Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7541/16.6T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EXECUÇÃO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
TÍTULO EXECUTIVO
TÍTULO COMPLEXO
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.46 C), 50 CPC, 703 NCPC, DL Nº287/93 DE 20/8
Sumário: Para que o documento onde se convencionem prestações futuras – como é o caso do contrato de abertura de crédito – constitua título executivo será necessário que o mesmo seja acompanhado por outros documentos que comprovem as concretas disponibilizações/utilizações efetivas do crédito.
Decisão Texto Integral:       



                          


                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Nos autos de execução para pagamento de quantia certa que a K... move contra:
1. C (…), Lda.,
2. F (…)
3. D (…)

pelo juiz a quo foi proferido o seguinte despacho liminar:

“A exequente alega, no seu requerimento executivo, que celebrou um contrato de subscrição e utilização de cartão de crédito K....WORKS da K...., formalizado por documento particular datado de 26/03/2007.

Junta ainda os vários extractos de cartão de crédito, enviados para a morada da executada que consta no contrato acima referido e cuja cópia também foi junta.

Nenhum desses extractos de cartão de crédito estão assinados pela executada, titular do cartão de crédito. Os outros dois executados assinaram como fiadores do contrato de utilização do cartão de crédito acima referenciado.

Cumpre apreciar se tais documentos podem ser apresentados como título executivo.

Pensamos que não e passaremos a explicar.

Ora, a parte da frente do contrato de subscrição e utilização de cartão de crédito, que foi junto, por si só, não comporta qualquer reconhecimento, por parte da executada, de uma obrigação que seja Certa, Líquida e exigível.

De tal contrato não consta, pois, o reconhecimento de dívida que a exequente pretende cobrar de € 8.786,07 euros – reconhecimento esse que a executada não efectua nessa folha, nem nas cópias dos extractos de cartão de crédito anexas e, muito menos, tais missivas estão assinadas pela aqui executada (nem poderia, pois é uma carta enviada pela exequente à sociedade executada).

Recorde-se que a norma do artº. 46, al. c), do antigo Código de Processo Civil, em vigor à data da subscrição do referido contrato, estabelecia que podem servir de base à execução, enumeração que é taxativa, os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.

Também o nº. 4, do artº. 9, do DL nº. 287/93, de 20/08 – citado pela exequente -, dispõe que “Os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela K...., prevejam a existência de uma obrigação de que a K.... seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades.”. E, deste modo, a argumentação antes sufragada tem aqui aplicação integral, pelo que tal norma, no fundo, é uma “cópia”, quase integral, do disposto no artº. 46, nº. 1, al. c), do antigo CPC.

De acordo com o alegado, a exequente terá enviado para a executada os vários extractos de cartão de crédito com saldo devedor, mas esta não apôs neles a sua assinatura, nem os reconheceu, sem mais, como constituição ou reconhecimento de obrigação.


*

Nestes termos, uma vez que os títulos “complexos” apresentados pela exequente não cabem na previsão das alíneas b) e d), do artº. 703, nº. 1, do NCPC, nem na al. c), do artº. 46, nº. 1, do antigo CPC, não podem os mesmos valer como títulos executivos.

*

Pelo exposto, decido:

- indeferir liminarmente a presente acção executiva, uma vez que os documentos particulares apresentados pela exequente não se mostram revestidos de força executiva – cfr. artºs. 726, nº. 2, al. a), do Novo Código de Processo Civil.


**

Custas legais a cargo da Exequente, com taxa de justiça que fixo no mínimo legal.”

*

Inconformada com tal decisão, a exequente dela interpõe recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

A. A decisão recorrida incorreu em erro ao ter indeferido liminarmente a ação executiva instaurada por entender que “os documentos particulares apresentados pela exequente não se mostram revestidos de força executiva – cfr. artºs 726º, n.º 2, al. a) do Novo Código de Processo Civil”. Ora,

B. A ora recorrente instaurou a presente ação executiva com base num contrato de subscrição e utilização de cartão de crédito K....Works, formalizado por documento particular datado de 26 de Março de 2007, tendo instruído o requerimento executivo com os seguintes documentos: contrato de subscrição e utilização de cartão de crédito, contrato de fiança e extratos da conta cartão remetidos à executada C (…), Lda.

