Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1094/14.7TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: SIMULAÇÃO
PRESUNÇÃO JUDICIAL
SIMULAÇÃO ABSOLUTA
SIMULAÇÃO FRAUDULENTA
INTUITO DE ENGANAR TERCEIROS
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 01/16/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.240, 241 CC, 607, 615, 662 CPC
Sumário: 1. Não deve confundir-se uma nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre as questões que o juiz devia apreciar (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte do NCPC), com alegada falta de consideração de elementos probatórios, esta susceptível de conduzir a um erro no julgamento de facto.

2. Também não deve confundir-se uma nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº 1, c), 1ª parte, do NCPC), com eventual vício da decisão da matéria de facto, por contradição entre pontos desta matéria.

3. Nos casos em que venha invocado a outorga de contratos simulados deve recorrer-se naturalmente ao uso de presunções judiciais para descobrir a real intenção das partes.

4. Devendo recorrer-se a vários indícios socialmente típicos para descortinar a intenção das partes, tais como: o indício necessitas; o indício affectio; o indício interpositio; o indício pretium vilis; o indício retentis possessionis; o indício sigillum; o indício disparitesis; o indício domínio; a constituição, perante a iminência do assédio dos credores ou execução do património, de outra sociedade para a qual se transfere o património da primeira, continuando a ter-se o domínio de facto da nova sociedade, compondo-se esta das mesmas pessoas físicas da primeira sociedade, permanecendo o objecto social idêntico, com a coincidência das instalações no mesmo sítio e tendo como gerente a companheira do sócio/gerente originário.

5. Hoje, face à competência alargada da Relação em sede de impugnação da decisão de facto, em conformidade com o disposto no art. 662º, nº 1, do NCPC, é lícito à 2ª instância com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do art. 607º, nº 4, aplicável por via do art. 663º, nº 2, ambos do mesmo código.

6. Atento o disposto no art. 240º, nº 1, do CC, são três os requisitos da simulação: - um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário; - no sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes; - com o intuito de enganar terceiros.

7. Quanto a este último requisito o legislador basta-se com o mero intento de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica, ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida;

8. Será absoluta, quando por detrás das declarações não se pretende realizar negócio algum, quando, na realidade, o status real permanece inalterado; por regra, essa aparência tem, como fim, evitar uma qualquer consequência jurídica prejudicial (ex. simula-se vender para evitar que os bens sejam executados, para iludir credores).

9. Será fraudulenta quando, além de se querer enganar alguém, se quer prejudicar outrem; regra geral a simulação será fraudulenta, pois as partes não pretendem criar apenas uma falsa aparência para o exterior, tendo ainda como fim imediato, retirar benefícios em prejuízo de terceiros.

Decisão Texto Integral:

 

I – Relatório

1. N (…)  residente em (...) , propôs acção declarativa contra R (…), J (…) , ambos residentes em (...) , M (…) , residente em (...) , C (…) Lda, com sede em (...) e CII (…) Distribuição Lda, com sede em (...) , pedindo a declaração de nulidade, por simulação:

a) das vendas efectuadas pela C (…) Lda, à C II (…) Lda, do equipamento básico, de transporte e administrativo referido no artigo 22º da p.i. e que existia na posse e propriedade daquela à data da constituição (24.11.2010) desta;  

b) do contrato de arrendamento datado de 3.1.2011, outorgado entre ambas as sociedades;

c) do contrato de permuta outorgado em 3.1.2012 entre a C (…) LdaLda., e J (…), relativo ao imóvel inscrito na matriz da freguesia de (...) e descrito na C.R.P. de (...) sob o nº 3.501,composto de barracão destinado a oficina e logradouro, confrontando do norte com lote 131, sul com caminho pedonal, nascente com lote 139 e poente com arruamento e ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição do imóvel a favor de J (…) pela apresentação 358 de 3.1.2012.

Subsidiariamente, pediu a declaração de ineficácia em relação à A. da permuta referida, de modo a tal imóvel poder ser executado para pagamento da quantia e juros em que a C (…), Lda. foi condenada na acção 2.129/10.8TBLRA, do 1º Juízo Cível de (...) (proposta em Abril de 2010).

Alegou, em síntese, em abono da sua pretensão, que foi casada com o réu R (…), de quem se divorciou. Na sequência de incidentes ocorridos em sede de inventário, propôs uma acção judicial contra o seu ex-marido e a ré CLS Bobinagens, onde este tinha uma quota, adjudicada a si no inventário, tendo sido proferida sentença que condenou a dita ré CLS – Bobinagens a restituir ao património comum da A. e ex-marido a quantia de 52.579,32 €, acrescida dos juros de mora à taxa anual de 4% desde a citação até integral pagamento, bem como condenado o aí réu R. Caetano a reconhecer que a quantia mencionada constitui um crédito do casal sobre a mesma ré C (…) Lda. Preparando-se para executar tal sentença, constatou actos de dissipação do património da C (…) Lda em que foram partes esta ré, o réu J (…)  e a ré CII (…), em conluio e com o intuito de obstarem à satisfação do seu crédito e a prejudicarem, retirando qualquer valor à quota adquirida no inventário. Mais alegou que se deve desconsiderar a personalidade colectiva das rés sociedades até onde for necessário.

Os 1º, 2º, 3º e 5º réus contestaram conjuntamente, excepcionando a ilegitimidade dos RR pessoas singulares e articulando factos tendentes a concluir pela improcedência da acção, mais requerendo a condenação da autora como litigante de má fé.

A A. respondeu, concluindo pela improcedência da excepcionada ilegitimidade.

Proferiu-se despacho saneador em que se julgou os RR R (…) e M (…) partes ilegítimas, os quais foram absolvidos da instância. 

