Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
633/11.0TBFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: EXECUÇÃO
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
APOSIÇÃO DE FORMA EXECUTÓRIA
FUNDAMENTOS
OPOSIÇÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 01/14/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 814º, O ART. 857º DO C.P.C.
Sumário: I – Perante a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 814º, nº 2, do anterior C.P.C. – decorrente do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 388/2013 (publicado no D.R., I Série de 24/09/2013) –, a oposição que, no domínio da vigência do referido diploma, seja deduzida a execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória não está limitada aos fundamentos enunciados no art. 814º, nº 1, podendo basear-se em quaisquer outros factos ou circunstâncias que possam ser invocados no processo de declaração.

II – Embora tenha vindo ampliar os fundamentos da oposição à execução baseada em requerimento de injunção que estavam definidos no supra citado art. 814º, o art. 857º do C.P.C. actualmente vigente ainda contempla limitações ao exercício desse direito que, em princípio, não serão consentidas pela doutrina subjacente à declaração de inconstitucionalidade do anterior art. 814º, nº 2, mas, independentemente da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da nova norma, ela apenas poderá ser aplicada às oposições deduzidas após a sua entrada em vigor, como decorre do disposto no art. 6º, nº 4, da Lei nº 41/2003, que aprovou esse diploma.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A... , Ldª, com sede na Rua (...), Mira, intentou processo de execução contra B..., Ldª, C... e D... , pedindo o pagamento da quantia de 10.604,61€ e juros no valor de 665,48€, com fundamento em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executiva pelo Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções, devido à falta de oposição.

A Executada, D..., veio deduzir oposição à execução, sustentando, em suma, que nada deve à Exequente com quem nunca teve qualquer contacto e, desconhecendo o documento que serviu de base à injunção, também não sabe se a sua assinatura não terá sido usada abusivamente ou até falsificada.

Respondeu a Exequente, dizendo que a oposição deveria ter sido liminarmente indeferida, porquanto, como decorre do disposto no art. 814º, nº 2, do C.P.C., apenas poderia ter como fundamento os que estão elencados no nº 1 dessa disposição, o que não acontece com a oposição aqui deduzida. Sustenta que os factos agora invocados podiam e deviam ter sido invocados em sede de oposição ao requerimento de injunção e que, não o tendo feito, a Executada actua com abuso de direito ao vir agora invocar tais factos.

Assim e impugnando os factos alegados pela Oponente, conclui pedindo a procedência da nulidade por ilegal admissão liminar da oposição ou a rejeição da oposição por inadmissibilidade legal e, se assim não for entendido, a improcedência da oposição.

A Executada respondeu, dizendo que não há título executivo, porquanto não foi invocada a relação geradora de direitos e obrigações que motivou a execução e nem sequer foram juntos quaisquer documentos que a comprovassem.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a nulidade invocada pela Exequente, bem como a excepção de inadmissibilidade legal da oposição à execução, julgando ainda improcedente a questão suscitada pela Executada referente à inexistência ou nulidade do título executivo e relegando para final a apreciação do abuso de direito.

Foi efectuada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando procedente a oposição, determinou a extinção da instância executiva que corre termos contra a Oponente e o levantamento das penhoras que oneram o seu património.

Inconformada, a Exequente veio interpor recurso de apelação a incidir sobre a sentença e sobre o despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a invocada nulidade do despacho liminar de recebimento, bem como a excepção de inadmissibilidade legal da oposição à execução, formulando as seguintes conclusões:

A) Vem o presente recurso interposto do despacho saneador proferido pelo Tribunal de primeira instância – que julgou improcedente a invocada nulidade do despacho de recebimento liminar da oposição à execução e, bem assim, a arguida excepção de inadmissibilidade legal da oposição à execução – e da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a oposição à execução totalmente procedente e, consequentemente, extinguiu a instância executiva, bem como, nessa sequência, ordenou, o levantamento das penhoras.

B) Tendo a execução em crise por base um requerimento injuntivo ao qual foi aposta fórmula executória, é entendimento da Apelante que os fundamentos deduzidos em sede de Oposição à Execução, os quais se subsumem ao não reconhecimento da dívida exequenda, não se enquadram no elenco legal, taxativamente previsto no n.º 1 do art. 814.º do CPC ex vi do seu n.º 2, pelo que tal articulado deveria ter sido alvo de indeferimento liminar, bem como, a não se verificar tal rejeição, ser a mesma julgada improcedente, por inadmissibilidade legal.

C) Carece de suporte legal o entendimento professado pela Tribunal a quo de que tais normativos legais têm de ser interpretados em conformidade com os arts. 2.º, 20.º, 13.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa, sendo possível ao executado lançar mão em sede de oposição à execução de quaisquer meios de defesa que posam ser invocados no processo de declaração.

D) Fundando-se tal entendimento, ora objecto de sindicância, na defesa dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à defesa, temos que tais princípios não se acham afectados com o entendimento contrário, atenta a obediência dos mesmos no âmbito do procedimento injuntivo, de resto o único que tem acolhimento na letra do art. 814.º do CPC.

E) Admitindo o procedimento de injunção a dedução de oposição ao requerimento, a oposição à execução baseada no mesmo e ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas é permitida com base nos fundamentos previstos no art. 814.º n.º 1 do Código de Processo Civil.