C. Contudo, o Tribunal a quo concluiu que “os títulos «complexos» apresentados pela exequente não cabem na previsão as alíneas b) e d), do artº. 703, nº 1 do NCPC, nem na al. c), do artº. 46, nº 1, do antigo CPC, não podem os mesmos valer como títulos executivos”, por entender que nem o contrato de subscrição e utilização de cartão de crédito nem os extractos do cartão juntos pela exequente comportam, por parte da executada, o reconhecimento de uma obrigação certa, líquida e exigível.

D. Salvo o devido respeito, com tal entendimento não pode a recorrente concordar, porquanto:

E. Em cumprimento do estipulado no contrato de subscrição e utilização de cartão de crédito, a recorrente/exequente remeteu para a morada da titular/executada constante do contrato de subscrição, os extratos referentes à utilização do cartão de crédito sub judice, não tendo sido rececionada nenhuma reclamação.

F. Ora, nos termos contratuais – que a executada bem conhecia e a que se obrigou - da ausência de qualquer reclamação aos valores constantes dos extratos – ainda que não assinados pela devedora - decorre, por parte desta, o reconhecimento da dívida (v. ponto 28 das condições gerais do contrato – cfr. Doc. n.º 1 junto com o requerimento executivo). Acresce que,

G. Estando em causa uma obrigação dependente de prestação – utilização do cartão pela devedora/executada através de fundos disponibilizados pela credora/exequente -, a recorrente alegou e comprovou documentalmente, no próprio requerimento executivo - juntando os respetivos extratos da utilização do cartão -, que efetuou a prestação, em cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 715º do CPC.

H. Com efeito, os extratos da conta cartão atestam que o cartão foi efetivamente utilizado pela executada, através da concessão de fundos pela exequente, cujo pagamento foi solicitado pela K.... à executada.

I. Pelo que, tendo a recorrente, aquando da instauração da execução, alegado e provado documentalmente que a devedora/executada utilizou o cartão com recurso à concessão de crédito, tem de ser reconhecida força executiva ao contrato dado à execução (neste sentido, veja-se o Acórdão deste douto Tribunal de 20/03/2012, proc. nº 3620/10.1TBVIS-A.C1, em www.dgsi.pt).

J. A respeito de uma situação similar à dos presentes autos, veja-se o Acórdão deste douto Tribunal de 16/04/2013 (proc. nº nº 2551/12.5TBVIS.C1, em www.dgsi.pt), do qual decorre que um contrato de subscrição de cartão de crédito, acompanhado dos respetivos extratos, tem força executória: “(…)”.

Finalmente,

K. O Tribunal Constitucional já reconheceu a inconstitucionalidade dos artigos 703.º do CPC e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, no sentido de que estes preceitos são de aplicação imediata a documentos particulares anteriormente dotados de força executiva, que só a perderam em virtude de diferente e posterior alteração do regime legal (v. Acórdãos nº 847/2014, de 03/12/2014, e nº 161/201, de 04/03/2015).

L. Não se encontrando revogado o artigo 9º, n.º 4 do Decreto-Lei nº 287/93, que determina que “os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela K...., prevejam a existência de uma obrigação de que a K.... seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades”, forçoso é concluir que o contrato de subscrição e utilização de cartão de crédito celebrado em 26/03/2007 e dado à execução se encontra revestido de força executiva, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 703.º do CPC.

M. Pelo exposto, forçoso é concluir que a ora recorrente se encontra-se munida de título executivo.

Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente e o douto Tribunal ad quem revogar a sentença recorrida, substituindo-a por outra que determine o prosseguimento da execução, assim se fazendo Justiça!


