos autos. Não se pronunciou sequer sobre o circunstancialismo alegado nos artº 79 a 93 da p.i., apesar de incluir este tema de prova no despacho saneador.
Não apreciou, em momento prévio à decisão, a suficiência ou insuficiência para o caso em discussão, dos factos alegados pelas partes, dever que se lhe impunha como decorre do disposto no artº 590 nº4 do C.P.C.
Não é, infelizmente, o único vício assacado à decisão recorrida. Especificados os factos provados e não provados, exige-se que o juiz indique o processo lógico racional seguido para dar como provados uns determinados factos e não provados outros.
Conforme refere ABRANTES GERALDES “o dever de fundamentação introduzido pela reforma de 1961, reforçado em 1995 e agora transferido para a própria sentença que simultaneamente deve conter a enunciação dos factos provados e não provados e as respectivas implicações jurídicas “ exige que “se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos (…).”[9]
Ora, na sua fundamentação, o tribunal recorrido enunciou os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos, mas não efectuou uma apreciação crítica da prova produzida, não indicou os factos que considerara provados por acordo, por documento, por prova testemunhal ou pelas declarações das partes, nem a relevância dada aos depoimentos prestados nos autos, em conjunto com a demais prova documental produzida, nem sequer o valor que atribuiu à extensa prova documental, por referência aos factos, ou conjunto de factos, que se destinavam a provar. Da fundamentação constante desta decisão, não se percebe o raciocínio lógico seguido pelo tribunal recorrido, nem a sua ligação aos factos, afigurando-se como se constituíssem peças jurídicas, dissociadas uma da outra, e não a fundamentação da decisão recorrida. Ora, o dever de fundamentação exigido ao magistrado judicial é um princípio constitucional imanente a um estado de direito (cfr. artº 205 da Constituição), integra-se no direito a um processo equitativo e exige que o juiz fundamente de facto e de direito a sua decisão, em termos devidamente perceptíveis pelos seus destinatários.

Posto isto, a alínea c), do n.º 2, do art.º 662º do CPC, confere ao Tribunal da Relação poderes oficiosos de cassação para “anular a decisão proferida na 1ª instância…” entendendo-se tal poder como subsidiário dos poderes de reexame dos factos. O tribunal da Relação pode e deve “substituir-se ao tribunal de 1ª instância, desde que disponha de todos os elementos probatórios necessários ao suprimento dos vícios, alterando a decisão de facto, mesmo sem ter havido impugnação da mesma.”[10]

Subjacente ao disposto neste artº 662º, nº 2, alínea c) e ao disposto no artº 665 do C.P.C. que determina que mesmo sendo nula a decisão o tribunal deve conhecer da apelação, está o princípio da celeridade e do aproveitamento dos actos processuais, possível apenas quando o estado dos autos o permita, esteja devidamente salvaguardado o princípio constitucional do contraditório e assegurado o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.

Conforme se decidiu no Ac. da Rel. de Lisboa de 22/03/2022[11] “(…) um dos princípios basilares do atual sistema recursório civil é o da garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto (cf. Artigos 640º e 662º do Código de Processo Civil; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2021, Vieira e Cunha, 513/19, de 26.5.2021, Luís Espírito Santo, 3277/12 e 31.6.2016, Garcia Calejo, 1572/12; Rui Pinto,
O Recurso Civil. Uma Teoria Geral, AAFDL, 2017, p. 228).

Na análise de Rui Pinto, ao direito de ação universal, contrapõe-se um direito ao recurso mínimo que cumpra a função de válvula de segurança residual. Concretizando esse direito ao recurso mínimo, afirma que «o direito à verdade material imporá um recurso por erro de facto, não para todas, mas para as situações mais graves e manifestas» - Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL, 2020, pp. 120-122.

O dever de substituição previsto no Artigo 665º, nº1, visa, em primeira linha, conduzir a uma resolução célere do litígio, no pressuposto de que o Tribunal da Relação disponha dos elementos necessários para tal (cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed., p. 381). Todavia, a esse valor da celeridade há que contrapor o da garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, afigurando-se que este valor é mais garantístico e proeminente para a realização de um processo equitativo, na vertente de um processo que permita, num prazo razoável, a descoberta da verdade material e a prolação de uma decisão ponderada (Artigo 20º, nº4, da Constituição; cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª ed., p. 441). Havendo que se sacrificar um dos valores, cremos que deverá ser o da celeridade, …”.

