Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
558/18.8T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURADORA
REGULARIZAÇÃO DE SINISTROS
PRAZOS
SOLIDARIEDADE DE CREDORES
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
Data do Acordão: 02/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 38, 39, 40 Nº2 DL Nº 291/2007 DE 21/8, ARTS.496, 512, 513, 532, 533 CC, 640 CPC
Sumário: I - É aceitável, à míngua de prova em sentido contrário, admitir que uma carta foi recebida pelo destinatário no 4º dia útil seguinte ao seu envio.

II - A não indicação, adrede e inequívoca, dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados implica a rejeição liminar da impugnação da decisão da matéria de facto na parte afetada – artº 640º nº1 al. a) do CPC.

III - O nº2 do artº 40º do DL 291/07 de 21.08., consagra uma situação de solidariedade de credores – lesado e ISP - que permite a demanda do devedor por qualquer deles com benefício de todos – artºs 512º e 513º, 532º e 533º do CC e 32º nº 2 do CPC.

IV - O nº2 do artº 38º e o nº2 do artº 40º do referido DL regem para realidades diversas e consagram prazos diferenciados: aquele reporta-se a juros pela diferença entre o valor da indemnização proposta pela seguradora e o valor fixado a final, pelo tribunal, e contam-se até ao trânsito em julgado desta decisão; este rege para uma sanção compulsória destinada a compelir a seguradora a pronunciar-se sobre a responsabilidade do sinistro, e o lapso de tempo a considerar é o que medeia entre o termo do prazo legal concedido para a pronúncia e a data desta quando ela se assume negatória da responsabilidade.

V - Provado que o incumprimento da ré levou que o autor tivesse perturbações de sono, tendo de recorrer a medicação para dormir, alterado as suas rotinas e evitado o convívio com os amigos por se sentir envergonhado, assiste-lhe direito a compensação por danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

R (…), intentou contra N (…), S.A, a presente ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.

Pediu:

A condenação da ré a pagar-lhe:

a) €19.500,00 a título da sanção prevista no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007;

b) €117,64 juros legais em dobro desde 31.05.2016 até 17.10.2017;

c) €22,18 a título de juros compulsórios desde a decisão do CIMPAS até 17.10.2017;

d) €10.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Alegou:

O atraso de regularização do  acidente de viação ocorrido no dia 09 de maio de 2016, pelas 8h15, na rua António Medina Júnior, em Tavarede, Figueira da Foz, entre os ligeiros de passageiros com a matrícula (...) LM, propriedade do A, e o ligeiro de matrícula (...) KD, cuja responsabilidade se encontrava transferida na Ré.

A ré contestou.

No que ora interessa impugnou os valores peticionados.

E conclui pela improcedência da ação e pela condenação do AA como litigante de má fé.

2.

Prosseguiram os autos os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«julgo parcialmente procedente a presente ação que R (…), intentou contra N (…), S.A, e em consequência:

- Condeno a Ré a proceder ao pagamento da quantia 2.400, correspondente a 12 dias de atraso x €200/dia, a título da sanção prevista no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007, sendo metade para o AA e para o Instituto de Seguros de Portugal;

- Condeno a Ré a proceder ao pagamento ao AA da quantia de juros legais em dobro desde 1.07.2016 até 17.10.2017, em quantia que se liquidar, sobre o valor de €1.064,86.

No mais improcede o peticionado.

Absolve-se o AA do pedido de condenação por litigância de má fé efetuado.

Custas por AA e RR na proporção do decaimento.»

3.

Inconformadas recorreram ambas as partes.

3.1.

Conclusões do autor.

A. Andou mal o Tribunal a quo ao extrair a conclusão da prova produzida na condenação da R a proceder ao pagamento da quantia 2.400, correspondente a 12 dias de atraso x €200/dia, a título da sanção prevista no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007, sendo metade para o A e para o Instituto de Seguros de Portugal, e ao pagamento ao A da quantia de juros legais em dobro desde 1.07.2016 até 17.10.2017, em quantia que se liquidar, sobre o valor de €1.064,86.

B. No entendimento do A, da confrontação dos depoimentos das testemunhas e da prova documental junta aos autos, a única conclusão que se pode extrair é a condenação da R no pedido.

C. Fundamenta o Tribunal recorrido que o A recebeu a comunicação de não assumpção da responsabilidade do acidente a 12 de julho de 2016.

D. Ora olhando-se para o teor do documento 2 junto da petição inicial verifica que essa carta foi expedida (por correio simples) a 12 de julho de 2016, logo, nunca poderia chegar à mãos do A nesse mesmo dia.

 E. Por outro lado, o A afirma que essa carta foi recepcionada seis dias depois, ou seja, a 18 de julho de 2016, contudo este facto foi dado como não provado.

F. Perante a dúvida, o Tribunal a quo deveria ter optado por uma análise de pura lógica, e, socorrendo-se de um calendário de 2016 verificar que o dia 12 de julho foi uma terça feira e 18 de julho uma segunda feira.

 G. Logo, com atrasos de correio é verosímil a afirmação do A, de que recebeu a comunicação a 18 de julho, facto esse que não foi sequer especificamente impugnado pela R,

 H. E assim dar como provada que essa carta chegou às mãos do A na data por ele referida.

I. Por outro lado, o Tribunal recorrido também deu como provado que Em 19 de maio de 2016 a R comunicou à companhia de seguros do A que não concordava com a resolução do sinistro através da IDS, solicitando que o A fizesse uma reclamação e que 5. O A fez a reclamação solicitada no próprio dia, por correio eletrónico.

J. Neste conspecto, a sentença “varreu” da linha dos acontecimentos toda a tramitação que se passou entre as companhias de seguros no período compreendido entre o dia do acidente 9 de maio e 19 de maio de 2016,

K. E que resultou na não aceitação por parte da R da resolução do sinistro através do protocolo IDS.

L. Dito de outro modo, como é possível ao Tribunal recorrido afirmar que a R só teve conhecimento do acidente quando o A o reclamou a 19 de julho de 2019 quando esta se escusou ao IDS anteriormente?

