Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1029/06.0TBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARTINS DE SOUSA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE SERVIÇO
PENSÃO DE SANGUE
REEMBOLSO
ESTADO
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 11/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 2º, Nº 1, AL. D), 5º, Nº 1, AL. A), 6º, 7º E 8º DO DL Nº 466/99, DE 6/11
Sumário: I – Nos termos do artº 2º, nº 1, al. d), do DL nº 466/99, de 6/11 – Regime Jurídico das Pensões de Preço de Sangue… -, origina o direito à pensão de preço de sangue o falecimento de autoridade ou agente de autoridade, elementos dos serviços e das forças de segurança.

II – A pensão de preço de sangue é estabelecida, em primeira prioridade, em benefício do cônjuge sobrevivo e descendentes, sendo certo que aquele só mantém o direito se estivesse a cargo do falecido e com ele vivesse em comunhão de mesa e habitação à data do óbito.

III – Os menores são dispensados do requisito de estarem a cargo do ofendido e só têm direito à pensão se tiverem menos de 18 anos ou menos de 21 anos e estarem matriculados e a frequentar um curso de nível secundário, ou menos de 25 anos e estarem matriculados e a frequentar um curso superior ou equiparado.

IV – É entendimento jurisprudencial unânime que “por via da aplicação do artº 18º do DL nº 522/85, de 31/12, uniformizou-se o regime legal a aplicar aos acidentes em serviço, deixando de se fazer destrinça, por um lado entre funcionários subscritores ou não da C.G. Aposentações, e por outro lado traçou normativo que, com as devidas adaptações, aplica a tais acidentes o regime jurídico instituído para os acidentes laborais, constante da Base XXXVII da Lei nº 2127, de 3/08/1965”.

V – Acidente de serviço e acidente de trabalho apenas se distinguem pelo facto daquele ocorrer com funcionários ou servidores do Estado ou outra entidade pública e de este ocorrer com um trabalhador ou empregado de uma entidade patronal da natureza privada.

VI – Daí que, tal como sucede no âmbito das relações de trabalho por conta de outrem, passou a entender-se que o Estado tem direito ao reembolso dos vencimentos e de outros abonos por si pagos, sem contrapartida laboral, a um seu funcionário ausente de serviço por doença devida a culpa de terceiro na ocorrência de um acidente de viação e, simultaneamente, de serviço, sendo certo que a tal terceiro cabe, como lesante, ou à sua seguradora satisfazer o montante que foi pago.

VII – Ajusta-se às pensões de preço de sangue esta orientação.

VIII – O Estado tem o direito de ser reembolsado, por via de sub-rogação legal, do total despendido em vencimentos a um seu funcionário ausente de serviço e impossibilitado da prestação da contrapartida laboral por doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço causado por culpa de terceiro, bem como no que tange às pensões de preço de sangue quando ocorra o falecimento do respectivo titular em consequência de evento danoso causado por um terceiro.

Decisão Texto Integral:            ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

Nos presentes autos de processo comum sob forma ordinária veio a AUTORA, CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, pedir a condenação da RÉ A..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., no pagamento da quantia de 277.698,27 euros necessária para suportar o pagamento da pensão de sangue atribuída à viúva e filhos de militar falecido em acidente de viação e serviço, imputável ao 2º Réu ou, em alternativa no pagamento das quantias já dispendidas a esse título pela A., bem como no pagamento das pensões vincendas até à sua extinção; pede a condenação nos mesmos moldes do RÉU B... mas apenas na parte excedente ao montante do seguro obrigatório.

Citados os RR., vieram contestar, invocando o 2º R a sua ilegitimidade e a 1ª R. alegando que o montante em causa já se encontra englobado na indemnização a que foi condenada nos autos de Processo ordinário n.º ..., ... ..., do Tribunal Judicial da Comarca de e Torres Novas, concluindo pela total improcedência da acção.

No despacho saneador julgou-se parte legítima o R B...e decorridos os demais trâmites, teve lugar a audiência de julgamento, no termo da qual foi decidida a matéria de facto, Depois, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção.

Dessa sentença interpôs recurso a Autora que concluiu a sua alegação do seguinte modo:

[…]

Na sua contra-alegação a Ré Seguradora conclui, por sua vez:

[…]

Foram colhidos os vistos.

Além da questão prévia suscitada pela Recorrida quanto à intempestividade do recurso, é objecto deste, como sua questão central, o reembolso pelos RR das quantias que a Recorrente paga, a título de pensão de sangue.