*

A final foi proferida sentença que julgou procedente, parcialmente, a acção e, em consequência:

A. Declarou-se a ineficácia, perante a A., da escritura pública outorgada em 3.1.2012, através da qual a sociedade C (…), Lda., declarou dar em permuta a J (…) o prédio urbano composto de barracão destinado a oficina e logradouro, sito na x (...) , (...) , inscrito na matriz sob o art. 7.468º e descrito na C.R.P. de (...) sob o nº 3.501;

B. Declarou-se que a A. tem o direito de praticar sobre tal imóvel, objecto desse negócio, actos de conservação da garantia patrimonial e de o executar no património do R. em cujo património esse bem ingressou.

*

2. A A. interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

4. A A. contra-alegou, defendendo que para a hipótese de o pedido principal não proceder se deve manter a decisão quanto ao pedido subsidiário.

II - Factos Provados

 

1. A A. contraiu casamento com R (…), de quem se divorciou, por douta sentença, proferida em 21.04.2008 e transitada em julgado em 05.05.2008.

2. Na sequência do divórcio, foi instaurado inventário com vista à partilha dos bens comuns, distribuído ao 4º Juízo Cível de (...) sob o nº 7865/05.8TBLRA-D, em que foi nomeado cabeça de casal R (…)

3. Foi relacionado no inventário, por requerimento de 25.02.2009, e como bem comum a partilhar (inicialmente sob a verba 8 da relação de bens, posteriormente, sob passou a verba 10) - uma quota social, em nome de R (…), na sociedade comercial por quotas C (…), Ldª., no valor nominal de 6.110,27 €.

4. Tal quota de € 6.110.27 (verba 10), na conferência de interessados ocorrida em 08/07/2011 (e que inicialmente esteve marcada para 07/06/2010 e 24/09/2010), foi adjudicada à interessada, ora A., que a licitou, pelo valor de 50.000 €.

5. No mesmo inventário fora acusada a falta de relacionamento de um crédito de 54.800 € do património comum sobre a sociedade C (…), Ldª., por mútuo inicial dos interessados de 75.000 €.

6. Na sequência de decisão proferida nesse inventário, os interessados (A. e R (…)) foram, quanto a esta questão do crédito, remetidos para os meios comuns, por decisão de 31.07.2009.

7. Foi então proposta, pela Autora, a competente ação contra o ex-marido R (…) e contra a sociedade C (…), Ldª., com vista ao reconhecimento desse crédito pelos RR. e condenação da Ré a restituir ao património comum da A. e ex-marido a quantia de 52.579,33 €, ação que correu termos pelo 1º Juízo Cível de (...) sob o nº 2129/10.8TBLRA.

8. Em tal ação, que os RR contestaram, foi proferida douta sentença em 06.05.2013, transitada em julgado em 26.06.2013, que julgou a ação procedente, condenado a C (…) Ldª. a restituir ao património comum da A. e ex-marido a quantia de 52.579,32 €, acrescida dos juros de mora à taxa anual de 4% desde a citação (22/4/2010) até integral pagamento, bem como condenado o aí R. R (…) a reconhecer que a quantia mencionada constitui um crédito do casal sobre a Ré C (…).

9. A A., no mês de outubro de 2014, preparando-se para instaurar a competente execução contra a C (…), Lda., indagou da situação do património da Sociedade C (…)  Lda..

10. No serviço de Finanças de (...) consta que o prédio urbano a que corresponde o artigo matricial 1 (...) , sito na x (...) , (...) , composto por armazéns e atividade industrial, está inscrito em nome de C (…), Lda.

11. Tal prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 2 (...) /19940719 como barracão destinado a oficina e logradouro e a sua aquisição mostra-se inscrita a favor de J (…) através da apresentação 358 de 2012/01/03 por permuta efetuada com C (…) Lda.

12. C (…), Lda., tinha, desde 1992, como sócios R (…) e J (…)

13. Por escrito denominado de “permuta”, a que se refere a escritura pública outorgada em 03/01/2012 no Cartório do Notário (…) de 2 (...) , R (…) divorciado, e J (…)  e mulher, L (…) (intitulando-se ambos os intervenientes masculinos como únicos sócios da sociedade C (…), Ldª, e R (…)  ainda na qualidade de gerente da mesma), declararam que:

- O J (…) declarou ceder à sociedade C (..), Ldª., a sua quota própria no valor nominal de 1.745,79 €, que nela possuía, pelo preço de 23.000 €;

- Em troca, e para pagamento do preço de 23.000 €, a sociedade declarou dar ao J (…) o prédio urbano composto de barracão destinado a oficina e logradouro, sito na x (...) , (...) , inscrito na matriz sob o artº. 1 (...) , a que atribuíram o valor de 23.000 €, com o valor patrimonial de 26.552,78 € e descrito na C.R.P. de (...) sob o nº 2 (...) .

14. Por essa mesma escritura, o então sócio J (…) nominal de 872,90 €, declarou que a cedia também por 1.000 € à sociedade C (…), Ldª.

15. Com data de 24.11.2010, R (…) e J (…) constituíram uma outra sociedade denominada CII (…) Distribuição, Lda., com sede na Zona Industrial de (...) , exatamente com sede e a laborar no edifício acima referido em 10, 11 e 13, e onde a sociedade C (…), Lda., tinha, de facto, a sua sede e exercia, desde a compra do terreno e construção do barracão, toda a sua atividade.

16. A sociedade CII (…), Ldª, foi constituída por R (…), com uma quota no valor nominal de 3.500 €, e por J (…), com uma quota no valor nominal de 1.500 €, exatamente com a mesma percentagem (70% / 30%) que detinham na sociedade C (…), Ldª., sendo a gerência atribuída a R (…)

17. Consta da certidão de matrícula da sociedade CII (…), Ldª., que, em 24/2/2011, o R (…) declarou ceder, gratuitamente, a quota de 3.500 € à própria sociedade CII (…), Lda..