F) A acolher-se entendimento diverso, como o pugnado pelo Tribunal a quo, desvirtuar-se-ia todo o procedimento injuntivo, pois ao permitir que o requerido se possa defender em sede executiva com qualquer fundamento que possa ser invocado no processo declarativo, leva a uma inaceitável frustração das legítimas expectativas de quem recorre a tal expediente como meio legal e idóneo para a efectivação de um direito e se acha detentor de um título executivo, dado o mesmo sempre poder ser posteriormente abalado como se de um mero documento particular se trate, o que constitui uma frontal violação do princípio da protecção da confiança ínsito no Estado de Direito Democrático estatuído no art. 2.º da CRP.

G) Não se compreende, desta feita, como pode um requerimento injuntivo ao qual foi aposta fórmula executória e no qual não existiu qualquer intervenção jurisdicional, única e exclusivamente porque a Executado não quis, ser equiparada e ter o mesmo valor a um mero título extrajudicial, apontando entendimento diverso do ora pugnado, esse sim, para a violação do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP.

H) A Apelada em sede de oposição à execução não se insurge contra a diminuição de garantias proporcionadas pelo procedimento injuntivo, nem tal se verifica in casu, limitando-se a afirmar que “o executado C..., aquando da notificação da injunção, disse-lhe não ligues a isso”.

I) A nova redacção do normativo legal que estatui os “fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção”– art. 857.º do Novo CPC, ultrapassou e sanou a questão da inconstitucionalidade determinada pelo acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 437/2012, de 26/09/2012 – publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 211, de 31 de Outubro de 2012, indo de encontro com o entendimento professado.

J) Decidindo de forma diversa, isto é, pela admissibilidade legal da oposição à execução deduzida, violou o tribunal a quo no despacho saneador proferido disposto nos 814.º, 816.º e 817.º n.º 1 alínea c) do CPC e art. 857.º do NCPC, 8.º e 9.º do Código Civil e 2.º, 13.º e 20.º da CRP, padecendo, desta feita, o despacho recorrido de ilegalidade e de inconstitucionalidade;

K) Pelo que o despacho saneador proferido pelo tribunal a quo que admitiu a oposição à execução deduzida pela Apelada, deverá ser anulado e substituído por acórdão que indefira liminarmente a oposição à Execução deduzida, por manifesta improcedência ou, se se entender que não deve haver lugar à rejeição de tal articulado, deverá, de todo o modo, a Oposição à Execução ser julgada improcedente, por inadmissibilidade legal.

L) Caso este Venerando Tribunal não conclua como exposto, sempre da prova produzida teria de se concluir pela total improcedência da oposição à execução deduzida, mormente atenta a ausência de prova quanto à verificação de circunstâncias impeditivas e/ou extintivas do direito da Exequente/Apelante.

M) Na modesta opinião da Apelante, atenta a prova constante dos autos, mormente a produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provada a factualidade constante da alínea c) dos factos provados (quesito 2.º da base instrutória), porquanto, em suma, não foi produzida prova de que a Apelada não garantiu pessoalmente o acordo celebrado entre a sociedade executada e a exequente.

N) Do depoimento de parte prestado em audiência pelo representante legal da Exequente, gravado no sistema Media Studio com o registo temporal de 12-03-2013 das 9:59:01 às 10:25:17, único elemento probatório em que o Tribunal a quo se suportou já que a demais prova não incidiu sobre tal concreta factualidade, não resultou a confissão de quaisquer factos desfavoráveis à Exequente, pelo que não podia o mesmo ser valorado, e mesmo que assim se não entenda, do mesmo não resultou prova efectiva da não prestação da garantia por parte da Oponente pelo que nunca poderia ser valorado.

O) De per si, inexistindo qualquer outro elemento probatório, tal como concluiu o Tribunal a quo, o depoimento de parte prestado em audiência, que aliás foi consentâneo com a posição da Exequente, não poderia levar a que se concluísse pela prova efectiva da factualidade constante da alínea c) dos factos provados, a qual incumbia à Oponente sendo que a mesma não produziu qualquer prova.

P) O mesmo é dizer que a análise crítica da prova constante dos autos, como se exige, deveria conduzir à convicção do Mmo. Juiz a quo de que não resultou provado que a Oponente D...não garantiu pessoalmente o acordo entre a sociedade executada e a exequente descrito no requerimento de injunção descrito na alínea B) dos factos provados. – alínea c) dos factos provados (resposta ao quesito 2.º da base instrutória);

Q) Decidindo de forma inversa da que vem expendida, ou seja, dando como provada tal factualidade (alínea c) dos factos provados), violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 552.º, 554.º, 563.º, 653.º n.º 2 e 655.º, do Código de Processo Civil e art. 342.º, 352.º a 361.º do Código Civil.

R) Atendendo à factualidade demonstrada nos autos, com a precisão feita supra referente à alínea c) dos factos provados, teria de improceder a oposição a execução deduzida, atenta a inverificação de qualquer factualidade extintiva ou impeditiva do direito da Exequente;

S) Por uma questão de economia processual, reitera-se ora tudo quanto se expendeu supra para se concluir pela inadmissibilidade legal da oposição deduzida.

