Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6745/14.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: NÃO PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
CULPA
ENTIDADE PATRONAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
CONTRATO DE TRABALHO
TRABALHADOR
AVISO PRÉVIO
SUSPENSÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
EMPREGADOR
Data do Acordão: 04/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 399º DO C. TRABALHO.
Sumário: I – Não se verifica falta culposa do pagamento pontual da retribuição, numa situação em que o trabalhador não se deslocou ao local de cumprimento da obrigação para receber o que lhe era devido, como era prática usual, sem que se demonstrasse que estivesse impedido de o fazer, nem solicitou à empregadora tal pagamento, não se prolongando a omissão do cumprimento por período de 60 dias.

II – Encontrando-se em dívida um valor remuneratório correspondente ao salário mensal, no âmbito de uma relação laboral que perdurava há mais de 24 anos, em que já haviam ocorrido atrasos no pagamento da retribuição, com os quais o trabalhador sempre se conformou e sem que o mesmo se tenha manifestado anteriormente pela insustentabilidade da situação ou tenha reclamado o pagamento em falta ou tenha tentado ir receber o valor que lhe era devido ao local de cumprimento, não se verifica a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho.

III – Encontrando-se a obrigação de aviso prévio suspensa durante a suspensão do contrato de trabalho por motivo de baixa médica prolongada do trabalhador, dado constituir um dever relacionado com a efectiva prestação do trabalho, em caso de resolução ilícita do vínculo contratual pelo trabalhador não há lugar ao direito de indemnização previsto no artº 399º do Código do Trabalho.

Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

A... intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra B... , Lda., ambos com os demais sinais de identificação nos autos, pedindo que:

a) seja reconhecida e declarada a cessação do contrato de trabalho por resolução do trabalhador com justa causa devendo a Ré ser condenada ao pagamento de indemnização devida no valor de € 18.097,92 ou € 19.833,33.

b) a Ré seja condenada a reconhecer e processar com efeitos a 1 de janeiro de 2011, o vencimento mensal de € 800,00, procedendo ao pagamento dos retroativos de vencimento, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, o montante de € 3.780,00.

c) a Ré seja condenada no pagamento das retribuições não pagas relativas ao mês de julho, e respetivos duodécimos no valor de € 1.885,76 com referência ao vencimento auferido - € 730 ou de € 2.066,66 com referência ao vencimento de € 800.

d) a Ré seja condenada no pagamento da formação profissional não ministrada nos últimos 3 anos no valor de € 319,50 com referência ao vencimento de € 800.

e) e ainda em juros legais contados a partir da citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, conforme consta da sentença recorrida, que celebrou em 05-02-1990, com a Ré um contrato de trabalho a prazo para exercer as funções de marceneiro, mediante a remuneração mensal de Esc 20.000$00 pelo prazo de 6 meses, cujo termo ocorreria a 05-08-1990, tendo-se renovado sucessivamente, convertendo-se em contrato de trabalho sem termo em 05-08-1991. Tal contrato cessou por iniciativa do demandante, em 17-09-2014, com fundamento na falta de pagamento da retribuição e violação dos deveres de respeito e urbanidade, falta de condições de higiene e condições no trabalho e falta de pagamento pontual da retribuição do trabalhador.

Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter a conciliação.

            A Ré contestou por impugnação, confessando ser devedora da quantia de € 1.846,59. Em reconvenção, peticionou uma indemnização pela cessação do contrato sem aviso prévio, no valor de € 1.460,00.

O Autor respondeu pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

Face à simplicidade da causa, foi dispensada a realização da audiência preliminar.

Foi admitido o pedido reconvencional.

Proferiu-se despacho saneador tabelar e dispensou-se a enunciação dos temas da prova.

Após a realização da audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e improcedente o pedido reconvencional. Em consequência, a Ré foi condenada a pagar ao Autor a quantia de € 2.221,81, a título de créditos laborais, acrescida de juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Inconformado com esta decisão, veio o Autor interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações, com as conclusões que se transcrevem:

[...]

A Ré contra-alegou e interpôs recurso subordinado, concluindo no final deste:

[...]

O Autor apresentou as suas contra-alegações ao recurso subordinado, rematando com as seguintes conclusões:

[...]

Admitidos os recurso e tendo o processo subido à Relação, por despacho da Relatora determinou-se a descida dos autos para fixação do valor da ação.