II.

Elencam-se, antes de mais, os factos que a instância recorrida deu como apurados e que não foram postos em causa pelas partes:

No dia 20 de Novembro de 2002, pelas 22:42 horas, o Réu B... conduzia o veículo automóvel com a matrícula ... #..., sua propriedade, pela AE-23, no sentido Torres Novas / Entroncamento.

Minutos antes, o veículo tripulado por C..., com a matrícula ... §..., havia sofrido um despiste ao km 10,5 da AE-23, no sentido Torres Novas / Entroncamento, batendo com o lado esquerdo nas guias do lado da auto-estrada.

Tendo-se imobilizado na faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha, só com as luzes intermitentes do lado direito ligadas, porquanto, devido ao embate, as outras luzes intermitentes não funcionavam.

Nas mesmas circunstâncias de lugar e tempo, circulavam no mesmo sentido, num veículo militar, D... e E..., os quais, em face do embate sofrido pelo condutor do §..., decidiram imobilizar o veículo onde se faziam transportar, paralelamente ao §..., na berma direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, com as quatro luzes intermitentes ligadas, a fim de sinalizar a sua presença.

Após, o que saíram do veículo que os transportava a fim de prestar auxilio ao condutor do veículo §....

Quando estavam todos os três na retaguarda do §..., a fim de localizar o triângulo de pré-sinalização de perigo e de o colocarem a sinalizar o §..., surge o veículo conduzido pelo Réu B....

O Réu B... não viu que o veículo §... estava imobilizado na faixa da esquerda, atento o seu sentido de marcha, nem que junto à bagageira do mesmo estavam o condutor do §..., D... e E..., tendo mantido a velocidade do veículo que conduzia.

Ao reparar que o veículo conduzido pelo Réu B... mantinha a mesma velocidade e circulava na direcção onde estavam as três pessoas e o veículo §..., o condutor deste gritou “fujam”, enquanto fugia para o lado direito.

E...fugiu em direcção ao separador central, vindo no entanto a ser colhido pela trajectória do veículo do Réu B....

D..., porque se encontrava no meio, não logrou fugir, vindo a ser colhido pela trajectória do veículo do Réu B... num ponto da via situado sobre o lado esquerdo, atento o sentido de marcha do veículo do Réu.

Devido ao embate, D... foi projectado para a faixa direita, ficando o corpo à distância de 25 metros do veículo §... e à distância de 1,1 metros da linha guia do lado direito, atento o sentido Torres Novas / Entroncamento.

O veículo do Réu B... imobilizou-se 36 metros para lá do local onde ficou o corpo de D...e a cerca de 61 metros do local do embate, já na berma direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.

O veículo do Réu não deixou qualquer rasto de travagem.

O veículo do Réu circulava a uma velocidade superior a 120 km/h.

Em consequência do embate, D... sofreu graves lesões traumáticas no crânio, torácicas e abdominais, descritas no relatório da autópsia, nomeadamente: lesões traumáticas a nível da cabeça traduzidas por infiltração sanguínea do couro cabeludo na região parieto-temporal esquerda, focos de contusão hemisféricos cerebrais e cerebelo, hemorragia localizada aos ventrículos laterais, grave traumatismo torácico e abdominal com lesões dos importantes órgãos intra-cavitários, as quais foram causa directa e necessária da sua morte.

Era noite, chovia e a visibilidade era diminuta.

O local configura uma recta com cerca de 1 km, o piso estava molhado, e não existia iluminação pública, estando escuro.

Por despacho proferido em 23 de Setembro de 2004, pelo Secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes, o Ministério da Defesa Nacional qualificou o embate sofrido pelo 1º Sargento D... como tendo ocorrido em serviço.

Em consequência do embate, F... , G... e H..., respectivamente viúva e filhos de D..., intentaram contra a ora Ré A... – Companhia de Seguros, S.A. acção declarativa de condenação, que correu termos no ... ... do Tribunal Judicial de Torres Novas, sob o n.º ..., na qual a ora Ré, por decisão transitada em julgado em 12/10/2007, foi condenada ao pagamento da quantia de €324.600,00 (trezentos e vinte e quatro mil e seiscentos euros), assim discriminados:

 - danos patrimoniais provenientes da perda do salário líquido mensal global normal do falecido: €210.000,00;

 - dano patrimonial autónomo reportado à perda do provento remuneratório futuro extraordinário relativo à comissão militar que haveria de verificar-se na Bósnia: €7.100,00;

 - dano não patrimonial referido à perda do direito à vida, arbitrado em conjunto aos autores: €50.000,00; e

 - danos morais decorrentes para os autores do sofrimento destes pela perda do falecido: €57.500,00.