M. Impõe-se que o Tribunal ad quem fixe como data de conhecimento dos factos pela R o dia da produção do sinistro, ou seja, 9 de maio de 2016, porque outra data não pode resultar dos factos dados como provados.

 N. O Tribunal a quo também deu como provado na sentença que: 14. A falta de resposta da R e a incerteza da situação, levou que o AA tivesse perturbações de sono, tendo de recorrer a medicação para dormir. 15. teve de alterar as suas rotinas, deixando de passar um fim de semana fora, em (...) . 16. O AA evitou o convívio com os amigos por se sentir envergonhado por ter o veiculo danificado.

 O. Contudo, aquando da aplicação do direito aos factos o Tribunal a quo refere que: Não obstante se ter provado que o AA, andou ansioso e perturbado com a situação, o certo é que não nos parece que tal actuação se possa imputar a qualquer titulo à Ré. Sendo certo que a Ré atrasou a tomada de posição quanto à comunicação da assunção ou não de responsabilidade, o certo é que após a notificação datada de 12 de julho, o AA bem sabia da posição da Ré. Não concordando com a mesma apenas tinha de fazer valer os direitos que entendia que lhe assistiam, como fez. O facto de se ser interveniente num acidente de viação, como facto anormal, é só por si potenciador de situações se ansiedade, que no entanto, na ausência de qualquer culpa da Ré na sua regularização, não tem dignidade suficiente para serem susceptíveis de compensação.

P. Relativamente a esta matéria, responsabilidade civil por danos não patrimoniais, o Tribunal a quo andou mal, isto porque,

Q. Por um lado, deu como provado que não obstante se ter provado que o AA, andou ansioso e perturbado com a situação, o certo é que não nos parece que tal actuação se possa imputar a qualquer titulo à Ré.

R. E por outro, afirma sendo certo que a Ré atrasou a tomada de posição quanto à comunicação da assunção ou não de responsabilidade, o certo é que após a notificação datada de 12 de julho, o AA bem sabia da posição da Ré.

S. Porém, a posição da R, como veio a ser comprovado pela decisão do CIMPAS estava errada. A sua responsabilidade existia e foi condenada por isso não tendo recorrido da decisão.

T. Os danos não patrimoniais que o A reclama não podem ser levianamente considerados pelo Tribunal a quo como não tendo dignidade suficiente para serem susceptíveis de compensação.

U. Esta tomada de posição do Tribunal a quo é ilegal, porque violadora do próprio espírito da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, que altera as Directivas n.os 72/166/CEE, 84/5/CEE, 88/357/CEE e 90/232/CEE, do Conselho, e a Directiva n.º 2000/26/CE e do próprio DL 291/2017 de 21, que é a protecção dos lesados por parte das seguradoras.

V. Aceitando o Tribunal a quo que os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos consagrada no artigo 483.º do Código Civil, se verificaram.

W. Tendo também aceite que a R agiu com dolo ou mera culpa, e por tal violou ilicitamente o direito do A ao não cumprir o estabelecido, entre outras disposições com a prevista na al. e) do n.º 1 do art. 36.º do DL 291/2007.

X. Deveria condenar a R a indemnizar o A no montante de peticionado por este.

Y. Ao não o fazer, optando pela vaga e consideração de que esses danos não têm dignidade suficiente para serem susceptíveis de compensação, o Tribunal a quo actuou em denegação de justiça violando a lei.

 Z. Isto porque, das duas uma, ou dava como não provados os danos ou dando-os como provados não pode levianamente qualificá-los como não tendo dignidade.

 AA. Por fim, o Tribunal a quo decidiu condenar a R nos seguintes termos: Condeno a Ré a proceder ao pagamento da quantia 2.400, correspondente a 12 dias de atraso x €200/dia, a título da sanção prevista no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007, sendo metade para o AA e para o Instituto de Seguros de Portugal; Condeno a Ré a proceder ao pagamento ao AA da quantia de juros legais em dobro desde 1.07.2016 até 17.10.2017, em quantia que se liquidar, sobre o valor de €1.064,86.

BB. Na perspectiva do A ocorreu um erro por parte do Tribunal recorrido de aplicação do direito aos factos,

CC. Violou desta maneira o estabelecido nos artigos 40.º n.º 2 e 38.º n.º 2 do DL 261/2007, isto porque,

DD. Ao contrário do que afirma a sentença recorrida a indemnização é efectivamente devida até à data do trânsito em julgado da decisão do CIMPAS que ocorreu a 12 de dezembro e não 12 de julho de 2016.

 EE. Nessas condições, e porque a lei é muito clara relativamente a este aspecto, o Tribunal ad quem deverá, proferir decisão baseada na prova produzida de condenação da R a pagar ao A quantia correspondente aos dias de atraso compreendidos entre 9.5.2016 até à data do trânsito em julgado da decisão do CIMPAS que ocorreu a 12.12.2016 x €200/dia, a título da sanção prevista no n.º 2 do artigo 40.º do DL 291/2007, sendo metade para o AA e para o Instituto de Seguros de Portugal.

FF. Ainda a propósito da decisão proferida de condenar a Ré a proceder ao pagamento ao AA da quantia de juros legais em dobro desde 1.07.2016 até 17.10.2017, em quantia que se liquidar, sobre o valor de €1.064,86.

 GG. O Tribunal a quo também errou na decisão ao referir que a Ré deverá proceder ao pagamento ao AA da quantia de juros legais em dobro desde 1.07.2016 até 17.10.2017, em quantia que se liquidar sobre o montante de €1.064,86,

 HH. Isto porque fazendo as contas essa quantia é líquida e corresponde ao montante €108,60.