Foi fixada à causa o valor de € 26.030,12.

Remetidos novamente os autos à Relação, foi observado o preceituado no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.

O Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

Não foi oferecida resposta a tal parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*


           

            II. Objeto do Recurso

            É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

            Em função destas premissas, as questões que importam apreciar e conhecer são:

            Recurso principal

            - Analisar se se verifica a justa causa de resolução do contrato de trabalho invocada e, em caso afirmativo, apreciar o direito à indemnização reclamado.

            Recurso Subordinado

            - Analisar se há fundamento para julgar o pedido reconvencional procedente.


*

            III. Matéria de Facto

O tribunal de 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:

[...]


*

IV. Recurso Principal: Justa causa de resolução do contrato de trabalho

No recurso principal interposto pelo Autor, este expressa a sua discordância com a decisão recorrida no que concerne à questão da considerada inexistência de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador.

No essencial, argumenta o recorrente que a falta de pagamento pontual da retribuição relativa ao mês de julho de 2014, não poderia deixar de ser considerada culposa. Ademais, entende que resultou demonstrada a violação culposa de normas de higiene e segurança no trabalho. Por conseguinte, considera que logrou provar a justa causa de resolução do contrato de trabalho invocada.

Analisemos!

Sobre a questão suscitada, pronunciou-se o tribunal a quo, nos seguintes termos:

«A resolução é uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho, prevista no art. 340º al. g) do C.T.

Nos termos do art. 394º, nº 1 do Código do Trabalho “Ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato”, devendo fazê-lo por declaração escrita, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos termos do art. 395º, nº 1 do C.T., sendo relevante considerar que nos termos do disposto no art. 398º, nº 3 do C.T. apenas são atendíveis para justificar a resolução os factos constantes daquela comunicação.

Como é o trabalhador que está a invocar o direito, no caso à indemnização, cabe-lhe a ele fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja a existência de justa causa (art. 342º nº1 do Código Civil).

Por isso, como refere Monteiro Fernandes para que a resolução seja lícita é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa.

A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 394º a 399º do CT para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 396º do referido diploma, pressupõe sempre que este proponha uma ação declarativa de processo comum, invocando factualidade suscetível de integrar justa causa de resolução do contrato de trabalho, pedindo que se declare a licitude da resolução e a condenação da indemnização respetiva.

Conforme escreve Diogo Vaz Marecos (2) “Do nº1, ao estabelecer que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato de trabalho ao empregador, com indicação sucinta dos factos que a justificam, resulta que ao primeiro incumbe demonstrar a existência em concreto de justa causa. Como tal, não basta ao trabalhador reproduzir o conteúdo normativo dos nºs 2 ou 3 do artigo 394.º ou utilizar uma fórmula genérica. Deverá assim o trabalhador fazer uma concreta indicação dos factos e circunstâncias que a integram, ainda que sucinta, concretização essa que é absolutamente necessária para que o tribunal possa sindicar a veracidade dos factos invocados”.

Em suma, a observância pelo trabalhador dos requisitos de natureza procedimental previstos no nº1 do citado artigo – forma escrita, indicação sucinta dos factos que em seu entender são de molde a constituir justa causa e prazo, constitui condição de licitude da resolução.

Com efeito, a indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos, na carta de resolução, mostra-se indispensável para, além do mais, se aferir se o direito foi exercido dentro do prazo de 30 dias, estabelecido no art. 395.º, nº1 do CT, sendo esta uma condição formal de que, também depende a licitude da resolução.

No presente caso, a carta enviada pelo Autor à Ré, cuja cópia se encontra a fls 28- 30, visava o cumprimento do disposto no art. 395º nº1 do CT. Analisando o seu teor, da mesma não constam quaisquer factos concretos, em sentido próprio, imputados a esta última:

O A. começa por dizer “Ao longo da minha prestação de funções nessa empresa, fui confrontado com situações pouco corretas no que refere ao trato enquanto funcionário da empresa e sobretudo, enquanto pessoa, pelo que a acumulação destas situações levou a que decidisse proceder à resolução do contrato de trabalho com justa causa”.

Prossegue depois na sua enunciação continuando a usar meras expressões conclusivas e juízos de valor, sem delimitação espacio-temporal dos factos integradores desses motivos.

Ora, só esses factos podem ser invocados judicialmente, em sede de ação indemnizatória.