Nesta medida, como se refere ainda em Ac. do TRP de 04/05/2022[12], “enferma de nulidade a decisão a que falte clareza e precisão na indicação da matéria de facto, pois uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode afectar a compreensibilidade do acervo fáctico que se tem por relevante para sustentar a decisão da causa, comprometendo o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contendendo com o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva.”

Assim, deve a Relação anular a decisão proferida quando os autos não forneçam os elementos necessários à sua alteração ou quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto adquirida pelo tribunal recorrido, nomeadamente por ter sido omitido despacho de aperfeiçoamento, em face das insuficiências da exposição de facto. Com efeito, no caso de os articulados enfermarem de imprecisões ou deficiências na exposição da matéria de facto, que possam comprometer o sucesso da acção (deficiências relevantes segundo as várias soluções plausíveis de direito), deve o juiz de primeira instância, convidar a parte a suprir estas deficiências nos termos e para os efeitos do artº 590 nº4 do C.P.C.

No presente caso, estas deficiências eram manifestas nos articulados, dos quais constam alegações genéricas por remissão para documentos. Ora, conforme já referido, os documentos são meios de prova e não substituem a alegação de factos concretos e individualizados. Condicionaram a decisão proferida e a prova produzida, conforme decorre da fundamentação, feita por referência a conclusões, que foram repetidas e reproduzidas na sentença.

Nesta medida, porque no âmbito do artº 652 nº2 c) se inclui o dever de anulação oficiosa, também para que se profira despacho de aperfeiçoamento dos articulados[13], colmatando as deficiências e imprecisões de que estes enfermam, determina-se a anulação do julgamento e da sentença proferida em primeira instância, para prolacção de despacho de correcção da matéria de facto indicada na p.i. e na contestação, nos termos acima referidos, realizando-se novo julgamento e proferindo após o Juiz da causa nova decisão, devidamente fundamentada nos termos previstos no artº 607 do C.P.C.
   


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DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em anular a sentença recorrida nos termos previstos no artº 662 nº2 c) do C.P.C., ordenando ao tribunal recorrido que profira despacho de aperfeiçoamento dos articulados, para sanação das deficiências acima apontadas e após proceda a novo julgamento da causa e profira sentença, com indicação individualizada dos factos, indicando a sua fundamentação, nos termos do artº 607 nº4 e 5 do C.P.C.

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Custas pela parte que vier a ser vencida. (artº 527 nº1 do C.P.C.).

                                                           Coimbra 13/12/22






[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Ac. do STJ de 16/12/20, de que foi Relator Santos Bernardino, proferido na Revista nº 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.

[4]TEIXEIRA DE SOUSA MIGUEL, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 347
[5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 17[5].
[6] Ação Declarativa Comum, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 41. Neste sentido, vide ainda PIMENTA, Paulo, Processo Civil Declarativo, 2ª edição, Almedina, pág. 153.
[7] Acs. do STJ de 12-07-2018, Revista n.º 88/14.7TJPRT.P3.S2 e de 12-01-2021, Revista n.º 2999/08.0TBLLE.E2.S1, disponíveis em www.dgsi.pt

[8] Conforme entendimento seguido nesta Relação e Secção, de que é exemplo o Ac. de 15/12/21, proferido na apelação n.º 1934/19.4T8GRD-A.C1, de que foi relator o Sr. Desembargador Falcão de Magalhães.

[9] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, págs. 296, 297. No mesmo sentido vide Ac. do S.T.J. de 02-10-2008, relator Lázaro Faria, Proc. nº 07B1829; Ac. do T.R.Porto de 05-03-2015, relator Aristides Rodrigues de Almeida, Proc. nº 1644/11.0TMPRT-A.P1 e Ac. do T.R.Guimarães de 29/06/17, Proc. nº 13/15.8T8VCT.G1, todos disponíveis in www.dgsi.pt .

[10]Ac do STJ de 25/02/2021, proc. 1596/17.3T8PRT.P1.S1, consultável in wwww.dgsi.pt

[11] Proferido no proc. nº 2274/19.4T8LSB-A.L1-7, de que foi Relator Luís Filipe Pires de Sousa, disponível in www.dgsi.pt

[12] Proferido no proc. nº 14614/21.1T8PRT.P1, disponível in www.dgsi.pt. 
[13] ABRANTES GERALDES, António Santos, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., pág. 294, nota 436, refere que TEIXEIRA DE SOUSA, admite a anulação da decisão para ampliação da matéria de facto.