II. Não havendo qualquer liquidação em sede de execução de sentença a fazer sobre essa matéria.

JJ. Em todas estas deliberações de que se recorre a convicção do Tribunal a quo fundou-se na posição assumida pelas partes nos articulados, na prova documental e na prova testemunhal produzida em sede de audiência final.

KK. O Tribunal a quo não valorou toda a prova, como deveria ter feito, errando nesse aspecto,

 LL. Na opinião do recorrente, a matéria de facto supra-referida foi incorrectamente julgada pelo Tribunal a quo, o que levou à tomada de uma decisão errada na sentença de condenação da R.

 MM. Tudo ponderado impõe-se decisão pelo Tribunal ad quem nos termos e para os efeitos do previsto nos artigos 639.º, 640.º e 662.º do Código do Processo Civil, que declare provado por procedente a presente apelação. Nestes

3.2.

Conclusões da ré.

1-A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto na mesma não houve uma apreciação correta dos pressupostos de direito constantes dos presentes autos.

2- Entende a Recorrente que o tribunal andou mal ao aplicar aquelas sanções previstas nos artsº 40 nº2 e 38 nº2 do Dec. Lei 291/2007.

3- O Tribunal a quo ignorou o facto de o sinistro ter sido regularizado através da Convenção IDS, sendo que nesse âmbito seria a seguradora do A. que tinha a função de regularizar o sinistro, nos termos do art.º 45 nº 3 do Dec. Lei 291/2007.

 4- O pedido do Recorrido para a condenação da Recorrente nas sanções relativas a um suposto atraso na assunção da responsabilidade não tem qualquer fundamento, uma vez que, no âmbito do protocolo, a Companhia Credora, seguradora do A, chegou a comunicar, no prazo legal, a assunção de parte da responsabilidade (segundo a sentença, a própria L (...) acabou por assumir a responsabilidade em 50%).

5-De acordo com as declarações da testemunha A (...) ( Sentença pagina 5), administrativo e gestor de sinistros da Recorrente, na regularização do sinistro foram detetadas discrepâncias nas declarações amigáveis, pelo que, existiam suspeitas fundamentadas de fraude, pelo que, nos termos do art.º 36 nº 8 do Dec. Lei 291/2007, os prazos de comunicação, ou não, da assunção da responsabilidade, suspendem-se, facto que não foi tido em consideração pelo tribunal a quo.

 6-Defende a Recorrente que os normativos em causa (artsº 40 nº2 e 38 nº2 do Dec. Lei 291/2007) se restringem e se esgotam na fase extrajudicial, não sendo aplicáveis na fase judicial, a que correspondem as regras gerais na determinação da obrigação de indemnizar.

7-Considera a Recorrente que a sanção dos juros em dobro só se aplica nos casos em que a seguradora assumiu a responsabilidade pelo sinistro, o que não é o caso dos autos, uma vez que a Recorrente não assumiu a responsabilidade, pelo que não pode a mesma ser condenada na sanção do art.º 38 nº2 do Dec. Lei 291/2007

8-Entende a Recorrente que a sentença deve ser revogada na parte em que a mesma é condenada nos juros em dobro nos termos do art.º 38 nº2 do Dec. Lei 291/2007.

9- Considera a R. que o A. não tem legitimidade para agir em nome do ISP, no âmbito da reclamação da coima prevista no art.º 40 nº2 do DL 291/2007.

10- O art.º 40 nº2 do DL 291/2007 define o direito do lesado e do ISP, mas não obriga o tribunal a fixá-lo, oficiosamente, a favor do ISP, nem o lesado tem legitimidade para o requerer em nome do ISP.

11-Com a infração materializada no incumprimento do dever de diligência nasce o direito a favor do lesado e do ISP, mas cada um terá de o exercer oportunamente, o que não corresponde ao que se passou nos autos.

12- O tribunal condenou a recorrente a pagar uma quantia que não foi solicitada pelo seu titular (ISP), violando o princípio do dispositivo.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – (Im)procedência da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

5.1.2.

Por outro lado urge atentar, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve o recorrente efetivar uma análise concreta, discriminada – por reporte de cada elemento probatório a cada facto probando -  objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.3.

Finalmente importa ter presente que:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

É que:

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

É o que dimana do artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

…»

Na verdade:

«…a lei, cooptando o recorrente para a colaboração com o tribunal e para a autorresponsabilização, visa agilizar a intervenção da Relação na reapreciação (que é pontual, no sentido de circunscrita a certos factos e a certas provas) da matéria de facto…» - Ac. do STJ de 18.06.2019, p. 152/18.3T8GRD.C1.S1.

 (sublinhado nosso)

Certo é que o cumprimento dos requisitos deste preceito deve ser avaliado em função de critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Pelo que, presentemente, é entendimento maioritário dos tribunais de recurso – Relações e STJ -  que o não cumprimento  nas conclusões do requisito da al. a) do nº2 – indicação com exatidão das passagens da gravação dos depoimentos em que se estriba – não é motivo de indeferimento liminar se tal foi cumprido no corpo alegatório; e, mesmo que aqui não seja cumprido, há quem entenda que deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento no sentido de tal cumprimento.

Porém, já  é comummente  defendido que os outros requisitos do nº1 – porque as alegações definem o objeto do recurso e por razões de cooperação para a celeridade -  devem nestas constar.

Assim:

«Para efeitos do disposto nos artigos  640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir,  previstas nas alíneas a), b)  e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por  função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.

E, por outro lado, a exigência da  indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada  na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um  ónus secundário, tendente a possibilitar  um acesso mais ou menos  facilitado aos meios de prova gravados relevantes  para a apreciação da impugnação deduzida.

Nesta conformidade…a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c)  do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso…» - Ac. do STJ de  21.03.2019, p. 3683/16.6T8CBR.C1.S2.

E mesmo que se entenda que nem todos estes requisitos devem ser exigidos presentes, com rigor e perfeccionismo, nas conclusões, pelo menos um, qual seja o da al.a) – indicação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados -  deve nelas constar, adrede e inequivocamente.