T) Havendo o Tribunal a quo concluído de forma diversa, fez errada aplicação do disposto nos arts. 814.º e 817.º todos do Código Civil e art. 857.º do NCPC;

U) Pelo que a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por acórdão que julgue integralmente improcedente a oposição à execução e, em consequência, ordene a prossecução da instância executiva.

Conclui pedindo a procedência da apelação e a revogação do despacho e/ou da sentença ora recorridos, substituindo-os por acórdão que julgue legalmente inadmissível a oposição à execução deduzida ou, caso assim se não entenda, improcedente por infundada e não provada , nos termos expostos supra.

A Executada/Apelada apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

a) O douto despacho não sofre de qualquer nulidade ou inadmissibilidade legal, devendo manter-se,

b) O regime previsto no artigo 814º do C.P.C., quando aplicado à injunção com fórmula executória aposta, e com o simples argumento de que o requerido (executado) dispôs oportunamente de defesa em momento anterior, viola o princípio da indefesa, consagrado no artigo 20º da C.R.P.

c) O requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, não pode ser considerado sentença, pois que nem sequer é proferida por um magistrado/tribunal, mas sim por um secretário judicial que se limita a constatar o decurso de um prazo juntamente com o silêncio do requerido, sem conhecer (como é evidente) do mérito da causa.

d) A falta de oposição e consequente aposição da fórmula executória ao requerimento de injunção não tem o condão de transformar a natureza – não sentenciosa – do título.

e) Tendo presente, por um lado que a demonstração do direito do exequente não tem o mesmo grau de certeza relativamente a todos os títulos executivos, reconhecendo-se que o título executivo que resulte da oposição da fórmula executória a um requerimento de injunção demonstra a aparência do direito substancial do exequente, mas não uma existência considerada certa. Vide acórdãos n.ºs 468/2012; 529/2012; e pelas decisões sumarias nºs 490/2012; 571/2012; 581/2012; 89/2013; 112/2013.

f) O requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, não pode ser considerado sentença, pois que nem sequer é proferida por um magistrado/tribunal, mas sim por um secretário judicial que se limita a constatar o decurso de um prazo juntamente com o silêncio do requerido, sem conhecer (como é evidente) do mérito da causa.

g) Não contem o reconhecimento de um direito nem a imposição ao requerido do cumprimento de uma prestação como resulta de uma decisão jurisdicional, formado completamente à margem da intervenção do Juiz.

h) Sendo certo que a fórmula executória é insusceptivel de assumir efeito de caso julgado ou preclusivo para o requerido que pode na ação executiva converter a exigibilidade da obrigação exequenda tal como o pode fazer qualquer executado em relação a qualquer título executivo extrajudicial. Mais, a circunstancia do requerido não ter deduzido oposição ao requerimento de injunção na sequência da notificação que lhe foi efetuada não faz precludir a possibilidade de suscitar posteriormente os respetivos meios de defesa, pois não se verifica o efeito de preclusão do direito à defesa.

i) Assim é lícito ao oponente deduzir oposição com base no artigo 816º do C. P. C., e não apenas com base nos fundamentos do artigo 814º do mesmo diploma legal, tanto mais assim, que os fundamentos invocados são perfeitamente validos, e invocáveis numa ação declarativa.

j) Para além de que a omissão das necessárias advertências aplicáveis em qualquer processo judicial, contende com as garantias de defesa constitucionalmente protegidas, e levam ao que não pode ser permitido – injustiça. No caso concreto ninguém advertiu que a falta de oposição ao requerimento de injunção levava a uma quase resolução do litígio baseada apenas na aparência de um direito.

k) Acrescente-se ainda que por violação dos princípios da tutela efetiva e plena da proteção da confiança que a Constituição da Republica Portuguesa consagra nos artigos 2º e 20º nº1, por materialmente inconstitucional tal interpretação normativa deve ser negada a aplicação do 814º do C.P.C., na redação introduzida pelo D.L. nº 226/2008 de 20 de Novembro em relação à ação executiva instaurada após a vigência deste diploma que se funde em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória.

l) Assim por força da introdução do nº2 do artigo 814º do C.P.C., operada pelo DL nº226/2008 de 20 de Novembro no que respeita aos fundamentos da oposição a requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória foi equiparado a sentença, logo – enferma de inconstitucionalidade material por violação do direito e do princípio da reserva do Juiz.

m) Sendo este o entendimento da maioria da doutrina e jurisprudência, como se pode constatar nos plurimos acórdãos, disponíveis em www.dgsi.pt, incluindo acórdãos do Tribunal Constitucional, que a titulo de exemplo deixamos: AC da Relação de Coimbra de 03-07-2012; AC da Relação de Coimbra de 13-12-2011; AC da Relação de Lisboa de 04-03-2010; AC da Relação do Porto de 05-07-2006; AC do Tribunal Constitucional de Janeiro de 2007.

n) Ainda o artigo 18º nº2 da C.R.P., cujo principio nele ínsito nos impede de limitar os direitos constitucionalmente protegidos, a não ser quando a própria Constituição assim o preveja.

o) Nesta senda, acordam, em Plenário, no Tribunal constitucional, com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”.