18. No imóvel propriedade de C (…), Lda, encontra-se a laborar a sociedade CII (…), Lda., utilizando todo o equipamento da C (…), Lda., nomeadamente o equipamento básico, equipamento de transporte, equipamento administrativo e outros constante do mapa do imobilizado corpóreo de 2009: máquinas eletrónicas, aparelho de reprodução de som, balanças, compressores, computadores, ferramentas e utensílios, equipamento de serralharia, centrais telefónicas privativas, tractores e empilhadores, mobiliário, grupo eletrogenio Secode, transformador 30Kvas 380Volts, Volkswagen Sharan, empilhador Mitsubishi Gáz, ar condicionado, gerador motor Lombardini, máquina electrosoldar, BMW 525tds 52-AO-25, Kangoo 30-CO-10 Misto, martelo Makita HM1200B, fotocopiadora Xerox + PC P4 3Ghz, software ZoneSoft ZSFact, telemóvel Nokia N91, motoenxada 6.5 HP Active.

19. Por escrito datado de 03.01.2011, a C (…) Lda., declarou dar de arrendamento a CII (…), Lda., sendo ambas representadas por R (…) e J (…)  as instalações daquela, por 10 anos, com início em 3/1/2011 e pela renda anual de 6.000 €, ou seja, 500 €/mês.

20. Na certidão de matrícula da CII (…) Lda., consta que, em 09/04/2012, sendo seu gerente R (…), aquela sociedade declarou ceder à companheira do R (…) (M (…)) a quota de 3.500 € que o R (…) havia cedido gratuitamente à sociedade.

21. Na certidão de matrícula da CII (…), Lda., consta que, em 30/11/2012, foi nomeada sua gerente M (…).

22. Pelo contrato de permuta a que alude a escritura de 03.01.2012, a C (…) Lda desfez-se de todo o património imobiliário que tinha.

23. O contrato de arrendamento datado de 03.01.2011 visou também retirar património à esfera jurídica da C (…), Lda..

24. A CII (…), Lda., foi constituída para desviar para a propriedade desta todo o ativo corpóreo e equipamentos da C (…) Lda.

25. Na prática dos atos acima descritos, R (…) atuou sempre em conluio com J (…) e, mais tarde em conluio com M (…), prestando as declarações por si ou em nome das sociedades que representavam com vista a prejudicarem a A. e impedirem-na de satisfazer o crédito peticionado e declarado na ação 2129/10.8TBLRA, descapitalizando a C (…), Lda.,

26. J (…) é vizinho da A. e tinha e tem conhecimento de que:

- ocorreu o divórcio entre a A. e o R (…);

- corria, à data dos factos, o inventário subsequente para partilha dos bens comuns;

- a sociedade C (…), Lda., era demandada nos termos peticionados na referida ação ordinária nº 2129/10.8 TBLRA;

- o imóvel descrito em 10. 11. e 13. tinha sido avaliado em abril de 2007 em € 425.000,00;

27. O imóvel descrito em 10., 11. e 13. tem um valor não inferior a € 327.000,00.

*

Factos não provados:

(…)

- que, nos atos acima referidos, não correspondam as vontades reais dos intervenientes às vontades efetivamente declaradas.

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Nulidade da decisão.

- Alteração da matéria de facto.

- Existência de simulação relativamente à permuta efectuada e suas consequências.

- Inexistência dos requisitos da impugnação pauliana.

2. Vem a A. arguir a nulidade da sentença prevista no art. 615º, nº 1, c), 1 ª parte, do NCPC, em virtude de existir oposição entre os fundamentos e a decisão.

Por sua vez os RR/recorrentes acusam a sentença de nula pela mesma razão, e ainda por violação do referido preceito e mesmo número, agora com fundamento nas b) e d).

Dispõe-se em tal normativo que a sentença é nula quando: o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – a); os fundamentos estejam em oposição com a decisão – c), 1ª parte; o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar – d), 1ª parte. Nenhuma das nulidades se verifica.

Começando pela prevista na b), verifica-se que a sentença contém os fundamentos de facto: são os 27 factos provados acima enumerados e os 2 factos não provados (um dos quais está, também acima enunciado). E também contém a fundamentação de direito: é aquela que agora iremos transcrever:

“Dispõe o artº 240º, nº 1, do CC, que, “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergências entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.”

São, pois, três os requisitos, para que haja simulação:

a) Divergência entre a vontade real e a vontade declarada;

b) Intuito de enganar terceiros;

c) Acordo simulatório.

Por outro lado, a simulação pode ser absoluta ou relativa: é absoluta quando por detrás das declarações não se pretende realizar negócio algum; é relativa quando sob a capa do negócio declarado, os declarantes pretendem realizar outro (negócio dissimulado).

A simulação absoluta torna o negócio nulo (art. 240º, nº 2, do CC.); a relativa mantém o negócio dissimulado válido, desde que este não seja de natureza formal, caso em que só será considerado válido se tiver sido observada a forma exigida na lei (art. 241º, nº 1, e nº 2, do CC).

Seguindo de perto o douto Ac STJ de 14.02.2008 1In www.dgsi.pt/jstj, proferido no processo nº 08B180 e relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro, Dr. Oliveira Rocha, «a simulação, que pode ser fraudulenta ou inocente, absoluta ou relativa, implica sempre a intenção de enganar terceiros.

Com esta intenção pode ou não cumular-se a de prejudicar outrem (animus nocendi).

Quando, além da intenção de enganar, haja a de prejudicar, a simulação diz-se fraudulenta. Se apenas existe animus decipiendi, a simulação é inocente.

Em certos casos, o acordo simulatório dirige-se à celebração de um negócio e as partes não querem na realidade celebrar esse negócio, nem qualquer outro. É a simulação absoluta.