É esta, tanto quanto alcançamos, a posição jurisprudencial unânime, aliás no seguimento do entendimento da doutrina nesta matéria.

Assim:

«A rejeição do recurso de apelação a respeito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas pode radicar, atendo-nos propriamente ao conteúdo das conclusões, na falta de especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados. Todos os demais elementos legalmente mencionados, em especial no art. 640.º, n.º 1, do CPC – especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados, menção sobre o sentido da decisão pretendido e indicação exacta das passagens da gravação em que o recurso de funda –, apenas se faz indispensavelmente mister que constem da motivação – corpo alegatório – de tal recurso.» - Ac. do STJ de 19.06.2019, p. 7439/16.8T8STB.E1.S1.

 Efetivamente:

«Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões»

A rejeição do recurso quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, nas situações de falta «de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados», tal como de falta «de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação», constituindo, aliás, exigências que «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» - A . Geraldes  in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, ps. 126 /128.

5.1.4.

In casu.

O autor insurge-se por o tribunal não ter dado como provado que a carta da ré a declinar a sua responsabilidade a si (autor) enviada por esta a 12.07.2016, foi por ele recebida em 18.07.

Ora vista a decisão fáctica nela se alcança uma contradição.

Tal facto foi dado como provado – no ponto 9 – e, bem assim, foi dado como não provado.

Esta incongruência seria, em princípio, motivo de anulação da decisão – artº 662º nº2 al. c) do CPC.

Porém, tal não é necessário.

Primus porque, considerando o mais alegado e peticionado pelo autor em sede de recurso, a data da receção da carta é pouco mais do que irrelevante ou inócua.

Secundus porque tal contradição pode nesta instância recursiva ser eliminada

O  que deve  acontecer dando prevalência ao provado no ponto 9.

Na verdade,  provou-se que a carta foi enviada no dia 12.07.2016.

Pelo que, como defende o recorrente, não custa acreditar que ela foi por ele rececionada nos dias seguintes, podendo aceitar-se que tal aconteceu no dia 18, o qual, à data, era o 4º dia útil posterior ao seu envio.

Destarte, há que manter o teor do ponto 9 dos factos provados.

Quanto ao mais alegado pelo recorrente quanto à matéria de facto – als. i) a M) -  não pode ser concedido.

Primeiro porque tal é uma confusão expositiva, havendo, inclusive, erro quanto às datas indicadas: 19.07.2019? (al.L).

Depois porque, bem vistas as coisas, o autor não cumpre o acima mencionado ónus de indicar o concreto ponto de facto impugnado, sendo caso de rejeição liminar.

Mesmo que assim não fosse, dos factos provados, da decisão fáctica, que é o que, aqui e agora,  interessa  - e independentemente da análise jurídica que foi feita e que se poderá apreciar  aquando a apreciação do mais alegado no recurso -,  não  resulta provado, ou sequer dela é  retirável, que o  tribunal  a quo «varreu” da linha dos acontecimentos toda a tramitação que se passou entre as companhias de seguros no período compreendido entre o dia do acidente 9 de maio e 19 de maio de 2016».

Ademais porque, ex vi dos princípios da substanciação, do dispositivo e da auto responsabilidade das partes, provados apenas podem ser os concretos factos por elas alegados; e, vista a petição inicial do autor, nela não se enxerga alegação de concreto facto tendente a demonstrar que a ré teve conhecimento do sinistro no próprio dia da sua ocorrência.

Finalmente, porque o recorrente não indica qualquer prova neste sentido, sendo que, versus o por ele alegado, dos outros factos dados como provados não resulta que a ré tenha tido conhecimento da data do acidente no próprio dia da sua verificação.

5.1.5.

Por decorrência, e sem prejuízo da sanação da aludida contradição (e por causa dela) os factos  provados a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

1. No dia 09 de maio de 2016, pelas 8h15, na rua António Medina Júnior, em Tavarede, Figueira da Foz, ocorreu um sinistro entre os ligeiros de passageiros com a matrícula (...) LM, propriedade do A, e o ligeiro de matrícula (...) KD, cuja responsabilidade se encontrava transferida na Ré.

2. Os condutores dos veículos intervenientes preencheram a Declaração Amigável de Acidente Automóvel, que foi entregue no próprio dia à L (…), para a qual estava transferida a responsabilidade do veículo do A.

3. Nessa medida, a data do sinistro corresponde à data da abertura do processo para regularização do mesmo.

4. Em 19 de maio de 2016 a R comunicou à companhia de seguros do A que não concordava com a resolução do sinistro através da IDS, solicitando que o A fizesse uma reclamação.

5. O A fez a reclamação solicitada no próprio dia, por correio eletrónico.

6. O A contactou a Ré diversas vezes no sentido de esta tomar uma posição quanto à responsabilidade pelo sinistro.

7. Como não obteve resposta, o A em 4 de se julho de 2016 fez uma reclamação para a Autoridade de Supervisão dos Seguros ISP, de teor concretamente não apurado, e que foi objecto das respostas de 6.07.2016 e 15.09.2016 junto a fls. 6v e 7 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

8. Por email enviado em 6 de junho de 2016, a R comunicou ao A que ainda se encontrava “ a proceder à instrução do acidente em causa e para a conclusão da mesma necessitamos de realizar diligências que consideramos indispensáveis e que ainda não foram possivel concluir”.

9. Por comunicação datada de 12 de julho de 2016, recepcionada pelo A a 18 de julho de 2016, a R declinou a sua responsabilidade pelo mesmo.

10. Não se conformado com a posição assumida pela R, a 20 de Julho de 2016, o A recorreu ao CIMPAS (Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros) a fim de poder ser ressarcido dos danos patrimoniais, peticionando a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 2.099,72 acrescida de €300 de paralisação do veiculo (3x€100).

11. A audiência de julgamento realizou-se em 7 de dezembro de 2016, tendo a decisão final sido comunicada às partes no dia 12 desse mês.