Sem prescindir/quanto à sentença:

p) A exequente efabula que a executada lhe deve dinheiro, mas sem nunca apresentar documento valido ou outro que corrobore com as suas afirmações, ou seja, nenhum titulo legal existe que possa suportar a transposição do dever de liquidação da divida para o património pessoal da executada/ apelada.

q) Alias, a relação era entre a B... e a A..., onde por fiança - e diga-se inexistente - a ora recorrida garantia pessoalmente o cumprimento da obrigação.

r) In casu, existe um exame crítico da prova relativamente a cada facto, de forma a garantir a identificação deles com a fonte, bem como a indicação de prova a cada facto.

s) E não, como quer fazer crer o apelante, com a existência à mera referência genérica dos meios de prova produzidos, e à divisibilidade das declarações do legal representante da exequente. Aliás usa-se o próprio depoimento do legal representante da exequente, Arnaldo Tosco, onde o julgador foi alicerçar as suas razões, convicções e motivação, que relevaram ou obtiveram credibilidade no espirito do julgador.

t) Não há qualquer desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiencia, não há qualquer vicio do raciocínio na apreciação das provas, antes, evidencia-se pela simples leitura da decisão e das provas constantes nos autos, que apenas se verifica uma desconformidade entre a decisão de facto do Mº. Juiz e aquela que teria sido proferida pelo próprio recorrente.

u) Não se verifica nenhum erro, falta de prova, ou outro, quando a discórdia resulta da forma como o tribunal terá apreciado a prova. O simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão colhida pelo tribunal não leva ao erro, à falta de fundamentação, apenas colhe uma interpretação diferente.

v) A prova realizada em audiência de discussão e julgamento foi suficiente para provar os factos que o tribunal a quo deu como provados e suficientes para fundamentar e motivar a decisão do tribunal a quo.

w) Do depoimento do legal representante da exequente em audiência de julgamento gravado no sistema Media Studio com o registo temporal de 12-03-2013 das 9:59:01, onde nega que a executada tenha garantido pessoalmente, pois afirma que tal não derivou da negociação com os gerentes da B..., quando da abertura da conta de cliente,

x) Mais, as clausulas penais nem sequer eram do conhecimento da ora apelada, e não integrava as condições de venda, era colocada posteriormente sem ajuste com o comprador, (depoimento ao minuto 8º,9º e 10º),

y) Ora, deste depoimento, resulta desde logo a confissão de factos não só desfavoráveis à exequente, como põem em crise toda a factualidade pela exequente alegada no requerimento de injunção.

z) Desta forma, a decisão do tribunal a quo não padece de nenhum erro ou falta de fundamento/prova, pois a prova realizada em julgamento foi suficiente para que fosse provado que a Ré, não assumiu pessoalmente qualquer garantia.

aa) A prova foi analisada criticamente e sopesadas as regras da experiencia da lógica comum, sempre segundo a livre convicção do julgador. Tudo decorreu num processo logico-racional, iniciado com a perceção cognitiva dos meios de prova e dos factos probatórios pelas partes careados ao julgamento.

bb) A livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espirito do julgador pelos diversos meios de prova. A prova livre tem como pressuposto a obediência a critérios da experiencia comum e da logica do homem medio suposto pela ordem jurídica.

Conclui pela improcedência do recurso.


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II.

Questões a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

• Saber se, estando em causa uma execução fundada em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, a oposição que lhe seja deduzida apenas se pode fundamentar nas circunstâncias referidas no art. 814º, nº 1, do C.P.C., por aplicação do nº 2, ou se, ao invés e por força da inconstitucionalidade do referido nº 2, se pode fundar em qualquer outro facto ou circunstância que pudesse ser invocado em processo de declaração;

• Saber se existiu erro na apreciação da prova e se, em função desse erro, importa ou não alterar a decisão da matéria de facto e, em consequência, a decisão final da oposição à execução.


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III.

Na 1ª instância, considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

a) A exequente deu à execução um requerimento de injunção, datado de 28.09.2010, ao qual foi aposta fórmula executória, em 28.02.2011, na qual figuram como requeridos os executados nos autos de execução principais, através do qual a exequente peticionou o pagamento das quantias de €2.602,54 a título de capital, €7.287,43 a título de juros de mora, €663,64 e, ainda, €51,00 pela taxa de justiça paga, ficando a constar no requerimento como data da celebração do contrato “25.04.1992” e como período a que se refere o pedido “25-04-1992 a 27-05-1992” – alínea A) da matéria de facto assente.

b) No requerimento de injunção, no item “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão”, ficou a constar o seguinte:

“1 – A requerente é uma sociedade que se dedica ao comércio a retalho de material de bricolage, equipamento sanitário, ladrilhos e materiais similares, em estabelecimentos especializados.

2 - No âmbito da sua actividade, a requerente a pedido da 1.ª requerida forneceu-lhe artigos do seu comércio, melhor descritos nas facturas n.º: 7268, 7310, 7380,7403.

3 – Os bens foram vendidos e entregues à 1.ª requerida, não ocorrendo qualquer tipo de reclamação.

4 – Até à presente data e apesar de todos os esforços a 1.ª requerida ainda não efectuou qualquer pagamento.

5 – As partes convencionaram, que na falta do pagamento do capital em dívida no prazo acordado, iria acrescer ao montante em dívida o pagamento da quantia de 25% sobre o seu valor global a título de cláusula penal em valor nunca inferior a €250,00, bem como de juros de mora à taxa legal acrescido da sobretaxa de 3%, também a título de cláusula penal.

