Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
208/14.1TTFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: PRÉ-REFORMA
ACORDO EMPRESARIAL
INTERPRETAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL
VONTADE DO DECLARANTE
CRITÉRIOS
VALOR
PRESTAÇÃO
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - FIGUEIRA FOZ - INST. CENTRAL - 2ª SEC.TRABALHO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 236º, Nº1 E 237º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I- Existindo num acordo de pré-reforma uma cláusula que determina que o valor da prestação de pré-reforma é atualizável em “percentagem e momento iguais aos do aumento de retribuições que se venham a verificar, no âmbito da primeira outorgante, para a generalidade dos seus trabalhadores” e desconhecendo-se a vontade real dos declarantes, há que recorrer ao critério interpretativo consagrado no artigo 236º, nº1 do Código Civil, sendo que qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário intuía que, tal cláusula não comporta qualquer sentido restritivo, aliás sem apoio textual, de confinar o incremento pecuniário a um sub-universo de trabalhadores da empresa em que o trabalhador se integraria, se estivesse no ativo.

II- E mesmo que se entendesse que se trata de um caso duvidoso, o critério interpretativo previsto no artigo 237º do Código Civil, não levaria a solução diferente, considerando que a prestação de pré-reforma se torna autónoma da retribuição que esteve na génese do seu cálculo, pelo que, sendo o acordo de pré-reforma um negócio oneroso que representa a defesa possível dos interesses dos outorgantes, a sua atualização em percentagem e momento iguais aos da generalidade dos trabalhadores da empregadora, não gera qualquer desigualdade ou desequilíbrio de prestações.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

A... , veio intentar ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra B... , S.A., ambos com os demais sinais identificadores nos autos, pedindo a condenação da R. a reconhecer que o A. tem direito à atualização da sua prestação pecuniária mensal de pré-reforma em percentagem e momento iguais aos dos aumentos de retribuições, para a generalidade dos trabalhadores da R. e, em conformidade, a condenação da R. a pagar-lhe:

- a quantia de € 5.578,00 de diferenças pecuniárias, entre janeiro de 2012 e julho de 2014;

- desde o mês de agosto de 2014, a prestação mensal de € 5.418,00, atualizável nos mesmos termos e percentagens das atualizações salariais que se verificaram na R. para a generalidade dos seus trabalhadores;

- juros de mora calculados mensalmente sobre as quantias discriminadas nos artigos 16º a 18º da petição inicial, à taxa legal de 4%, devidos desde o respetivo vencimento até ao respetivo pagamento, a liquidar no momento da sua satisfação por simples operação aritmética.

Alega resumidamente que celebrou com a R., em 2 de julho de 2008, um designado “Acordo de Pré-Reforma e de Reforma”, que já havia sido antecedido por um acordo de “Antecipação à Pré-Reforma”.

Não obstante tenha sido estipulado entre as partes que a prestação pecuniária mensal devida ao demandante seria atualizada em percentagem e momento iguais aos do aumento de retribuições que se verificassem para a generalidade dos trabalhadores da R., verificou-se o incumprimento do acordado a partir de janeiro de 2012.

Consistindo a cláusula de atualização da prestação mensal uma cláusula essencial à celebração do acordo, o A. arroga-se titular do direito peticionado.

Realizada a audiência de partes, frustrou-se a conciliação aí tentada.

           

Contestou a R., por impugnação, alegando que nos anos de 2012, 2013 e 2014, não existiu uma atualização remuneratória generalizada e transversal para todos os trabalhadores da empresa, independentemente do respetivo nível salarial. Pelo contrário, os aumentos remuneratórios verificados decorreram de decisões discricionárias de gestão que excecionaram apenas alguns casos individuais.

Por conseguinte, sustenta a demandada, inexistia fundamento para a pretendida atualização da prestação mensal, nos termos reclamados pelo demandante.

