Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
46310/18.1YIPR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
CESSAÇÃO DO CONTRATO
DENÚNCIA
REMUNERAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 05/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - LOUSÃ - JUÍZO C. GENÉRICA - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 334 CC, LEI Nº 15/2013 DE 8/2
Sumário: I – No contrato de mediação imobiliária o comitente pode unilateralmente desvincular-se do contrato de mediação com cláusula de exclusividade.

II – Contudo, a cessação desse contrato [por denúncia ou revogação unilateral] só pressupõe a extinção do vínculo para o futuro, não afetando, por via de regra, as prestações vencidas anteriormente, que continuam a ser devidas, designadamente subsistindo as que resultem do cumprimento ou incumprimento anterior.

III – Assim, se à data em que o contrato foi denunciado [por carta datada de 22 de Fevereiro de 2017], já havia a mediadora adquirido o direito à comissão [por se encontrar celebrado desde o dia 19 de Janeiro de 2017 o contrato-promessa que a tal lhe conferiu direito!], a denúncia já não poderia obstaculizar validamente a esse direito à comissão da mediadora, sendo certo que a resolução daqueloutro [contrato-promessa], não tinha a virtualidade de arredar este [direito à comissão].

IV – Ademais, a conduta do R./recorrente corresponde a uma atuação por parte do mesmo em abuso do direito, mais concretamente na modalidade do desequilíbrio no exercício, pois que, aproveitando-se da circunstância de ainda não lhe ter sido cobrado/reclamado o pagamento da comissão devida, tratou de esvaziar esse seu dever através da denúncia/revogação unilateral do contrato de mediação, já depois da resolução do negócio angariado pela mediadora, com tal revelando a sua intenção malévola de se furtar ao pagamento da comissão devida, tudo a permitir concluir no sentido do exercício pelo mesmo do direito de modo contrário à boa fé.

V – Na verdade, a denúncia nas circunstâncias em que teve lugar, isto é, quando se evidencia que o R./contraente não quis desistir da venda do seu prédio, nem de que tal tivesse lugar através de uma (outra) mediadora imobiliária [o que tudo veio a ter lugar na sequência imediata], evidenciam uma atuação contrária à boa fé contratual, donde se impor que a revogação não exonere o Réu do dever de proceder ao pagamento do valor correspondente à comissão devida.

Decisão Texto Integral:           







  Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

JJ (…) apresentou requerimento de injunção contra P (…) solicitando o pagamento da quantia global de €7.172,47 por conta de dívida emergente de um contrato, acrescida de €389,97 a título de juros de mora, €100,00 por outras quantias e €102,00 de taxa de justiça.

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O réu opôs-se à injunção invocando que se desvinculou unilateralmente do contrato de mediação, que não se verificou integralmente a relação mediada, pois que o réu não beneficiou da atividade e o negócio visado pelo contrato não se realizou. Mais invocou que a cláusula 5.ª do contrato não foi objeto de prévia negociação, nem informado ao réu do seu teor, sendo que ela é igualmente abusiva e violadora da lei.

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Em virtude dessa oposição, os autos foram remetidos à distribuição como ação declarativa especial para cumprimento de obrigações de valor superior à alçada de 1.ª Instância.

*

Em sede de audiência foi proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando a autora a aperfeiçoar a sua petição inicial, tendo esta respondido ao convite, o que se traduziu na explicitação de que a pretensão do autor à remuneração deriva da violação do regime de exclusividade com que fora celebrado entre as partes o contrato de mediação imobiliária, sem prejuízo de que o réu, na imediata sequência da celebração do contrato de mediação, por intermédio da sociedade mediadora, subscreveu igualmente um contrato-promessa tendo por objeto, entre outros, o prédio identificado na cláusula 1.ª do contrato de mediação e pelo valor fixado na respectiva cláusula 2ª, donde, tendo a mediadora cumprido com a obrigação de meios a que se vinculou, consequentemente, teria direito à sua remuneração.

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Foi conferido o contraditório relativamente ao aperfeiçoamento efetivado.

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E, tendo sido apresentada no mesmo ato a prova pelas partes, oportunamente admitida para o efeito, prosseguiu-se com a audiência de julgamento, a qual foi realizada com observância das formalidades legais.

                                                           *

Na sentença, considerou-se, em suma, que face à factualidade apurada, importava concluir no sentido de que a própria celebração do contrato promessa era facto gerador da remuneração da mediadora, dele decorrendo que a mesma cumpriu com a obrigação de meios a que se vinculou e, consequentemente, atribui a ela mediadora o direito à sua remuneração, sendo certo que se o réu poderia desistir do negócio, tal não obstava a que o direito da mediadora à remuneração se mantivesse intacto, posto que o negócio prometido, de compra e venda, apenas não se realizou porque o réu acordou em pôr fim ao negócio e pagar o final em dobro, isto é, o negócio visado no contrato não se concretizou por causa imputável ao cliente; em todo o caso, também à luz da cláusula de exclusividade importava concluir que o réu não cumpriu integralmente com os seus deveres contratuais, mais concretamente, porque o réu não poderia pôr fim ao contrato de mediação antes do seu aprazado termo, por declaração unilateral e imotivada como intentou fazer, pelo que, porque o contrato de mediação imobiliária em discussão nestes autos não havia cessado os seus efeitos quando o réu vendeu a fração, antes o réu se encontrava vinculado pelo mesmo, consequentemente, deve proceder ao pagamento da comissão acordada, correspondente à contraprestação contratualizada para o caso de celebração do contrato visado ou violação do princípio da exclusividade, de acordo com o disposto no art. 795º, nº2 do C. Civil, comissão essa acrescida de juros moratórios à taxa comercial, direitos esses que se transferiram validamente para o ora A., em consequência da cessão de créditos que foi operada, o que tudo se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”:

«VII. Decisão

Nestes termos e nos demais de direito, decide-se julgar parcialmente procedente a ação e, consequentemente:

A. Condenamos o Réu no pagamento ao Autor da quantia de €6.580,5 [seis mil quinhentos e oitenta euros e cinquenta cêntimos], acrescida dos juros de mora vencidos desde 13/6/2017 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal para os juros comerciais sucessivamente em vigor.

B. Absolver o réu do demais peticionado.

*

Custas por autor e réu, em função do respetivo decaimento, que se fixa em 1,4% para o autor e 98,6% para o réu – n.ºs 1 e 2 do art. 527.º do Código de Processo Civil.

*

Registe e notifique. »

                                                           *

            Inconformado com essa sentença, apresentou o Réu recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

                                                                       *

            Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                                      *

            A Exma. Juíza a quo sustentou a fls. 83-86 a não verificação das arguidas nulidades da sentença.

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo R. nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            - nulidades da sentença [als. c) e d) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil];

            - erro na decisão da matéria de facto, a saber, quanto ao facto que foi dado como “provado” sob “6)”, mas que deve ser dado agora como “não provado”, pugnando ainda por que ambos os pontos dados por “não provados” [sob “a)” e “b)”], sejam dados por “provados”;

- erro na determinação, interpretação e aplicação das normas de direito aplicáveis [designadamente, que há inconstitucionalidade (por violação do direito à livre disposição dos bens e propriedade privada) do entendimento segundo o qual é inadmissível a cessação de contrato de mediação imobiliária celebrado com cláusula de exclusividade mediante declaração unilateral e imotivada; que a entender-se diversamente, a mediadora apenas teria direito a ser indemnizada pela cessação do contrato, mas não teria direito à remuneração, por não ter desenvolvido quaisquer atos de promoção do imóvel após a revogação unilateral do contrato de mediação, que ela mediadora aceitou implicitamente, não havendo aplicação automática do valor da remuneração (violação da confiança e abuso do direito); que em último termo, devia ter havido redução equitativa e proporcional da comissão contratada, em virtude de o objecto negocial do contrato promessa de compra e venda ser mais vasto (para além do enriquecimento sem causa e da ausência de prova do enquadramento do IVA)] .