6 – Os 2.º, 3.º Requeridos, sócios-gerentes da Requerida, como condição de proceder ao fornecimento dos artigos garantiam pessoalmente o regular cumprimento das presentes obrigações, assumindo desse modo a dívida, nos termos do art. 559.º CC” – alínea B) da matéria de facto assente.

c) A Oponente D...não garantiu, pessoalmente, o acordo entre a sociedade executada e a exequente descrito no requerimento de injunção descrito na alínea b) – resposta ao ponto 2º da base instrutória.


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IV.

Apreciemos, então, as questões suscitadas no recurso.

Despacho saneador – admissibilidade (ou não) da oposição, tendo em conta os fundamentos em que se baseia.

A primeira questão que é colocada à nossa apreciação prende-se com a admissibilidade da oposição deduzida à presente execução, considerando a Apelante que, ao contrário do que se decidiu no despacho saneador, a oposição não poderia ter sido deduzida com os fundamentos em que se baseia, face ao disposto no art. 814º, nº 2, do C.P.C. que, à data da oposição, se encontrava em vigor, e que, como tal, deveria ter sido liminarmente indeferida ou deveria ter sido julgada procedente a excepção de inadmissibilidade legal de tal oposição.

O citado art. 814º enuncia, no seu nº 1, os fundamentos em que se pode basear a oposição à execução fundada em sentença, dispondo o nº 2 – na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 226/2008, de 20/11 – que “o disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido”.

Resultava, portanto, desta norma que, estando em causa uma execução baseada em requerimento de injunção ao qual tivesse sido aposta fórmula executória – como acontece no presente caso –, a oposição que lhe viesse a ser deduzida não poderia basear-se em qualquer facto ou circunstância que pudesse ser invocado no processo de declaração – como acontece com os demais títulos não judiciais (art. 816º) –, sendo que tal oposição apenas se poderia basear nos fundamentos (bem mais restritos) que podem ser invocados quando o título executivo é uma sentença.

A verdade é que começou a ser suscitada – na doutrina e na jurisprudência e, designadamente, na jurisprudência do Tribunal Constitucional[1] – a inconstitucionalidade da referida norma por violar o princípio da proibição da indefesa consagrado no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, entendimento que foi igualmente adoptado pela decisão recorrida e do qual a Apelante discorda.

Não obstante ser essa a posição adoptada por grande parte da nossa jurisprudência, subsistiam, no entanto, decisões em sentido contrário[2].

Sucede que o recente Acórdão do Tribunal Constitucional nº 388/2013 (publicado no D.R., I Série de 24/09/2013) veio declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma citada (art. 814º, nº 2, do C.P.C., na redacção do Dec. Lei nº 226/2008), quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20º, nº 1 da Constituição.

Assim, e sendo certo que, em conformidade com o disposto no art. 282º da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, parece claro que ela não poderá ser aplicada e, portanto, em conformidade com a posição adoptada no referido Acórdão do Tribunal Constitucional, ter-se-á que considerar que, estando em causa uma execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória, a oposição que lhe seja deduzida não está limitada aos fundamentos enunciados no art. 814º, nº 1, podendo basear-se em quaisquer outros factos ou circunstâncias que possam ser invocados no processo de declaração.

Sustenta, porém, a Apelante que o art. 857º do Novo CPC, ultrapassou e sanou a questão da inconstitucionalidade determinada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 437/2012, indo de encontro ao entendimento que sustenta nas suas alegações (esclareça-se que, quando foram apresentadas as alegações ainda não havia sido publicado o Acórdão supre mencionado que veio declarar a inconstitucionalidade da norma com força obrigatória geral).

Vejamos.

A norma citada veio dispor – no âmbito do processo sumário (que, por regra, é o aplicável quando a execução se baseia em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória – art. 550º) – que, além dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, a oposição deduzida à execução baseada em requerimento de injunção poderá comportar outros fundamentos. Tal oposição poderá sempre basear-se em qualquer questão que, sendo de conhecimento oficioso, pudesse determinar a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção ou na ocorrência evidente, no procedimento de injunção, de excepções dilatórias de conhecimento oficioso. Mas, além desses fundamentos, tal oposição poderá ainda radicar em qualquer outra questão que pudesse ser invocada no processo de declaração desde que se verifique justo impedimento à dedução de oposição no procedimento de injunção e desde que tal impedimento seja tempestivamente declarado nos termos ali previstos.

É indiscutível que esta norma veio alargar os fundamentos de oposição àquela execução, mas nem por isso se poderá afirmar que ela tenha a virtualidade de ultrapassar e sanar totalmente os motivos que levaram à declaração de inconstitucionalidade do anterior art. 814º, nº 2, já que, por via da sua aplicação, ainda subsistem limitações ao exercício do direito de oposição à execução baseada em requerimento de injunção, o que não estará em conformidade com a doutrina do referido Acórdão ao qual está subjacente o entendimento de que tal oposição pode fundamentar-se em qualquer facto ou circunstância que possa ser deduzido no processo de declaração e não apenas nas circunstâncias que estão fixadas no actual art. 857º.

Não iremos aqui analisar a questão de saber se o actual art. 857º continua ou não a padecer de inconstitucionalidade e não vamos analisar essa questão porque a norma citada não é aqui aplicável.