Noutros casos, o negócio simulado encobre outro acto que se diz dissimulado (por exemplo, declara-se vender, mas a vontade real das partes é doar). É a simulação relativa.

A intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração traduz-se na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real.

O declarante não só sabe que a declaração emitida é diversa da sua vontade real, mas quer ainda emiti-la nestes termos.

Trata-se, portanto, de uma divergência livre, querida e propositadamente realizada.

Na simulação absoluta, os simuladores fingem realizar um certo negócio jurídico, quando, na verdade, não querem realizar negócio jurídico algum; há apenas um negócio simulado. Como diziam os antigos tratadistas, “colorem habet, substantiam vero nullam”. A divergência entre a vontade e a declaração deve proceder de acordo entre declarante e declaratário (pactum simulationis), isto é, o conluio (cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral, vol. II, pag. 169), a mancomunação (v. Galvão Telles, Dos Contratos em Geral, 2ª ed. 149), consistente em as partes declararem, intencional e concertadamente, terem realizado um acto, que, afinal, não quiseram realizar (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, Vol. I, 4ª ed., pag. 321)».

O ónus da prova da simulação compete a quem a invoca, na circunstância a aqui Autora – artsº 240º e 242º do CC.

Apreciando, entendo que, no caso dos autos, os intervenientes nos negócios cuja simulação é arguida quiseram efetivamente prestar as declarações que prestaram. Por outras palavras, quiseram transmitir os bens de equipamento, quiseram celebrar o contrato de arrendamento e quiseram fazer a permuta. Fizeram-no com o objetivo de prejudicar a Autora.

Para esta conclusão contribui, significativamente, a circunstância de o imóvel continuar inscrito em nome do Réu (…). É certo que a Ré CLS II tem sede nesse imóvel e é dele arrendatária, mas juridicamente a sua aquisição está em nome desse Réu. Uma coisa é (…) conseguir controlar o destino das empresas, através designadamente da sua companheira, outra é poder dispor juridicamente de um imóvel em nome de outra pessoa, ainda que seu sócio.

Isto é, os atos foram queridos da forma como foram declarados. Para descapitalizar a Ré C (…) Lda, Lda., e assim prejudicar a Autora que dela era e é credora.

Por isso, a pretensão da Autora não tem acolhimento na simulação, mas poderá ter na impugnação pauliana, pedida subsidiariamente relativamente ao contrato de permuta do imóvel.

No que concerne à impugnação pauliana, trata-se, consabidamente, de um instrumento jurídico facultado aos credores, para tutela da garantia patrimonial estabelecida no artigo 601º do Cód. Civil, contra os acos patrimoniais do devedor lesivos dessa garantia.

E, face ao disposto no artigo 610º do mesmo Código, são seus os seguintes requisitos gerais:

a) o ato lesivo da garantia patrimonial, traduzido numa nocividade concreta, por forma a resultar dele a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do crédito ou o agravamento dessa impossibilidade (cfr. alínea b) deste artigo);

b) a anterioridade do crédito relativamente ao ato ou a designada fraude preordenada, que consiste em o ato, quando anterior à constituição do crédito, ter sido realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor (alínea a) do mesmo artigo).

c) porém, quando o ato impugnado for oneroso, exige ainda o artigo 612º, nº 1, do Cód. Civil um outro elemento: que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé, entendendo-se como tal “a consciência do prejuízo que o ato cause ao credor” (cfr. nº 2 do mesmo artigo).

Refira-se, com interesse, que, em face do regime estabelecido no nº 1 do artigo 616º do Código Civil, e como escreve o Prof. M. Henrique Mesquita, na RLJ, Ano 128º, pag. 223:

«Este meio de defesa, porém, não se destina a reagir contra negócios nulos, como sucede na hipótese do artigo 605º, nem contra a inércia ou passividade do devedor, como sucede nos casos em que se aplica a acção sub-rogatória.

Destina-se, sim, a reagir contra actos positivos do devedor que não enfermam de qualquer vício interno, mas que causam prejuízo aos credores.

Trata-se, portanto, de uma acção de responsabilidade ou indemnizatória, não podendo os bens ou direitos adquiridos pelo terceiro ser atingidos senão na medida do necessário ao ressarcimento do prejuízo sofrido pelo credor impugnante”.

Conclui ainda o mesmo Autor que o regime legal vigente “não deixa, pois, a menor dúvida de que se trata de uma acção pessoal com escopo indemnizatório – e não de declaração de nulidade ou de anulação, ponto em que deixou de haver qualquer controvérsia na doutrina».

Daí que, por exemplo, e considerando a natureza jurídica da pauliana, não haja fundamento para o cancelamento das inscrições no registo predial com base no negócio impugnado.

Daí resulta também que, julgada procedente a ação, o credor adquira três direitos: o de restituição de bens na medida do seu interesse; o de praticar atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei; e o de execução dos bens no património do obrigado à restituição (vide, por exemplo, cfr. Ac RC de 13.11.90, in CJ, V, 43).

Ou seja, em caso de procedência da impugnação, o credor não necessita sequer de promover o retorno dos bens ao património do alienante, pois pode executá-los no património do próprio adquirente sem sofrer a concorrência dos credores deste. Tudo se passa assim como se o ato de alienação realizado entre o devedor e o terceiro não exista ou seja irrelevante em face do credor impugnante, em relação a quem o ato de alienação é considerado ineficaz.

E justamente porque não se trata de declarar a nulidade ou de anular o ato impugnado, o credor impugnante não carece de instaurar a ação de nulidade ou de anulação do contrato realizado pelo devedor que o prejudica, nem carece de oferecer ao adquirente dos bens a devolução simultânea da prestação que ele realizou.