12. Na decisão final, o Tribunal Arbitral condenou a aqui Ré a pagar ao AA “a quantia de 1.064,86€ correspondente a 50% da totalidade dos danos indemnizáveis, sofridos pelo reclamante, incluindo-se o valor do IVA, embora que quanto a este ultimo desde que comprovado o seu pagamento através de factura/recibo”. Esse valor engloba a quantia de €30 a titulo de privação do uso do veiculo LM.

13. \A R. procedeu ao pagamento da indemnização apenas em 17 de Outubro de 2017,

14. A falta de resposta da R e a incerteza da situação, levou que o AA tivesse perturbações de sono, tendo de recorrer a medicação para dormir.

15. teve de alterar as suas rotinas, deixando de passar um fim de semana fora, em (...) .

16. O AA evitou o convívio com os amigos por se sentir envergonhado por ter o veiculo danificado.

17.º Quando o Autor foi contactado para marcação da peritagem condicional no seu veículo,

18.º Em data não apurada do inicio do mês julho de 2016, este informou a Ré que a sua viatura já tinha sido objecto de peritagem pela sua seguradora e que a viatura já tinha sido reparada.

19.ºA peritagem do veículo do Autor foi realizada pela seguradora do Autor em 13 de maio de 2016.

20.ºEntre a data do transito em julgado da Decisão Arbitral (Sentença) e o pagamento o AA não interpelou a Ré para pagar o valor da condenação, não moveu qualquer ação executiva, nem exigiu qualquer pagamento de juros por atraso no pagamento

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Do recurso da ré.

Clama a ré que:

3- O Tribunal a quo ignorou o facto de o sinistro ter sido regularizado através da Convenção IDS, sendo que nesse âmbito seria a seguradora do A. que tinha a função de regularizar o sinistro, nos termos do art.º 45 nº 3 do Dec. Lei 291/2007.

 4- O pedido do Recorrido para a condenação da Recorrente nas sanções relativas a um suposto atraso na assunção da responsabilidade não tem qualquer fundamento, uma vez que, no âmbito do protocolo, a Companhia Credora, seguradora do A, chegou a comunicar, no prazo legal, a assunção de parte da responsabilidade (segundo a sentença, a própria L(…)acabou por assumir a responsabilidade em 50%).

5-De acordo com as declarações da testemunha (…) ( Sentença pagina 5), administrativo e gestor de sinistros da Recorrente, na regularização do sinistro foram detetadas discrepâncias nas declarações amigáveis, pelo que, existiam suspeitas fundamentadas de fraude, pelo que, nos termos do art.º 36 nº 8 do Dec. Lei 291/2007, os prazos de comunicação, ou não, da assunção da responsabilidade, suspendem-se, facto que não foi tido em consideração pelo tribunal a quo.

 6-Defende a Recorrente que os normativos em causa (artsº 40 nº2 e 38 nº2 do Dec. Lei 291/2007) se restringem e se esgotam na fase extrajudicial, não sendo aplicáveis na fase judicial, a que correspondem as regras gerais na determinação da obrigação de indemnizar.

7-Considera a Recorrente que a sanção dos juros em dobro só se aplica nos casos em que a seguradora assumiu a responsabilidade pelo sinistro, o que não é o caso dos autos, uma vez que a Recorrente não assumiu a responsabilidade, pelo que não pode a mesma ser condenada na sanção do art.º 38 nº2 do Dec. Lei 291/2007

8-Entende a Recorrente que a sentença deve ser revogada na parte em que a mesma é condenada nos juros em dobro nos termos do art.º 38 nº2 do Dec. Lei 291/2007.

9- Considera a R. que o A. não tem legitimidade para agir em nome do ISP, no âmbito da reclamação da coima prevista no art.º 40 nº2 do DL 291/2007.

10- O art.º 40 nº2 do DL 291/2007 define o direito do lesado e do ISP, mas não obriga o tribunal a fixá-lo, oficiosamente, a favor do ISP, nem o lesado tem legitimidade para o requerer em nome do ISP.

11-Com a infração materializada no incumprimento do dever de diligência nasce o direito a favor do lesado e do ISP, mas cada um terá de o exercer oportunamente, o que não corresponde ao que se passou nos autos.

 São os seguintes os preceitos a considerar do DL 291/2007 de 21 de Agosto:

Artigo 36.º

Diligência e prontidão da empresa de seguros

1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:

a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;

b) Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior;

c) Em caso de necessidade de desmontagem, o tomador do seguro e o segurado ou o terceiro lesado devem ser notificados da data da conclusão das peritagens, as quais devem ser concluídas no prazo máximo dos 12 dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea a);

d) Disponibilizar os relatórios das peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;

e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico;

f) Na comunicação referida na alínea anterior, a empresa de seguros deve mencionar, ainda, que o proprietário do veículo tem a possibilidade de dar ordem de reparação, caso esta deva ter lugar, assumindo este o custo da reparação até ao apuramento das responsabilidades pela empresa de seguros e na medida desse apuramento.

2 - Se a empresa de seguros não detiver a direcção efectiva da reparação, os prazos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior contam-se a partir do dia em que existe disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo.

3 - Existe direcção efectiva da reparação por parte da empresa de seguros quando a oficina onde é realizada a peritagem é indicada pela empresa de seguros e é aceite pelo lesado.

4 - Nos casos em que a empresa de seguros entenda dever assumir a responsabilidade, contrariando a declaração da participação de sinistro na qual o tomador do seguro ou o segurado não se considera responsável pelo mesmo, estes podem apresentar, no prazo de cinco dias úteis a contar a partir da comunicação a que se refere a alínea e) do n.º 1, as informações que entenderem convenientes para uma melhor apreciação do sinistro.

5 - A decisão final da empresa de seguros relativa à situação descrita no número anterior deve ser comunicada, por escrito ou por documento electrónico, ao tomador do seguro ou ao segurado, no prazo de dois dias úteis após a apresentação por estes das informações aí mencionadas.