De facto, para além de outras razões ou argumentos que pudessem ser invocados, dispõe o art. 6º, nº 4, da Lei nº 41/2013, no que toca à acção executiva, que o disposto no C.P.C. aí aprovado “relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data da entrada em vigor da presente lei”.

Ora, porque a oposição à execução corresponde, claramente, a um procedimento ou incidente de natureza declarativa, o C.P.C. actualmente em vigor apenas será aplicável às oposições deduzidas após a sua entrada em vigor e esse não é, evidentemente, o caso da presente execução (deduzida em 13/12/2011).

O citado art. 857º do actual C.P.C. não tem, portanto, aplicação à presente oposição, que continua a ser regulada pelas normas do anterior C.P.C. e, mais concretamente, pelos arts. 813º e segs.

E, ao abrigo dessas normas e em face da declaração de inconstitucionalidade do art. 814º, nº 2, quando interpretado no sentido no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, dúvidas não restam de que a presente oposição à execução poderia basear-se em qualquer fundamento que pudesse ser invocado no processo de declaração, nada obstando, portanto, à sua admissibilidade.

Foi nesse sentido que se decidiu em 1ª instância (no despacho saneador) e, portanto, tal decisão não poderá deixar de ser confirmada, improcedendo, nesta parte, o presente recurso.

Sentença

O recurso interposto relativamente à sentença baseia-se, fundamentalmente, na impugnação da decisão matéria de facto, sustentando a Apelante que a oposição deve ser julgada improcedente, por não poder ser considerada a factualidade que foi considerada provada em resposta ao ponto 2º da base instrutória (que a Oponente D...não garantiu, pessoalmente, o acordo entre a sociedade executada e a exequente descrito no requerimento de injunção descrito na alínea b)).

Alega, para o efeito, que o depoimento de parte do legal representante da Exequente – único elemento probatório em que o Tribunal se baseou para considerar aquele facto provado, já que a demais prova não incidiu sobre essa factualidade – não contém qualquer confissão e dele não resultou a prova efectiva da não prestação da garantia por parte da Oponente.

Damos já como assente, depois de ouvir o registo dos depoimentos prestados, que as testemunhas inquiridas nada disseram com relevância sobre esta matéria, sendo que, como decorre da fundamentação da decisão da matéria de facto, a resposta dada ao citado ponto da base instrutória baseou-se exclusivamente no depoimento de parte do legal representante da Exequente e na análise que dele foi efectuada à luz das regras da experiência e senso comum.

É igualmente certo que – como refere a Apelante – o referido depoimento de parte não contém propriamente uma confissão que, como tal, pudesse ser valorada.

Isso não significa, porém, que o referido depoimento não possa ser livremente apreciado pelo Tribunal para o efeito de considerar aquele facto como provado.

Vejamos, pois, o conteúdo desse depoimento.

O legal representante da Exequente declarou, em suma, que: a sociedade que representa comercializa materiais de construção, fornecendo tais materiais ao Sr. C... para uma firma que ele tinha em nome individual; a determinada altura, o referido C... informou o depoente que havia constituído uma sociedade e pretendia que a Exequente continuasse a efectuar fornecimentos para tal sociedade; nessa ocasião, foi feita a “abertura de cliente” e, na presença de C... e de uma senhora que afirma ser a ora Oponente (resultando do seu depoimento que faz essa afirmação porque lhe foi dito que ela a esposa do Sr. C... e sócia da sociedade), informou que, por existirem situações de incumprimento nos fornecimentos que anteriormente fazia ao Sr. C..., só continuavam a fornecer à sociedade se existisse um compromisso da parte dos sócios em assumir o cumprimento, esclarecendo que era esse o procedimento normal; eles concordaram, mas não assinaram nada porque, na altura, trabalhavam muito na base da confiança; foram efectuados diversos fornecimentos à sociedade – confirmando as facturas que estão juntas aos autos – e nenhum deles foi pago. Quando questionado sobre as razões pelas quais demoraram tanto tempo a pedir o pagamento, diz que, em 1993, caíram numa situação de muitos créditos incobráveis (cerca de 187 mil contos) que os deixou em situação difícil e não tinham disponibilidade financeira para os processos judiciais, sendo que, em 2009/2010, por acordo com o escritório do Dr. Quintas, entregaram os processos que tinham para resolução, fazendo ele alguma gestão dos custos. No que toca à cláusula penal, esclareceu que era colocada/mencionada na factura para o cliente ter conhecimento disso, mais esclarecendo que não havia acordos iniciais sobre essa questão, ou seja, não haviam conversado sobre isso. Quando é questionado directamente sobre o facto de a Oponente ter assumido o pagamento, declara que foi posta a questão na “abertura de cliente” e ela concordou e, quando lhe perguntam se se certificou que era ela, diz apenas que o Sr. C...disse que era a esposa, mais declarando não se recordar se esteve com ela mais alguma vez depois dessa ocasião.

Que concluir, então, perante este depoimento?

Refira-se, desde já, que este depoimento – independentemente da circunstância de ter sido prestado pela parte interessada nesse facto – seria manifestamente insuficiente para concluir que a Oponente garantiu pessoalmente o acordo entre a Exequente e a sociedade Executada.

Mas, o que importa agora saber – já que é essa a questão formulada no ponto da base instrutória que estamos a analisar – é se esse depoimento é suficiente para concluir pelo facto inverso, ou seja, para concluir que a Oponente não garantiu pessoalmente aquele acordo.