A impugnação pauliana está pedida quanto à permuta do imóvel acima descrita e datada de 03.01.2012.

No caso dos autos, está provado que esse ato foi um dos que descapitalizou a sociedade C (…) Lda., retirando do seu património o bem mais valioso – o prédio urbano a que corresponde o artigo matricial 1 (...) , sito na x (...) , (...) , composto por armazéns e atividade industrial, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 2 (...) /19940719. Como já se salientou, incumbia ao devedor ou ao terceiro interessados na manutenção do ato a prova de que o devedor possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

Toda a factualidade provada demonstra que foi finalidade concertada dos intervenientes da permuta impedir a satisfação do direito da Autora, ainda que a sentença proferida na ação declarativa date de 2013, i.e., está demonstrada a designada fraude preordenada.

Subsumindo a estes requisitos os factos provados, deve a ação proceder quanto ao pedido subsidiário, declarando-se, consequentemente, apenas tão só a ineficácia perante a Autora do ato impugnado, reconhecendo-se os direitos que lhe assistem, mas não se declarando a restituição dos bens objeto dos atos impugnados ao património dos transmitentes.

Procede, assim, e nestes termos, o pedido subsidiário.”.

Inexiste, pois, a apontada nulidade.

Quanto à d), os RR/recorrentes ficam-se pela mera conclusão da afirmação de uma pretensa nulidade.

Tendo em conta que questões são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir invocadas e todas as excepções deduzidas, só haverá nulidade se o juiz omitir esse conhecimento (art. 608º, nº 2, do NCPC), já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado (vide L. Freitas, A Acção Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 3ª Ed., pág. 334), tais apelantes acabam por não indicar em concreto qual pedido, causa de pedir ou excepção invocada não teria sido conhecida. Antes decorrendo do corpo das alegações que confundem questões com alegada desconsideração de documentos juntos, elementos constantes do processo, a prova produzida em julgamento, etc. O que a ser verdade poderia levar eventualmente a um erro de julgamento de facto, mas nunca a uma nulidade.

Não existe, pois, tal arguida nulidade.

Quanto à c), da parte dos RR/recorrentes estes ficam-se pela mera conclusão, sem qualquer justificação. Não sendo função do tribunal de recurso pôr-se a adivinhar o que os recorrentes pretendem, é manifesto que a acusação dessa nulidade não tem qualquer fundamento.

Da parte da apelante A., igualmente decorre das suas alegações confusão entre erro no julgamento da matéria de facto e nulidade da sentença. Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, ainda que juridicamente correcto, a oposição é causa de nulidade da sentença. E mesmo quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento de direito mas não, também, perante uma nulidade da sentença (vide L. Freitas, ob. cit., pág. 333).

Outra coisa diferente é o juiz errar no julgamento de um facto, ou haver vício na decisão da matéria de facto, por contradição entre pontos dessa matéria, que é o que a A. está a pensar, nas suas alegações, ao dizer que não compreende que possa ser dado por provado o que consta do facto provado 25. e o que consta do único facto não provado acima elencado (na parte II).

Também inexiste aqui a apontada nulidade.    

3. A A./apelante impugna a matéria de facto, pretendendo que o facto não provado atrás enunciado passe a provado, nos termos redactoriais que propugna. Fá-lo com base numa reanálise da motivação da decisão da matéria de facto apresentada pela julgadora, conjugada com os factos provados apurados e com as regras de experiência de vida.

Por seu lado, as RR na sua impugnação da matéria de facto, pretendem que os factos provados passem a não provados. Defendendo, para tanto, que o crédito dado pela julgadora de facto às testemunhas (…), deve ser desvalorizado por sendo filhos do inicial R. (…)o, estarem de relações cortadas com o mesmo, tendo por isso interesse na causa, e os depoimentos dos mesmos se basearem em meras opiniões/suposições, atendendo ao conhecimento que tinham da situação de divórcio da sua mãe, a A., com o seu pai.

(…)

Improcede, pois, a dita impugnação de facto dos RR.

3.2. Relativamente à impugnação da A., adiantamos já que é procedente. Expliquemos porquê.

Dispõe o art. 607º, nº 4, 2ª parte, in fine, que o juiz deve compatibilizar toda a matéria adquirida e extrair dos factos apurados as presunções impostas pelas regras da experiência. A juíza a quo fê-lo, recorrendo às regras da experiência, como resulta do que expressamente sublinhou na sua decisão da matéria de facto. Nesta situação, em recurso, a Relação, na reanálise da impugnação da matéria de facto, também o deve fazer, nos termos do art. 662º, nº 1, do NCPC, onde se dispõe que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida (ou um documento superveniente) impuserem decisão diversa. Em decorrência desta nova redacção (se comparada com a redacção anterior do art. 712º, nº 1, do CPC), a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos, relatórios periciais, inspecção judicial, complementados ou não pelas regras da experiência (vide A. Geraldes, Recursos no NCPC, 2013, pág. 224 e Cláudia Trindade, A Prova dos Estados Subjectivos no Proc. Civil, Presunções Judiciais e Regras de Experiência, 2016, pág. 348).

As presunções judiciais interferem na decisão da Relação por duas vias: ou pelo controlo que esta faz sobre o uso de presunções judiciais realizado pela 1ª instância; ou pela utilização de presunções judiciais pela própria Relação na formulação da sua convicção autónoma (nesta última hipótese configuram-se os casos em que a Relação pode utilizar presunções judiciais que o tribunal da 1ª instância decidiu não utilizar com vista à alteração da decisão de facto, ou se a Relação pode alterar a matéria de facto assente na 1ª instância com base apenas em presunções judiciais).