O que consta da carta tem que ser suscetível de avaliação pelo empregador e pelo tribunal: a delimitação dos factos sujeitos à apreciação judicial faz-se através da carta e não através da petição inicial.

Conforme tem sido entendido, tal omissão não poderá ser suprida na petição inicial em que pretende obter o reconhecimento da justa causa e a condenação do empregador a pagar indemnização.

Ainda que assim não se entendesse, como refere Monteiro Fernandes na obra supra citada, a resolução pelo trabalhador terá que respeitar a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio, operando a resolução imediatamente o seu efeito extintivo. Neste sentido, a jurisprudência e doutrina mais recente.

Do depoimento de parte do sócio gerente da Ré resultou que por uma ou duas vezes foram atribuídas ao trabalhador funções diversas das inerentes às funções de marceneiro (limpar os candeeiros da empresa, colocar lápides numa campa de cemitério).

Também resultou provado da audiência de julgamento que os (dois) trabalhadores da empresa já se encontravam há uns tempos sem atribuição de trabalho, por falta de encomendas, continuando ainda assim a receber a respetiva remuneração.

Porém, não se apurou materialidade suficiente para se poder concluir por uma conduta persecutória intencional da entidade empregadora sobre o trabalhador, violadora dos deveres de empregador.

Na referida carta, reproduzida no ponto 10º dos factos provados, invoca ainda o trabalhador “(…) Sucede que, até ao presente não me foi pago o vencimento do mês de julho de 2014, e respetivos duodécimos, situação que me penaliza economicamente, pois até ao momento como é do seu conhecimento ainda não recebi qualquer montante da Seguradora, o que me impede de respeitar os meus compromissos financeiros. A falta de pagamento de vencimento determina igualmente o despedimento com justa causa.”

Ao longo do último ano tem-se verificado reiteradamente atrasos no pagamento dos vencimentos mensais (….)”.

A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 395.º, n.º 1), sendo que, no caso de falta culposa de pagamento pontual da retribuição, “o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador” (artigo 395.º, n.º 2), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 394.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fração, neste último caso calculada proporcionalmente (artigo 396.º, n.os 1 e 2).

Consoante o disposto no n.º 2 do artigo 394.º, “constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: (a) falta culposa de pagamento pontual da retribuição; (b) violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; (c) aplicação de sanção abusiva; (d) falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho; (e) lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; (f) ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.”

Trata-se da chamada justa causa subjetiva (culposa).

Constituem justa causa objetiva (não culposa) de resolução do contrato pelo trabalhador, conforme estipula o n.º 3 do artigo 394.º, as circunstâncias que se seguem: “(a) necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato; (b) alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador; (c) falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.”

Em qualquer das situações está subjacente o conceito de justa causa, que o artigo 394.º não define, mas que corresponde à ideia de impossibilidade para o trabalhador de manutenção do vínculo laboral, nos termos de similar expressão utilizada no n.º 1 do artigo 351.º, até porque, conforme previsto no n.º 4 do artigo 394.º, a justa causa é apreciada de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações, ou seja, atendendo-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjetiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.

No tocante à falta de pagamento pontual das retribuições “ao longo do último ano” nada mais refere.

De acordo com o disposto no art. 278º, nº1 do CT, o crédito retributivo vence-se por períodos certos e iguais, que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês do calendário. O montante da retribuição deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior (art. 278º, nº4 do CT).

No caso em apreço, a data de vencimento da retribuição, seria “até ao dia 8 do mês seguinte”. Porém, nem o Autor alega, nem nada resultou quanto à aludida “falta de pagamento pontual” das retribuições.

Aqui chegados, e por interessar, refira-se que “determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, acidente ou facto decorrente da aplicação da lei do serviço militar” (artigo 296.º, n.º 1, do CT).

No presente caso, não oferece dúvidas que a situação que decorreu do acidente que o Autor sofreu no dia 25 de julho de 2014, ficando em situação de baixa médica, determinou uma situação de suspensão do contrato, que ainda perdurava à data da carta de resolução que enviou para a Ré.

Mantendo-se a suspensão do contrato, a ré não era obrigada a prestar a remuneração, obrigação que se encontrava suspensa. Não invocou o Autor que a baixa médica não tenha sido subsidiada, apenas reclamando a falta de pagamento da retribuição de julho e que tal lhe acarretou dificuldades. Admite entretanto ter recebido o pagamento “das baixas médicas” pela seguradora, para efeitos de pedir as diferenças salariais que “se venham a verificar até à alta médica” sem contudo formular pedido expresso nesse sentido.