E uma coisa podemos ter já como certa: não existiu entre a Exequente e a Oponente qualquer outro contacto além daquele que é referido no aludido depoimento e o contacto que existiu (onde pretensamente teria sido assumido aquela compromisso ou garantia) não teve um âmbito mais alargado do que aquele que foi referido. Se fosse de outro modo, certamente teria sido referido pelo legal representante da Exequente e, não o tendo sido, impõe-se concluir que, se algum contacto existiu, terá sido apenas aquele que é descrito no depoimento.

Acompanhando as considerações efectuadas em 1ª instância, não poderemos deixar de manifestar alguma perplexidade pela circunstância de a Exequente, tendo tido – como se refere no depoimento – a preocupação de não efectuar os fornecimentos sem assegurar as necessárias garantias, tenha esperado 18 anos para reclamar o pagamento. E a explicação dada pelo legal representante da Exequente para tal situação ainda nos deixa mais perplexos, porquanto, dizendo que, em 1993, ficaram numa situação difícil por terem créditos incobráveis no valor de 187 mil contos (razão pela qual não teriam disponibilidade financeira para os processos judiciais), o mais natural seria que tivessem tentado ultrapassar essas dificuldades com a cobrança dos créditos, designadamente aqueles que, por terem garantias de terceiros (como seria o caso deste), tinham maior probabilidade de efectiva cobrança. Refira-se, aliás, que também temos alguma dificuldade em perceber como a Exequente se conseguiu manter activa durante tantos anos sem cobrar os créditos e com a falta de disponibilidade financeira que diz estar subjacente a essa situação.

Registamos também – como se fez na 1ª instância – que, não obstante a notificação efectuada, nem sequer foram juntas aos autos os originais das facturas aqui em causa. Importa notar que das facturas juntas aos autos, consta uma cláusula penal (que também foi peticionada). Ora, não existindo sequer qualquer garantia de que essa cláusula constasse das facturas originais (que não foram juntas aos autos), é o próprio representante da Exequente quem declara – no seu depoimento – que, afinal, essa cláusula não foi o resultado de qualquer acordo das partes, tendo resultado de vontade unilateral da Exequente e que teria sido aposta nas facturas para conhecimento do cliente.

As circunstâncias relatadas já levantam sérias dúvidas no que toca à existência e aos contornos do negócio efectuado.

Mas debrucemo-nos sobre garantia alegadamente prestada pela Oponente.

É estranho, desde logo, que o representante da Exequente (apesar de preocupado com o efectivo pagamento dos fornecimentos) não tenha tido qualquer preocupação de formalizar a garantia que estava a exigir e de assegurar a efectiva vinculação de quem a prestava, não colhendo a explicação dada para essa circunstância – de que trabalhavam na base da confiança por nunca terem tido problemas – já que, nas suas palavras, tal garantia foi exigida precisamente porque haviam tido problemas de incumprimento nos fornecimentos que haviam efectuado ao Sr. C.... Aliás, segundo as suas palavras, o representante da Exequente não terá tido sequer a preocupação de identificar a pessoa (a senhora) que assumia a garantia, limitando-se a dizer que estava presente uma senhora que o Sr. C...disse ser a sua esposa e sócia da sociedade, mas que, na realidade e pelo que pudemos perceber do seu depoimento, não sabia se era ou não; e também não sabia – tal como nós não sabemos – se era ou não a Oponente que estava presente naquele momento a acompanhar o Sr. C...(refira-se que, na certidão de matrícula da sociedade Executada, a Oponente e o referido C... estão identificados como divorciados e existia ainda uma outra sócia da sociedade). Além do mais, quando alude à prestação de tal garantia, o legal representante da Exequente, apenas refere ter informado que só faria fornecimentos se existisse um compromisso da parte dos sócios em assumir o cumprimento, mais declarando que “eles concordaram”. Mas concordaram como? A senhora que estava presente (fosse ou não a Oponente) concordou como? Disse expressamente que assumia esse compromisso? Ou limitou-se a ficar calada, daí retirando o representante da Exequente o seu acordo?

Em face das circunstâncias relatadas – que, além do mais, levantam sérias dúvidas sobre a existência e os contornos do negócio em causa – parece-nos claro que o depoimento do legal representante da Exequente não fornece quaisquer indícios concretos de que a Oponente tenha assumido efectivamente aquele compromisso ou garantia e, se a própria Exequente, através do seu representante, não fornece elementos e factos que permitam tal conclusão – seja porque, como se depreende das suas palavras, nem sequer sabe se foi ou não a Oponente que esteve presente na ocasião em que diz ter sido prestada a garantia, seja porque não relata factos concretos dos quais resulte uma declaração expressa da Oponente no sentido de prestar aquela garantia – impõe-se concluir, à luz das regras de experiência e senso comum, que tais factos não existiram (já que, se existissem, não deixariam de ser referidos pela pessoa que neles tinha interesse) e que, como tal, a Oponente não assumiu qualquer compromisso nem declarou prestar qualquer garantia.

Acompanhamos, portanto, a decisão proferida em 1ª instância, mantendo-se a resposta dada ao ponto 2º da base instrutória.