6 - Os prazos referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1:

a) São reduzidos a metade havendo declaração amigável de acidente automóvel;

b) Duplicam aquando da ocorrência de factores climatéricos excepcionais ou da ocorrência de um número de acidentes excepcionalmente elevado em simultâneo.

7 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a empresa de seguros deve proporcionar ao tomador do seguro ou ao segurado e ao terceiro lesado informação regular sobre o andamento do processo de regularização do sinistro.

8 - Os prazos previstos no presente artigo suspendem-se nas situações em que a empresa de seguros se encontre a levar a cabo uma investigação por suspeita fundamentada de fraude.

  Artigo 38.º

Proposta razoável

1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.

2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.

3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.

4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.

Artigo 40.º

Resposta fundamentada

1 - A comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos nas disposições identificadas nos n.os 1 dos artigos 38.º e 39.º, consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos:

a) A responsabilidade tenha sido rejeitada;

b) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada;

c) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis.

2 - Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.os 1 dos artigos 38.º e 39.º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.

Artigo 45.º

Códigos de conduta, convenções ou acordos

1 - Sem prejuízo do disposto no presente capítulo, as empresas de seguros ou as suas associações podem aprovar códigos de conduta, convenções ou acordos que assegurem procedimentos mais céleres, sem diminuir a protecção dos consumidores assegurada pela lei.

2 - As empresas de seguros devem, nas suas comunicações com os tomadores de seguros, com os segurados e com os terceiros lesados, prestar informação sobre a sua adesão a códigos de conduta, convenções ou acordos, a identificação dos seus subscritores e as regras atinentes à sua aplicação.

3 - Quando, nos termos dos códigos de conduta, convenções ou acordos e com o enquadramento neles previsto, a regularização e o acompanhamento do sinistro sejam feitos por uma empresa de seguros por conta de outrem, as obrigações previstas no presente capítulo impendem sobre aquela.

Atentemos.

Quanto ao ponto 3 das conclusões.

Não nos parece que a seguradora do autor possa ser considerada «empresa de seguros por conta de outrem».

A sua seguradora é uma seguradora «por conta» do próprio autor e, ainda, ao menos indireta ou reflexamente - se e na medida em que tratar e dirimir o processo em que o segurado da ré e, ex vi do seguro, ela própria, também tenham interesse no desfecho do processo-,  é uma seguradora «por conta» desta.

Em todo o caso…

A "Convenção IDS" (indemnização direta ao segurado) é um acordo entre Seguradoras (assinado pela quase totalidade das Seguradoras que atuam em Portugal) que se traduz num serviço facilitador da regularização dos sinistros. Proporciona um melhor serviço, atendimento personalizado, simplicidade, eficácia e rapidez.

Resumidamente, o Segurado poderá dirigir-se à sua própria Seguradora, mesmo quando a responsabilidade não lhe pertence, a qual lhe regulariza o sinistro na proporção da responsabilidade do outro interveniente.

O facto de o Segurado preencher e assinar a DAAA, que entrega à sua Seguradora, não dá origem à perda de eventual bónus ou agravamento do contrato.

 O contrato só é afetado se se verificar que alguma responsabilidade lhe pertence.

Obriga a que o sinistro seja enquadrável nos casos da Tabela Prática de Responsabilidades.

 Caso o sinistro deva ser desenquadrado da Convenção IDS, o cliente terá que ser encaminhado para a Seguradora do responsável e tratar o sinistro da forma tradicional.

Ora na situação sub judice foi a própria ré que, em 19.05.2016, rejeitou a sua responsabilidade, e, assim,  enjeitou a solução do caso via Convenção IDS.

Acresce que a condenação da ré na sentença teve sempre como «dies a quo» do prazo para a pronúncia da ré, aquela data.

Logo, não pode a ré invocar a convenção IDS, seja para que efeito for, rectius o presente, pelo menos a partir da data de 19 de maio.

No atinente ao ponto 4.

O alegado irreleva na exata medida em que a condenação da ré se ateve e foi perspetivada na consideração da sua condenação, no Tribunal Arbitral, no pagamento de 50% correspondente ao valor de 1.064,86€.

Relativamente ao ponto 5.

O alegado é insubsistente pois que inexistiram factos provados consubstanciadores/densificadores de tal alegação; pelo que falha lastro factual ao despoletamento do normativo invocado, e não bastando para tal o verbalizado por uma testemunha.

No concernente ao ponto 6.

Não acompanhamos  este  entendimento recursivo.

Se a regularização do sinistro não é consecutida amigavelmente e por acordo na fase pré e extrajudicial, naturalmente, e por apelo e relevância das regras gerais, ordinárias e constitucionais, do direito de acesso aos meios jurisdicionais estaduais, podem e devem ser  chamadas e discutidas as normas legais pertinentes, como as presentes, bem como, perante elas e as respetivas estatuições e efeitos, apurado o incumprimento dos  intervenientes/interessados e fixadas as suas responsabilidades.

Caso contrário violar-se-iam tais regras gerais e limitar-se-ia a aplicação destas normas e dos seus efeitos à fase extrajudicial, o que não é sequer congeminável, nem está explícito na sua letra nem  dimana do seu espírito.

Por reporte ao ponto 7.

Se a recorrente entende que a norma que invoca se aplica ao caso de não assunção de responsabilidade, parece ser lógico que, por maioria de razão – argumento a fortiori – também se aplica às situações em que não assumiu a responsabilidade mas se vem a verificar judicialmente que tal responsabilidade lhe é imputável; como se verificou ser o caso.

Finalmente o ponto 9 e sgs.

Substantivamente, a estatuição do nº2 do artº 40 consagra uma obrigação solidária da ré perante o lesado e o ISP pois que, e na medida em que, cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles – artºs 512º e 513º do CC.