Ora, no que toca a esta retribuição, afigura-se-nos que não podia o Autor, de boa fé, comunicar a resolução do contrato de trabalho, com base na falta de pagamento (dos 25 dias) de retribuição de julho de 2014 do trabalho prestado nesse mês, sem ter reclamado, podendo fazê-lo, tal quantia à entidade patronal, no escritório da empresa, conforme usos e prática corrente estabelecida entre as partes, quando na verdade, até se chegou a deslocar-se lá com a sua esposa no dia 28 de julho, para tratar de assuntos relativos aos Seguros e não o fez.

Conclui-se assim que o Autor não tinha direito a resolver o contrato com justa causa como consequência do incumprimento dessas obrigações.»

Desde já referimos que o decidido pela 1ª instância quanto à inexistência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, não nos merece qualquer censura.

Para explicar porquê, começamos por remeter para as considerações explanadas no excerto da decisão recorrida transcrito quanto ao enquadramento jurídico da figura da resolução do contrato de trabalho com justa causa, por iniciativa do trabalhador, que aqui consideramos reproduzidas, para evitar a exaustiva e desnecessária repetição das mesmas.

E, tendo presente esse enquadramento e o teor da carta de resolução do contrato, analisemos:

a) Se ficou demonstrada a alegada falta culposa do pagamento pontual da retribuição relativa ao mês de julho de 2014;

b) Se resulta da factualidade assente a violação culposa do direito do trabalhador exercer a sua atividade em condições de segurança e higiene.

Principiemos por apreciar a questão relativa à retribuição referente ao mês de julho de 2014.

De harmonia com o artigo 59º, nº1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho prestado.

Como corolário deste princípio constitucional, o artigo 127º, nº1, alínea b) do Código do Trabalho consagra a obrigação do empregador pagar pontualmente a retribuição do trabalhador, que deve ser justa e adequada ao trabalho.

A retribuição que corresponde à contrapartida da atividade do trabalhador vence-se por períodos certos e iguais que, salvo estipulação ou uso diverso, são a semana, a quinzena e o mês de calendário. O montante da retribuição deve estar à disposição do trabalhador na data do vencimento ou em dia útil anterior - artigos 258º, nº1 e 278º, ambos do Código do Trabalho.

Na concreta situação dos autos, resultou demonstrado que um dos fundamentos invocados para a resolução do contrato de trabalho celebrado entre os intervenientes processuais, foi o não pagamento do vencimento do mês de julho de 2014 e respetivos duodécimos até à data da carta de resolução (16/09/2014).

E, efetivamente resultou provado que o vencimento de 25 dias de julho de 2014 (no dia 25, o autor sofreu um acidente de trabalho) e os duodécimos de férias e subsídio de férias se encontram em dívida.

Igualmente resultou demonstrado que, desde há vários anos, a ré pagava o vencimento aos seus funcionários, incluindo o autor, até ao dia 8 de cada mês e que eram estes que se dirigiam ao escritório da empregadora para receber o cheque e assinar o respetivo recibo de vencimento.

Considerando este contexto factual e o tempo de cumprimento da obrigação de pagamento da retribuição em causa, é possível concluir que, à data em que foi escrita a carta de resolução (16-09-2014), a dívida da retribuição ainda não se prolongava por período de 60 dias, pelo que não se aplica a presunção juris et de jure consagrada no nº 5 do artigo 394º do Código do Trabalho.

De acordo com este normativo, decorrido um período de 60 dias em que se mantém o incumprimento por parte do empregador, presume-se a existência de culpa na falta de pagamento pontual da retribuição.

A propósito da previsão do nº5 do artigo 394º, escreve Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, pág. 537:

«São várias as dúvidas que o novo preceito suscita. A mais relevante é saber se a exigência de que a falta de pagamento se prolongue por 60 dias constitui um pressuposto indispensável para qualificar o comportamento do empregador como culposo ou apenas uma presunção de culpa. Como já foi proposto, pensamos que se trata de uma presunção juris et de jure, portanto não afastável por prova em contrário».

Também neste sentido, escreve João Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2ª edição, Coimbra Editora, pag.460):

«neste tipo de casos, em que a mora do empregador excede estes marcos temporais, mais do que uma mera presunção juris tantum de culpa, estabelece-se uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento da retribuição (a qual, portanto, não admite prova em contrário)».