E, mantendo-se inalterada a matéria de facto, também terá que se manter a decisão de julgar procedente a oposição, com a consequente extinção da execução relativamente à Oponente e o levantamento das penhoras que oneram o seu património, sendo certo que a revogação da decisão que era propugnada pela Apelante radicava apenas na alteração da matéria de facto e não em qualquer outra questão de carácter jurídico.

Acrescente-se, de qualquer forma, que é, no mínimo, discutível que recaísse sobre a Oponente o ónus de provar que não prestou a garantia com base na qual é demandada.

De facto, a circunstância de estar em causa uma oposição à execução não importa, só por si, qualquer alteração às regras do ónus de prova que seriam aplicáveis em acção declarativa e, portanto, como refere Anselmo de Castro[3], “quando o título executivo se não revista de força probatória legal, não é ao executado que compete a prova negativa dos factos constitutivos do direito, mas sim ao exequente a prova da sua existência”.

Ora, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 814º, nº 2, do C.P.C. (a que já aludimos) tem subjacente a ideia de que o requerimento de injunção ao qual é aposta, por secretário judicial, a fórmula executória não é uma sentença (sendo produzido ou emitido sem qualquer intervenção jurisdicional) e que, como tal, não poderá implicar – sob pena de violação do art. 20º da CRP – o afastamento da oportunidade de, nos termos do artigo 816.º e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração.

Escreve-se, designadamente, na fundamentação do Acórdão o seguinte:

Tendo presente, por um lado, que a demonstração do direito do exequente não tem o mesmo grau de certeza relativamente a todos os títulos executivos, reconhecendo-se que o título executivo que resulte da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção demonstra a aparência do direito substancial do exequente, mas não uma sua existência considerada certa, e, por outro lado, que a atividade do secretário judicial não representa qualquer forma de composição de litígio ou de definição dos direitos de determinado credor de obrigação pecuniária, há que evitar a “indefesa” do executado, entendendo-se por “indefesa” a privação ou limitação do direito de defesa do executado que se opõe à execução perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito”.

É certo, portanto, que, por via da declaração de inconstitucionalidade da citada norma, considerou o Tribunal Constitucional que, estando em causa uma execução fundada em requerimento de injunção ao qual foi aposta, por secretário judicial, a fórmula executória, o executado poderá deduzir oposição, ao abrigo do disposto no art. 816º do C.P.C., nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que o poderia fazer se estivesse em causa um processo de declaração, podendo, portanto, defender-se na oposição à execução nos mesmos termos em que o poderia fazer na acção declarativa.

Ora, se a oposição à execução tem o âmbito e a amplitude que estão definidos no art. 816º do C.P.C. (e foi isso que se considerou no referido Acórdão do Tribunal Constitucional), o executado poderá defender-se por impugnação e por excepção[4] e, defendendo-se por impugnação dos factos constitutivos do direito que contra si é invocado, é ao exequente que cabe o respectivo ónus de prova. Seria assim no âmbito da acção declarativa e é assim no âmbito da oposição deduzida à execução – ao abrigo do citado art. 816º - porquanto, como se referiu, a mera circunstância de estar em causa uma oposição à execução não determina qualquer alteração do ónus de prova.

Ora, transpondo essas considerações para o caso sub judice, impor-se-ia concluir que era a Exequente quem tinha o ónus de provar que a Executada/Oponente garantiu pessoalmente o acordo celebrado entre a Exequente e a sociedade Executada, na medida em que esse facto é constitutivo do direito que veio invocar contra a ora Oponente.

De qualquer forma e pelas razões que já aduzimos, ficou provado que tal garantia não foi prestada e, portanto, terá que proceder a oposição.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Perante a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 814º, nº 2, do anterior C.P.C. – decorrente do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 388/2013 (publicado no D.R., I Série de 24/09/2013) –, a oposição que, no domínio da vigência do referido diploma, seja deduzida a execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta a fórmula executória não está limitada aos fundamentos enunciados no art. 814º, nº 1, podendo basear-se em quaisquer outros factos ou circunstâncias que possam ser invocados no processo de declaração.

II – Embora tenha vindo ampliar os fundamentos da oposição à execução baseada em requerimento de injunção que estavam definidos no supra citado art. 814º, o art. 857º do C.P.C. actualmente vigente ainda contempla limitações ao exercício desse direito que, em princípio, não serão consentidas pela doutrina subjacente à declaração de inconstitucionalidade do anterior art. 814º, nº 2, mas, independentemente da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da nova norma, ela apenas poderá ser aplicada às oposições deduzidas após a sua entrada em vigor, como decorre do disposto no art. 6º, nº 4, da Lei nº 41/2003, que aprovou esse diploma.


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V.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirmam-se as decisões recorridas (despacho saneador e sentença).
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

Maria Catarina R. Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Veja-se, a doutrina e jurisprudência citadas na decisão recorrida para a qual remetemos, bem como o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 437/2012, publicado no D.R., II Série, de 31/10/2012.
[2] Cfr., entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 11/10/2012, proc. nº 1014/11.0TBSTS-A.P1 e os Acórdãos da Relação de Coimbra de 26/02/2013 e 17/09/2013, procs. nºs 262/12.0TBSRE-B.C1 e 1878/12.0TJCBR-A.C1, respectivamente, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[3] A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., pág. 49.
[4] Cfr., designadamente, Gonçalves Sampaio, A Acção Executiva e a problemática das execuções injustas”, 2ª ed,, pág193