Atenta a simplicidade da causa, dispensou-se a realização da audiência preliminar/prévia.

Foi proferido despacho saneador tabelar.

Foi igualmente dispensada a fixação da base instrutória/enunciação dos temas de prova.

Após a realização da audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação procedente e condenou a R., nos termos que se transcrevem:

«a) Condeno a R. “ B... , S.A.” a reconhecer que o A. A... tem direito à atualização da sua prestação pecuniária mensal de pré-reforma em percentagem e momento iguais aos dos aumentos de retribuições, no âmbito da R., para a generalidade dos seus trabalhadores;

b) Condeno a R. “ B... , S.A.” a pagar ao A. A... a quantia de € 5.578 (cinco mil quinhentos e setenta e oito euros) de diferenças pecuniárias entre janeiro de 2012 e julho de 2014, bem como a pagar, a partir de agosto de 2014 em diante, a prestação mensal de € 5.418 (cinco mil quatrocentos e dezoito euros), atualizável nos mesmos termos das percentagens das atualizações salariais que se verificarem na R. para a generalidade dos seus trabalhadores, sempre acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento dessas obrigações e até efetivo e integral pagamento.»

Foi fixado à ação, o valor de € 5.578,00.

Inconformada com a decisão proferida, veio a R. interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

[...]

Contra-alegou o A., pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, uma vez que foi prestada caução, no valor de € 13.294,20.

Tendo os autos subido à Relação, observou-se o preceituado no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 210 e 211, pronunciando-se pela confirmação da sentença sob recurso.

Não foi oferecida resposta a tal parecer.

Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*

II. Objeto do Recurso

É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

Em função destas premissas, a questão suscitada no recurso é a de saber se são ou não devidas ao A./recorrido as atualizações da prestação pecuniária mensal de pré-reforma acordada, nos termos peticionados.

*

III. Matéria de Facto

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

[...]

*

IV. Direito

Mostra-se incontroverso nos autos que entre as partes processuais vigora um contrato de trabalho subordinado que se encontra suspenso na sequência da celebração, em 2 de julho de 2008, de um acordo de pré-reforma, [cfr. artigo 330º nº 1 e nº2 alínea b) do Código do Trabalho de 2003, a que corresponde o artigo 294º, nº 1 e nº2, alínea b) do atual Código do Trabalho].

No âmbito deste último negócio jurídico, convencionaram os intervenientes processuais que a R. (empregador), durante a situação de pré-reforma, pagaria ao A. (trabalhador) uma prestação pecuniária mensal de € 4.885,00, em cada ano civil, pela forma e nos momentos em que era paga aquando do trabalhador no ativo.

Igualmente convencionaram que o valor estipulado seria atualizado em “percentagem e momento iguais aos do aumento de retribuições que se venham a verificar, no âmbito da primeira outorgante, para a generalidade dos trabalhadores” – cláusula 3ª/3.

Anteriormente, em janeiro de 2005, as partes haviam celebrado um acordo de “Antecipação à Pré-Reforma”, com uma cláusula em tudo semelhante à supra transcrita.

Do circunstancialismo factual assente resulta indubitável que entre 2005 e 2011, a R., ora recorrente, sempre fez as atualizações das prestações mensais previstas nos aludidos acordos.

Por força das sucessivas atualizações, o A./recorrido auferiu prestações mensais, 14 vezes por ano, de € 4.498 (2005), € 4.622 (2006), € 4.752 (2007), € 4.885 (2008), cifrando-se o valor de tal prestação, no ano de 2011, em € 5.181,00, sendo que o montante mensal das prestações sempre foi superior aos valores das bases de remuneração da tabela salarial da R./recorrente.

Sucede, conforme resultou apurado, que a partir de janeiro de 2012, a R./recorrente deixou de atualizar a prestação paga ao A./recorrido.

E é precisamente contra tal conduta que se insurge o A., através da propositura da presente ação, reclamando o direito às atualizações peticionadas.