I..., por um lado, e a Ré A... – Companhia de Seguros, S.A., por outro, declararam, por escrito, assumir esta, mediante prémio a pagar por aquele, a responsabilidade civil por danos sofridos e causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo de matrícula ... #..., titulado pela apólice n.º ....

Por decisão de 13/04/2005, da Direcção dos Serviços da Autora, proferida no uso da delegação de poderes do Conselho de Administração da Autora, foi atribuída a F..., G ... e H ..., a pensão por morte resultante de acidente em serviço, tendo-lhes sido fixada a pensão anual no valor de €1.184,76 (mil cento e oitenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos), com efeitos reportados a 20/11/2002.

A pensão referida em 1) foi calculada com base em 70% das remunerações auferidas por D... à data do óbito, ou seja, €1.184,76 (mil cento e oitenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos).

As referidas pensões mensais são abonadas 14 vezes em cada ano, sendo o seu valor anual de €16.586,64 (dezasseis mil quinhentos e oitenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), sendo 50% desta quantia para a viúva de D... e 25% para cada um dos filhos.

Desde 20 de Novembro de 2002 a 30 de Setembro de 2006 a Autora já pagou aos beneficiários da pensão o montante global de €62.792,28 (sessenta e dois mil setecentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos).

O capital necessário para suportar o pagamento da pensão, incluindo a parte referida em 4), é de €277.698,27 (duzentos e setenta e sete mil seiscentos e noventa e oito euros e vinte e sete cêntimos).

A Ré A... procedeu à entrega a F..., G ... e H ... da quantia €324.600,00 (trezentos e vinte e quatro mil e seiscentos euros).

Vejamos, então:

A – Questão Prévia: a intempestividade do recurso.

Segundo a Recorrida, deve ser julgada extinta a instância de recurso face à não apresentação tempestiva das alegações pela recorrente Caixa Geral de Aposentações.

Reporta-se a arguente, afinal, ao facto de a Recorrente, em infracção ao disposto no nº2 do artº 668º, na versão anterior ao DL 303/2007 de 24.08, em vez de oferecer a sua alegação no prazo de 30 dias, contados desde a notificação do despacho de admissão do recurso, tê-lo feito logo no momento de sua interposição.

Mas não tem razão.

A antecipação da dita alegação constitui, face àquele regime então instituído, mera irregularidade formal que, por um lado, não faz precludir o direito de recorrer e por outro lado, não obriga à renovação do acto. Na verdade, a preclusão é a consequência que a lei prevê para o incumprimento de prazo peremptório, supondo, portanto que este tenha decorrido (artº145º, 3 do CPC e anotação de Lebre de Freitas e Outros no CPC, vol I, 1ª ed, p. 254); e a renovação do acto redundava, afinal, na prática de acto inútil, proibida pelo artº137º do mesmo diploma pois que se tratava de repetir a alegação já oferecida

Resta acrescentar por fim que a arguente não viu diminuídas as garantias do seu direito de responder, mormente, quanto ao prazo que aquele primeiro normativo lhe atribuía e daí que se não veja razão para censurar o modo como a questão foi resolvida na instãncia recorrida.

Indefere-se, em consequência, a questão prévia suscitada.

B- A questão principal do recurso:

Não está em discussão nos autos a responsabilidade civil decorrente do acidente de viação a que se reporta o litígio cuja imputação foi aceite pelos RR.. Do mesmo modo, dúvida de qualquer natureza se suscita quanto à certificação de que, sobreposto a esse acidente de viação, se qualifica um acidente em serviço, reconhecido como tal     quer pela qualidade do sinistrado quer pelo facto de ele se encontrar no exercício de funções.

Nos termos do artº2º,1, al d) do DL nº466/99 de 6.11 – diploma que regula o regime jurídico das pensões de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País – origina o direito à pensão de preço de sangue, o falecimento de autoridade ou agente de autoridade, elementos dos serviços e forças de segurança.

A pensão de preço de sangue é estabelecida em primeira prioridade, em benefício do cônjuge sobrevivo e descendentes, sendo certo que aquele só mantém o direito se estivesse a cargo do falecido e com ele vivesse em comunhão de mesa e habitação, à data do óbito e estes, sendo menores, são dispensados do requisito de estar a cargo do ofendido e só têm direito à pensão se tiverem menos de 18 anos ou menos de 21 e estarem matriculados e a frequentar curso de nível secundário ou menos de 25 anos e estarem matriculados e a frequentar curso superior ou equiparado (Cfr artº5º,1, al a), 7º, 1 e 2  e artº8º, 1 e 4do citado diploma).

Quando se trate dos citados beneficiários o quantitativo da pensão é igual a 70% da remuneração mensal auferida à data dos factos que a originam, pertencendo metade ao cônjuge e a outra metade aaos filhos, em partes iguais (artº9º, 1 e 3 e artº10º, al a) do mesmo diploma).

No artº18º do DL 522/85 de 31 de Dezembro - diploma que regula o seguro obrigatório –  prescreve-se: 1 – Quando o acidente for simultaneamente de viação  e de trabalho, aplicar-se-ão as disposições deste diploma, tendo em atenção as constantes da legislação especial em acidentes de trabalho. 2 – O disposto no nº anterior é aplicável, com as devidas adaptações quando o acidente possa qualificar-se de serviço, nos termos do DL nº38523 de 23.11.1951.

É entendimento corrente da nosso mais alto Tribunal que, por via da aplicação dessa norma do regime do seguro obrigatório, se uniformizou o regime legal a aplicar aos acidentes em serviço, deixando de se fazer destrinça, por um lado entre funcionários subscritores ou não da Caixa Geral de Aposentações e por outro lado, traçou normativo que “com as devidas adaptações” aplica a tais acidentes o regime instituído para os acidentes laborais, constante da base XXXVII da Lei nº2127 de 3.08.1965 ( cfr vg Acs de 26.05.1993, CJ, Acórdãos STJ, I , 127, de 29.09.1993, idem, I, III, 40, Ac 5/97 de 14.01.1997, DR IA, 27.03.1997 e de 12.09.2006, Pº nº06A2213, na base de Dados da DGSI que aborda caso idêntico e seguimos em alguns pontos).

Acidente de serviço e acidente de trabalho apenas se distingiriam pelo facto daquele ocorrer com funcionários ou servidores do Estado ou outra entidade pública e de este ocorrer com um trabalhador ou empregado de uma entidade patronal de natureza privada (citado Ac STJ de 26.05.93).

Daí que, tal como sempre sucedera no âmbito das relações de trabalho por conta de outrem (nos termos da referenciada Base XXXVII, nº4), passou a entender-se que o Estado tem ditreito ao reembolso dos vencimentos e outros abonos por si pagos, sem contrapartida laboral, a um seu funcionário ausente de serviço por doença devida a culpa de terceiro na ocorrência de um acidente de viação e simultaneamente. de serviço, sendo certo que a tal terceiro cabe como lesante ou à sua seguradora satisfazer o montante que foi pago – cfr o citado Acórdão 5/97 que uniformizou jurisprudência a esse propósito nos seguintes termos: O Estado tem o direito de ser reembolsado, por via de sub-rogação legal, do total despendido em vencimentos a um seu funcionário ausente de serviço e impossibilitado da prestação da contrapartida laboral por doença resultante de acudente de viação e simultaneamente de serviço causado por culpa de terceiro”.

Ajusta-se às pensões de preço de sangue esta orientação que, segundo a justificação constante do diploma (DL nº266/88 de 28.07) que precedeu o seu regulamento actual “foi sempre a de uma prestação pecuniária destinada a não deixar em dificuldades económicas os autores de actos relevantes e dignos de público reconhecimento ou as pessoas a eles ligados” cuja natureza indemnizatória, portanto, ao menos no que respeita aos casos de acidentes  de serviço da responsabilidade de terceiros, não deixa dúvidas.

E, sinal mais expressivo e claro disto mesmo, vem revelado no seu diploma regulador, mais exactamente no nº6 do acima referido artº9º do DL 466/99 que prescreve: “se o beneficiário do direito à pensão receber de terceiro indemnização destinada a reparar danos patrimoniais resultantes da incapacidade ou do falecimento, o abono da pensão será suspenso até que nela se esgote aquela indemnização, sem prejuízo de a entidade que abonar a pensão poder exigir judicialmente do terceiro responsável o capital necessário, determinado por cálculo actuarial, para suportar os encargos com aquela pensão”.

Aqui se patenteia, pois, o direito ao seu reembolso por banda do serviço do Estado que tem a obrigação de a garantir e pagar aos respectivos beneficiários (os quais, por sua vez, a não podem cumular com a indemnização paga por terceiros), assim como, segundo nos parece, o seu fundamento jurídico que se estrutura numa relação subrogatória, na medida em que a obrigação do Estado e obrigação do terceiro respnsável estão hierarquizados, prevalecendo a deste último quanto ao pagamento pois que acaba por pagar o que o Estado pagou ou terá de pagar (artº592º,1 do CC e 441º do CComercial).

Se estes são os princípios orientadores que, em abstracto, hão-de solucionar a questão do reembolso da CGA no que tange às pensões de preço de sangue quando ocorre o falecimento do respectivo titular em consequência de evento danoso causado por um terceiro, no vertente há ajustamentos a fazer.

Como se relatou a A. CGA formulou o pedido de condenação da Ré Seguradora no pagamento da quantia de 277.698,27 euros necessária para suportar o pagamento da pensão de sangue atribuída à viúva e filhos de militar falecido em acidente de viação e serviço, imputável ao 2º Réu ou, em alternativa no pagamento das quantias já dispendidas a esse título pela A., bem como no pagamento das pensões vincendas até à sua extinção.

Apurou-se que a Ré, na acção declarativa de condenação, que correu termos no ... ... do Tribunal Judicial de Torres Novas, sob o n.º ..., por decisão transitada em julgado em 12/10/2007, foi condenada ao pagamento da quantia de €324.600,00 (trezentos e vinte e quatro mil e seiscentos euros), assim discriminados:

 - danos patrimoniais provenientes da perda do salário líquido mensal global normal do falecido: €210.000,00;

 - dano patrimonial autónomo reportado à perda do provento remuneratório futuro extraordinário relativo à comissão militar que haveria de verificar-se na Bósnia: €7.100,00;

 - dano não patrimonial referido à perda do direito à vida, arbitrado em conjunto aos autores: €50.000,00; e

 - danos morais decorrentes para os autores do sofrimento destes pela perda do falecido: €57.500,00.

Mais se provou:

Por decisão de 13/04/2005, da Direcção dos Serviços da Autora, proferida no uso da delegação de poderes do Conselho de Administração da Autora, foi atribuída a F..., G ... e H ..., a pensão por morte resultante de acidente em serviço, tendo-lhes sido fixada a pensão anual no valor de €1.184,76 (mil cento e oitenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos), com efeitos reportados a 20/11/2002.

Desde 20 de Novembro de 2002 a 30 de Setembro de 2006 a Autora já pagou aos beneficiários da pensão o montante global de €62.792,28 (sessenta e dois mil setecentos e noventa e dois euros e vinte e oito cêntimos).

O capital necessário para suportar o pagamento da pensão, incluindo a parte referida em 4), é de €277.698,27 (duzentos e setenta e sete mil seiscentos e noventa e oito euros e vinte e sete cêntimos).

A Ré Seguradora A... procedeu à entrega a F..., G ... e H ... da quantia €324.600,00 (trezentos e vinte e quatro mil e seiscentos euros).

Temos, pois que, pedindo a Autora que a Ré fosse condenada no pagamento do capital necessário, determinado por cálculo actuarial, para suportar os encargos com aquela pensão no montante de €277.698,27, provou-se que esta última prestou aos respectivos beneficiários, como indemnização por danos patrimoniais, a quantia global de €217.100,00 que, não sendo susceptível de cumulação, deve ser subtraída àquele montante.

Cabe, portanto, à Ré satisfazer à Autora o remanescente daquela pensão no montante de €60.598,27 (277.698,27-217.100,00).

III.

Termos em que, dando parcial provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e condena-se a Ré Seguradora a pagar à Autora Caixa Geral de Aposentações, o remanescente da pensão de preço de sangue no montante de €60.598,27 (sessenta mil e quinhentos e noventa e oito euros e vinte e sete cêntimos).

Custas por Recorrente e Recorrida na proporção do vencido.

                   


JOÃO JOSÉ MARTINS DE SOUSA (Relator)
MARIA RA COSTA DE ALMEIDA ROSA
MANUEL ARTUR DIAS