Interessa-nos agora a primeira via, pois o tribunal a quo utilizou presunções judiciais. Nesta situação, e dispondo a Relação de todos os meios de prova que fundaram a decisão da 1ª instância, é lícito à 2ª instância com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do referido art. 607º, nº 4, por via do também mencionado art. 663º, nº 2 (vide Ac. do STJ, de 29.9.2016, Proc.286/10.2TBLSB, em www.dgsi.pt e Luís Pires de Sousa, Prova por Presunção no D. Civil, 3ª Ed., pág. 186).

É o que passamos a fazer, recorrendo à matéria apurada.

Veja-se que se provou que: o divórcio entre a A. e R (…) foi decretado em 2008; no inventário para separação de meações, por requerimento de 25.2.2009 é relacionada, como bem comum a partilhar a quota social, em nome de R (…) , na C (…); a conferência de interessados esteve agendada para 7.6.2010 e 24.9.2010; logo de seguida, em 24.11.2010, o R (…) e o J (…) constituíram uma outra sociedade denominada CII (…), Lda., com sede exactamente e a laborar no edifício onde a sociedade C (…), tinha, de facto, a sua sede e exercia, desde a compra do terreno e construção do barracão, toda a sua actividade; a CLS II foi constituída pelo R (…), com uma quota no valor nominal de 3.500 €, e pelo J (…), com uma quota no valor nominal de 1.500 €, exactamente com a mesma percentagem (70% / 30%) que detinham na sociedade C (…), sendo a gerência atribuída ao R (…); a referida quota foi licitada pela A. na conferência de interessados finalmente realizada em 8.7.2011; ainda em Abril de 2010, a A. propôs a acção nº 2129/10.8TBLRA, que culminou com a sentença condenatória de 6.5.2013, a qual condenou a CLS Bobinagens, a restituir ao património comum da A. e ex-marido R. Caetano a quantia de 52.579,32 €, acrescida dos juros de mora, bem como condenou o aí R. R(…) a reconhecer que a quantia mencionada constitui um crédito do casal sobre a Ré C (…); a permuta data de 3.1.2012, quando a sobredita acção já corria termos e depois de, no inventário ter tido adjudicada à autora a quota social; nessa permuta, a sociedade C (…) transmitiu para o J (…), pelo valor de 23.000 € um imóvel que, em 2007, fora avaliado em 425.000 € e actualmente vale no mínimo 327.000 €, ou seja, valores entre si totalmente díspares; entretanto o R. (…), em 24.2.2011, cede gratuitamente a sua quota à própria CLS II, e depois, em 9.4.2012, a CLS II cede à companheira do R. M (…) (e que, como companheira, teria de saber necessariamente das desavenças entre ele e a A.) exactamente a quota que ele, R. (…)o, cedera gratuitamente à sociedade, não constando que esta última cedência tenha sido alvo de alguma contrapartida, o que permite, assim, que o R. (…) através da companheira, continue a gerência de facto da CLS II, pois a gerência formal da CLS II passou de R. C(…) para a sua companheira; é no imóvel que era da CLS Bobinagens que labora a CLS II, com um contrato de arrendamento celebrado com aquela C (…) Lda, em 3.1.2011, logo a seguir à constituição da CLS II, e utilizando esta todo o activo corpóreo e equipamento que era daquela; a C (…)Ldanão tem outro património imobiliário; resultou da prova testemunhal, que foi relevada, que R. (…) declarava, pelo menos desde a licitação no inventário, que a A. não iria receber nada; resultou da mesma prova que o R. (…) reside perto da A. e que tinha conhecimento das desavenças judiciais entre esta e Rui (…),eu sócio desde 1992, sabendo o mesmo o valor da avaliação feita ao imóvel em 2007, pois esteve presente com o R. (…) na mesma, e participa com este numa permuta que retira à sociedade, pelo valor de 23.000 € atribuído à sua quota, um imóvel que ambos sabiam valer entre 425.000 € a 327.000 €; nenhuma explicação é dada e provada pelos RR para a descapitalização da C (…).

Estão, pois, presentes diversos indícios da simulação que descobrem a vontade das partes: o indício necessitas, que é a existência de um motivo atendível para o negócio, que no caso inexiste, não tendo os RR demonstrado qualquer razão verosímil para o mesmo, o indício affectio, que no caso está presente, pois o R. (…) são sócios há muito tempo, são vizinhos e amigos e portanto o J. (…) é uma pessoa de confiança daquele; o indício interpositio, em que se interpõe uma terceira pessoa, como acontece frequentemente, e aconteceu no caso concreto, com a criação de uma sociedade terceira, logo a seguir à instauração do inventário e 2 frustradas realizações da conferência de interessados, para servir de cúmplice na simulação; o indício pretium vilis, dado pelo desequilíbrio entre a troca de uma quota pelo valor de 23.000 € por um imóvel com o valor médio 15 vezes mais alto entre 425.000 € a 327.000 €; o indício retentis possessionis, que se traduz no facto do simulador adquirente da coisa transmitida não exercitar poderes sobre a coisa, que no caso está presente pois o imóvel e respectivos equipamentos é utilizado pela CLS II cujo gerente de facto e sócio maioritário, através da sua companheira, é o R. (..); o indício sigillum, dado pela conduta do R. (…)de ocultar os actos praticados, nada informando os filhos, o que naturalmente não aconteceria atenta a relação de familiaridade; o indício disparitesis, que resulta do facto da tal quota passada para a C (…) ficar sem valor, pois o grande, essencial e quase único valor patrimonial da dita sociedade residia na propriedade de tal imóvel; o indício domínio, como é elucidativo o facto de em sede de acção judicial o principal, o R. (…) o cúmplice, o (…), a CLS II e a companheira do R. (…) estarem patrocinados pelo mesmo advogado, quando em tese podem ocorrer incompatibilidades de interesse, sendo inclusive de notar que na fase inicial do processo o R. (…) até chegou a conferir poderes à mandatária forense, em nome da C (…) Lda como sócio desta quando já não o era, o que revela que intimamente ainda se via como “dono” da dita sociedade; finalmente o facto de ser cada vez mais frequente que o titular de uma sociedade perante a iminência do assédio dos credores, no caso a A., ou execução do património, constituir simuladamente outra sociedade para a qual transfere o património da primeira, continuando a ter o domínio de facto da nova sociedade, compondo-se esta das mesmas pessoas físicas da primeira sociedade, permanecendo o objecto social idêntico, com a coincidência das instalações no mesmo sítio e tendo como gerente a companheira do sócio/gerente originário, como aconteceu na nossa situação em apreço (vide Luís Pires de Sousa, ob. cit., págs. 264/275).