Idêntico entendimento tem sido defendido por outros autores, nomeadamente, Joana Vasconcelos (Código do Trabalho anotado, Pedro Romano Martinez e outros, 8ª edição, págs. 1019 e 1020); Diogo Vaz Marecos (Código do Trabalho anotado, pág. 961).

A nível jurisprudencial, o mesmo entendimento foi defendido, por exemplo, no Acórdão da Relação do Porto, de 21/2/2011, P. 345/10.1TTPNF.P1.

É também este o entendimento que temos acolhido.

É através da retribuição que aufere como contrapartida do seu trabalho, que o trabalhador faz face às suas despesas (de sobrevivência e outras) e aos seus compromissos. Logo, a omissão do pagamento da retribuição por mais de 60 dias, assume, por natureza, uma especial relevância e gravidade. Daí que se considere que o legislador, deliberadamente, quis proteger e tratar de modo diferente situações de incumprimento prolongado da obrigação de pagamento pontual da retribuição.     

Em tais situações, a culpa da entidade empregadora presume-se, não se admitindo prova em contrário. Ao trabalhador basta-lhe alegar e provar que a empregadora incumpre a sua obrigação de pagamento pontual da retribuição, por período, pelo menos de 60 dias.

Já em situações em que o incumprimento da aludida obrigação ocorre há menos tempo, como sucede na situação em apreço nos autos, funciona a presunção prevista no artigo 799º do Código Civil (presunção juris tantum), sendo admissível à entidade empregadora demonstrar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não emerge de culpa sua.

Ora, em relação ao caso dos autos, resultou demonstrado que o vencimento dos funcionários da ré era pago por cheque, dirigindo-se estes ao escritório da empregadora para receberem o cheque e assinarem o respetivo recibo, sendo que o salário dos 25 dias de julho trabalhados não foi levantado pelo autor.

Ou seja, a ré logrou demonstrar que o autor que não se deslocou ao local de pagamento do salário para receber o correspondente cheque, como era prática usual na empresa. Dos autos não resulta que alguma vez as retribuições em dívida tenham sido solicitadas pelo trabalhador à empregadora ou que aquele tenha estado absolutamente impossibilitado de proceder a tal solicitação ou de se deslocar ao escritório da ré. Deste modo, afigura-se-nos que o concreto circunstancialismo factual assente permite que se considere afastada a presunção de culpa do empregador, prevista no artigo 799º do Código Civil.

Destarte, a falta de cumprimento da obrigação de pagamento das retribuições em dívida não emerge de qualquer comportamento culposo assumido pela empregadora.

Concluindo, bem andou o tribunal de 1ª instância ao considerar que a falta de pagamento pontual da retribuição não é culposa.

Avançando para a questão da alegada violação culposa da garantia de prestação da atividade em condições de segurança e higiene, resultou demonstrado, com relevância, que no dia em que o autor sofreu o acidente de trabalho que consistiu em ter cortado as falanges dos dois dedos da mão, o seu colega embrulhou-lhe a mão em papel e pano, até chegarem ao Centro de Saúde de Oliveira do Hospital, por não terem encontrado luvas protetoras, desinfetante, nem água corrente ligada.

Mais ficou demonstrado que existiam duas caixas de pronto socorro, uma situada na entrada do refeitório e outra ao fundo da fábrica.

Finalmente, resultou provado que ao longo dos anos, ocorreram diversas ruturas no cano ou ramal do abastecimento da fábrica, que acarretavam interrupções no fornecimento de água e que, quando tal acontecia, o autor e os seus colegas fechavam as torneiras para proceder à reparação do ramal.

Na carta de resolução do contrato, o autor havia invocado que para a resolução do contrato havia sido determinante a precariedade das condições de saúde e segurança que lhe eram proporcionadas, “desde logo pela inexistência de equipamento de proteção para o exercício de trabalho no sector da produção tendo ocorrido por mais que uma vez a falta de água, inexistência de mascaras de proteção, a existência de cheiros agressivos ao aparelho respiratório provindos de produtos utilizados no Tanatório existente no piso inferior à carpintaria, nunca proporcionaram condições de trabalho”. Mais acrescentou que “no dia em que ocorreu o meu acidente de trabalho não existiam luvas esterilizadas de proteção das mãos, o desinfetante (Betadine) estava fora da validade e não existia qualquer desinfetante”. Acusou ainda a ré de: “Fecho de água canalizada, ficando eu e o meu colega privados de água para qualquer fim”; “ Desligar da máquina de aspiração quando eu e o meu colega executávamos trabalhos de lixagem”; “Não atribuição de mascaras de proteção”.