O tribunal de 1ª instância deu razão ao A., condenando a R. no pedido.

Tal decisão é posta em crise, com a interposição do competente recurso, que agora se aprecia.

E, como já referimos em momento oportuno, a única questão que importa conhecer, em função das conclusões de recurso apresentadas, é a de saber se o A./recorrido tem ou não direito às atualizações peticionadas.

O conhecimento de tal questão está dependente do conteúdo do negócio jurídico celebrado entre as partes processuais, designadamente da interpretação da específica estipulação contratual relativa à atualização da prestação pecuniária de pré-reforma devida ao ora recorrido.

Concretizando, o thema decidendum prende-se essencialmente com a interpretação da cláusula 3ª/3 do “Acordo de Pré-Reforma e de Reforma”, celebrado entre os intervenientes processuais, conforme a própria recorrente reconhece na motivação do recurso.

Sobre a interpretação das declarações negociais regem os artigos 236º a 238º do Código Civil.

Estipula o artigo 236º, sob a epígrafe “Sentido normal da declaração”, o seguinte:

«1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.»

           

Por sua vez, o artigo seguinte consagra que em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Finalmente, o artigo 238º estipula:

«1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.»

Conforme se escreveu no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/12/2012, P. 14/06.7TBCMG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “II- As regras constantes dos arts. 236º a 238º do CC constituem diretrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela atividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art. 236º é que, em homenagem aos princípios da proteção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (recetor). No entanto, a lei não se basta com o sentido realmente compreendido pelo declaratário (entendimento subjetivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição real do declaratário, depreenderia (sentido objetivo para o declaratário). III- Em termos práticos, o intérprete deve, relativamente a ambos os contraentes, tentar definir a posição em que se encontram perante a declaração da contraparte, e colocar um declaratário ideal (normal) na posição do declaratário real”.

Sobre o declaratário normal, escreve o Prof. Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico”, página 208: “uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e inteligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário (…) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo”      

Ora, tendo em mente os critérios interpretativos legalmente previstos, analisemos o caso concreto.

Em primeiro lugar, importa salientar que a factualidade dada como assente nos autos não nos permite concluir qual a vontade real dos declarantes, o que exclui a aplicabilidade ao caso concreto do normativo ínsito no nº2 do artigo 236º do Código Civil.

           

Importa então interpretar a cláusula 3ª/3 do “Acordo de Pré-Reforma e de Reforma”, sob o ponto de vista de um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, para se aferir o “sentido normal da declaração”.

Apreciemos então!

O acordo de pré-reforma constitui uma das vicissitudes do contrato de trabalho, legalmente prevista, em que o empregador e o trabalhador com idade igual ou superior a 55 anos, acordam a redução ou suspensão da prestação do trabalho (cfr. artigo 318º do Código do Trabalho, correspondente ao artigo 356º do Código do Trabalho de 2003).

Múltiplas causas podem originar a celebração de tal acordo.

Durante a sua vigência, o trabalhador tem direito a receber do empregador uma prestação pecuniária mensal, denominada de pré-reforma, sendo que o montante inicial desta prestação não pode ser superior à retribuição do trabalhador na data do acordo, nem inferior a 25% desta, no caso de suspensão do contrato de trabalho, situação que se verificou no caso sub judice [cfr. artigos 318º, 319º, alínea c) e 320º do Código do Trabalho em vigor, correspondentes aos artigos 356º, 357º, nº2, alínea b) e 359º do Código do Trabalho de 2003].

A prestação de pré-reforma está sujeita, salvo estipulação em contrário, à atualização anual em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse em pleno exercício de funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação (cfr. artigo 320º do Código do Trabalho correspondente ao artigo 359º, nº2 do Código do Trabalho de 2003).

Na situação em apreço nos autos, as partes processuais acordaram especificamente sobre a matéria da atualização da prestação de pré-reforma devida ao A./recorrido.