*

Citados os executados, para os termos da causa e do recurso, pelo executado Fernando Dias Carreira foram apresentadas contra-alegações, alegando, em síntese que a 24 de novembro de 2011 foi declarada a insolvência da 1ª executada em processo de insolvência que foi encerrado em 12-03-2012, por insuficiência de bens, sendo que os extratos juntos como título executivo foram emitidos depois da insolvência da devedora/executada e enviados para a morada desta. Conclui pela improcedência do recurso.
Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se os documentos apresentados pelo exequente constituem titulo executivo.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Se os documentos apresentados à execução constituem título executivo

No despacho recorrido considerou-se que os documentos apresentados pelo exequente – cópia de uma Proposta de Adesão K....Works, respeitante à utilização de um cartão de crédito por parte da sociedade G... , Lda., aqui 1ª executada, assinado por esta, e de um “Contrato de Fiança”, assinado pelos aqui co-executados (…) Carreira; cópia da parte da frente de uma livrança em branco, onde se encontra aposto o carimbo da 1ª executada e a assinatura da respetiva gerência; 5 documentos denominados “extrato cartão de crédito”, com datas de emissão de 25-05-2012, com um saldo devedor de 5.042,55 €, de 25.06.2012 com um saldo de 5.101, 29 €, de 25-07-2012 com um saldo de 5.155,34 €, de 24-08-2012 com um saldo de 5.209,39 €, e de 25-09-2012 com o saldo de 5.266,83 € – não constituíam título executivo, quer para efeitos do art. 46º, al. c) do Antigo CPC, quer do nº4 do art. 9º do DL nº 287/93, de 20.08, porquanto, de tal contrato não consta o reconhecimento da dívida que aqui se pretende cobrar (8.786,07 €), sendo que, se dos extratos juntos resulta um saldo do devedor, os mesmos não se acham reconhecidos pelo devedor.

Insurge-se a Apelante contra o decidido, argumentando que, nos termos contratuais, a ausência de qualquer reclamação aos valores constantes dos extratos, ainda que não assinados pela devedora, decorre por parte desta, o reconhecimento da dívida, nos termos do ponto 28 das condições gerais do contrato.

Os documentos que constituem o “título complexo” que o exequente apresenta como sendo representativo da quantia exequenda, encontram-se todos datados em momento anterior à da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil.

À luz do artigo 46º do anterior Código, os documentos particulares podiam servir de base à execução desde que reunissem os seguintes requisitos: i) assinados pelo devedor; ii) que importem a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.

Redação semelhante apresenta o artigo 9º, nº4, do DL 287/93, de 20.08, invocado pela exequente: “Os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela K.... que prevejam a existência de uma obrigação de que a K.... seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades”.

Embora pela al. d) do artigo 46º, do AntigoCPC, possam servir de base à execução “os documentos que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”, a citada disposição especialmente aplicável aos contratos celebrados pela K.... nada vem acrescentar de novo à hipótese prevista na al. c), do artigo 46º CPC, exigindo-se também para a sua exequibilidade que: i) prevejam alguma obrigação de que a K.... seja credora; ii) sejam assinados pelo devedor.

Ora, se o contrato de subscrição e utilização do cartão de crédito implica, desde logo, para a instituição bancária a obrigação de disponibilização de fundos até um certo montante, a obrigação do utilizador de proceder ao reembolso dos montantes utilizados e respetivas taxas e juros acordados só se constituiu após a efetiva disponibilização desses fundos.

Da alegação do exequente/apelante extrai-se que o mesmo se quererá valer, não só, dos alegados contratos de subscrição e utilização de cartão de crédito e de constituição de fiança, mas ainda, dos demais documentos por si juntos com o requerimento executivo – cópia da frente de uma livrança em branco (onde apenas está aposta a assinatura da subscritora) e de vários extratos cartão de crédito, o que nos remete para o artigo 50º do Antigo Código de Processo Civil.

Dispunha o referido artigo 50º, que “os documentos exarados ou autenticados por notário em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas dele constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes”.

Ora, para além da questão de saber se tal disposição, reportada aos documentos exarados ou autenticados por notário, será também aplicável aos documentos particulares, e se, também neste caso, seria possível complementar a prova da constituição da obrigação por outros documentos, sempre consideramos que, na situação em apreço, esta prova não se encontra feita.

Como sustenta Lebre de Freitas[1], no âmbito do art. 50º cabe o contrato de abertura de crédito, através do qual o banco se obriga a disponibilizar ao cliente a utilização de determinada quantia em dinheiro durante certo período de tempo, obrigando-se este a, para além do pagamento das comissões e dos juros convencionados, reembolsar o banco na medida dos montantes de crédito efetivamente postos à sua disposição, que for solicitando. A obrigação de reembolso a cargo do creditado apenas surge, pois, na medida da disponibilização efetiva do crédito, pelo que, se o banco quiser dar à execução essa obrigação terá de provar, não só o contrato, mas também a prestação pela qual pôs o crédito à disposição do cliente.

Assim sendo, e ainda que se aceitasse que tal norma é igualmente aplicável aos documentos particulares, o que é altamente discutível[2], para além do contrato, o exequente teria ainda de juntar aos autos “um documento passado em conformidade com as clausulas dele constantes, ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria” a demonstrar que alguma prestação foi realizada para a conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes[3].

Voltando ao caso em apreço, o 1º dos documentos em questão, denominado “Proposta de Adesão K....works”, começa pela “identificação do titular”, de onde constam os dados da sociedade 1ª executada, encontrando-se assinalada com uma cruz a modalidade de pagamento automático na conta à ordem do saldo 10% de 10%, e no dia 5 de cada mês, seguidos das “Condições Gerais de Utilização do Cartão de Crédito K....works (Pessoas Coletivas e Entidades Equiparadas)”.

No final, depois dos dizeres, “tomei conhecimento das Condições Gerais” encontra-se aposto o carimbo da sociedade executada com os dizeres “gerência”, seguidos de uma assinatura.

Dos dizeres nela apostos nem sequer se pode concluir que tal “Proposta de Adesão K....works” tenha sido aceite pela instituição bancária, nem qual o “plafond” do cartão de crédito a utilizar pela proponente.

A referência ao limite do crédito a conceder apenas é indicada no “Contrato de Fiança”, de onde consta que a K.... “concedeu um limite de crédito inicial no montante de € 20.000,00

A celebração dos contratos incorporados naqueles dois documentos, por si só, não importa verdadeiramente qualquer obrigação para o subscritor do cartão (para além do eventual pagamento da anuidade fixada no contrato), que nem sequer é obrigado a utilizá-lo.

A obrigação de reembolso só nasce se, e na medida da disponibilização/ utilização efetiva do crédito, pelo que, como é evidente, para a instituição de crédito dar à execução tal obrigação tem de provar, não só o contrato de abertura de crédito, mas também as concretas disponibilizações/utilizações efetivas do crédito[4].

Assim sendo, e embora assinado pela devedora, tal contrato, por si só, não importa a constituição de qualquer obrigação para a subscritora do cartão, nunca podendo, desacompanhado de outros elementos, constituir título executivo.

Defende a Apelante que nos termos contratuais a ausência de qualquer reclamação aos valores constantes dos extratos, ainda que não assinados pela devedora, decorre por parte desta o reconhecimento da dívida, de acordo com o ponto 28 das Condições Gerais de Utilização.

Contudo, uma coisa é a falta de reclamação dos valores constantes dos extratos importar o reconhecimento da dívida, por força do funcionamento da referida cláusula contratual e, algo bem diferente, será daí se extrair que esse reconhecimento seja suficiente para efeitos de conferir exequibilidade ao conjunto de documentos formado pela Proposta de adesão + Contrato de Fiança + extratos juntos.

Com efeito, não é qualquer documento do qual resulte a constituição de uma dívida que constituiu título executivo, mas apenas aquele se se encontre assinado pelo devedor – ou seja, a exequibilidade deriva do reconhecimento que o próprio devedor faz da obrigação ao apor a sua assinatura no documento.

Ora, os extratos juntos aos autos – emitidos unilateralmente pelo credor – não demonstram a ocorrência de qualquer pagamento ou utilização de fundos por parte da executada titular do cartão[5] –, limitando-se, todos eles, a indicar o saldo do mês anterior e a debitar determinado valor a título de “juros por incumprimento” e outro a título de “débitos diversos” (valor este que uns meses é de 5,32 € e noutros 5,14 €), sendo que do extrato com data mais recente consta um saldo devedor de 5.266,83 €.

A exequente com base em tais documentos pretende cobrar a quantia de 7.135,77 € a título de capital, mais 1.438,13 € de juros, mais 212,17 € de despesas (num total de 8.786,07 €), valores estes que nem sequer apresentam qualquer correspondência com os extratos bancários juntos pela exequente, desconhecendo-se onde o exequente terá ido buscar a quantia de 7.135,77 €, por si peticionada a título de capital.

Como afirma Rui Pinto[6], o contrato de abertura de crédito, enquanto contrato promessa de mútuo, supõe dois momentos contratuais correspondentes a duas eficácias jurídicas distintas: uma eficácia preparatória que se produz com um acordo de concessão de crédito que visa a disponibilidade futura do dinheiro, eventualmente, em conta corrente, ficando perfeito com o acordo das partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária, e uma eficácia final – levantada a quantia concreta, máxime, da conta corrente, constitui-se o mútuo, dada a natureza real quoad constitutionem. Daí que se compreenda a necessidade de colmatar essa falta de documento que, titulando o mútuo, possa ser levado à execução, o que é permitido pelo artigo 50º, “desde que o exequente prove que entregou efetivamente o montante a recuperar”.

A força executiva provém das garantias que o título oferece como atestação da existência da dívida, nomeadamente quanto ao seu montante.

Ora, no caso em apreço, os extratos não permitem saber se o cartão chegou a ser utilizado e, em caso afirmativo, quais os montantes disponibilizados e utilizados pela executada/falida, e em que datas, quais as operações efetuadas que conduziram a que o saldo devedor chegasse ao montante indicado nos extratos juntos aos autos e, muito menos, como é que a partir desse valor se chegou ao montante aqui peticionado a título de capital.

A apelação será de improceder, mantendo-se o despacho recorrido.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pela apelante.                  

                                                                Coimbra, 09 de janeiro de 2018

Maria João Areias ( Relatora)

Alberto Ruço

Vítor Amaral

V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. Para que o documento onde se convencionem prestações futuras – como é o caso do contrato de abertura de crédito – constitua título executivo será necessário que o mesmo seja acompanhado por outros documentos que comprovem as concretas disponibilizações/utilizações efetivas do crédito.


[1] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª ed., Coimbra Editora 2008, p.107.
[2] Perante a expressa referência a “escrituras públicas”, vários acórdãos se foram pronunciando no sentido da inaplicabilidade de tal norma aos documentos particulares – Acórdão TRE de 24-04-2014, relatado por Mata Ribeiro, e Acórdão do TRC de 21-03-2013, relatado por José Avelino Gonçalves. No sentido da aplicabilidade restrita aos documentos autênticos ou autenticados, Miguel Teixeira de Sousa, “A Ação Executiva Singular”, LEX, p. 101, Rui Pinto, “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, pp.187,188, no sentido da interpretação extensiva a outros títulos negociais, José Lebre de Freitas, “A Ação Executiva Depois da reforma da reforma”, 5ª ed., Coimbra Editora, p.55, nota (41).
[3] Como salienta José Lebre de Freitas, poucos seriam os casos em que o preceito encontraria efetiva aplicação no âmbito do Anterior Código, pois o documento complementar, ainda que emitido nos termos em que as partes o previram, dificilmente deixará de revestir, por si natureza executiva, na medida em que dele forçosamente constarão os termos em que a obrigação é constituída. A prova complementar do título faz-se através de documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do negócio jurídico consubstanciado no documento em causa ou, sendo este omisso, através de documento revestido de força executiva própria. Tal documento deve provar que a obrigação futura, que se pretende executar, foi efetivamente constituída – obra citada, p. 109.
[4] Neste sentido, Acórdãos do TRC de 20-03-2012, relatado por Barateiro Martins, e de 16-04-2013, relatado por Inês Moura, disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] Na parte respeitante aos “Movimentos do Cartão”, nenhuma operação é aí assinalada.
[6] “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, Agosto 2013, pp.189 e 190.