Ora, competindo-lhe demonstrar a verificação dos comportamentos culposos imputados à empregadora, não o logrou fazer conforme resulta do acervo factual supra destacado.

A circunstância de no dia do acidente não terem sido encontradas as luvas protetoras, nem o desinfetante, não permite concluir automaticamente que os mesmos não existiam. Aliás existiam duas caixas de pronto socorro que supostamente deveriam ter, pelo menos, desinfetante.

Quanto à circunstância de não existir água corrente ligada, no dia do acidente, nada permite concluir que tal situação é imputável à empregadora ou deriva de responsabilidade sua.

Em suma, não obstante o invocado na carta de resolução do contrato, o demandante não logrou provar a alegada violação culposa de garantias legais do trabalhador em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.

Face ao exposto, apenas se extrai da factualidade provada a falta não culposa do pagamento pontual da retribuição, por obrigação que se venceu antes da suspensão do contrato de trabalho.

E, não obstante tal situação seja suscetível de constituir justa causa de resolução do contrato de trabalho, nos termos previstos pela alínea c) do nº3 do artigo 394º do Código do Trabalho (ainda que sem direito à indemnização prevista no artigo 396º do Código do Trabalho), para que tal aconteça mostra-se necessário que a falta do pagamento pontual da retribuição torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.

Tal apreciação tem de ser realizada com base na factualidade assente.

E o que resulta do acervo de factos provado é que o autor como contrapartida da sua profissão de marceneiro auferia uma retribuição mensal de € 730,00. À data em que foi escrita a carta para resolução do contrato de trabalho, encontrava-se em dívida a quantia de € 729,99 [€ 608,33 (25 dias de julho) + € 121,66 (duodécimos de férias e subsídio de férias)]. O autor havia sofrido um acidente de trabalho em 25 de julho de 2014 e a companhia de seguros responsável pela reparação do acidente, encontrava-se a pagar os valores relativos à baixa médica decorrente do acidente de trabalho.

Ora, não obstante os factos provados indiciem que o autor é pessoa de modesta situação social e económica, para quem o salário deve ser fundamental para fazer face às despesas do dia-a-dia, com poucas possibilidades de poupança, certo é que a falta de recebimento de um valor correspondente à retribuição mensal no âmbito de um contrato que durava há mais de 24 anos e em que o autor já tinha tido alguns atrasos no pagamento dos salários, com os quais se conformou e foi gerindo a sua vida, não se nos afigura ser motivo gerador de uma situação insustentável que tornasse  impossível a manutenção do contrato de trabalho.

Pelo exposto, não se nos afigura que se verifique, no caso concreto, um dos pressupostos para a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador – a impossibilidade de sobrevivência da relação laboral por falta de pagamento da retribuição concretamente em dívida.

Nestes termos, mostra-se improcedente o recurso principal interposto pelo autor.


*

V. Recurso subordinado: Pedido Reconvencional

Em sede de recurso subordinado, veio a ré insurgir-se contra a decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional de indemnização de dois meses de retribuição, correspondentes ao período de aviso prévio em falta, sustentando que a lei confere o direito a esta indemnização desde que a justa causa para a resolução do contrato não tenha sido provada, independentemente da alegação e prova da verificação de quaisquer danos para a empregadora.

Sobre a questão suscitada, pronunciou-se o tribunal de 1ª instância, nos seguintes termos:

«Dispõe o artigo 399º do C.Trabalho que “Não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401º.”

Na denúncia, o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo 400º, nº 1 do C.Trabalho (60 dias se o contrato tiver mais de dois anos de antiguidade) deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondente ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio.

Da comparação dos dois preceitos legais conclui-se que, ao contrário do regime de denúncia em que se prevê uma indemnização (automática) correspondente ao período em falta acrescida de uma indemnização por danos causados ao empregador, na resolução ilícita a lei exige a verificação de prejuízos.

A Ré não alegou quaisquer prejuízos resultantes da falta de aviso prévio.

Além disso, pelas razões já invocadas a propósito da suspensão do contrato por motivo de baixa decorrente de acidente que, mantendo-se a suspensão do contrato, aquela indemnização não poderá operar automaticamente, nesta medida improcedendo o pedido reconvencional.»