Mostra-se consagrado na cláusula 3ª/3 do “Acordo de Pré-Reforma e de Reforma” que a atualização da prestação de pré-reforma seria realizada em “percentagem e momento iguais aos do aumento de retribuições que se venham a verificar, no âmbito da primeira outorgante, para a generalidade dos seus trabalhadores”.

Que sentido atribuiria a esta declaração um “bónus pater famílias” equilibrado e de bom senso, com inteligência, conhecimentos e diligência medianos (declaratário normal), na posição do real declaratário?

Esta é a questão fulcral a que importa responder.

Para tanto, há que evidenciar alguns aspetos que, no nosso entender, tem especial relevância.

Em primeiro lugar, importa ter presente que à data da celebração do “Acordo de Pré-Reforma e de Reforma”, estava em vigor o Código do Trabalho de 2003 que consagrava no nº2 do artigo 359º uma norma subsidiária relativa à atualização anual da prestação de pré-reforma: «(…) é atualizada

anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação».

Tal dispositivo legal, como referimos, de natureza subsidiária, não poderia ser desconhecido das partes, pelo que a específica estipulação contratual relativa à atualização da prestação de pré-reforma do A. (cláusula 3ª/3), apenas pode ser considerada, até pela redação distinta da utilizada na lei, como uma deliberada vontade de criar uma norma própria, peculiar, representativa da defesa dos interesses dos contratantes, no âmbito do princípio da liberdade contratual vigente no nosso ordenamento jurídico (cfr. artigo 398º do Código Civil).

Prosseguindo a análise e tendo presente o supra apreciado, analisemos o teor literal da cláusula sob apreciação.

E o que se extrai desse teor, do ponto de vista de um declaratário normal, é que a prestação de pré-reforma devida ao A. seria realizada na mesma percentagem e no mesmo momento em que a empresa R. procedesse ao aumento das retribuições para a generalidade dos seus trabalhadores.

Na motivação do recurso, a recorrente pretende que se extraia a conclusão que qualquer declaratário normal interpretaria a cláusula no sentido restritivo, isto é, que a generalidade dos trabalhadores se reportaria ao universo dos trabalhadores no ativo em situação comparável à do demandante e não à generalidade dos trabalhadores da empresa.

Ou seja, a recorrente sustenta que o declaratário normal compreenderia que a cláusula se reporta à generalidade dos trabalhadores de um universo relevante (de referência), em que o trabalhador se integra.

Salvaguardado o devido respeito, que é muito, não podemos concordar com a tese defendida pela apelante.

O elemento literal da cláusula não restringe, não delimita qualquer sub-universo no conjunto dos trabalhadores da empresa demandada.

Inexiste qualquer ínfimo pormenor literal que originasse que um homem de bom senso, conhecimento e inteligência medianos, na posição do real declaratário, pudesse extrair da cláusula o carácter restritivo visado pela recorrente.

Do espírito da estipulação contratual, tendo em conta o surgimento da cláusula que afasta a norma legal subsidiária, afigura-se-nos que, no âmbito da conjugação dos interesses que subjazem a qualquer acordo, se visou assegurar que a prestação de pré-reforma do A. seria sempre atualizável na

mesma percentagem e no mesmo momento dos aumentos de retribuição da generalidade dos trabalhadores da R./recorrente. Caso contrário, não haveria necessidade de estipular sobre a atualização da prestação de pré-reforma do A., pois funcionaria a norma legal subsidiária e a aludida

prestação seria atualizada em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções (ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação), pelo que o A. apenas beneficiaria da atualização realizada pela empresa ao universo dos trabalhadores em situação comparável à sua, isto é, ao (sub-)universo de trabalhadores em que o mesmo se integraria, caso permanecesse no ativo.