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, ao que se seguirá o elenco dos factos que o mesmo tribunal considerou/decidiu que “não se provou”, sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade.   

            Tendo presente esta circunstância, consignou-se o seguinte na 1ª instância em termos de “Factos provados”:

1) A “H (…)Lda.” e J (…) subscreveram os documentos de fls. 35 a 38, cujo teor damos por integralmente reproduzido, intitulados “CESSÃO DE CRÉDITOS” e “TERMO DE AUTENTICAÇÃO”.

2) No documento de fls. 35 e sg., a “H (…)Lda.” surge na qualidade de cedente e designada por “Primeira Outorgante” e J (…) na qualidade de cessionário e designado de “Segundo Outorgante” e declararam, entre o mais, que:

“[…] Em virtude de o Segundo Outorgante ser avalista do empréstimo bancário sob o n.º […] concedido pela C (…), S.A. à Primeira Outorgante […] e a título de compensação, este cede àquele, o qual declara aceitá-lo, o crédito do montante global de €6.580,50 [seis mil quinhentos e oitenta euros e cinquenta cêntimos], que tem sobre P (…) […], resultante da fatura n.º 69, emitida no dia 13/6/2017 e com vencimento no mesmo dia, no valor supra referenciado.

Segunda

O crédito é cedido com os juros à taxa comercial, calculados ao abrigo do artigo 102.º, n.º 3 do Código Comercial que, desde a data do vencimento da fatura até à presente data, se cifram em €10,10 […]”

3) A “H (…), Lda.”, designada como “Mediadora” e o réu, designado como Segundo Contratante, na qualidade de proprietário, subscreveram documento, intitulado “contrato de mediação imobiliária”, cuja cópia consta de fls. 7 verso e 8, 16 e 17 e cujo teor damos por integralmente reproduzido, datado de 18/1/2017, no qual consta o seguinte:

Cláusula 1.ª

(Identificação do Imóvel)

O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor da fração autónoma/prédio (rústico/urbano)/ estabelecimento comercial, destinado(a) a habitação, sendo constituído por T-4 divisões assoalhadas, com uma área total de 209 m2, sito (…) (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , sob a ficha n.º 3120, com a licença de construção/utilização n.º 4212008, emitida pela Câmara Municipal de (...) , em 27/5/2008 e inscrito na matriz predial (urbana/rústica) com o artigo n.º 2777 da Freguesia de (...) .

Cláusula 2.ª

(Identificação do Negócio)

1 – A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, pelo preço de 107.000,00 Euros (cento e sete mil euros), desenvolvendo para o efeito, ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e caraterísticas dos respetivos imóveis

[…]

Cláusula 4.ª

(Regime de Contratação)

1 – O Segundo Contratante contra a Mediadora em regime de Exclusividade.

2 – Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência, ficando o Segundo Contratante obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.

Cláusula 5.ª

(Remuneração)

1 – A remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.

2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de Remuneração: A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3 – O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições:

O total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.

[…]

Cláusula 8.ª

(Prazo de Duração do Contrato)

O presente contrato tem uma validade de 6 meses contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.

[…]”

4) A “H (…), Lda.” comunicou ao réu o teor das cláusulas referidas em 3).

5) O réu, na qualidade de promitente-vendedor e designado por Primeiro Outorgante, e P (…) subscreveu documento intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, com cópia a fls. 8 verso a 10, 31 a 33, cujo teor damos por integralmente reproduzido, com o seguinte teor:

“[…] Entre o Primeiro e os Segundos Outorgantes é celebrado o presente contrato promessa de compra e venda, o qual se regerá pelas cláusulas seguintes:

1.ª

(Objeto)

O Primeiro Outorgante é proprietário e legítimo possuidor dos seguintes prédios:

a. Prédio urbano, sito na (...) , (...) , freguesia de (...) e concelho de (...) , destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia, do distrito de (...) , sob o artigo 2777, descrito na Conservatória de Registo Predial de (...) sob o n.º 3120/19991221;

b. Prédio rústico, sito na (...) , freguesia de (...) e concelho de (...) […] inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia, do distrito de (...) , sob o artigo 1134 e descrito na Conservatória de Registo Predial de (...) sob o n.º 7802/20160804;

c. Prédio rústico, sito na (...) , freguesia de (...) e concelho de (...) […] inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia, do distrito de (...) , sob o artigo 1135 e descrito na Conservatória de Registo Predial de (...) sob o n.º 7803/20160804;

d. Prédio rústico, sito na (...) , freguesia de (...) e concelho de (...) […] inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia, do distrito de (...) , sob o artigo 1136 e descrito na Conservatória de Registo Predial de (...) sob o n.º 7804/20160804;

2.ª

(Preço)

Pelo presente contrato, Primeiro Outorgante promete vender aos Segundos e estes prometem comprar-lhe os prédios supra identificados, pelo preço global de €107.000,00 (cento e sete mil euros).

3.ª

(Sinal)

Nesta data, os Segundos Outorgantes procedem ao pagamento no valor de €500,00 (quinhentos euros) a título de sinal

[…]

9.ª

(Mora, incumprimento e desistência)

[…]

b) Caso a desistência seja da parte do Primeiro Outorgante, constitui-se em incumprimento definitivo e confere, igualmente, aos Segundos Outorgantes o direito de resolver automaticamente o presente contrato e de exigir daquela a restituição em dobro da importância entregue a título de sinal, sem prejuízo da indemnização pelo dano excedente […]”

6) O contrato referido em 5) foi celebrado com pessoas angariadas pela mediadora e por intermédio desta.

7) O réu, conjuntamente com P (…) e mulher T (…) subscreveram um documento intitulado “Acordo de Resolução do Contrato-Promessa de compra e venda de 19/01/2017” , com data de 4/2/2017, constante de fls. 11, cujo teor damos por integralmente reproduzidos, no qual declararam acordar de livre e espontânea vontade resolver por acordo o contrato promessa aludido em 5) mediante o pagamento do valor do sinal em dobro pelo réu aos segundos.

8) O réu remeteu à “H (…), Lda.” carta cuja cópia consta de fls. 12, que damos por integralmente reproduzida, com o seguinte teor:

“Exmos. Senhores

Eu, P (…), na qualidade de Proprietário do Imóvel sito (…) venho por este meio rescindir o contrato de Mediação n.º 15/17 com a vossa empresa a partir do dia 23 de Fevereiro de 2017.”