De harmonia com o preceituado no artigo 399º do Código do Trabalho, não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401º.

Por sua vez, o artigo 401º estipula que o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.

A questão a analisar é a de saber se a indemnização prevista no mencionado artigo 399º é automaticamente atribuída, se peticionada, sempre que não se prove a justa causa de resolução do contrato de trabalho invocado pelo trabalhador ou se a atribuição desse direito está dependente da alegação e prova da existência de danos por falta de observância do prazo de aviso prévio.

Sobre tal matéria, pronunciou-se a Relação do Porto em sentido diverso do decidido na sentença recorrida.

No acórdão de 29/06/2015, proferido no P. 953/14.1TTPNF.P1 (Relator: João Luís Nunes), escreveu-se, com interesse:

«De acordo com o disposto no artigo 399.º do Código do Trabalho, não se provando a justa causa de resolução do contrato o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401.º.

E face ao estatuído neste preceito legal, o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou da obrigação assumida em pacto de permanência.

Como assinala Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, pág. 548), «[a]pesar de a letra da lei parecer indicar que há duas indemnizações – uma igual à retribuição-base e diuturnidades e outra equivalente aos danos causados – aplicando-se a primeira «sem prejuízo» da segunda, julgamos ser pacífico que a indemnização devida pelo trabalhador é uma só, cujo valor será, no mínimo e independentemente da ocorrência de danos, igual ao da retribuição-base e diuturnidades, podendo ser mais elevado quando o empregador prove que sofreu danos de montante superior ao valor mínimo da indemnização que o trabalhador está obrigado a pagar».

A norma em causa corresponde, embora com alterações de redação, ao artigo 448.º do Código do Trabalho de 2003, que por sua vez correspondia, se bem que também com diferente redação, ao artigo 39.º da LCTT.

No âmbito desta última norma, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-10-2003 (Recurso n.º 4495/02, disponível em www.dgsi.pt), que a mesma previa “(…) dois tipos de indemnização para a falta de aviso prévio da rescisão do contrato pelo trabalhador. O primeiro, que funciona automaticamente pelo simples facto de ter sido omitido, total ou parcialmente, o aviso prévio, independentemente de que daí tenha ou não emergido qualquer dano para o empregador; o segundo, que só tem lugar quando houver danos que possam ser adequadamente imputados ao não cumprimento do prazo de aviso prévio». No caso a empregadora peticionou o valor correspondente à retribuição-base.

E tendo a autora sido admitida ao serviço da ré em Maio de 2007 e cessado o contrato em 21 de Março de 2014 – tendo, portanto, mais de dois anos de antiguidade – é pacífico que face ao que dispõe o artigo 400.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o prazo de aviso prévio era de 60 dias, o qual não foi respeitado, uma vez que a autora resolveu o contrato de trabalho na data da receção da comunicação pela ré (em 21 de Março de 2014) e com efeitos imediatos.

Assim, não parece oferecer contestação que a ser devida indemnização o seu valor é o correspondente a dois meses de retribuição, ou seja, € 970,00.

E também não parece oferecer contestação que a indemnização em causa funciona automaticamente, pelo simples facto de o trabalhador ter feito cessar a sua relação laboral sem cumprir - ou cumprindo apenas parcialmente - o prazo de aviso prévio, independentemente de a entidade empregadora ter com isso sofrido ou não quaisquer efetivos danos.”

(…)

Como a jurisprudência tem afirmado, a penalização do trabalhador pela resolução do contrato de trabalho por si levada a cabo sem cumprimento do aviso prévio tem subjacente a proteção dos interesses da empregadora, com vista, nomeadamente, a que esta possa providenciar, em tempo útil, pela substituição do trabalhador sem prejudicar a atividade produtiva da empresa (cfr., por todos, o acórdão do STJ de 11 de Março de 1999, Processo n.º 365/98, disponível em www.dgsi.pt).»

Por sua vez, no acórdão de 23/02/2015, P. 712/12.6TTPRT.P1 (Relator: Rui Penha), desenvolveu-se a seguinte argumentação:

«Entende Pedro Furtado Martins que havendo uma resolução ilícita do contrato de trabalho, os danos a serem ressarcidos ao empregador seriam aqueles que fossem apurados de acordo com o seguinte critério: valor do aviso prévio em falta, acrescido da diferença dos danos apurados se superior ao montante anterior. Ou seja, sem acumulação dos dois valores.
Não obstante a crítica comum à redação do preceito, a maioria da jurisprudência vem entendendo, porém, que o regime é idêntico em ambas as situações, sendo acumulável a indemnização por falta de aviso prévio com a que resultar da prova de outros prejuízos resultantes para o empregador.