O que significa claramente para qualquer observador mediano e perspicaz, atendendo às máximas da experiência e à normalidade das coisas da vida, que todos estes actos e circunstâncias que os rodeiam foram praticados concertadamente e com um dois propósitos: retirar património à C (…) Lda, para que a A. não conseguisse ser paga do seu crédito; e – circunstância esquecida e não abordada, ainda que minimamente, na fundamentação da decisão apelada, mas deveras importante para compreensão total do caso em apreço -, esvaziar o valor económico da quota, da mencionada sociedade, que a A. adquiriu no inventário, já que despida de todo o seu património imobiliário tal quota valeria zero ou pouco mais que isso.

De sorte que tudo ponderado e analisado se impõe concluir que estamos perante um caso de simulação, pelo que a aludida impugnação factual da A. procede, devendo o indicado facto não provado (que ficará em letra minúscula) passar a provado sob 28. (a negrito), nos seguintes termos:

28. As vontades declaradas na referida escritura de permuta dos intervenientes, (…), não correspondam às suas vontades reais. 

4. O objecto do recurso da A. é tão-só ver decretada a nulidade, por simulação, do contrato de permuta outorgado em 3.1.2012 entre C (…), Lda., e J (…) relativo ao imóvel inscrito na matriz da freguesia de (...) e descrito na C.R.P. de (...) sob o nº 3.501, e consequente cancelamento do registo de aquisição do imóvel a favor do R. (…)s pela apresentação 358 de 3.1.2012.

Conforme se explanou na fundamentação da decisão recorrida, e atento o disposto no art. 240º, nº 1, do CC, já transcrito, são três os requisitos da simulação:

- um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário;

- no sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes;

- com o intuito de enganar terceiros.

Quanto a este último requisito o legislador basta-se com o mero intento de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica, ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida. Tanto basta para se verificar o dito requisito legal (vide M. Cordeiro, Tratado de D. Civil II, Parte Geral, 4ª Ed., 2014, pág. 886, e Acds. do STJ de 30.5.1995, CJ., T II, pág. 119, de 4.3.1997, CJ, T. I, pág. 124, de 9.10.2003, CJ, T. 3, pág. 93, e de 29.5.2007, Proc.07A1334, em www.dgsi.pt).  

Por outro lado, a simulação pode ser absoluta ou relativa (esta última prevista no art. 241º do CC) e fraudulenta ou inocente.

É absoluta quando por detrás das declarações não se pretende realizar negócio algum. Na simulação absoluta, as partes conjecturaram uma mudança, quando, na realidade, o status real permanece inalterado. Por regra, essa aparência tem, como fim, evitar uma qualquer consequência jurídica prejudicial: simula-se vender para evitar que os bens sejam executados, para iludir credores ou para que um determinado bem não seja considerado para efeitos de partilhas de herança ou de divórcio.

E é fraudulenta quando, além de se querer enganar alguém, se quer prejudicar outrem. Regra geral, a simulação será fraudulenta: as partes não pretendem criar apenas uma falsa aparência para o exterior, tendo ainda como fim imediato, retirar benefícios em prejuízo de terceiros (vide M. Cordeiro, ob. cit., pág. 888).

No nosso caso temos por inequívoco que existe uma simulação absoluta e fraudulenta, para prejudicar a A. Com a dita permuta, não só se visava impedir a cobrança do crédito de que esta é titular sobre a C (…), Lda, considerando que tal sociedade ficou despojada de todo o seu património imobiliário, mas pretendia-se, também – circunstância esquecida e não abordada, ainda que minimamente, na fundamentação da decisão apelada, mas deveras importante para compreensão total do caso em apreço -, esvaziar o valor económico da quota, da mencionada sociedade, que a A. adquiriu no inventário, já que despida de todo o seu património imobiliário tal quota valeria zero ou pouco mais que isso.

É isto que revelam indubitavelmente, devidamente ponderados e conjugados globalmente, os factos provados 1. a 13., 15. a 22., 24. a 28.    

Como assim, perante tal simulação, há que declarar a nulidade da aludida permuta, como peticionado pela A., em c) da petição inicial, e reclamado da mesma maneira ora em recurso.

Consequentemente se ordenando o cancelamento da inscrição de registo predial da aquisição do direito de propriedade a favor deste último, constante da apresentação 358 de 3.1.2012.

5. Face ao que consta do ponto anterior e ao que vai ser decidido sobre o mesmo, torna-se inútil conhecer a última questão acima elencada da inexistência dos requisitos da impugnação pauliana e absolvição dos RR/apelantes, face à condenação que contra os mesmos vai ser proferida, por outro pedido e causa de pedir. Na realidade, verifica-se que estes RR foram demandados em via subsidiária por outra cauda de pedir, a da existência da paulina, pelo que procedendo o primeiro pedido formulado contra eles já não se torna necessário conhecer o pedido subsidiário formulado, como resulta do art. 554º, nº 1, do NCPC. O que a própria A/apelante reconhece nas suas alegações de recurso (cfr. a parte final das ditas alegações de recurso). O que implicará, por isso, a revogação da sentença recorrida, na parte em que os mencionados RR foram condenados (sob pontos A. e B.).

6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Não deve confundir-se uma nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre as questões que o juiz devia apreciar (art. 615º, nº 1, d), 1ª parte do NCPC), com alegada falta de consideração de elementos probatórios, esta susceptível de conduzir a um erro no julgamento de facto;

ii) Também não deve confundir-se uma nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, nº 1, c), 1ª parte, do NCPC), com eventual vício da decisão da matéria de facto, por contradição entre pontos desta matéria; 

iii) Nos casos em que venha invocado a outorga de contratos simulados deve recorrer-se naturalmente ao uso de presunções judiciais para descobrir a real intenção das partes;

iv) Devendo recorrer-se a vários indícios socialmente típicos para descortinar a intenção das partes, tais como: o indício necessitas; o indício affectio; o indício interpositio; o indício pretium vilis; o indício retentis possessionis; o indício sigillum; o indício disparitesis; o indício domínio; a constituição, perante a iminência do assédio dos credores ou execução do património, de outra sociedade para a qual se transfere o património da primeira, continuando a ter-se o domínio de facto da nova sociedade, compondo-se esta das mesmas pessoas físicas da primeira sociedade, permanecendo o objecto social idêntico, com a coincidência das instalações no mesmo sítio e tendo como gerente a companheira do sócio/gerente originário;

v) Hoje, face à competência alargada da Relação em sede de impugnação da decisão de facto, em conformidade com o disposto no art. 662º, nº 1, do NCPC, é lícito à 2ª instância com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela 1ª instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do art. 607º, nº 4, aplicável por via do art. 663º, nº 2, ambos do mesmo código;

vi) Atento o disposto no art. 240º, nº 1, do CC, são três os requisitos da simulação: - um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário; - no sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes; - com o intuito de enganar terceiros.

vii) Quanto a este último requisito o legislador basta-se com o mero intento de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica, ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida;

viii) Será absoluta, quando por detrás das declarações não se pretende realizar negócio algum, quando, na realidade, o status real permanece inalterado; por regra, essa aparência tem, como fim, evitar uma qualquer consequência jurídica prejudicial (ex. simula-se vender para evitar que os bens sejam executados, para iludir credores);

ix) Será fraudulenta quando, além de se querer enganar alguém, se quer prejudicar outrem; regra geral a simulação será fraudulenta, pois as partes não pretendem criar apenas uma falsa aparência para o exterior, tendo ainda como fim imediato, retirar benefícios em prejuízo de terceiros.

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso da A., assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência, declara-se a nulidade, por simulação, do contrato de permuta constante da escritura pública outorgada em 3.1.2012, através da qual a sociedade C (…), Lda., declarou dar em permuta a J (…) o prédio urbano composto de barracão destinado a oficina e logradouro, sito na x (...) , (...) , inscrito na matriz sob o art. 7.468º e descrito na C.R.P. de (...) sob o nº 3.501, ordenando-se o cancelamento da inscrição de registo predial da aquisição do direito de propriedade a favor deste último, constante da apresentação 358 de 3.1.2012.  

*

Custas pelos RR/apelantes.

*

                                                                        Coimbra, 16.1.2018

                                                                        Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                        Fonte Ramos

                                                                        Maria João Areias ( voto de vencido )

Voto de vencido:

Em meu entender, o teor do ponto 28, que o Acórdão vem a dar como provado, a requerimento da autora/Apelante (10ª conclusão) – "28. As vontades declaradas na referida escritura de permuta dos intervenientes, R (…) e J (…), não correspondem às suas vontades reais." – não poderá constar da matéria de facto, desde logo, por o respetivo teor se afigurar perfeitamente conclusivo.

A vontade declarada não corresponde à vontade real, como?

- a sociedade nunca quis vender (ou permutar) o imóvel que constituía o seu património?

- a sociedade nunca quis adquirir a quota que o J (…) possuía na sociedade C (…)?

- se não pretendia realizar tais negócios, pretendia realizar outros? Quais? Uma eventual doação, face à discrepância de valores entre os elementos da permuta (simulação relativa)?

- ou, nunca pretendeu realizar negócio nenhum (simulação absoluta)?

Uma eventual divergência entre a vontade declarada e a vontade querida será uma conclusão a extrair dos factos alegados e a dar como provados – nomeadamente se eles pretenderam realizar algum negócio (em caso afirmativo qual – se quiseram transferir a propriedade do imóvel, qual o valor da transmissão) ou se não quiseram, de todo, celebrar qualquer negócio.

Não pomos em causa que os atos em apreço foram feitos concertadamente com o propósito de prejudicar a autora, por um lado, retirando património à Sociedade C (…), Lda., para que a autora não conseguisse ser paga do seu crédito e ainda esvaziando o valor económico da quota que vem a ser adjudicada à Autora na partilha do património comum.

Contudo, a alegada (e provada) intenção de prejudicar a autora é compatível com a vontade declarada pelos intervenientes no sentido de transferirem a propriedade do imóvel para o nome do J (…) (ainda que o tenham feito com o intuito de prejudicar a autora). E, no caso em apreço, afigura-se-nos que a intenção do seu ex-marido terá sido precisamente a de, transferindo a propriedade do imóvel para terceiro, descapitalizar a sociedade (…)(não só pela transmissão da propriedade do seu único imóvel, mas igualmente pelo facto de nas suas instalações se encontrar a laborar a nova sociedade). É que, em tal caso, há intenção de prejudicar 3º, mas não haverá simulação (a não ser que a divergência entre a vontade real e a declarada seja reportada ao valor declarado na permuta, face à discrepância entre o valor do imóvel e o valor da quota). De qualquer modo, haveria sempre, em 1º lugar, que apurar qual a vontade real.

                                                                             

   Maria João Areias