9) Ao dia 31/3/2017 o réu, como parte vendedora e primeiro interveniente, J (…)como parte compradora e segundo interveniente, mutuária e S (…), em representação da parte credora, subscreveram documento intitulado “título de compra e venda e mútuo com hipoteca”, cuja cópia consta de fls. 19 a 27, cujo teor damos por integralmente reproduzido, e onde consta:

“[…] Que, pelo presente título, vende ao segundo interveniente, J (…)livre de ónus ou encargos e pelos respetivos valores abaixo mencionados, que perfaz o preço de cento e vinte e cinco mil euros, que já recebeu, os prédios a seguir identificados:

Primeiro Prédio

Natureza: - Urbana;

[…]

Situação: - (...) , (...) – Freguesia de (...) ; concelho de (...) ;

Composição: - Casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro;

Inscrição matricial: 2.777, que provém do artigo urbano 2.716;

[…]

Valor atribuído: - Cento e dezassete mil e quinhentos euros;

Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , sob o número três mil cento e vinte, da freguesia de (...) […]

Segundo Prédio

Natureza: - Rústica;

[…]

Inscrição Matricial: 1.134;

[…]

Valor atribuído: Dois mil e quinhentos euros;

Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , sob o número sete mil oitocentos e dois, da freguesia de (...)

[…]

Terceiro Prédio

Natureza: - Rústica;

[…]

Inscrição Matricial: 1.136;

[…]

Valor atribuído: Dois mil e quinhentos euros;

Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , sob o número sete mil oitocentos e quatro, da freguesia de (...)

[…]

Quarto Prédio

Natureza: - Rústica;

[…]

Inscrição Matricial: 1.135;

[…]

Valor atribuído: Dois mil e quinhentos euros;

Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) , sob o número sete mil oitocentos e três, da freguesia de (...)

[…]

E. – PELO SEGUNDO INTERVENIENTE FOI DITO: Que aceita a venda que acaba de ser feita nos exatos termos exarados

[…]

As partes declaram que no negócio interveio a sociedade de mediação imobiliária com a firma “P (…) titular da licença AMI número quatro mil quatrocentos e quarenta e três […]”

10) No seguimento do referido em 8) e 9) a “H (…) Lda.” emitiu a fatura n.º 69, em 13/6/2017, com vencimento na mesma data, constante de fls. 46 e cujo teor damos por integralmente reproduzido, no valor total de € 9.580,5, sendo a base tributável de € 5.350,00 e o IVA, de 23%, no valor de € 1.230,5.

11) O autor remeteu ao réu carta registada com AR, datada de 21/6/2017 e recebida em 28/6/2017, com o teor de fls. 40, cujo teor damos por reproduzido, comunicando a cessão do crédito referente à fatura n.º 69, no montante de € 6.580,5, acrescido de juros à taxa comercial e informando que o crédito estava vencido e devia ser feito diretamente ao autor, na qualidade de credor e o único que poderá outorgar a quitação do mesmo.»

                                                                       ¨¨

E o seguinte em termos de “Factos não provados”:

«a) A cláusula 5.ª do documento aludido em 3) foi aposta sem prévia negociação com o réu;

b) Se o réu tivesse sido devidamente informado ou tivesse lido o contrato que assinou, certamente que não teria concordado com a entrega do total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.»

                                                                       *         

3.2 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz nas alegadas nulidades da sentença [als. c) e d) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil].

Começando pela primeira das dita nulidades, tanto quanto é dado perceber pelo constante das alegações recursivas, a verificação desta alegada nulidade na sentença decorre de «vício de contradição insanável entre matéria de facto provada e subsunção jurídica, pois dá como provada a rescisão contratual levada a cabo pelo recorrido em Fevereiro de 2017 e depois condena-o com base numa factura datada de Junho de 2017 e alegadamente emergente da vigência e execução do contrato rescindido!»

Será, então, que ocorre a nulidade da sentença consistente em os seus “fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão” [al.c) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]?

            A resposta a esta questão é claramente negativa – e releve-se este juízo antecipatório! – aliás, só se compreendendo a sua arguição por um qualquer equívoco ou deficiente interpretação dos conceitos legais.

É que segundo a referida alínea c) do citado art. 615º, nº1 do n.C.P.Civil, a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, mas, obviamente que quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto.

Na verdade, o que está em causa nesse normativo é a contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão (dispositivo da sentença) seguir caminho oposto ou direção diferente[2], inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.os 667º e 668º do C.P.Civil[3], e atualmente nos art.os 614º e segs. do n.C.P.Civil, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.

Ora, compulsada a sentença, o que se constata é que nela se começou por fazer constar dos factos “provados”, sob “8)”, que o ora R./recorrente havia remetido à mediadora uma carta comunicando “rescindir o contrato de mediação… a partir do dia 23 de Fevereiro de 2017” ; sucede que, no enquadramento jurídico subsequente, não foi reconhecido nem declarado que se reconhecia validade jurídica à rescisão unilateral operada, antes se sustentou e sublinhou enfaticamente que o réu não cumpriu integralmente com os seus deveres contratuais, mais concretamente, porque o réu não poderia pôr fim ao contrato de mediação antes do seu aprazado termo, por declaração unilateral e imotivada como intentou fazer – sendo certo que este entendimento foi perfilhado com apoio e invocação de jurisprudência desse preciso sentido.

De referir que foi na linha desse entendimento que, s.m.j., se veio a concluir no sentido de que porque o contrato de mediação imobiliária em discussão nestes autos não havia cessado os seus efeitos quando o réu vendeu a fração, antes o réu se encontrava vinculado pelo mesmo, consequentemente, devia ele proceder ao pagamento da comissão acordada, correspondente à contraprestação contratualizada para o caso de celebração do contrato visado ou violação do princípio da exclusividade, de acordo com o disposto no art. 795º, nº2 do C. Civil.

O que tudo serve para dizer que foi face à matéria de facto alinhada na sentença  como provada/assente que se perfilhou um determinado enquadramento jurídico, sendo em coerência com essa fundamentação de facto e de direito que veio a ser proferida a “decisão”.

Dito de outra forma: só fazendo uma interpretação enviesada ou redutora da linha de fundamentação seguida na sentença se poderia sustentar que foi cometido este vício – com referência à “decisão” constante do “dispositivo”...

Não obstante o vindo de dizer, o que foi citado em termos de fundamentação (latu sensu) pelo tribunal a quo, poderá constituir um eventual erro de julgamento (quer de facto, quer de direito) sobre a questão sub judice, mas não um vício estrutural da sentença, que tivesse virtualidades para conduzir à nulidade da mesma.

Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelo R./recorrente como fundamento para a procedência do recurso, sem embargo do que competirá decidir na apreciação dos também alegados fundamentos recursivos da “impugnação da matéria de facto” e do “erro na aplicação do direito”.

                                                           ¨¨

E que dizer da arguição de nulidade da sentença consistente na alegada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia [al.d) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil].

De referir ab initio que, tanto quanto é dado perceber, esta nulidade verificar-se-ia porquanto alegadamente tinha havido aceitação pela mediadora da rescisão do contrato levada a cabo por ele R./recorrente, pelo que, «Tal circunstancialismo deveria ter sido apreciado pelo Tribunal a quo para efeitos de ser levado ao elenco dos factos provados ou não provados, por expressamente alegado pelo recorrido nos arts. 10º e 14º da oposição!

E é essencial para a boa decisão da causa pois, sendo dado por provado, traduzirá a aceitação expressa e tácita da cessação contratual!

Ao não conhecer de tal questão padece a douta sentença do vício de nulidade por omissão de pronúncia.

E de tal vício igualmente padece a douta sentença pela não indagação da justeza ou não do acordo de resolução do contrato-promessa a que se faz alusão no ponto de facto provado 7).»

Será assim?

Nos termos da dita al. d), verifica-se a nulidade da sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Assim, com referência à 1ª parte da citada al.d), do nº1, do art. 615º do n.C.P.Civil, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º, nº2 do mesmo n.C.P.Civil.

Sendo que a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

De referir que tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

“Questões” submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.

Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 615º nº1, al.d), do n.C.P.Civil: daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.

Como já foi doutamente sublinhado a este propósito, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda[4].

Aliás, no mesmo sentido foi-nos anteriormente ensinado que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[5].

Será, então, que se pode concluir que houve omissão de pronúncia no caso ajuizado?

Atente-se, desde logo, que quanto a este fundamento de nulidade, está em causa, no segmento invocado, o correspondente incumprimento, por parte do julgador, de na sentença não se pronunciar sobre o que ele R./recorrente havia alegado nos arts. 10º e 14º do seu articulado de Oposição.

Para melhor se ajuizar sobre este particular, rememoremos, antes de mais, o teor literal dos ditos artigos, a saber:

«10.º - O que foi manifestamente o que veio a acontecer, pois nenhum benefício veio a obter da atividade de mediação a que estava vinculado pelo supra ferido contrato, que veio a revogar unilateralmente em 22 de Fevereiro de 2017»;

«14.º - Por tal, a H (…)., deixou de fazer a intermediação da venda, e após esta a revogação unulateral, isto é, até à venda definitiva em 31-03 de 2017, não houve qualquer intermediação nem contactos com o cliente ora requerido».

Como é bom de ver, o art. 10º em referência é meramente conclusivo.

Já o art. 14º, mormente na sua segunda parte [cf. “até à venda definitiva em 31-03 de 2017, não houve qualquer intermediação nem contactos com o cliente ora requerido”] relaciona-se, à partida, com o que está em causa, isto é, com a matéria excetiva invocada pelo R. relativamente à “extinção da relação contratual”.

Sucede que, um melhor foco e atenção logo nos faz concluir que se trata de matéria puramente argumentativa e inconcludente para o efeito em causa, isto quando se atenta no regime jurídico a ponderar para o efeito, a saber, se tal configura (ou não) declaração de aceitação da rescisão.

Na verdade, preceitua-se assim nos arts. 217º [com a epígrafe de “Declaração expressa e declaração tácita”] e 218º [com a epígrafe de “O silêncio como meio declarativo”] do C.Civil:

                                               «Art. 217º

1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.

2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.»;

                                               «Art. 218º

O silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.»

Temos, então, que não configurando a factualidade em causa seguramente uma declaração “expressa” [de aceitação da rescisão], também não se pode considerar que, enquanto omissão ou inatividade, configure uma declaração “tácita” de tal.

Por outro lado, podendo eventualmente qualificar-se essa matéria [cf. “até à venda definitiva em 31-03 de 2017, não houve qualquer intermediação nem contactos com o cliente ora requerido”] como um “silêncio” da mediadora, sucede que também não vislumbramos que haja lei, uso ou convenção que lhe atribua o valor de aceitação da rescisão, na medida em que inúmeras alternativas hipóteses de qualificação podem validamente e de igual modo suscitar-se.

Nesta linha de raciocínio, conclui-se, decisivamente, no sentido de que no dito art. 14º da Oposição apenas estavam alegados argumentos e razões – ou foram feitas considerações! – sobre a matéria excetiva da “extinção da relação contratual” que o R./recorrente tinha em vista, pelo que, não ter havido pronúncia sobre o constante de qualquer dos dois invocados artigos do articulado de Oposição, não configurou seguramente preterição de questões de que o tribunal devia conhecer, atento o poder/dever prescrito no nº 2 do art. 608º do n.C.P.Civil, a saber, o de «conhecer todas as questões que lhe são submetidas, isto é, todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer»[6].

Naturalmente que está aqui em causa um dos segmentos vindos de citar, mais concretamente, o de o Tribunal não ter conhecido das “exceções invocadas”.

Ora, não vem questionado que o Tribunal conheceu efectivamente sobre a matéria excetiva da “extinção da relação contratual” – sobre a qual, consabidamente, concluiu que a mesma não se verificava!

Por outro lado, quanto à alegada omissão [de pronúncia] sobre a “indagação da justeza ou não do acordo de resolução do contrato-promessa”, decisivamente ressalta que não se trata de “questão” suscitada oportunamente para apreciação…

Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, igualmente improcede esta arguida nulidade.

*  

3.3 – O R./recorrente deduz igualmente erro na decisão da matéria de facto, a saber, quanto ao facto que foi dado como “provado” sob “6)”, mas que deve ser dado agora como “não provado”, pugnando ainda por que ambos os pontos dados por “não provados” [sob “a)” e “b)”], sejam dados por “provados”:

Começando, naturalmente, pelo facto dado como “provado” sob “6)”, rememoremos, antes de mais, o seu teor literal:

«6) O contrato referido em 5) foi celebrado com pessoas angariadas pela mediadora e por intermédio desta.»

Quanto a este particular, aventa o R./recorrente que do facto provado sob “5)” não consta a expressa referência à intervenção de qualquer imobiliária, apesar de ser uma “exigência legal”, «pelo que se houve interesse em ocultar tal exigência legal (necessária e notoriamente a pedido desta!), não poderá agora pretender-se ver reconhecida tal realidade…»

Que dizer?

Desde logo que não é de todo verdade que exista qualquer “exigência legal” quanto à referência à intervenção de qualquer imobiliária quando, como no caso vertente, está em causa um contrato-promessa.

Na verdade, apesar da alegação enfática do R./recorrente em sentido diverso, contudo não cita qualquer disposição legal da qual tal exigência decorra, nem nós a conhecemos…

É que, segundo a Lei nº 15/2013 de 08.02., que atualmente regula tal matéria, só existe essa exigência relativamente à “escritura pública ou documento particular que titule negócio sobre bem imóvel”.[7]

O que não é manifestamente o caso!

Acresce que é o próprio R./recorrente a reconhecer que «por força da confissão do recorrente, tal questão perde parcial sentido (…)»…

E, na verdade, assim sucedeu, como flui insofismavelmente da “motivação” da sentença recorrida, em que a Exma. Juíza a quo consignou expressa e literalmente o seguinte quanto a este particular:

«A matéria referida em 6) foi admitida pelo réu na sua contestação, resultando, por isso, de confissão e foi igualmente secundada pela prova testemunhal produzida pela autora.»

Assim sendo, e na medida em que o R./recorrente, no demais, não questiona por qualquer forma que a prova testemunhal do A. tivesse constituído valia probatória para este efeito, se declara sem mais, improcedente essa parte da impugnação.

                                                           ¨¨

Vejamos agora dos pontos dados por “não provados” [sob “a)” e “b)”], relativamente aos quais o R./recorrente pugna por que sejam dados por “provados”.

Vejamos o teor literal dos mesmos:

«a) A cláusula 5.ª do documento aludido em 3) foi aposta sem prévia negociação com o réu;

b) Se o réu tivesse sido devidamente informado ou tivesse lido o contrato que assinou, certamente que não teria concordado com a entrega do total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.»

De referir que a “cláusula 5.ª” a que se alude é a respeitante à “Remuneração”, nela estando literalmente previsto o seguinte:

«Cláusula 5.ª

                                                                       (Remuneração)

1 – A remuneração será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato e também, nos casos em que o contrato tenha sido celebrado em regime de exclusividade, o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.

2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de Remuneração: A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3 – O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições:

O total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.

[…]»

Para fundamentar esta sua pretensão, argumenta o R./recorrente que na medida em que o contrato tinha espaços para preenchimento manual, havia possibilidade da sua alteração, sucedendo também que o mesmo apresenta rasuras…

Salvo o devido respeito, esta linha de argumentação não merece qualquer acolhimento para o efeito em causa: não especificando nem concretizando qual ou quais as alterações que tiveram lugar e por quem teriam sido feitas, constatando-se que que foi o próprio R./recorrente a juntar o exemplar do contrato em causa [que presuntivamente tinha em seu poder], resulta que, tendo este exemplar as quadrículas preenchidas dele constantes e tendo ele as rasuras que tem, fica por evidenciar a medida e grau em que o mesmo foi alterado [por outrem que não o próprio!], afigurando-se até que se trata antes de pura especulação, por nada disso ser expressamente referido como tendo sucedido...

Depois, invoca o R./recorrente que a testemunha [arrolada pelo recorrido] Luís Filipe Correia Cabral, depôs sobre o circunstancialismo relativo ao (não) pagamento da comissão [pagamento que não foi feito aquando do contrato-promessa por o valor do sinal não cobrir esse valor e a empresa de mediação não inviabilizar o negócio], isto é, que o teor do ponto 3 da cláusula quinta foi “alterado”.

Ora, se bem percebemos o sentido desta invocação, está o R./recorrente a querer significar que houve um acordo/convenção contrária ou adicional ao que havia sido anteriormente acordado entre as partes [traduzido na celebração do contrato escrito em análise, designadamente através do preenchimento da quadrícula correspondente a este aspeto], mas se assim é, não vislumbramos de todo em que medida é que tal devia determinar que estes factos “não provados”, com o concreto teor literal que têm, deviam passar a figurar como “provados”!

Acresce que, esta invocação corresponde a facto novo/não alegado no articulado de Oposição do R./recorrente, donde, só podia ser acolhido no elenco dos factos “provados” se a parte tivesse mostrado vontade de dele se aproveitar (cf. art. 5º do n.C.P.Civil), o que não resulta ter sucedido…

Ademais, o mesmo configura uma alteração ao constante de documento escrito, pelo que a prova sobre tal não pode ter lugar por testemunhas (cf. art.  394º do C. Civil)!

Sem embargo do vindo de dizer, atentemos com maior atenção e pormenor sobre a “motivação” constante da sentença recorrida na parte atinente a este particular, a saber:

«(…)

A matéria que estava em discussão era a de índole não tão objetiva, porquanto se prendia com o conhecimento do teor e/ou significado das cláusulas contratuais, já que o réu veio invocar falta de informação quanto ao teor da cláusula 5.ª e, no seguimento da resposta ao aperfeiçoamento, desconhecimento quanto ao teor do contrato.

No entanto, a prova produzida apontou em sentido divergente ao defendido pelo réu.

Ora, relativamente ao teor da cláusula 5.ª, desde logo verificamos que ela, pelo menos em aparência, é suscetível de negociação, na medida em que encontram-se abertas hipóteses de previsão relativamente à remuneração, cuja escolha é feita através da aposição de uma cruz no respetivo quadrado e mediante introdução de dizeres nos espaços deixados em branco.

Assim, apesar de estar previamente redigida, num impresso, existe uma indicação manual que foi feita no respetivo quadrado e espaço em branco, o que indica que a matéria relativa à remuneração não estava já fechada antes mesmo de o contrato ter sido efetivamente subscrito, sendo passível, por isso, de negociação.

Em face do próprio teor do contrato, de onde se infere a possibilidade de tomada de posição pelo réu, este não produziu prova no sentido de demonstrar que esta cláusula não foi negociada, ou seja, que não participou na escolha relativamente à remuneração, daí a não demonstração do alegado quanto a este particular.

Mas, em acréscimo, o que ele pretende pôr em causa é o cumprimento de um invocado dever de informação. No entanto, diga-se que o conteúdo da cláusula parece claro e acessível a um destinatário médio, não se afigurando, por isso, suscetível de erros de interpretação ou de informações adicionais ao que resulta do próprio teor do contrato. O réu, por seu turno, não demonstrou qualquer dúvida relativamente ao sentido dessa cláusula, nem mesmo que solicitou esclarecimentos, como lhe incumbia. A única testemunha que indicou, a sua companheira, testemunha claramente parcial ao longo do seu depoimento, conforme melhor veremos infra, nem mesmo participou ou assistiu na contratação aqui em causa, pelo que o seu depoimento não foi relevante nesta parte.»

Face a isto, não se compreende de todo como é que o R./recorrente sustenta ter havido um erro notório na apreciação da prova.

Dito de outra forma: não resulta com a suficiente e necessária consistência dos meios de prova invocados – testemunhas arroladas pela contraparte! – a convicção probatória no sentido pretendido pelo mesmo, ou melhor, a infirmação do valor probatório/credibilização que foi operado na sentença recorrida.

Naturalmente que é por assim ser que não nos merece em nenhuma medida acolhimento a crítica feita neste particular.

Desde logo porque o controlo da matéria de facto tem por objeto uma decisão tomada sob o signo da livre apreciação da prova, atingida de forma oral e por imediação, i.e., baseada numa audiência de discussão oral da matéria a considerar e numa perceção própria do material que lhe serve de base (arts. 604º, nº 3 e 607º, nº 5 do n.C.P.Civil).

A esta luz, importa sempre ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Senão vejamos: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico».[8]

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.

Nesta conformidade – e como em qualquer atividade humana – existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável: o que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos – saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade – a qual não está ao alcance do tribunal ad quem.[9]

Donde se sancionar plenamente os meios de prova documentais e testemunhais credibilizados pela decisão recorrida, à luz das regras da experiência, da lógica natural, e da normalidade das situações, que o mesmo é dizer, bem andou, assim, a Exma. Juíza de 1ª instância em validar a contraprova feita pelo A./recorrido quanto à factualidade em causa, o que conduziu a que estes ditos pontos dados por “não provados” [sob “a)” e “b)”] fossem integrados no elenco dos factos “não provados”, opção esta que, por tais razões, se entende manter nos seus precisos termos.

O que tudo serve para dizer que por não se constatar qualquer erro de julgamento neste particular, conclui-se, sem necessidade de maiores considerações, pela improcedência desta pretensão do R./recorrente.

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão neste particular supra enunciada, esta já directamente reportada ao mérito da sentença, na vertente da fundamentação de direito da mesma, a saber, que ocorreu erro na determinação, interpretação e aplicação das normas de direito aplicáveis [designadamente, que há inconstitucionalidade (por violação do direito à livre disposição dos bens e propriedade privada) do entendimento segundo o qual é inadmissível a cessação de contrato de mediação imobiliária celebrado com cláusula de exclusividade mediante declaração unilateral e imotivada; que a entender-se diversamente, a mediadora apenas teria direito a ser indemnizada pela cessação do contrato, mas não teria direito à remuneração, por não ter desenvolvido quaisquer atos de promoção do imóvel após a revogação unilateral do contrato de mediação, que ela mediadora aceitou implicitamente, não havendo aplicação automática do valor da remuneração (violação da confiança e abuso do direito); que em último termo, devia ter havido redução equitativa e proporcional da comissão contratada, em virtude de o objecto negocial do contrato promessa de compra e venda ser mais vasto (para além do enriquecimento sem causa e da ausência de prova do enquadramento do IVA)].

Será assim?

Se bem captamos o sentido do alegado pelo R./recorrente, este seu fundamento tinha como pressuposto lógico e jurídico necessário o erro na decisão da matéria de facto, decisivamente visando o R./recorrente que o facto “provado” sob “6)” passasse a figurar na matéria “não provada”.

Ora, não se deferiu a essa pretensão do R./recorrente, como melhor flui do que antecede.

Pelo que entendemos estar só por aí fatalmente votado ao insucesso o sustentado face a esta primeira linha de argumentação.

Na verdade, ao invés do sustentado nas alegações recursivas [cf. «é manifesto e cristalino que inexiste qualquer prestação de serviço realizado nessa data»], com a celebração do contrato promessa, face ao contratualmente acordado entre a mediadora e o ora R./recorrente, aquela adquiriu sem mais o direito à comissão ajuizada.

Isto mesmo foi sublinhado na sentença recorrida, quando nela se enfatizou que:

«Assim, parece-nos que a própria celebração do contrato promessa é facto gerador da remuneração da mediadora, dele decorrendo que cumpriu com a obrigação de meios que se vinculou e, consequentemente, atribui à mediadora o direito à sua remuneração.

Na verdade, havendo exclusividade, como aqui sucede, é certo que o réu poderia desistir do negócio, mas o direito da mediadora à remuneração mantém-se intacto, posto que o negócio prometido, de compra e venda, apenas não se realizou porque o réu acordou em pôr fim ao negócio e pagar o final em dobro – 5) e 6) dos factos provados. Ou seja, o negócio visado no contrato não se concretizou por causa imputável ao cliente, o que atribui o direito à remuneração, de acordo com o disposto no art. 19.º/2 da Lei n.º 15/2013 e ainda, nos termos das cláusulas 5.ª/1 do contrato de mediação.»

Ademais, salvo o devido respeito, o R./recorrente incorre num erro clamoroso de enquadramento dogmático nesta parte (quanto aos efeitos da cessação).

Com efeito, desenvolve ele a sua argumentação com base no entendimento de que o contrato de mediação havia “cessado” validamente, não tendo a mediadora desenvolvido mais qualquer actividade, nem tendo contribuído por qualquer forma para a angariação de quem veio a ser o comprador efetivo do móvel [em Março de 2917], donde não teria a mediadora direito a receber a sua comissão.

De referir que não é pacífico o entendimento sobre a possibilidade da revogação unilateral do contrato de mediação imobiliária, verificando-se duas orientações:

a) uma a rejeitar porque isso implicaria uma total ineficácia da cláusula de exclusividade, logo “ao contrato de mediação exclusivo não pode, portanto, ser posto termo unilateralmente e sem causa justificativa[10];

b) outra no sentido da desvinculação unilateral, pois ainda que não resulte directamente da lei ou não prevista no contrato, “é de admitir a revogação do contrato de mediação imobiliária por acto unilateral como consequência da natureza do próprio negócio, por ser de presumir que o cliente não quer privar-se, além do mais, do direito de desistir do propósito de concluir o negócio promovido[11].

No caso ajuizado, perante a factualidade apurada, mormente face ao constante do facto “provado” sob “8)” parece inequívoco que o R./recorrente quis desvincular-se unilateralmente – seja pela admissibilidade da revogação unilateral, seja pela denúncia antecipada (sem respeito pelo pré-aviso).

Sendo certo que nos parece de perfilhar o entendimento de que não havendo sido estipulada a chamada “cláusula de irrevogabilidade” [que obriga o comitente a aceitar o interessado que o mediador encontre], o R./recorrente não estaria impedido de “desistir” do negócio inicialmente desejado, em face do princípio da liberdade contratual.

Sucede que quando o R./recorrente manifestou a sua desistência/ desvinculação do contrato de mediação (por carta de 22 de Fevereiro de 2017), já havia sido celebrado um contrato-promessa de compra e venda englobando o imóvel em causa, com interessado angariado pela mediadora e por intermédio desta [cf. facto “provado” sob “6)”], donde, por via da denúncia, o vínculo dissolve-se, mas sem eficácia retroativa.

Aliás, decorre até expressamente da vontade literal expressa na carta de “denúncia” que a mesma apenas produziria efeitos “a partir do dia 23 de Fevereiro de 2017” [cf. facto “provados” sob “8)”].

Dito de outra forma: se à data em que o contrato foi denunciado [por carta datada de 22 de Fevereiro de 2017], já havia a mediadora adquirido o direito à comissão [por se encontrar celebrado desde o dia 19 de Janeiro de 2017 o contrato-promessa que a tal lhe conferiu direito!], a denúncia já não poderia obstaculizar validamente a esse direito à comissão da mediadora…

E nem se argumente que esse dito contrato promessa já havia sido resolvido entre as partes antes de exercida a denúncia do contrato de mediação com a mediadora.

É que, salvo o devido respeito, sempre subsistia válida a cláusula de “Remuneração” prevista neste último contrato, que a resolução daqueloutro [contrato-promessa], não tinha a virtualidade de arredar!

Com efeito, a cessação [por denúncia ou revogação unilateral[12]] só pressupõe a extinção do vínculo para o futuro, não afetando, por via de regra, as prestações vencidas anteriormente, que continuam a ser devidas, designadamente subsistindo as que resultem do cumprimento ou incumprimento anterior[13].

Ora, importa não olvidar que o R./recorrente ainda não havia cumprido o dever de pagamento da comissão, o qual não demonstra que não fosse devido por razões contratuais ou legais, antes pelo contrário, não se vislumbra como poderia ele legitimamente contorná-lo.[14]      

Acresce que se a denúncia pode ser efetivamente exercida ad nutum, de modo discricionário, já não o pode ser em abuso do direito, por haver limites que o respetivo titular tem de respeitar.

Na verdade, «Por via de regra, a denúncia, em qualquer das suas modalidades, não carece de justificação, podendo o direito exercer-se ad libitum; o que não obsta a que se tenha em conta as regras gerais, pelo que o direito de denúncia não pode ser exercido de modo abusivo, contrariando os parâmetros enunciados no art. 334.º do CC, devendo o seu titular agir de boa fé como prescreve o art. 762.º, n.º2, do CC»[15].

Assim, a denúncia nas circunstâncias em que teve lugar, isto é, quando se evidencia que o R./contraente não quis desistir da venda do seu prédio, nem de que tal tivesse lugar através de uma (outra) mediadora imobiliária [a celebração de contrato de compra e venda em 31/3/2017, através de uma outra imobiliária (“P (…)Lda.”), logo depois de ter optado por não celebrar o contrato prometido através de contrato-promessa intermediado pela mediadora ajuizada,“H (…)”, a quem era devida uma comissão por esta], tudo é evidenciador de uma atuação contrária à boa fé contratual, donde se impor que a revogação não exonere o Réu do dever de proceder ao pagamento do valor correspondente à comissão devida.     

Sendo certo que nos parece inquestionável que o negócio visado no contrato de mediação imobiliária com a mediadora “H (…)”não se concretizou por facto exclusivamente imputável ao Réu, ora recorrente…

Temos, então, que a denúncia desse dito contrato de mediação imobiliária enquanto precedida de uma resolução do contrato promessa já angariado em cumprimento daquele, por facto exclusivamente imputável ao Réu/ cliente/proprietário, permite-nos concluir – como operado na sentença recorrida! – que «a revogação unilateral do contrato serviu de pretexto para o réu se desvincular da obrigação de exclusividade, deixando, com isso, o caminho livre para a rápida celebração de um contrato de compra e venda, por intermédio de outra mediadora, que lhe era mais favorável, porquanto celebrado por um preço mais elevado do que aquele que foi contemplado no contrato-promessa celebrado com a intermediação da mediadora “H (…)

Aliás, s.m.j., a conduta do R./recorrente corresponde a uma atuação por parte do mesmo em abuso do direito, mais concretamente na modalidade do desequilíbrio no exercício (enquanto modalidade que assenta no princípio da proporcionalidade, co-natural à própria ideia de justiça, intuída como proporção ou justa medida), podendo-o ser – é o que melhor definiremos de seguida! – nas sub-modalidades da desproporção grave (ocorre quando entre o exercício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem resulta da prática de uma ação que ultrapasse os limites razoáveis do exercício de um direito, provocando danos para o sujeito passivo ou terceiro) e do exercício inútil danoso (quando a desproporção entre o exercício do titular e o sacrifício por ele pretensamente imposto à contraparte seja de tal forma grave que acaba por resultar em tal). 

Preliminarmente importa compreender este instituto jurídico.

O abuso de direito pressupõe a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito que, contudo, é exercido por forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico (art. 334º do C.Civil).

A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstratas.

 Poder-se-á, então, dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.

Há neste exercício um desvio flagrante e ostentatório entre a dimensão do direito tutelado e compressão de um outro estado ou situação jurídica, que não estando salvaguardado pela ordem jurídica, terá obtido pela permanência na esfera jurídica de um outro sujeito, um estádio de quase direito que a consciência jurídica, numa assumpção de pré-juridicidade ou juridicidade fáctica, deve tutelar, ou pelo menos, obstar que seja desfeiteado pelo direito validamente constituído.

Os autores costumam assimilar ao instituto do abuso do direito o facto de alguém adoptar um comportamento que tipicamente se dirige em determinado sentido e que, extravagantemente, de forma inusitada e perversa, adquire novo rumo ao arrepio do que já estava sedimentado numa determinada relação jurídica, substantiva ou processual.

Na tipologia do abuso de direito sobressai o venire contra factum proprium, que equivale a dar o dito por não dito e radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, ao pressupor duas atitudes antagónicas, sendo a primeira (factum proprium) contrariada pela segunda atitude, com manifesta violação dos deveres de lealdade e dos limites impostos pelo principio da boa fé.

Dito de outra forma: o venire contra factum proprium encontra respaldo nas situações em que uma pessoa, por um certo período de tempo, se comporta de determinada maneira, gerando expectativas na outra de que o seu comportamento permanecerá inalterado.

Contudo temos para nós que não é essa a modalidade aqui susceptível de colher mínima procedência, posto que liminarmente não se divisa por parte do Réu o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo próprio.

Vejamos então das outras modalidades.

Já foi doutamente sintetizado[16] em seis tipologias as situações em que tem sido colocada a ocorrência do abuso do direito, sendo que estas tipologias nos permitem, igualmente, enquadrar parâmetros de atuação aptos a concretizar os conceitos jurídicos indeterminados em que está ancorado o instituto do abuso do direito [em relação às referidas tipologias segue-se de perto o texto do referido autor].

As referidas tipologias são as seguintes: a exceptio doli, o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.

Em primeiro lugar, a exceptio doli traduzia-se numa actuação dolosa do titular na formação da sua situação jurídica ou no momento da própria discussão da causa.

Em segundo lugar, no venire contra factum proprium está em causa uma actuação do titular contraditória com um comportamento passado.

Trata-se, em suma, de tutelar a confiança gerada numa das partes pelo comportamento anterior da outra.

Em terceiro lugar, verifica-se uma inalegabilidade formal quando alguém alega de forma desconforme com a boa-fé, designadamente por lhe ter dado causa, a nulidade formal de um negócio.

Em quarto lugar, referem-se a supressio e a surrectio que são figuras baseadas nos mesmos fenómenos – decurso do tempo, boa-fé e tutela da confiança – mas de sentido inverso.

No primeiro caso, o decurso de um longo período de tempo sem o exercício de um direito faz com que o seu titular perca a faculdade do seu exercício.

No segundo caso, a manutenção de uma situação durante um longo período de tempo faz surgir numa pessoa uma faculdade jurídica que de outro modo não teria.

Em quinto lugar, o tu quoque traduz-se na inadmissibilidade do titular do direito aproveitar-se de uma violação de uma norma jurídica exigindo a outrem que actue em consonância com as consequências resultantes dessa violação.

Por fim, em sexto lugar, temos o desequilíbrio, ou seja, o exercício de um direito que devido a circunstâncias extraordinárias dá origem a resultados totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que o outro podia razoavelmente esperar, quer por dar origem a uma desproporção manifesta e objectiva entre os benefícios recolhidos pelo titular ao exercer o direito e os sacrifícios impostos à outra parte resultantes desse exercício (aqui se incluem o exercício danoso inútil, a exigência injustificada de coisa que de imediato se tem de restituir e o puro desequilíbrio objectivo).

Cremos ser precisamente uma situação de puro desequilíbrio objectivo que se verificaria no caso vertente – a aceitar-se que a denúncia exercida pelo R./recorrente pudesse operar/ter lugar de forma imediata e sem qualquer compensação, ou melhor, sem o pagamento da comissão devida à mediadora pelo serviço já prestado por esta.     

Dito de outra forma: a denúncia, passados 34 dias de vigência do contrato, sem respeito pelo prazo de antecedência legalmente previsto [a saber, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo, previsto para o final do prazo de 6 meses – cf. facto “provado” sob “3)”, “Cláusula 8.ª”], mas quando já tinha sido angariado interessado na celebração do negócio visado pelo cliente [o ora R./recorrente], por força do que incumbia ao R./recorrente cumprir com as obrigações advenientes do contrato que celebrou (mormente com o pagamento da comissão devida por essa angariação), mas a que procurou obstar com a resolução [isto é, com a opção de não celebrar o contrato prometido através de contrato-promessa intermediado pela mediadora] por causa exclusivamente imputável ao próprio, gera a responsabilidade contratual, nos termos gerais, por parte deste R./recorrente, fundada no seu comportamento ilícito e culposo, o que, in casu, se traduz no dever de pagar a comissão que era devida pelo negócio angariado.

Atente-se que, salvo o devido respeito, o R./recorrente, aproveitando-se da circunstância de ainda não lhe ter sido cobrado/reclamado o pagamento da comissão devida, tratou de esvaziar esse seu dever através da denúncia/revogação unilateral do contrato de mediação, já depois da resolução do negócio angariado pela mediadora, com tal revelando a sua intenção malévola de se furtar ao pagamento da comissão devida, tudo a permitir concluir no sentido do exercício pelo mesmo do direito de modo contrário à boa fé.

  Assente esta linha de entendimento, cremos que está encontrada a resposta para a maior parte da argumentação recursiva do R./recorrente: não existe qualquer inconstitucionalidade, porque se reconhece o direito de livre denúncia de um contrato de mediação imobiliária celebrado com cláusula de exclusividade, mas tal não invalida que essa denúncia pressupõe a extinção do vínculo só para o futuro, e, em qualquer caso, que não pode ser exercida em abuso do direito, por haver limites que o respetivo titular tem de respeitar; o que não sucede relativamente ao R./recorrente, que denunciou o contrato de mediação após ter posto termo, por causa exclusivamente imputável ao próprio, ao negócio já angariado pela mediadora e que conferia a esta o direito a receber a comissão acordada, donde, tem o R./recorrente que cumprir com a sua obrigação de pagar a comissão acordada, e que era devida pelo negócio angariado, não havendo, assim, qualquer abuso do direito por parte do ora A. em reclamar o pagamento dessa comissão (direito para si legitimamente transmitido), nem violação do princípio da confiança em ser reclamado o correspondente pagamento.

Assim sendo, vejamos para finalizar a linha de argumentação deduzida em último lugar pelo R./recorrente, a saber, respeitante invocação de que devia ter lugar a redução equitativa e proporcional da comissão contratada, em virtude de o objecto negocial do contrato promessa de compra e venda ser mais vasto (para além do enriquecimento sem causa e da ausência de prova do enquadramento do IVA).

Salvo o devido respeito, não se reconhece qualquer procedência a estas pretensões: a circunstância de o contrato-promessa ter envolvido outros imóveis até daria, isso sim, direito à mediadora a reclamar uma comissão de maior valor, não se descortinando qualquer razão substantiva válida para a alusão ao enriquecimento sem causa (instituto cuja invocação não foi minimamente fundamentado!), sendo certo que o pagamento do IVA não é mais do que o cumprimento de uma cláusula contratual (cf. respetiva “Cláusula 5.ª”, nº2).

Donde, “brevitatis causa”, improcede fatalmente o presente recurso.

                                                           *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – No contrato de mediação imobiliária o comitente pode unilateralmente desvincular-se do contrato de mediação com cláusula de exclusividade.

II – Contudo, a cessação desse contrato [por denúncia ou revogação unilateral] só pressupõe a extinção do vínculo para o futuro, não afetando, por via de regra, as prestações vencidas anteriormente, que continuam a ser devidas, designadamente subsistindo as que resultem do cumprimento ou incumprimento anterior.

III – Assim, se à data em que o contrato foi denunciado [por carta datada de 22 de Fevereiro de 2017], já havia a mediadora adquirido o direito à comissão [por se encontrar celebrado desde o dia 19 de Janeiro de 2017 o contrato-promessa que a tal lhe conferiu direito!], a denúncia já não poderia obstaculizar validamente a esse direito à comissão da mediadora, sendo certo que a resolução daqueloutro [contrato-promessa], não tinha a virtualidade de arredar este [direito à comissão].

IV – Ademais, a conduta do R./recorrente corresponde a uma atuação por parte do mesmo em abuso do direito, mais concretamente na modalidade do desequilíbrio no exercício, pois que, aproveitando-se da circunstância de ainda não lhe ter sido cobrado/reclamado o pagamento da comissão devida, tratou de esvaziar esse seu dever através da denúncia/revogação unilateral do contrato de mediação, já depois da resolução do negócio angariado pela mediadora, com tal revelando a sua intenção malévola de se furtar ao pagamento da comissão devida, tudo a permitir concluir no sentido do exercício pelo mesmo do direito de modo contrário à boa fé.

V – Na verdade, a denúncia nas circunstâncias em que teve lugar, isto é, quando se evidencia que o R./contraente não quis desistir da venda do seu prédio, nem de que tal tivesse lugar através de uma (outra) mediadora imobiliária [o que tudo veio a ter lugar na sequência imediata], evidenciam uma atuação contrária à boa fé contratual, donde se impor que a revogação não exonere o Réu do dever de proceder ao pagamento do valor correspondente à comissão devida.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela total improcedência da apelação, mantendo o sentido da sentença recorrida nos seus precisos termos.  

            Custas do recurso pelo R./recorrente.                                                                                                                                 *

                                                                                   Coimbra, 28 de Maio de 2019

                                   Luís Filipe Cravo ( Relator )

                                    Fernando Monteiro

                                     António Carvalho Martins


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carvalho Martins

[2] Assim o acórdão do STJ de 14.01.2010, no proc. nº 2299/05.7TBMGR.C1.S1, com sumário disponível em www.dgsi.pt.
[3] Cfr., por todos, o acórdão do STJ de 23.05.2006, no proc. nº 06A1090, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[4] Assim por AMÂNCIO FERREIRA, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª Edição, a págs. 57.
[5] Citámos agora ALBERTO DOS REIS, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, a págs. 143.
[6] Citámos agora LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., Livª Almedina, 2017, ora a págs. 737.
[7] No art. 40º do diploma em referência, mais concretamente na parte que ora releva, preceitua-se da seguinte maneira:
«1 - A escritura pública ou documento particular que titule negócio sobre bem imóvel deve mencionar se o mesmo foi objeto da intervenção de empresa de mediação imobiliária, com indicação, em caso afirmativo, da respetiva denominação social e número de licença ou registo junto do InCI.
2 - O notário ou profissional equiparado que intervenha em negócios sobre imóveis deve advertir os intervenientes do dever de fazerem constar dos documentos respetivos a intervenção referida no número anterior de que tenham conhecimento, bem como a cominação prevista no número seguinte.
(…)»
[8] Assim no acórdão do STJ de 11.12.2003, no proc. nº 03B3893, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[9] Neste sentido o acórdão do STJ de 23.04.2009, no proc. nº 09P0114, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
                                                                        
[10] Neste sentido, v.g. HIGINA ORVALHO CASTELO, in “O Contrato de Mediação”, Livraria Almedina, 2014, a págs. 432.
[11] Assim no acórdão do T. Rel. do Porto de 8/7/2010, proferido no proc. nº 156880/09, acessível em www dgsi.pt/jtrp; para VAZ SERRA (in RLJ ano 100, pág. 340 e segs.), «salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável. Não se trata de uma aplicação analógica das regras do mandato e da comissão, mas de uma consequência da própria natureza do contrato, tal como ela é de presumir ser querida pelos contraentes (…)»; no mesmo sentido, v.g., MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, in “O Contrato de Mediação e o direito do mediador à remuneração”, Scientia Jurídica, 2013, a págs.102.

[12] Ao invés do que sucede com a cessação do contrato por resolução, o qual, consabidamente, opera retroativamente [mas mesmo aí com exceções, cf. art. 434º, nos 1 e 2 do C.Civil] .
[13] Pode-se assim dizer que a extinção com eficácia retroativa é excecional nos diferentes tipos de cessação do contrato, mas constitui a regra no caso de resolução.  
[14] Atente-se que a própria resolução do contrato-promessa não foi inócua, tendo ele que devolver o valor do sinal em dobro…
[15] Citámos agora PEDRO ROMANO MARTINEZ, in “Da Cessação do Contrato”, Livª Almedina, 2ª Ed., 2006, a págs. 118.
[16]Assim por MENEZES CORDEIRO em “Tratado de Direito Civil Português”, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, Livª Almedina, págs. 249-269.