De todo o modo, a divergência referida não invalida o entendimento comum de que a indemnização correspondente à falta de aviso prévio opera automaticamente, como se se tratasse de uma cláusula penal, sem necessidade de alegação e prova de eventuais danos, não obstante a necessidade do pedido.»

Não vislumbramos razão para divergir desta linha jurisprudencial.

Assim, entendemos, também que não tendo o trabalhador logrado provar a justa causa de resolução do contrato, o direito à indemnização prevista no artigo 399º do Código do Trabalho, correspondente ao período de aviso prévio em falta, desde que peticionado, é automaticamente reconhecido, sem necessidade de alegação e prova da verificação de quaisquer prejuízos resultantes da resolução ilícita do contrato de trabalho.

Divergimos, pois, do sentido da decisão da 1ª instância quanto à específica questão analisada.

Todavia, no caso dos autos, a improcedência do pedido reconvencional que se aprecia, baseou-se, ainda, na circunstância do tribunal a quo ter considerado que o contrato de trabalho se encontrava suspenso devido à baixa médica decorrente do acidente, que resulta dos elementos dos autos.

Ora, os efeitos da suspensão do contrato de trabalho mostram-se previstos no artigo 295º do Código do Trabalho.

A redação de tal preceito é a seguinte:

«1 – Durante a redução ou suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho.

2 – O tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade.

3 – A redução ou suspensão não tem efeitos no decurso de prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais.

4 – Terminado o período de redução ou suspensão, são restabelecidos os direitos, deveres e garantias das partes decorrentes da efetiva prestação de trabalho.

(…)».

Conforme se decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa, de 16/05/1983, que se mostra publicado na Coletânea de Jurisprudência, 1983, tomo 3, pág. 200, durante a suspensão do contrato de trabalho por impedimento prolongado, ficam em suspenso, os seguintes direitos, deveres e garantias: pagamento de retribuições; prestação de trabalho; obediência à entidade patronal no que respeita à execução e disciplina no trabalho; velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho; promover ou executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa. A suspensão não afeta: o dever da entidade patronal respeitar o trabalhador como seu colaborador; o dever de o trabalhador tratar e respeitar com urbanidade e lealdade a entidade patronal, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as demais pessoas que estejam ou entrem em relação com a empresa; o dever de guardar lealdade à entidade patronal, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ela, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção e negócios.

Deste modo, durante a suspensão apenas ficam suspensos todos os direitos, deveres e garantias relacionados com a efetiva prestação de trabalho.

Ora, a obrigação de aviso prévio no contexto da cessação do contrato pelo trabalhador tem como justificação a proteção ao empregador por forma a permitir-lhe a substituição do trabalhador, para que a organização económico-produtiva não fique prejudicada com a saída imprevisível e imediata do trabalhador (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/03/1999, P. 98S365, disponível na base de dados da dgsi)

Ora, no caso dos autos, devido à suspensão do contrato originada pela impossibilidade temporária e prolongada do trabalhador prestar a atividade a que se obrigou, a empregadora não podia  contar com a disponibilidade daquele para o trabalho e tinha a obrigação de estar prevenida para a manutenção de tal situação durante o período de aviso prévio (cfr. Acórdão da Relação do Porto proferido no P. 953/14.1TTPNF.P1, já referido supra).

Afigura-se-nos, assim, que a obrigação de aviso prévio constitui um dever relacionado com a efetiva prestação do trabalho que, como tal, se encontrava suspenso à data da cessação do vínculo laboral, em consequência da suspensão do contrato de trabalho.

Logo, inexistindo tal obrigação não pode ser reconhecido à empregadora o direito à indemnização previsto pelo artigo 399º do Código do Trabalho.

Pelo exposto, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida quanto à questão suscitada no recurso subordinado que tem de ser julgado improcedente.


*

VI. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso principal e o recurso subordinado improcedentes e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, na proporção do decaimento.

Notifique.

Coimbra, 28 de abril de 2016


 (Paula do Paço)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes)