Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
399/12.6T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: MÚTUO
CLÁUSULA CONTRATUAL
ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 12/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 781º DO C.CIVIL; DEC. LEI Nº 269/98, DE 01/09.
Sumário: I – Tem redacção conforme ao artº 781º do Código Civil, para efeitos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2009, de 25/03/2009, a cláusula contratual inserta em contrato de mútuo segundo a qual «a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes».

II – É manifesta a improcedência parcial do pedido, para efeitos do disposto no artº 2º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, se no mesmo estão incluídos os montantes das prestações vencidas por força da falta de pagamento de uma delas e esses montantes incorporam os juros remuneratórios do empréstimo.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

         1. RELATÓRIO

         O BANCO B…, S.A., com sede na …, intentou acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, contra S…, solteiro, maior, residente na …, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe “a importância de € 13.365,00, acrescida de € 733,92 de juros vencidos até ao presente – 20 de Fevereiro de 2012 – e de € 29,36 de imposto de selo sobre os juros vencidos e ainda, os juros que sobre a dita quantia de € 13.365,00 se vencerem, à taxa anula de 19,677% desde 21 de Fevereiro de 2012 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair e, ainda no pagamento de custas, procuradoria e mais legal”.

         Alegou, para tanto, que:

                - O A., no exercício da sua actividade comercial, e com destino, segundo informação então prestada pelo R., à aquisição de um veículo automóvel, da marca RENAULT, modelo MEGANE SCENIC 1.4, com a matrícula …, por contrato constante de título particular datado de 9 de Janeiro de 2008, (…), concedeu ao dito R., crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado ao dito R. a importância de Euros 11.975,00;

                - Nos termos do contrato assim celebrado entre o A. e o referido R., aquele emprestou a este a dita importância de Euros 11.975,00, com juros à taxa nominal de 15,677% ao ano, devendo a importância do empréstimo, e os juros referidos, bem como a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida, serem pagos, na sede do A., nos termos acordados, em 84 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10 de Fevereiro de 2008 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes;

                - De harmonia com o acordado entre as partes (…), a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga – conforme ordem irrevogável logo dada pelo referido R. para o seu Banco – mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para conta bancária sediada em Lisboa, logo indicada pelo ora A.

                - Conforme também expressamente acordado (…) a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações, tendo estas o valor constante do contrato, ou seja o valor de Euros 244,46, cada.

                - Na verdade, A. e R. expressamente acordaram regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no artigo 781º do Código Civil, porquanto, conforme consta da Cláusula 8ª das Condições Gerais do referido contrato, expressamente foi acordado entre A. e R, que “A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes” e, igualmente, na alínea c) da Cláusula 4.ª das Condições Gerais do referido contrato, A. e R. mais expressamente acordaram que: “No valor das prestações estão incluídos o capital, os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a Cláusula 13.ª das Condições Gerais”.

                - Logo, A. e R. acordaram assim expressamente regime diferente do que resulta da mera aplicação do disposto no artigo 781º do Código Civil, no que respeita ao vencimento imediato de todas as prestações em caso de não pagamento de uma delas.

                - Atente-se que, mau grado o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 25 de Março de 2009, proferido no recurso 1992/98-6, publicado no Diário da República, I Série, n° 86 de 5 de Maio de 2009, certo é que, nesse mesmo Acórdão se deixou expresso que:

                “10 – As partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido na art.º 781 do C. Civil”, (…).

                - Mais foi acordado entre o A. e o R. (…) que, em caso de mora sobre o montante era débito, a titulo de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada 15,677% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 19.677%.

                - O referido contrato, celebrado por documento particular, é válido, “ex-ví” do disposto no Decreto-Lei N.° 359/91, de 21 de Setembro, “maxime” o disposto no artigo 6.° deste Decreto-Lei.

                - O A. é uma instituição de crédito, nos termos e de harmonia com o disposta na alínea a) do artigo 3.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei N.º 298/92, de 31 de Dezembro.

                - Assim, quer a taxa de juro anual acordada para o empréstimo referido, quer a dita cláusula penal, são legalmente válidas por força do disposto no artigo 7.° do Decreto-Lei N.° 344/78, de 17 de Novembro, com a nova redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei N.° 83/86, de 6 de Maio e, atento não haver qualquer limite estabelecido pela Banco de Portugal para as taxas de juro a praticar por instituições de crédito. A capitalização de juros é também permitida, atento o disposta no artigo 560.°, n° 3, do Código Civil e no artigo 5.°, n.° 4, do citado Decreto-Lei N.° 344/78 e ainda, conforme o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 1988, publicado na Tribuna de Justiça de Julho/Agosto de 1988, página 37.

                - Sobre os juros referidos incide imposto de selo, à taxa de 4% ao ano, imposto de selo este da responsabilidade do R. e a pagar por ele ao A., “ex-vi” o disposto na Tabela Geral do Imposto de Selo – artigo 120.°-A, alínea a), e seus n.°s l e 4, ao presente artigo 1 7 2.1. da actual Tabela Geral do Imposto de Selo.

                - Sucede que o R., por não poder cumprir o contrato dos autos, solicitou ao A. que o saldo então em débito fosse pago pelo R. pelo alargamento do prazo do reembolso do empréstimo que passou de 84 para 120 prestações bem como pela alteração do valor da prestação mensal que passou assim de Euros 244,46 para Euros 178,20 cada, a partir de l0 de Outubro de 2010, ou seja da 33.ª e as restantes nos dias l0 dos meses imediatamente subsequentes.

                - De harmonia com o então acordado entre as partes, a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga – conforme ordem irrevogável logo dada pelo R. para o seu Banco – mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para a conta bancária logo indicada pelo ora A.

                - Acontece que, o referido R., das prestações referidas, não pagou a 41.ª prestação e seguintes, vencida a primeira em l0 de Junho de 2011 – num total de 75 – vencendo-se então todas do montante de cada uma de Euros 178,20, conforme antes referido, tendo contudo pago as prestações 42.ª, 43.ª, 44.ª, 46.ª e 48.ª, que se venceram aos dias l0 dos meses de Julho a Setembro e Novembro de 2011 e Janeiro de 2012.

                - Na verdade, o referido R. não providenciou às transferências bancárias referidas – que não foram feitas – para pagamento das ditas prestações, nem o referido R., ou quem quer que fosse por ele, as pagou ao A.

                - Assim, na data referida – 10/06/2011 – o R. ficou a dever ao A. o valor das ditas 75 prestações, ou seja, Euros 13.365,00.

                - Pelo que, instado pelo A. para pagar a importância assim em débito e juros respectivos, bem como o imposto de selo incidente sobre estes juros, o R. fez entrega ao A. do dito veículo 89-69-QR, para que o A. diligenciasse proceder à respectiva venda, creditasse o valor que por essa venda obtivesse por conta do que o dito R. lhe devesse, e ficando este R. de pagar ao A. o saldo que viesse a verificar ficar então em débito.

                - Em 15 de Dezembro de 2011, o A. procedeu à venda do dito veículo automóvel, pelo preço de Euros 1.139,99, tendo a A., conforme acordado com o R. ficado para ai com a quantia de Euros l.139,99, por conta das importâncias que o dito R. então devia, ou seja, não só a dita quantia de Euros 13.365,00 (…) e os juros sobre ela vencidos desde 10/06/2011 até 15/12/2011 – juros estes que totalizavam já Euros 1.354,54 – mais o imposto de selo sobre estes juros, ou seja, mais Euros 54,18.

                - A quantia de Euros 1.139,99 foi recebida nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 785.° do Código Civil.

                - Atenta a entrega referida no anterior artigo e o disposto no artigo 785.° do Código Civil, o R. ficou ainda a dever ao A. a quantia de Euros 13.365,00 relativamente às prestações em dívida, mais Euros 238,39 de juros até então vencidas, mais Euros 10,34 de imposto de selo sobre esses juros, sem prejuízo, evidentemente, dos juros vincendos à taxa de 19,677% e respectivo imposto de selo até integral pagamento.

                - Apesar de instado para pagar este débito o R. não o fez.

                - Os juros vencidos desde 16 de Dezembro de 2011 até ao presente – 20 de Fevereiro de 2012 – sobre o dito montante de Euros 13.365,00 ascendem a Euros 475,53.

                - O imposto de selo sobre os juros referidos no anterior artigo 23.° ascende a Euros 19,02, sendo, atento o referido, da responsabilidade do R..

- O referido R, deve, assim, ao A. a dita importância de Euros 13.365,00, bem como, nos termos referidos, a quantia de Euros 733,92 (€ 258,39 + € 475,53), de juros vencidos até ao presente – 20 de Fevereiro de 2012 – mais a dita importância de Euros 29,36 (€ 10,34 + € 19,02) de imposto de selo sobre esses juros vencidos, mais os juros que à referida taxa de 19,677%, se vencerem sobre o dito montante de Euros 13.365,00, desde 21 de Fevereiro de 2012 até integral é efectivo pagamento e o dito imposto de selo sobre os juros vincendos. 

Citado, o R. não contestou.

Foi, então, proferida decisão com o teor seguinte:

“Nos presentes autos de acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, emergente de contrato, em que é requerente Banco B…, S.A. e requerido S…, não obstante este último tenha sido regularmente citado, o certo é que não deduziu oposição.

Face ao exposto, por não ocorrerem, de forma evidente, excepções dilatórias ou improcedência do pedido, confiro força executiva à petição inicial, nos termos do disposto no artigo 2º, do diploma anexo ao D.L n.º 269/98, de 1 de Setembro.”

Inconformado, o R. interpôs recurso, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões:

Não foi apresentada resposta.

O recurso foi admitido.

Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.

         Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 695º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada essencialmente a questão de saber se, dada a uniformização de jurisprudência operada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2009, de 25/03/2009, publicado no D.R. nº 86, I Série, de 05/05/2009, era manifesta a improcedência do pedido, não devendo, por isso, ter sido conferida força executiva à petição.

         2. FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. De facto

         A factualidade relevante para a decisão do recurso é a que se colhe do antecedente relatório, aqui dado por reproduzido para todos os efeitos.

         2.2. De direito

         Nos termos do artº 2º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, “se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente”.

         O recorrente sustenta que, no caso, dada a uniformização de jurisprudência operada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2009, de 25/03/2009, publicado no D.R. nº 86, I Série, de 05/05/2009, o pedido era manifestamente improcedente e que, por essa razão, não deveria ter sido conferida força executiva à petição.

         Vejamos.

         O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) referido decidiu que «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados.»

         O artº 781º do Cód. Civil preceitua que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

         A al. b) da cláusula 8ª das Condições Gerais do contrato celebrado entre A. e R. em 09/01/2008, junto com a petição inicial – com base na qual a A. pôde afirmar que em 10/06/2011, data em que o R. faltou ao pagamento da 41ª prestação, se venceram todas as outras –, estipula que “a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes”.

         Embora não utilizando exactamente as mesmas palavras, a aludida al. b) da cláusula 8ª das Condições Gerais do contrato tem redacção indiscutivelmente conforme ao artº 781º do Cód. Civil, dispondo precisamente no mesmo sentido. Com efeito, dizer que «a falta de realização de uma das prestações importa o vencimento de todas» ou que «a falta de pagamento de uma das prestações implica o imediato vencimento de todas as restantes» é dizer o mesmo.

No essencial, a diferença está no verbo utilizado: «importar», num caso; «implicar», no outro. Contudo, naquele contexto, os dois verbos são inquestionavelmente sinónimos.

         Ora, como, de acordo com a al. c) da cláusula 4ª das Condições Gerais do contrato, no valor das prestações estão incluídos, para além do capital e de outros acréscimos, os juros do empréstimo, é óbvio que, seguindo a jurisprudência do mencionado AUJ, o pedido não poderá proceder no tocante aos juros remuneratórios incluídos no valor das prestações vencidas por força da aplicação daquela cláusula.

         Disso sabedora, a A. logo tentou exorcizar a previsível improcedência parcial do pedido, apressando-se a afirmar na petição inicial que “A. e R. expressamente acordaram regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no artigo 781º do Código Civil (…)” e que “A. e R. acordaram assim expressamente regime diferente do que resulta da mera aplicação do disposto no artigo 781º do Código Civil, no que respeita ao vencimento imediato de todas as prestações em caso de não pagamento de uma delas”.

         Mas não é porque a A. o diz que as coisas deixam de ser o que são.

E a A. certamente não desconhece que as Condições Gerais do Contrato celebrado com o R., designadamente as cláusulas 4ª e 8ª, são as que, naquela altura – note-se que a data do contrato é anterior ao AUJ – utilizava em todos os contratos, nomeadamente naquele que está na base do processo em que foi proferido o aludido AUJ, como da mera leitura deste se depreende.

         É certo que entre os pontos ou premissas nucleares – que, no dizer do próprio Acórdão, suportaram o entendimento sufragado, tido como já antes amplamente maioritário senão mesmo uniforme no Supremo Tribunal, sobre a questão objecto do recurso de revista ampliada – se encontra, com o nº 10, o de que “as partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no art.º 781º do C. Civil”.

         O que com a enunciação dessa «premissa nuclear» se quis significar foi, seguramente, que a norma do artº 781º do Cód. Civil tem natureza supletiva e não imperativa. E que, por isso, nada obsta a que as partes, no âmbito da sua liberdade contratual, convencionem outras quaisquer consequências, que não o imediato vencimento de todas as prestações, no caso de, sendo a obrigação passível de pagamento em prestações, alguma delas não ser paga.       

         Mas a A. não usou dessa sua liberdade contratual, antes adoptou no contrato, designadamente na al. b) da cláusula 8ª das Condições Gerais, exactamente o princípio definido no artº 781º do Cód. Civil.

         A alusão da A., na petição inicial, ao AUJ nº 7/2009, feita para tentar afastar a sua aplicação, apenas tem o condão, objectivamente, de chamar a atenção para a parcial improcedência do pedido, tornando-a mais manifesta do que já era.

         Com efeito, não se vislumbrando qualquer argumento que não tenha sido analisado e afastado pelo Supremo Tribunal de Justiça no AUJ mencionado, não poderá o entendimento ali sufragado deixar de ser aplicável ao caso dos autos, sendo, à luz desse AUJ, logo perante a petição inicial, manifesta a improcedência do pedido no que tange ao valor nele incluído dos juros remuneratórios relativos às prestações vencidas por força da aplicação da norma contratual inserta na al. b) da cláusula 8ª das Condições Gerais.

Em tais circunstâncias, não podia o tribunal “a quo” aplicar sem mais o disposto no artº 2º do Anexo do Decreto-Lei nº 269/98, antes devendo os autos ter prosseguido, cumprindo-se, por força do artº 463º, nº 1, o estatuído nos nºs 1 e 2 do artº 484º, ambos do Cód. Proc. Civil e julgando-se depois a causa conforme for de direito.

Nas conclusões O) a R) da sua alegação o recorrente parece sugerir[1] que a dação pro solvendo (artº 840º do Cód. Civil) que fez à A. do veículo adquirido com o empréstimo deveria ser considerada como extintiva da obrigação. A ideia surgiu-lhe, como das cópias de decisões juntas com a alegação se depreende, da discussão que recentemente se iniciou, principalmente na comunicação social, sobre a desejável – para os devedores – solução de poder, mediante a entrega da habitação à entidade bancária credora, ser extinta a dívida hipotecária contraída para aquisição de habitação própria.

É, porém, manifesto que, nesta parte, carece o recorrente de razão.

O nº 1 do artº 840º do Cód. Civil, prevê que “se o devedor efectuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais facilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respectiva”.

Não cabe, como nos parece evidente, na previsão da norma referida a hipótese de, sendo o valor da prestação efectuada inferior ao da prestação devida, o crédito se extinguir na totalidade.

Além disso, independentemente das dificuldades jurídicas que, de jure constituto, a solução referida certamente encontrará no tocante à extinção, por efeito da entrega do imóvel respectivo, de dívidas hipotecárias contraídas para aquisição de habitação própria, o certo é que a situação dos autos não tem com aquela qualquer paralelismo ou analogia.

Efectivamente, nada indica, por um lado, que o veículo automóvel adquirido pelo recorrente com o montante do empréstimo tenha sido previamente avaliado pela A. em valor igual ou superior ao do empréstimo, como sucede, relativamente aos mencionados imóveis, com os respectivos credores hipotecários; e, por outro, que o mesmo veículo tenha ficado sujeito a qualquer ónus ou encargo, nomeadamente hipoteca, para garantir o dito empréstimo, com igualmente sucede, relativamente aos imóveis em causa, com os respectivos credores hipotecários. Ao que acresce que a desvalorização dos veículos automóveis é incomensuravelmente mais rápida que a dos imóveis, tornando mais evidente a injustiça que a solução vagamente sugerida pelo recorrente seguramente acarretaria.

         Com exclusão das referidas conclusões O) a R), logram êxito as conclusões da alegação do recorrente, o que conduz à procedência da apelação, à revogação da decisão recorrida e ao prosseguimento da acção, com vista a ser cumprido o disposto no artº 484º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e a ser depois a causa julgada conforme for de direito.

         Sumário (artº 713º, nº 7 do C.P.C.):

         I – Tem redacção conforme ao artº 781º do Código Civil, para efeitos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/2009, de 25/03/2009, a cláusula contratual inserta em contrato de mútuo segundo a qual «a falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes».

         II – É manifesta a improcedência parcial do pedido, para efeitos do disposto no artº 2º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, se no mesmo estão incluídos os montantes das prestações vencidas por força da falta de pagamento de uma delas e esses montantes incorporam os juros remuneratórios do empréstimo.

         3. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e em revogar a decisão recorrida, devendo a acção prosseguir, cumprindo-se o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 484º do Cód. Proc. Civil e julgando-se a acção conforme for de direito.

         As custas são a cargo da recorrida.

                                                       


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Artur Dias (Relator)
Jaime Ferreira
Jorge Arcanjo


[1] Com efeito, o recorrente não é explícito quanto às consequências jurídico-processuais que pretende extrair daquela alegação.