Por todo o exposto, é nosso entendimento que qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, intuía que na cláusula 3ª/3 do “Acordo de Pré-Reforma e de Reforma”, a R. se comprometeu a atualizar a prestação de pré-reforma do A., ora recorrido, na mesma percentagem e no mesmo momento em que procedesse ao aumento das retribuições para a generalidade dos seus trabalhadores.

A interpretação restritiva da cláusula 3ª/3, visada pela recorrente, não tem a mínima correspondência no texto do acordo celebrado.

E mesmo que se entendesse que estamos perante um caso duvidoso quanto à interpretação do sentido da declaração, o critério previsto no artigo 237º do Código Civil, no nosso entender, não levaria a solução diferente, uma vez que a solução a que se chegou é a que conduz a um maior equilíbrio das prestações.

Expliquemos porquê!

Estando suspenso o contrato de trabalho celebrado entre as partes processuais, a prestação de pré-reforma não tem natureza retributiva, tratando-se apenas de uma prestação pecuniária que visa substituir a retribuição, pois, durante a vigência de um acordo de pré-reforma, o trabalhador não está obrigado à efetiva prestação de trabalho e a retribuição, nos termos legais, corresponde à contrapartida do trabalho (cfr. artigo 258º do Código do Trabalho).

Deste modo, a prestação de pré-reforma ganha autonomia das anteriores componentes retributivas que estiveram na génese do seu cálculo, pelo que o incremento pecuniário derivado da atualização da prestação é suscetível de ser estipulado pelas partes desde a celebração do contrato, como aconteceu na concreta situação sub judice.

            E a cláusula 3ª/3, no sentido interpretado, assegura a igualdade e o equilíbrio das prestações, pois como é sabido o acordo de pré-reforma é um negócio oneroso que representa a defesa possível dos interesses de cada um dos outorgantes e constituindo a prestação de pré-reforma um compromisso contratual autónomo, é adequado que tal prestação seja atualizada e atualizável na mesma percentagem e no mesmo momento em que a empresa R. procede ao aumento das retribuições para a generalidade dos seus trabalhadores, sem que tal represente um dano despropositado e injusto para a empresa.

Em suma, recorrendo ao critério estabelecido no artigo 236º, nº1 ou ao critério consagrado no artigo 237º, ambos do Código Civil, a interpretação da cláusula 3ª/3, seria a mesma.

Inexiste fundamento para proceder à integração prevista no artigo 239º do Código Civil, uma vez que a atualização da pensão de pré-reforma devida ao autor foi especialmente (e diretamente) acordada pelos intervenientes processuais e os termos do acordo admitem a possibilidade da atualização não ser uniforme e transversal para todos os trabalhadores da empresa demandada.

Em suma, a interpretação defendida pela 1ª instância de que as partes acordaram que a prestação de pré-reforma devida ao A. é atualizável na mesma percentagem e no mesmo momento em que a empresa R. procedesse ao aumento das retribuições para a generalidade dos seus trabalhadores, nenhuma censura nos merece.

E tendo ficado demonstrado que nos anos de 2012, 2013 e 2014, a R. e parte do restante grupo B... acordaram com os sindicatos atualizações às tabelas salariais para cerca de 90% dos trabalhadores da R., afigura-se-nos que tal percentagem de trabalhadores integra inequivocamente o conceito convencionado de “generalidade dos trabalhadores”.

Logo, há que reconhecer ao A., ora recorrido, o direito às atualizações peticionadas que se mostram conformes com a percentagem de incremento salarial respeitante aos aludidos anos.

Por conseguinte, tendo sido esse o sentido da decisão posta em crise, importa confirmar a mesma e, em consequência, há que julgar o recurso improcedente.

*

V. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Notifique.


(Em conformidade com o disposto no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil, elaborou-se sumário em folha anexa)

Coimbra, 24 de setembro de 2015

(Paula Maria Videira do Paço - Relatora)

(Ramalho Pinto)

(Azevedo Mendes)