Adjetivamente, estamos perante um caso de litisconsórcio voluntário que colhe respaldo no estatuído no artº 32º nº2 do CPC, a saber:

«2 - Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.».

Na verdade - e versus o que sucede com a estatuição do nº1 deste artº 32º, que abrange as obrigações conjuntas, ou seja, as obrigações plurais cuja prestação é fixada globalmente mas em que a cada um dos interessados compete apenas uma parte do débito ou crédito comum-, este segmento normativo do nº2 abarca as obrigações solidáriascfr. Abílio Neto, in CPC Anotado, Ediforum, 16ª ed. p.95.

No caso emerge uma solidariedade entre credores.

Ora:

«A satisfação do direito de um dos credores… produz a extinção, relativamente a todos os credores, da obrigação do devedor»  – artº 532º do CC.

E «o credor cujo direito foi satisfeito para além da parte que lhe competia…tem de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum» - artº 533º do CC.

 Assim sendo, constatado o incumprimento da ré e a subsunção da sua atuação na previsão do citado nº2 do artº 40º, e considerando a própria redação adrede deste em tal sentido, impõe-se/impunha-se que o ISP também seja/fosse ressarcido/compensado nos termos nela definidos.

Isto, mesmo que a decisão de condenação da ré fosse decretada,  aliás numa menos curial   restritiva ótica formal adjetiva, apenas em relação ao lesado direto.

Pois que, como se viu,  sempre este estaria constituído na obrigação de restituir ao ISP a parte  que por lei lhe compete.

Destarte, a expressa e inequívoca condenação em benefício do ISP não apenas cumpriu a lei  como  dissipou qualquer dúvida que pudesse subsistir quanto ao direito desta entidade.

5.2.2.

Do recurso do autor.

5.2.2.1.

Dos danos não patrimoniais.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.

 Efetivamente: «...os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» - R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995 p.555/556.

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.

Há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade e a integridade física- cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã (lato sensu) convivência social - são, quiçá, os direitos com maior dignidade e que importa respeitar e defender.

Acresce que a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Resta sempre difícil apurar, com rigor, a adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afetações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.

Devendo ainda considerar-se e reiterar-se, no seguimento do exposto na sentença, que a recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas.

 Sendo que, hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.

Efetivamente: «“É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras…

Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais tais como a vida valham menos de € 60.000.”» -   Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 755, apud, Ac. do STJ de  07.05.2014, p. 436/11.1TBRGR.L1.S.

Certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.

Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer atividade  humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático.  

In casu.

A Julgadora indeferiu este pedido nos seguintes termos:

«Pretende o AA a condenação da Ré no valor de € 10.000 por danos não patrimoniais sofridos, decorrentes do atraso na regularização do sinistro e do pagamento.

Reconduz-se tal situação à responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos...

Não obstante se ter provado que o AA, andou ansioso e perturbado com a situação, o certo é que não nos parece que tal actuação se possa imputar a qualquer titulo à Ré.

Sendo certo que a Ré atrasou a tomada de posição quanto à comunicação da assunção ou não de responsabilidade, o certo é que após a notificação datada de 12 de julho, o AA bem sabia da posição da Ré. Não concordando com a mesma apenas tinha de fazer valer os direitos que entendia que lhe assistiam, como fez.

O facto de se ser interveniente num acidente de viação, como facto anormal, é só por si potenciador de situações se ansiedade, que no entanto, na ausência de qualquer culpa da Ré na sua regularização, não tem dignidade suficiente para serem susceptíveis de compensação.

Ora apurou-se com potencial relevância neste conspeto:

14. A falta de resposta da R e a incerteza da situação, levou que o AA tivesse perturbações de sono, tendo de recorrer a medicação para dormir.

15. teve de alterar as suas rotinas, deixando de passar um fim de semana fora, em (...) .

16. O AA evitou o convívio com os amigos por se sentir envergonhado por ter o veiculo danificado.

Versus o entendido pela julgadora, esta factualidade apurada deve ser imputa ao incumprimento da ré - o qual, aliás, a Srª Juíza constatou e declarou -, em informar atempadamente o autor da sua posição sobre o sinistro.

É o que resulta do teor do ponto 14: « A falta de resposta da R e a incerteza da situação…».

A julgadora alegou que «após a notificação datada de 12 de julho, o AA bem sabia da posição da Ré. Não concordando com a mesma apenas tinha de fazer valer os direitos que entendia que lhe assistiam, como fez.»

Só em parte esta argumentação pode ser aceitável.

A partir de 12 de Julho o autor passou a saber da posição da ré: Mas esta foi-lhe desfavorável.

E, pela própria decisão da 1ª instância, ilegalmente foi tomada, pois que na sentença arbitral  a ré foi em parte condenada pelo incumprimento perante o autor.

Logo, a partir daquela data, há que concluir que o autor se sentiu injustiçado pela postura da ré. O que, naturalmente, lhe acarretou a continuação dos malefícios apurados nos ditos pontos 14 a 16.

E, até aquela data de 12 de julho, estes malefícios já lhe estavam a ser causados pelo silêncio da ré, pelo menos no período que ultrapassou o prazo legal da sua pronúncia.

Temos assim, e em conclusão, que inversamente ao entendido pela Julgadora, tais factos devem ser imputados à ré.

Resta saber se eles assumem dignidade e  relevância bastantes para alicerçarem uma condenação a este título.

E a resposta é afirmativa.

Na verdade, as sequelas decorrentes do incumprimento da ré ultrapassam o que, neste campo, é ainda admissível fazer suportar a um normal cidadão numa situação de (con)vivência comum, mesmo que imbuída de algumas vicissitudes e atritos que possam dela advir numa relação dialética quotidiana de tal convivência.

Efetivamente, as sequelas dimanantes destes atritos não demandam, por via de regra, a tomada de comprimidos para resolver perturbações no sono nem um sentimento de vergonha perante os amigos.

Não obstante, há que convir que as consequências nocivas não assumem foros de gravidade fora do comum, sendo até tais factos reveladores de uma acentuada, quiçá exacerbada, sensibilidade do autor.

Aspeto e conclusão estes que não poderão deixar de relevar em sede de fixação do quantum compensatório.

Tudo visto e ponderado, vg. o reporte  e comparação  com o montante dos  danos materiais concedidos, julga-se adequado fixar a este título de compensação por danos não patrimoniais  o  a quantia de mil euros.

5.2.2.2.

Do período a que se reporta  a quantia de 200 euros do artº 40º nº2 do DL.

O tribunal considerou que tal período se situa entre o termo do prazo legal de trinta dias que a ré tinha para se pronunciar e a data da pronúncia; ou seja, in casu, entre 01 e 12 de julho de 2016.

Para tanto expendeu que «Não se aceita o entendimento perfilhado pelo AA, ao considerar que tal indemnização é devida até á data do transito da decisão arbitral proferida pelo CIMPAS, na medida em que a Ré, ainda que tardiamente, tomou posição quanto ao sinistro e comunicou-a ao AA.»

Já o autor entende que tal período vai desde o dia do acidente, 09 de maio de 2016 até ao trânsito em julgado da decisão arbitral que se verificou em 12.12.2016.

Para tanto  defende que se aplica o nº 3 do artº 38º, por remissão do nº2 do artº 40º.

O autor não tem razão.

Primeiro porque, conforme dimana da letra daquele segmento normativo, a invocada remissão inexiste.

O que se compreende, pois que, como ressuma do teor do nº3 do artº 38º, ele estatui para uma realidade diversa da consignada no nº2 do artº 40º.

Aquele reporta-se aos casos em que a seguradora se pronuncia, apresentando uma proposta de indemnização, cujo valor, a final, e em sede de sentença, se conclui que é manifestamente insuficiente.

Já o nº 2 do artº 40º rege para quando a seguradora  se atrasa na emissão de pronúncia quanto ao acidente e, quando o faz, é para descartar a sua responsabilidade.

Verifica-se assim que o valor do nº3 do artº 38º assume o jaez de  uma indemnização de cariz essencialmente moratório/remuneratório/compensatório, por uma extemporânea atuação/posição da seguradora que, ademais, se traduz pela proposta de um valor manifestamente reduzido e insuficiente.

Já a quantia do nº2 do artº 40 assume a natureza de uma sanção compulsória tendente a incentivar/obrigar a seguradora a sair de tal inação e emitir pronuncia, e, ainda, sancionatória para o facto de, pronunciando-se, o fazer para não assumir a responsabilidade e, ademais, fora de prazo.

Estamos, pois, perante duas estatuições referentes a realidades distintas para as quais, assim, o prazo de uma não pode/deve aplicar-se ao da outra.

Destarte, para o nº3 do artº 38º os juros vão até à data da decisão final, aplicados pela diferença entre o valor proposto e o valor nesta decisão fixada.

Para o nº2 do artº 40 e como dimana da remissão deste segmento para o nº1 do mesmo preceito, e, deste, para  a alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º, o lapso temporal a considerar  para aplicação da sanção compulsória/sancionatória é apenas o que medeia entre o termo do prazo legal para a pronúncia da seguradora e a data da sua tomada de posição negatória de responsabilidade.

5.2.2.3.

Finalmente a liquidação dos juros.

Aqui assiste razão ao autor.

Trata-se de uma mera operação aritmética de aplicação do dobro da taxa de juro legal, ou seja, 8%, sobre o valor de €1.064,86 e considerando o período de tempo compreendido entre 1.07.2016  e 17.10.2017.

Pelo que inexiste razão para se condenar no que se liquidar no respetivo incidente já que não é caso de condenação genérica, não estando, assim, presentes os pressupostos dos artºs 609º nº2 e 358º nº 2 do CPC.

Vistas as discrepâncias entre o valor a este título indicado pelo autor na petição inicial e no recurso, deverá a secção de processos operar tal liquidação em conformidade com os elementos supra referidos.

Improcede o recurso da ré e procede, parcialmente, o recurso do autor.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - É aceitável, à míngua de prova em sentido contrário, admitir que uma carta foi recebida pelo destinatário no 4º dia útil seguinte ao seu envio.

II - A não indicação, adrede e inequívoca, dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados implica a rejeição liminar da impugnação da decisão da matéria de facto na parte afetada – artº 640º nº1 al. a) do CPC.

III - O nº2 do artº 40º do DL 291/07 de 21.08., consagra uma situação de solidariedade de credores – lesado e ISP -  que permite a demanda do devedor por qualquer deles com benefício de todos – artºs 512º e 513º, 532º e 533º  do CC e 32º nº 2 do CPC.

IV - O nº2 do artº 38º e o nº2 do artº 40º do referido DL regem para realidades diversas e consagram prazos diferenciados: aquele reporta-se a juros pela diferença entre o valor da indemnização proposta pela seguradora e o valor fixado a final, pelo tribunal, e contam-se até ao trânsito em julgado desta decisão; este rege para uma sanção compulsória destinada a compelir a seguradora a pronunciar-se sobre a responsabilidade do sinistro, e o  lapso de tempo a considerar é o que medeia entre o termo do prazo legal concedido para a pronúncia e a data desta quando ela se assume negatória da responsabilidade.

V - Provado que o incumprimento da ré levou que o autor tivesse perturbações de sono, tendo de recorrer a medicação para dormir, alterado as suas rotinas e evitado o convívio com os amigos por se sentir envergonhado, assiste-lhe direito a compensação por danos não patrimoniais.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso do autor parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré no pagamento ao autor da quantia de mil euros  como compensação dos danos não patrimoniais sofridos; e, bem assim, ordenar a liquidação dos juros nos termos sobreditos.

No mais se mantendo a sentença.

Custas pelas partes na proporção da presente sucumbência a apurar após a mencionada liquidação.

Coimbra, 2020.02.04.

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos