Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
326/17.4T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
COLISÃO DE VEÍCULOS
CULPA PRESUMIDA
RELAÇÃO DE COMISSÃO
RISCO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 11/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JC CÍVEL E CRIMINAL - JUIZ 4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.483, 494, 496, 500, 503, 506, 562 CC.
Sumário: 1. Só existe culpa presumida dos condutores, nos termos do art.º 503º do CC, quando não se apure culpa efectiva e se tenha provado a existência de comissão.

2. Perante a impossibilidade de determinação da dinâmica do acidente, de forma a poder-se atribuir a qualquer dos condutores ou a ambos a culpa efectiva na verificação do mesmo, nem sendo caso de culpa presumida, entra em funcionamento o art.º 506º do CC.

3. Acontecendo o acidente entre um ciclomotor e um ligeiro de passageiros - e sem que as circunstâncias concretas apontem claramente noutro sentido - será razoável a repartição de riscos nas percentagens de 30 % para o condutor daquele e 70 % para o condutor deste.

4. Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a dialéctica comparativa das situações económicas do lesante/responsável e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

5. Na fixação da indemnização pela assistência/ajuda de terceira pessoa para a realização das actividades diárias, importa atender aos elementos disponíveis e ao quadro normativo vigente, determinando o montante devido segundo os critérios que dele emergem, inclusive, e, sendo caso disso, lançando mão de juízos de equidade.

6. Para alcançar tal desiderato e sendo ainda necessário apurar a correspondente (e demais) realidade fáctica e, até, processual (tratando-se de um acidente simultaneamente de viação e de trabalho), a Relação poderá/deverá condenar no que vier a ser liquidado (art.º 609º, n.º 2 do CPC).

Decisão Texto Integral:















            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

I. Em 09.3.2017, A (…) e mulher N (…)  intentaram a presente acção declarativa comum contra Z (…), pedindo que seja condenada a pagar-lhes, ao demandante, a quantia de € 490 336,33 e, à demandante, a quantia de € 75 000, e respectivos juros de mora a contar da citação.

Alegaram, em síntese: nas circunstâncias melhor descritas na petição inicial (p. i.) ocorreu um embate entre o ciclomotor de matrícula EQ (...) , conduzido pelo A. e o veículo ligeiro de passageiros matrícula LQ (...) , tripulado por N (…)propriedade de A (…), S. A., evento que se deu por culpa exclusiva do condutor do LQ, tendo a sua proprietária transferido a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo para a seguradora Ré; em virtude do acidente sofreram os danos que alegam e cujo ressarcimento pretendem obter da Ré.

A Ré contestou, impugnando os factos alegados pelos AA., sustentando, nomeadamente, que a culpa na produção do embate foi exclusivamente do A.; referiu, depois, que atendendo ao tipo de lesões, sempre poderiam ser evitadas, caso ele levasse capacete, o que não acontecia e que parte das lesões sofridas advinham de anterior acidente sofrido pelo A (…), além de que sendo o acidente em causa simultaneamente acidente de trabalho e de viação, este não pode cumular as duas indemnizações. Concluiu pela improcedência da acção.

Nos autos que constituem o apenso A[1], F (…), S. A., intentou acção declarativa de condenação comum contra Z (…) - Sucursal em Portugal, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 54 994,77, com juros desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em resumo: em virtude do contrato de seguro de acidente de trabalho celebrado com o Município (…), entidade empregadora de A (…) efectuou os pagamentos que concretiza, em virtude do acidente em causa, simultaneamente de viação e de trabalho; dadas as circunstâncias em que ocorreu o acidente, sendo responsável, na produção do mesmo, o condutor do veículo segurado na Ré, esta deverá reembolsá-la dos montantes pagos.

A Ré contestou, suscitando a excepção da prescrição parcial do direito que a A. F (…) pretende exercer e reafirmando a perspectiva levada à contestação da acção principal, concluindo pela improcedência da acção.

No despacho saneador foi julgada improcedente a aludida matéria de excepção. Foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova.

A A. F (…)ampliou o pedido no montante de € 2 526,56 e respectivos juros moratórios, à taxa legal, desde a data do pagamento de cada um dos montantes (discriminados no requerimento de 21.10.2018) - ou, quando assim se não entenda, desde a notificação da ampliação - até integral pagamento.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 01.3.2019, julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência: a) Condenou a Ré Z (…) a pagar à A. N (…) a quantia de € 24 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento; b) Condenou a Ré Z (…)  a pagar ao A. A (…) a quantia de € 42 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais, actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento; c) Condenou a Ré Z (…)a pagar ao A. A (…) a quantia de € 90 000 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros/dano biológico, actualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento; d) Condenou a Ré Z (…)a pagar ao A. A (…) a quantia de € 1 916,38 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento; e) Condenou a Ré Z(…) a pagar à A. F (…) a quantia de € 32 996,87, a título de reembolso (pelos montantes por si pagos no âmbito do acidente de trabalho), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento; f) Absolveu a Ré Z (…)do demais peticionado pelos AA..
Inconformados, os AA. A (…) e N (…), a Ré Z (…) e a A. F (…) apelaram formulando as seguintes conclusões:

(…)


*

            I. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1. Cerca das 17.03 horas do dia 18.3.2014 ocorreu um embate na avenida 25 de Abril, em x (...) , em que intervieram os veículos EQ (...) , ciclomotor, conduzido pelo A. A (…), seu proprietário e o veículo LQ (...) , ligeiro de passageiros, propriedade de A(…), S. A., e conduzido por N (…)

2. O ciclomotor conduzido pelo A. circulava na rua que liga x (...) - Zona Industrial de x (...) e nesse sentido, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o referido sentido de marcha.

3. O ciclomotor aproximou-se da rotunda do cemitério ali existente, que pretendia contornar para seguir em direcção à zona Industrial de x (...) e à freguesia de Juncais, onde residia, pelo que iria deixar a rotunda na segunda saída, atenta a via de onde provinha.

4. O veículo LQ (...) circulava, antes do embate, pela avenida 25 de Abril, no sentido Caminho da Carreira Velha - Rotunda do Cemitério.

5. O veículo LQ pretendia aceder à rotunda do Cemitério proveniente da avenida de 25 de Abril.

6. No sentido do LQ encontrava-se visível, um sinal vertical de cedência de passagem (sinal B1) e um sinal vertical de rotunda (sinal D4) e uma marca transversal com linha de cedência de passagem com símbolo triangular (marca M9a).

7. Em circunstâncias e concreto local que não foi possível apurar, ocorreu um embate entre a parte lateral direita do ciclomotor EQ e a parte da frente do lado esquerdo do veículo LQ.

8. Em face desse embate, o ciclomotor ficou descontrolado, seguindo em direcção à zona Industrial de x (...) .

9. Era de dia e fazia bom tempo, o piso da via, em alcatrão betuminoso, encontrava-se seco, e em bom estado de conservação,

10. No local, a Av. 25 de Abril descreve uma recta plana, com duas filas de trânsito atento o mesmo sentido de marcha, as quais vão desembocar a uma rotunda, a dita rotunda do cemitério, pois este fica defronte da mesma,

11. Quando o LQ se aproximou da rotunda, seguindo pela via da direita, o seu condutor abrandou a marcha do veículo.

12. A rotunda comporta duas filas de trânsito no mesmo sentido, e a faixa de rodagem tem uma largura total de cerca de sete metros.

13. Do lado esquerdo, atento o sentido da Av. 25 de Abril em direcção à rotunda, encontra-se implantada outra via de acesso à rotunda, para quem vem de x (...) .

14. O condutor do veículo LQ prestou à GNR as declarações que se encontram vertidas no documento n.º 1 junto com a petição inicial, designadamente que: “Circulava na Av. 25 de Abril, ao chegar a uma rotunda, parei para ceder passagem a um veículo que se encontrava a circular na rotunda. Quando de seguida vem um motociclo que embate na minha viatura, do lado esquerdo/frente”.

15. O veículo LQ era propriedade da sociedade A (…) S. A., que se dedica ao aluguer de automóveis e era conduzido, no âmbito de um contrato de aluguer celebrado com tal sociedade pela sua entidade patronal, por N (…).

16. O acidente ocorreu cerca de 3 minutos após às 17.00 horas, hora de saída do condutor do EQ do respectivo local de trabalho - sito a aproximadamente 700 metros do local do acidente - e quando este se dirigia dali para a sua residência, na (…), concelho de x (...) .

17. O horário de trabalho do sinistrado A (…)era das 9.00 horas às 17.00 horas, de segunda a sexta-feira.

18. Por ter ocorrido quando o referido sinistrado regressava a casa, após sair do seu local de trabalho, onde desempenhava as funções inerentes à categoria profissional de Encarregado Operacional/Cantoneiro de Limpeza, por conta, sob as ordens, direcção e fiscalização do Município (…), o acidente de viação em discussão nos autos foi, simultaneamente, acidente de trabalho (acidente in itinere).

19. O que motivou a correspondente participação de sinistro (acidente de trabalho), efectuada pela referida entidade patronal, ao abrigo da Apólice (…)

20. Em consequência da colisão, o referido condutor (A (…)) sofreu traumatismo crânio-encefálico, com perda de conhecimento e contusão temporal bilateral; traumatismo facial com traço de fractura não recente no arco zigomático direito; escoriações na face e membro inferior direito e dor torácica.

21. Do local do acidente foi transportado para o Serviço de Urgências do Hospital (...) , onde foi submetido a exames imagiológicos (“Gasimetria”, “Metahemoblobina, Doseamento Por Co-oximetria”, “TC do Crânio”) que revelaram hemorragia intracraniana.

22. Depois de estabilizado, foi transferido, de helicóptero, para o Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, EPE, onde foi submetido pela especialidade de neurocirurgia a craniotomia descompressiva, tendo ali permanecido internado até ao dia 24.3.2014, data em que foi transferido, de novo, para o Hospital (...) - (...) por ser o da sua área de residência, tendo sido sugerido: período de convalescença curto com início de programa de reabilitação; remoção do material de sutura a 02.4.2014 e consulta de Neurocirurgia no dia 02.4.2014.

23. Em Abril de 2014, foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados da Santa Casa da Misericórdia da (...) , onde permaneceu até 19.5.2014, dia em que teve alta hospitalar, recolhendo a sua casa, embora evidenciando desequilíbrio e períodos de desorientação.

24. Porque se mostrava muito agressivo, violento e desorientado, e tendo o acidente dos autos sido simultaneamente de viação e de trabalho, o sinistrado acabou por, a partir do dia 20.5.2014, começar a ser seguido, a expensas da Seguradora F (…), na Clínica S (…).

25. Aí e por causa das lesões decorrentes do acidente dos autos, realizou, pelo menos, vinte e três consultas, das especialidades de Neurocirurgia, Ortopedia, Oftalmologia, Cardiologia, Medicina Dentária e Psiquiatria.

26. Em 14.7.2014, estava mais disártrico e mais lentificado e apresentava movimento de tremor da mandíbula, visão turva e discreta supuração de ferida operatória do couro cabeludo; foi medicado com antibiótico e prescrita terapia da fala e fisioterapia para mobilização articular, tonificação e reforço muscular dos quatro membros, bem como treino postural, o que veio a realizar a partir de Agosto de 2014.

27. Iniciou, igualmente, tratamento de fisioterapia para mobilização articular, tonificação e reforço muscular dos quatro membros e treino postural, tendo registado boa evolução da ferida operatória no couro cabeludo que, entretanto, tinha infeccionado e deambulando, com marcha muito lenta.

28. A partir de Setembro de 2014, devido às sequelas do acidente, passou a necessitar e a ter ajuda de terceira pessoa, designadamente para se vestir, alimentar e fazer a medicação.

29. Em Janeiro de 2015 o A. mantinha, ainda, os tratamentos de fisioterapia.

30. Em 27.10.2014 foi assistido, na S (…), pela especialidade de Oftalmologia, por queixa de lacrimejo no olho esquerdo (epífora); realizou biomicroscopia que revelou a existência de uma pestana no bordo palpebral a traumatizar a córnea, que foi retirada.

31. Em Março de 2015, foi submetido a limpeza cirúrgica da ferida do couro cabeludo que se tinha agravado.

32. Em 15.5.2015, apresentava sintomas de pós concussão cerebral – disartria, com alterações do comportamento (agressividade), mantendo a necessidade de auxílio de terceira pessoa até ao fim de Junho de 2015 para se vestir, alimentar e fazer a medicação.

33. Também em Maio de 2015, foi observado, na S (…), pela especialidade de Medicina Dentária, apresentando, nessa altura, má higiene oral, com vários restos radiculares e cáries, bem como alguns dentes com fístulas e abcessos crónicos.

34. Após esta observação, foi contactado o terapeuta da fala, que informou que, no início da terapia, após o acidente dos autos, apresentava várias peças dentárias intactas e que, ao longo das sessões, houve fractura de vários dentes e degradação da saúde oral.

35. O autor tomava vários medicamentos - Haldol, Seroquel, Akineton - susceptíveis de provocar xerostomia, o que teria contribuído para uma maior probabilidade de desenvolvimento de cáries, bem como para a degradação a nível mental (agressividade, que dificultava que a escovagem pudesse ser efectuada por outra pessoa) e de mobilidade.

36. Efectuou uma ortopantomografia e foi realizado orçamento para reabilitação oral, que consistia em: destartarização; moldeiras individuais superior e inferior; prótese esquelética superior com 9 dentes; prótese esquelética inferior com 7 dentes; exodontia de monorradicular dos dentes 12, 21, 22 e 44; exodontia de multirradicular dos dentes 16 e 27; restauração de duas faces dentárias dos dentes 23, 13, 47, 45 e 35; endodontia de monorradicular, duas sessões, do dente 45 e exodontia do dente 24 para melhor adaptação da prótese e exérese de pequenos tumores dos tecidos moles da cavidade oral.

37. No dia 07.7.2015 foi-lhe dada alta definitiva, com uma IPP de 43,33 %, com as seguintes sequelas: síndrome pós-traumático, caracterizado por alterações do humor; agressividade; períodos de desorientação e disartria acentuada.[2]

38. Tendo em conta que a ferida do couro cabeludo começou a apresentar pus, foi, em 02.10.2015, de novo avaliado na S (…)na Consulta de Neurocirurgia, apresentando ferida a supurar, pelo que foi proposta nova limpeza cirúrgica, que se realizou no dia 27.10.2015.

39. No dia 04.02.2016, teve alta de Neurocirurgia, com indicação para regressar a essa consulta dentro de 18 meses, para cranioplastia.

40. Por apresentar queixas de depressão, dificuldade em adormecer e ficar acordado toda a noite, foi encaminhado para a especialidade de Psiquiatria, também na S(…), que o medicou.

41. Por queixas de hematúria macroscópica, foi observado, na S(…) e em consulta de Urologia, em 10.02.2016, tendo sido solicitada realização de ecografia renal, pélvica e análises sanguíneas e de urina, que se revelaram normais.

42. Em Março de 2016, teve alta da especialidade de Urologia.

43. Da parte da Medicina Dentária/Estomatologia, o A. foi observado em consulta no dia 23.5.2016, para avaliação e reparação da prótese esquelética superior e inferior, tendo a Companhia de Seguros F (…) aceite a reparação das próteses, mas não das cáries dentárias.

44. Foi de novo avaliado, na S(…), em Consulta de Neurocirurgia, em finais de Setembro de 2016, por agravamento do desempenho cognitivo, apresentando alterações cognitivas e comportamentais que já se verificavam nos dois últimos anos.

45. Apresentava-se desorientado no tempo, parcialmente desorientado no espaço, disártrico, bradifrénico, com disdiadococinésia, sem défice motor.

46. Foi, então, solicitada, pela dita especialidade, a realização de ressonância magnética crânio-encefálica, que efectuou em 29.9.2016, a qual revelou craniotomia fronto temporo-parietal direita; área de encefalomalacia temporo-polar direita; hemossiderose superficial frontal esquerda; atrofia cortico-subcortical difusa, com maior expressão temporofrontal.

47. Em consulta de Neurocirurgia realizada, na S(…), em 04.11.2016, apresentava encefalopatia traumática, alterações comportamentais possivelmente em contexto de hemossiderose frontal e existência também de componente degenerativa; foi medicado, com agendamento de nova consulta para Janeiro de 2017.

48. O A. esteve internado entre 25.10.2016 a 06.11.2016, tendo realizado, nesse período, 12 sessões de fisioterapia por apresentar desequilíbrio e fazer treino de marcha.

49. Teve alta no dia 15.12.2016, mantendo a IPP fixada em 07.7.2015.

50. Apesar dos tratamentos a que se submeteu o A. ficou com: síndrome pós-traumático, caracterizado por alterações do humor e comportamento ansioso; agressividade, quer com familiares, quer com terceiros; períodos de desorientação; dificuldade em dormir, permanecendo toda a noite acordado; comportamento depressivo, sem iniciativa e disartria severa.

51. As lesões sofridas pelo A. provocaram-lhe um défice funcional total de 80 dias e um défice funcional temporário parcial de 924 dias.

52. E um quantum doloris de grau 6 numa escala de 1 a 7.

53. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente determinam-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 63 pontos.

54. E em termos de repercussão permanente na actividade profissional tornam-no totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual, bem como impeditivas de qualquer actividade profissional.

55. As lesões determinaram-lhe um dano estético permanente fixável no grau 5 numa escala de 1 a 7; uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 4 numa escala de 1 a 7 e um prejuízo sexual de grau 4 numa escala de 1 a 7.

56. Determinam-lhe, ainda, a dependência de ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares e ajuda de terceira pessoa não diferenciada, para a realização das actividades diárias.

57. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas muito intensas, tanto no momento do acidente, como no decurso do tratamento e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal estar, que o vão acompanhar durante toda a vida e que se agravam com as mudanças de tempo.

58. Na altura do acidente tinha 56 anos de idade e era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, trabalhador e sociável.

59. Em consequência do acidente dos autos o A. sofreu com os tratamentos diários e os vários internamentos, o que lhe provocou profunda tristeza, amargura e preocupação, dado que não via, não obstante todos esses tratamentos e internamento, melhoria no seu estado de saúde.

60. Sente-se um fardo para si e para os seus familiares, os quais, durante vários meses, o acompanharam e/ou visitaram, sendo uma constante preocupação para eles, sem nenhum préstimo, quando era um dos pilares da sua família,

61. Ainda, em consequência da dificuldade em articular as palavras de forma correcta (disartria), em que apenas os seus familiares mais próximos vão percebendo pouco daquilo que o demandante vai dizendo, este sente extrema dificuldade em se fazer entender, o que faz com que acabe por se tornar agressivo.

62. Por diversas vezes, após essa sua agressividade incontrolável, refugia-se no seu quarto sem querer ser visto por ninguém, o que lhe provoca tristeza e amargura por se ver na sua idade naquele estado.

63. A dependência de uma terceira pessoa para os seus actos diários de higiene provoca-lhe revolta, dado que, até ao momento do acidente dos autos, sempre foi absolutamente independente.

64. Para o A. é penoso ter de viver com aquelas limitações e, sobretudo, com a sua imagem, o que o faz sentir-se incomodado com os olhares dos outros sempre que tem de se deslocar a um local público.

65. A A. N (…) está casada com o A. A (…) desde 26.8.1978, vivendo um casamento feliz até ao dia do acidente dos presentes autos.

66. Após o acidente dos autos a sua vida passou também a ser muito difícil, com deslocações diárias aos Hospitais Universitários de Coimbra, onde o seu marido estava internado, vivendo em constante sobressalto por desconhecer em que estado iria ficar o seu marido ou mesmo, sequer, se iria sobreviver.

67. Depois do seu marido ter regressado para sua casa, e quando começou a ser seguido na Casa de Saúde (…) na (...) , a A. N (…) passou a viver exclusivamente para o seu marido.

68. Passou a ser ela a tratar-lhe de tudo, ficando grande parte dos dias exausta, dado que tinha de cuidar da higiene pessoal e da alimentação do seu marido, ajudá-lo a vestir-se, a alimentar-se, a dar-lhe banho e dar-lhe todas as voltas do dia-a-dia.

69. As graves limitações de que ficou a padecer o seu marido interferem e limitam o quotidiano da demandante N (…) o que a levou deixar de ter vida própria.

70. A A. N (…)viu-se várias vezes na iminência de ser fisicamente agredida pelo seu marido, fruto da agressividade de que este ficou a padecer definitivamente, o que jamais tinha sucedido até à data do acidente dos autos, o que lhe provoca angústia, mal estar e amargura,

71. Não obstante a A. N (…) ter sido submetida há vários anos a mastectomia à mama esquerda, por cancro de mama, ainda assim tem de ter força para cuidar do seu marido, ainda que com as limitações físicas que tem.

72. A A. N (…), acompanhou, sempre, o seu marido a todos os tratamentos e consultas médicas, dado que existia a necessidade de alguém que percebesse aquilo que o seu marido dizia, por força da dificuldade extrema na articulação das palavras, o acompanhasse.

73. Vivenciou, e vivencia, diariamente o sofrimento do seu marido, sentindo-se impotente e incapaz de evitar, ou sequer minorar, esse seu sofrimento físico e psicológico, que, por força das circunstâncias, se soma ao seu próprio sofrimento.

74. Ela própria, também adoeceu do ponto de vista psicológico e psiquiátrico e é medicada com Sertalina, Amitriptilina e Diazepam e continua a carecer de um acompanhamento regular.

75. Os AA. vivem numa aldeia com vizinhos envelhecidos, em que poderá ter dificuldade em encontrar um vizinho que a auxilie numa situação de emergência, o que lhe provoca tristeza, amargura e apreensão.

76. O A. A (…) era encarregado operacional no Município (…)com um rendimento mensal ilíquido de € 854,77, 14 vezes por ano, acrescido do subsídio mensal de alimentação € 93,94, 11 vezes por ano.

77. Por causa do acidente (das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter) não trabalhou mais, sendo que, caso continuasse a trabalhar, até ao fim do mês de Fevereiro de 2017, auferiria, em salários, subsídios de férias, de Natal e de alimentação, a quantia de € 37 513,80.

78. Tendo o acidente dos autos sido simultaneamente de viação e de trabalho, o demandante recebeu do Município (…), a este título, a quantia de € 34 319,84, existindo uma diferença de € 3 193,96.

79. O A. ficou a padecer definitivamente de uma incapacidade parcial permanente de 63 pontos e totalmente incapaz para a sua profissão habitual de encarregado operacional e para qualquer outra profissão.

80. O A. à data do acidente era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico e trabalhador, e, em consequência do acidente dos autos, ficou a padecer das sequelas referidas.

81. O A. teve e tem de recorrer, por vezes, ao auxílio de uma outra pessoa, a quem paga € 4 por hora, num total que não foi possível apurar.

82. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5971970 a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo LQ, propriedade da empresa de aluguer supra referida, que, no momento da colisão circulava conduzido por N (…), no exercício de funções laborais para a sua entidade patronal, encontrava-se transferida para a Ré.

83. Foi inscrita no registo comercial a fusão, por incorporação, da I (…), S. A., na Companhia de Seguros F (…), S. A., cuja denominação social foi alterada para F (…) S. A..

84. Em virtude da mencionada fusão e da consequente extinção da I (…) S. A., os direitos e obrigações desta transmitiram-se para a F (…)

85. No âmbito da sua actividade, a Ré celebrou, com a sociedade A (…)S. A., um contrato de seguro, titulado pela Apólice 5971970, mediante o qual esta tomadora transferiu, para aquela seguradora, a responsabilidade civil referente à circulação do veículo LQ, contrato que se encontrava válido e eficaz à data de 18.3.2014.

86. A entidade patronal do sinistrado A (…) – Município de (…) – tinha a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho/em serviço transferida para a A. através de contrato de seguro titulado pela Apólice (...) , pelo que esta lhe assegurou, ao abrigo deste contrato e das normas da Lei n.º 98/2009, de 4.9, toda a assistência respeitante ao período entre a data do acidente e a data da alta.

87. Todos os tratamentos, acompanhamentos e consultas a que o A. A (…)se submeteu, supra descritos, foram sempre custeados pela A. F (…) no âmbito de tal contrato de seguro.

88. A A. despendeu com o sinistrado A (...) , por causa do acidente laboral e ao abrigo do contrato de seguro celebrado, as seguintes quantias: a) Salários: € 17 983,07; b) Honorários Consultas/Cirurgias: € 2 110; c) Despesas Médicas: € 32 231,32; d) Elementos Auxiliares de Diagnóstico: € 346,93; e) Transportes: € 129,65; f) Despesas Diversas: € 2 193,80, tudo no total de € 54 994,77.

89. A título de “Salários” (€ 17 983,07), a A. pagou, por transferência bancária e com referência aos períodos de incapacidade que decorreram desde 19.3.2014 até 06.7.2015 e desde 28.10.2015 até 19.10.2016 as seguintes quantias:

- período de 20.05.2014 a 16.06.2014 – 677,50€; - período de 17.06.2014 a 14.07.2014 – 677,50€; - período de 15.07.2014 a 10.08.2014 – 653,30€; - período de 11.08.2014 a 18.08.2014 – 193,57€; - período de 19.08.2014 a 19.08.2014 – 24,20€;

- período de 19.03.2014 a 04.04.2014 – 411,34€; - período de 05.04.2014 a 21.04.2014 – 411,34€; - período de 22.04.2014 a 19.05.2014 – 677,50€; - período de 20.08.2014 a 19.09.2014 – 653,30€; - período de 16.09.2014 a 19.09.2014 – 96,79€;

- período de 20.09.2014 a 04.10.2014 – 362,94€; - período de 05.10.2014 a 20.10.2014 – 387,14€; - período de 21.10.2014 a 18.11.2014 – 701,69€; - período de 19.11.2014 a 19.11.2014 – 24,20€; - período de 20.11.2014 a 15.12.2014 – 629,10€;

- período de 16.12.2014 a 18.12.2014 – 72,59€; - período de 19.12.2014 a 10.01.2015 – 556,52€; - período de 11.01.2015 a 19.01.2015 – 217,77€; - período de 20.01.2015 a 20.01.2015 – 24,20€; - período de 21.01.2015 a 16.02.2015 – 653,30€;

- período de 17.02.2015 a 19.02.2015 – 72,59€; - período de 20.02.2015 a 28.02.2015 – 217,77€; - período de 01.03.2015 a 16.03.2015 – 387,14€; - período de 17.03.2015 a 18.03.2015 – 48,39€; - período de 19.03.2015 a 20.03.2015 – 51,85€;

- período de 21.03.2015 a 30.03.2015 – 259,25€; - período de 31.03.2015 a 20.04.2015 – 544,42€; - período de 21.04.2015 a 27.04.2015 – 181,47€; - período de 28.04.2015 a 20.05.2015 – 596,27€; - período de 21.05.2015 a 25.05.2015 – 129,62€; - período de 26.05.2015 a 19.06.2015 – 648,12€; - período de 20.06.2015 a 22.06.2015 – 77,77€; - período de 23.06.2015 a 06.07.2015 – 362,94€; - período de 20.02.2016 a 02.03.2016 – 311,10€; - período de 03.03.2016 a 21.03.2016 – 492,57€; - período de 22.03.2016 a 02.04.2016 – 311,10€; - período de 03.04.2016 a 20.04.2016 – 466,64€; - período de 21.04.2016 a 24.04.2016 – 103,70€; - período de 25.04.2016 a 18.05.2016 – 622,19€; - período de 19.05.2016 a 19.05.2016 – 25,92€;

- período de 20.05.2016 a 18.06.2016 – 777,74€; - período de 19.06.2016 a 20.06.2016 – 51,85€; - período de 21.06.2016 a 16.07.2016 – 674,04€; - período de 17.07.2016 a 20.07.2016 – 103,70€; - período de 21.07.2016 a 19.08.2016 – 777,74€; - período de 20.08.2016 a 20.08.2016 – 25,92€; - período de 21.08.2016 a 19.09.2016 – 777,74€; - período de 20.09.2016 a 20.09.2016 – 25,92€; - período de 21.09.2016 a 19.10.2016 – 751,81€.

90. A título de “Honorários Consultas/Cirurgias” (2.110 €), a A. pagou:

- Avença – (…)(): 125,00€; - Consultas de especialidade- 690,00€ (23 consultas x 30,00€): » Factura nº 201405166 – 26.05.2014 – Neurocirurgia; » Factura nº 201406762 – 14.07.2014 – Neurocirurgia;

» Factura nº 201405942 – 16.06.2014 – Neurocirurgia; » Factura nº 201407633 – 18.08.2014 – Neurocirurgia; » Factura nº 201408540 – 15.09.2014 – Neurocirurgia;

» Factura nº 201409553 – Outubro de 2014 – Neurocirurgia; » Factura nº 201409553 – Novembro de 2014 –Neurocirurgia; » Factura nº 201500360 – 15.12.2014 – Neurocirurgia; » Factura nº 201501395 – 19.01.2015 – Neurocirurgia; » Factura nº 201502272 – 16.02.2015 – Neurocirurgia; » Factura nº 201503109: - 09.03.2015 – Ortopedia; - 16.03.2015 – Neurocirurgia; - 30.03.2015 – Cardiologia; » Factura nº 201503813 – 27.04.2015 – Neurocirurgia; » Factura nº 201504610 – 11.05.2015 – Medicina Dentária; » Factura nº 201504610 – 25.05.2015 – Neurocirurgia; » Factura nº 201505495 – recibo nº 15144704270; » Factura nº 201507126 – recibo nº 1610901380; » Factura nº 201600687 – recibo nº 1612825280; » Factura nº 201604660 – recibo nº 1614880540; » Factura nº 201608144 – 19.10.2016 – Psiquiatria; » Factura nº 201607418 – recibo nº 1711028580; » Factura nº 201608789 – recibo nº 1711945090; »SANFIL: 120,00€ – factura nº 201506262 – recibo nº 1614061860; » SANFIL: 60,00€ – factura nº 201508469 – recibo nº 1713392830;

» Associação: 150,00€ (6 consultas x 25,00€): » Factura nº 14SS/438 – 28.08.2014 – Fisiatria; » Factura nº 14SS/483 – 15.10.2014 – Fisiatria; » Factura nº 14SS/582 – 10.12.2014 – Fisiatria; » Factura nº 15SS/29 – 14.01.2015 – Fisiatria; » Factura nº 15SS/78 – 11.02.2015 – Fisiatria; » Factura nº 15SS/180 – 22.04.2015 – Fisiatria;

» Hospital da (…): 65,00€ (2 consultas x 32,50€): » Factura nº 117173 – recibo nº 1710959650 – 32,50€; » Factura nº 120179 – 32,50€ – recibo nº 1711021840;

» Cirurgia na S(…) – 31.03.2015: honorários de cirurgião: 210,00€; honorários de anestesista: 81,00€; honorários de ajudante: 42,00€; » Cirurgia na S (…) – 26.10.2015: honorários de cirurgião: 360,00€; honorários de anestesista: 99,00€; honorários de ajudante: 72,00€; honorários de instrumentista: 36,00€.

91. A título de “Despesas Médicas” a A. pagou:

- medicamentos: 32,98€ + 16,86€ + 9,35€ + 2,09€ + 19,52€ + 63,18€ + 253,52€ + 60,00€ + 7,00€ + 118,86€;

- fisioterapia/hidroterapia (na Associação (…) : » 255,00€ - factura nº 14SS/438; » 255,00€ - factura nº 14SS/483; » 255,00€- - factura nº 14SS/527; » 540,00€ - factura nº 14SS/533; » 170,00€ - factura nº 14SS/582; »170,00€ - factura nº 14SS/582; » 255,00€ - factura nº 15SS/29; » 255,00€ - factura nº 15SS/29; » 400,00€ - factura nº 15SS/63; » 255,00€ - factura nº 15SS/78; » 127,50€ - factura nº 15SS/78; » 170,00€ - factura nº 15SS/116; » 170,00€ - factura nº 15SS/116; » 170,00€ - factura nº 15SS/180; » 170,00€ - factura nº 15SS/180; » 400,00€ - factura nº 15/SS/285;

» fisioterapia/reabilitação na S(…) – 138,00€ ;

» episódio de urgência (ULS – (...) ): 85,91€ ; » serviços de enfermagem: 7,00€ ; » internamento hospitalar – bloco: 390,00€; » internamento hospitalar – enfermaria: 200,00€; » internamento hospitalar – bloco: 475,00€;

» internamento hospitalar (S(…)) – enfermaria – Outubro de 2015- 500,00€ ; » internamento hospitalar (S(…)) – enfermaria – Novembro de 2015- 500,00€ ;

» tratamentos de estomatologia – Hospital (…)- 184,00€ (factura nº 117173 – recibo nº 1710959651);

» internamento no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra – 18.03.2014 a 31.03.2014- 25.150,55€ – factura nº 3754.

92. A título de “Elementos Auxiliares de Diagnóstico” (346,93€), a A. pagou:

» 80,00€ (TAC – (…));

» 16,10€ (análises – Unidade Local de Saúde da (...) ) – factura nº 15000264/recibo nº 1510554220; » 67,00€ (TAC – Unidade Local de Saúde da (...) ) – factura nº 15000264/recibo nº 1510554222;

» 10,00€ (análises – S(…) –) – factura nº 201503109/recibo nº 1514573250; » 28,83€ (análises – S (…)) factura nº 201503109/recibo nº 1514573330; » 145,00€ (RM crânio-encefálica – S (…)).

93. A título de “Transportes”, a A. pagou: » deslocação em ambulância (31.03.2014) – pagamento do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, EPE- 129,65€ (factura 5C2014/3754).

94. A título de “Despesas Diversas” (prestação suplementar – ajuda de 3ª pessoa, entre 24.9.2014 e 30.6.2015), a A. pagou: € 2.193,80 (392€ + 189€ + 614,40€ + 268,80€ + 134,40€ + 595,20€).

95. O Autor havia já sofrido um acidente de viação no ano de 2010.

96. Nesse sinistro de 2010, o A. foi assistido pela “I (…)”.

97. O sinistro “sub judice” foi também laboral, pelo que o A. tem recebido assistência clínica e as devidas prestações da Companhia de Seguros “F (…), para quem a entidade patronal do A. transferiu a responsabilidade emergente de sinistros laborais.

98. Por igual motivo, a Caixa Geral de Aposentações encontra-se a organizar processo de atribuição de pensão resultante de acidente de serviço.[3]

99. As lesões sofridas pelo A. são, predominantemente crânio-encefálicas.

100. O A. aufere o vencimento líquido de € 779,55.

2. E deu como não provado:

1. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em II. 1. 1. o A. conduzia com velocidade não excedente a 40 km/h, velocidade que reduziu quando se aproximou da rotunda do cemitério ali existente.

2. O ciclomotor conduzido pelo A. entrou a rotunda apenas depois de se ter certificado de que não circulava qualquer veículo no interior da mesma rotunda.

3. Antes do embate o A. retomou a sua marcha, entrando na rotunda e contornando-a parcialmente.

4. Quando o ciclomotor EQ estava a passar em frente à entrada da rotunda, para quem circula pela avenida 25 de Abril, foi embatido pelo veículo LQ.

5. O condutor do LQ conduzia completamente distraído, isto é, sem atenção à sua condução, à sinalização vertical ali existente, à manobra que pretendia realizar e ao restante trânsito, com a mais completa falta de cuidado, de prudência, de consideração, de diligência, de habilidade e de destreza.

6. E com um desprezo olímpico pela vida e integridade física dos outros utentes daquela via, nomeadamente do A. A (…)

7. O condutor do LQ, não obstante poder ver o ciclomotor do A. a circular no interior da referida rotunda e a curta distância, entrou na rotunda de um modo brusco, repentino e inopinado, no momento em que o ciclomotor passava à sua frente, razão pela qual não evitou, como devia ter evitado, a colisão do veículo ligeiro que conduzia no ciclomotor, acabando por esse motivo, por lhe embater.

8. Face à inopinada, temerária e inesperada manobra do condutor do LQ, o condutor do EQ não teve tempo, sequer, de travar ou de se desviar, sendo-lhe absolutamente impossível evitar a colisão.

9. O embate do LQ no EQ deu-se a cerca de 2,20 metros da linha descontínua (marca transversal M9a) que separa a Avenida 25 de Abril da “Rotunda do Cemitério” e, portanto, bem dentro desta e muito para lá do local onde o condutor do LQ deveria ter imobilizado o veículo e esperado pela passagem do EQ (antes da referida marca transversal).

10. O acidente ocorreu dentro da rotunda do Cemitério, pelo facto do condutor do veículo LQ não ter respeitado o prescrito pelo sinal de trânsito ali implantado.

11. Antes tendo abordado a dita rotunda sem as cautelas e a atenção redobradas que se exigiam naquelas circunstâncias, o que o levou a ali entrar quando devia ter parado e assim permanecido imobilizado até que o ciclomotor EQ passasse à sua frente, só depois podendo o LQ retomar a sua marcha; por isso,

12. Após o embate, o ciclomotor ficou imobilizado junto ao separador central, onde acabaram prostrados quer o ciclomotor, quer o respectivo condutor.

13. O acidente acabado de descrever ficou a dever-se a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo LQ, N (…)

14. O veículo LQ encontrava-se parado, completamente imobilizado, à entrada da rotunda, quando foi embatido pelo ciclomotor do A..

15. O LQ acabou por se imobilizar à entrada da rotunda, dado que circulava um veículo ligeiro no interior da rotunda, de modo que o LQ foi imobilizado à entrada da rotunda.

16. Na referida posição de parado, o condutor do LQ aguardou a passagem do tal veículo ligeiro, o qual seguiu viagem sem qualquer novidade.

17. Sem que nada o fizesse prever, surge do lado esquerdo do LQ o ciclomotor do A..

18. O qual seguia desarvorado, e a uma velocidade superior a 50 km/h, em marcha descontrolada, e vai embater violentamente no veículo LQ, que se mantinha completamente imobilizado à entrada da rotunda.

19. O ciclomotor fez ricochete, e prosseguiu a sua descontrolada marcha, até se imobilizar a cerca de 15 m do local, tal era a velocidade com que vinha embalado.

20. O embate ocorreu na entrada da rotunda, e ainda na fila da direita da Av. 25 de Abril, onde o LQ se mantinha imobilizado.

21. A parte frontal do LQ encontrava-se a 7, 40 m da berma situada na parte central da rotunda, ou seja, em cima da linha descontínua que separa a Rotunda da Av. 25 de Abril.

22. O LQ ainda não tinha penetrado na rotunda e o ciclomotor dispunha de toda a faixa de rodagem da rotunda para circular, dado que a mesma se encontrava livre.

23. Ocorreu um despiste do ciclomotor, que foi de encontro ao LQ, o qual se mantinha parado, precisamente para dar passagem aos veículos que circulavam na rotunda,

24. O ciclomotorista foi de encontro ao ligeiro LQ, quando este se mantinha imobilizado à entrada da Rotunda, mas ainda dentro da Av. 25 de Abril.

25. O sinistro ficou unicamente a dever-se à negligência, imprevidência e manifesta falta de cuidado do ciclomotorista autor.

26. O A. não levava o capacete de protecção na cabeça.

27. A correcta colocação do capacete de protecção serviria para evitar as lesões crânio-encefálicas sofridas pelo A..

28. As lesões sofridas pelo A. provocaram-lhe um défice funcional total de 475 dias.

29. E as sequelas de que ficou a padecer definitivamente provocam-lhe uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 80 pontos, uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 6 numa escala de 1 a 7, um prejuízo sexual de grau 5 numa escala de 1 a 7.

30. A necessidade de auxílio de uma terceira pessoa referida em II. 1. 81. foi de 8 horas por dia, de 2ª a 6ª feira, o que representou uma despesa mensal de € 640, 12 vezes por ano.

31. E manteve-se nesta situação durante cerca de um ano, motivo por que, a este título, teve um prejuízo € 7 680.

32. Decorrido esse ano o demandante passou a recorrer aos serviços dessa terceira pessoa 6 horas por dia, de 2ª a 6ª feira, o que passou a representar uma despesa mensal € 480, 12 vezes por ano.

33. Desde o mês de Maio de 2015 até ao fim do mês de Fevereiro de 2017 o A. já gastou a quantia de € 10 560.

34. As sequelas agora apresentadas pelo A. ainda têm relação com o anterior sinistro.

3.  Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

A Ré Z(…)e a A. F(…) insurgem-se contra a decisão relativa à matéria de facto, invocando parte da prova pessoal e documental produzida nos autos e em audiência de julgamento, concluindo, a primeira, que o tribunal a quo deveria ter julgado provada a factualidade aludida em II. 2. 14. a 18. e 20., supra, com a consequente modificação da matéria dita em II. 1. 7. e 11., supra e, a segunda, que importa dar como provados os factos incluídos em II. 2. 4. a 11., supra - e consequente alteração do facto indicado em II. 1. 7., supra -, bem como as despesas invocadas no requerimento de ampliação do pedido, cientes de que as pretendidas alterações levam a diverso desfecho da lide.

Dada a relevância de tal factualidade, importa saber se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo.

b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

            c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efectivação do princípio da imediação[4], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.

            E na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[5], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

d) Assim, estando sobretudo em causa a dinâmica do evento estradal dos autos e as ditas despesas além das invocadas na p. i. da acção apensa, vejamos o que releva dos ditos depoimentos e alguns excertos da fundamentação da decisão relativa à matéria de facto (atento o objecto do recurso e introduzindo, entre parêntesis rectos, alguns elementos visando uma melhor explicitação), concluindo, depois, com uma sucinta análise crítica que terá por referência a ponderação efectuada em 1ª instância.

- Quanto aos depoimentos:

(…)

4. A descrita fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, elaborada pela Mm.ª Juíza a quo, não suscita a menor censura!, sem prejuízo, é certo, dos elementos referentes à ampliação do pedido da A. F (...) que, certamente por lapso, não foram atendidos.

            Na verdade, no tocante à dinâmica do sinistro, face à mencionada prova pessoal (conjugada com a dita prova documental), apenas se poderá concluir que a factualidade dada como provada (e não provada) respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[6], a Mm.ª Juíza a quo não terá desconsiderado regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[7]

Ou seja, outra não poderia ser a decisão sobre aquela matéria, pela simples razão de que a prova pessoal e documental é manifestamente insuficiente para dar como provada qualquer das versões da colisão em apreço trazidas aos autos, de sentido contrário, mormente a da Ré Z(…) ao afirmar que o ciclomotor foi de encontro ao LQ quando este se mantinha parado…

            Rematamos, pois, dizendo que, relativamente àquela problemática, a Mm.ª Juíza analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não se mostrando violados quaisquer normas ou critérios segundo a previsão dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º do CPC, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).

            Porém, no tocante aos pagamentos efectuados pela A. F (…) importa acrescentar o seguinte facto:

            II. 1. 94.-A: A A. F (…) liquidou ainda, por causa das lesões decorrentes do acidente, € 240 relativamente a consultas de especialidade (Neurocirurgia, Dentária, Psiquiatria e Cardiologia) a que o sinistrado teve de se submeter, 446,56 a título de despesas com medicamentos e exames, € 1 780 por tratamentos de Estomatologia e € 60 a título de despesas com análises (Ecografia Renal e Eco Vesical).

            Improcede, assim, a pretensão da Ré Z (…) de ver modificada a decisão de facto e atende-se parcialmente a impugnação deduzida pela A. F (…).

5. Partindo da factualidade descrita em II. 1. 1. a 16., supra, rematou a Mm.ª juíza a quofácil se torna concluir que, em face da mesma, não é possível apreender o concreto modo como se produziu este acidente”, porquanto “não foi possível apurar a dinâmica do mesmo e, consequentemente, concluir pela responsabilidade, seja do Autor (condutor do ciclomotor), seja do condutor do veículo ligeiro segurado na Ré”. Assim, “não se tendo provado as circunstâncias em que ocorreu o acidente, não se pode (…) concluir que algum dos condutores não tenha actuado com o cuidado a que estava obrigado e era capaz”.

E porque, depois, veio a afastar a culpa presumida do condutor do veículo LQ, na previsão do art.º 503º, n.º 1 do CC, consideram os AA. A (…) e mulher e a A. F (…) que assim não deverá ser, por estarem reunidos os requisitos do referido normativo.

Esta, pois, a questão que se abordará de seguida.

6. Tendo por objecto os danos causados por veículos no âmbito da responsabilidade pelo risco, prescreve o art.º 503º do CC: Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação (n.º 1). Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1 (n.º 3).

O preceituado no n.º 1 do art.º 503º faz recair a responsabilidade objectiva pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação, sobre quem detenha a direcção efectiva do mesmo e o utilize no seu interesse próprio, independentemente da respectiva titularidade ou domínio jurídico. Pressuposto da responsabilidade pelos danos próprios do veículo é a verificação simultânea daqueles dois requisitos: direcção efectiva do veículo (dispor do poder de facto sobre o mesmo ou exercer controlo sobre o veículo) e utilização do mesmo no próprio interesse (podendo traduzir-se em vantagens de ordem patrimonial ou não patrimonial, não se exigindo sequer que se trate de interesse digno de protecção legal).[8]

7. A direcção efectiva traduz-se no poder de facto sobre o veículo tendo-o quem, de facto, gozar ou usufruir das vantagens dele e a quem por tal razão especialmente cabe controlar o seu funcionamento, poder que recai, em regra, sobre o proprietário; pode mesmo dizer-se que a propriedade faz presumir a direcção efectiva e interessada, pois o conceito de direcção efectiva e interessada cabe dentro do conteúdo do direito de propriedade.[9]

Mas a condução por conta de outrem só por si não pressupõe uma relação de comissão (art.º 500º, n.º 1, do CC[10]), ou seja, uma relação de dependência entre o comitente e o comissário - aquele dando, ou podendo dar instruções ou ordens a este - que permita responsabilizar o primeiro pela actuação do segundo; daí que seja também necessária a prova da referida relação de dependência entre o comitente e o comissário (uma relação de mando sobre o comissário), aquele dando, ou podendo dar ordens a este, em termos de se responsabilizar o primeiro pela actuação do segundo, não bastando o mero facto de conduzir um veículo em nome ou autorizado pelo dono.[11]

            8. Na situação em análise, ficou provado: no dia 18.3.2014 ocorreu um embate em que intervieram os veículos EQ (...) , ciclomotor, conduzido pelo A. A (…) seu proprietário e o veículo LQ (...) , ligeiro de passageiros, propriedade de A (…), S. A., que se dedica ao aluguer de automóveis; no momento da colisão, o veículo LQ era conduzido por N (…), no âmbito de um contrato de aluguer celebrado com tal sociedade pela sua entidade patronal e no exercício de funções laborais para a sua entidade patronal; a responsabilidade civil emergente da circulação do LQ encontrava-se transferida para a Ré por contrato de seguro celebrado pela sua proprietária (cf. II. 1. 1., 15., 82. e 85., supra).

Perante a descrita factualidade, desconhecendo-se o conteúdo do mencionado contrato de aluguer de veículo automóvel (sem condutor)[12] - e, assim, designadamente, a quem cabia a obrigação de zelar pela manutenção (periódica) da viatura (efectuando, inclusive, as respectivas revisões e inspecções) - e não estando igualmente esclarecida a natureza e o conteúdo da “relação laboral” que existiria entre o condutor do veículo LQ e a empresa locatária[13] e, menos ainda, a concreta actividade então exercida pelo dito condutor e os correlativos poderes laborais do empregador, afigura-se, por um lado, que não é possível afirmar se o poder de facto sobre a aludida viatura cabia, em simultâneo, à proprietária/locadora (que auferia o respectivo proveito com o seu aluguer) e à locatária (entidade patronal do condutor) ou apenas a uma delas, daí extraindo em que esfera de direcção efectiva do veículo se gerou o risco especial que justificava a responsabilidade objectiva, e, por outro lado, perspectivando-se uma relação de comissão (comitente/comissário), também não vemos explicitada a concreta “relação de mando”, normalmente associada à subordinação jurídica típica do trabalho dependente.[14]

Por conseguinte, e além do mais, não ficou esclarecido se e em que medida o N (…) exercia a respectiva actividade profissional debaixo e no cumprimento de prévias instruções dadas pela sua entidade patronal[15] e/ou pela proprietária do veículo, sendo certo que, da conjugação dos art.ºs 500º, n.º 1 e 503º, n.ºs 1 e 3, do CC, decorre que a existência de uma relação de comissão, encarada no sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário que autorize aquele a dar instruções a este, e que faz presumir a culpa do condutor de veículo por conta de outrem.[16]

9. Só existe culpa presumida dos condutores, nos termos do art.º 503º do CC, quando não se apure culpa efectiva e se tenha provado a existência de comissão.[17]

Não comprovada a existência duma relação de comissão, não é pois lícito estabelecer a presunção legal de culpa sobre o condutor do veículo seguro nos termos do art.º 503º n.º 3, 1ª parte, do CC (na interpretação do Assento do STJ de 14.4.1983[18]/presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem, pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele, como lesante, e o titular do direito a indemnização).[19]

10. Perante a impossibilidade de determinação da dinâmica do acidente e do modo como ele evoluiu, de forma a poder-se atribuir a qualquer dos condutores ou a ambos a culpa efectiva na verificação do mesmo, nem sendo caso de culpa presumida, entra em funcionamento o art.º 506º do CC[20], que preceitua: Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causados somente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar (n.º 1). Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores (n.º 2).

Afastada a culpa presumida, há que recorrer ao regime da responsabilidade pelo risco, tal como a define o art.º 506º do CC, como fundamento legal do direito à indemnização.

No caso em análise, não se pode, pois, excluir a responsabilidade pelo risco, na medida em que o embate ocorreu por motivos ligados à circulação rodoviária, ou seja, incluídas no próprio risco da circulação inerente aos veículos, respondendo a Ré na medida do risco do veículo por si segurado, dado que se tratou de uma colisão de veículos.

Estamos em face de um veículo automóvel ligeiro de passageiros e de um ciclomotor, sendo que, como se afirma na decisão sob censura, é evidente que o veículo automóvel contribuiu, necessariamente, com maior proporção de risco para a produção do acidente, dado o seu maior volume, maior peso e maior dimensão, tudo características que fazem aumentar o risco deste veículo, relativamente ao risco representado pelo ciclomotor.

Admitindo-se, pois, que a responsabilidade pelos danos produzidos tem de ser repartida em proporção distinta para os dois intervenientes, entendemos, no entanto, sem quebra do devido respeito por diverso entendimento, baseados na demais factualidade apurada (cf., sobretudo, II. 1. 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 11. e 20., supra; atente-se, ainda, que não foi sequer impugnada a matéria dada como não provada em II. 2. 26. e 27., supra – cf. ponto I., supra[21]) e no que vemos perfilhado pela jurisprudência em situações similares (maior risco ao veículo ligeiro de passageiros face ao ciclomotor), que a contribuição do risco de cada um para os danos produzidos deve ser repartida na proporção de 70 % para o ligeiro e 30 % para o ciclomotor[22], pelo que,  verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a obrigação de indemnização por parte da seguradora (cf. II. 1. 85., supra) fica limitada por tal repartição do risco (70 %).

11. A obrigação de indemnizar tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado.

            São compensáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, n.º 1, do CC).  

            Os danos não patrimoniais não são por sua própria natureza passíveis de reconstituição natural e, em rigor, não são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente, compensação que não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento ou “que contrabalance o mal sofrido”.       

            A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo (art.º 496°, n.º 3, 1ª parte, do CC[23]), tendo em atenção os factores referidos no art.º 494°, do CC.

            12. Desde há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc.[24]

            Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.

            A indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida.[25]

            Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a dialéctica comparativa das situações económicas do lesante/responsável e do lesado[26] e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.[27]

            Ademais, na fixação do montante compensatório dos danos não patrimoniais associados à violação de certos tipos de bens pessoais (v. g., vida, integridade física, honra, personalidade moral), os ditames da equidade devem sobrepor-se à necessidade de salvaguarda da segurança jurídica.[28]

            13. Relativamente ao A. A (…) ficou provado, nomeadamente:

            - O A., na sequência do evento dos autos, tendo sofrido as lesões e ficado portador das sequelas descritas em II. 1. 20., 32., 37., 45., 46. e 50., supra, ficou portador de uma incapacidade permanente parcial de 43,33 % (e a alta clínica aludida em II. 1. 49. ocorreu cerca de dois anos e nove meses após o acidente!); teve os internamentos, as intervenções cirúrgicas, os tratamentos, as consultas e os exames mencionados em II. 1. 21. a 27., 29. a 31., 33. a 36., 38. a 44., 46. (RM crânio-encefálica realizada mais de dois anos e meio após o acidente!), 47. e 48., supra.       

            - As lesões por ele sofridas provocaram-lhe um défice funcional total de 80 dias, um défice funcional temporário parcial de 924 dias, um quantum doloris de grau 6 numa escala de 1 a 7 (cf., nomeadamente, II. 1. 57., supra), um dano estético permanente fixável no grau 5 numa escala de 1 a 7, uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 4 numa escala de 1 a 7 e um prejuízo sexual de grau 4 numa escala de 1 a 7.

As sequelas de que ficou a padecer definitivamente determinam-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 63 pontos e em termos de repercussão permanente na actividade profissional tornam-no totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual, bem como impeditivas de qualquer actividade profissional,  e continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal estar, que o vão acompanhar durante toda a vida e que se agravam com as mudanças de tempo (cf. II. 1. 51. a 55. e 57., supra).

- Tendo nascido em 22.3.1957 e sendo na altura do acidente saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, trabalhador e sociável (cf. II. 1. 58., supra), sofreu em razão dos factos descritos em II. 1. 59. e continua a sofrer e a padecer por tudo quanto ficou mencionado em II. 1. 60. a 64., supra.

-  A partir de Setembro de 2014, devido às sequelas do acidente, passou a necessitar e a ter ajuda de terceira pessoa, designadamente para se vestir, alimentar e fazer a medicação (II. 1. 28.); tais sequelas determinam-lhe, além de ajudas medicamentosas e tratamentos médicos regulares, a ajuda (permanente) de terceira pessoa não diferenciada, para a realização das actividades diárias, inclusive, os seus actos diários de higiene (II. 1. 56. e 63. supra).

Perante o descrito quadro fáctico, afigura-se que a compensação por tais danos não patrimoniais se deverá fixar na importância de € 90 000 (noventa mil euros), reportada à data da decisão final em 1ª instância, quantia que será equitativa, razoável e ajustada à situação concreta no confronto com as situações com alguma similitude versadas nas decisões dos tribunais superiores[29] - e na plena afirmação das exigências da equidade, da proporcionalidade e da igualdade -[30], conferindo, pois, o devido relevo ao tipo de bem violado e à natureza, intensidade e extensão dos danos[31], pelo que, a este título, deverá a Ré proceder ao pagamento do montante de € 63 000 (sessenta e três mil euros).

14. Quanto à A. N(…) ficou apurado: está casada com o A. A (…) desde 26.8.1978, vivendo um casamento feliz até ao dia do acidente; após, a sua vida passou a ser muito difícil, com deslocações diárias aos HUC, onde o seu marido estava internado, vivendo em constante sobressalto por desconhecer em que estado iria ficar ou se iria sobreviver; depois do seu marido ter regressada a casa, e quando começou a ser seguido na Casa de Saúde, na (...) , passou a viver exclusivamente para o seu marido; passou a ser ela a tratar-lhe de tudo, ficando grande parte dos dias exausta, dado que tinha de cuidar da higiene pessoal e da alimentação do seu marido, ajudá-lo a vestir-se, a alimentar-se, a dar-lhe banho e dar-lhe todas as voltas do dia-a-dia; as limitações de que ficou a padecer o seu marido (entre as quais, as indicadas em II. 1. 55., in fine, supra) interferem e limitam o quotidiano da demandante, o que a levou deixar de ter vida própria; viu-se várias vezes na iminência de ser fisicamente agredida pelo seu marido, fruto da agressividade de que este ficou a padecer definitivamente, o que jamais tinha sucedido até à data do acidente dos autos, o que lhe provoca angústia, mal estar e amargura; não obstante ter sido submetida a mastectomia, ainda assim tem de ter força para cuidar do seu marido, ainda que com as limitações físicas que tem; acompanhou-o, sempre, a todos os tratamentos e consultas médicas, dada a necessidade de alguém que percebesse aquilo que dizia, por força da dificuldade extrema na articulação das palavras; vivenciou, e vivencia, diariamente o sofrimento do seu marido, sentindo-se impotente e incapaz de evitar, ou sequer minorar, esse seu sofrimento físico e psicológico; ela própria, também adoeceu do ponto de vista psicológico e psiquiátrico, é medicada e continua a carecer de um acompanhamento regular; vive numa aldeia com vizinhos envelhecidos, em que poderá ter dificuldade em encontrar um vizinho que a auxilie numa situação de emergência, o que lhe provoca tristeza e apreensão (cf. II. 1. 65. a 75., supra).

Como bem se refere na decisão sob censura, o facto de o A. ter sobrevivido não obsta, por si só, a que a sua mulher venha também peticionar danos não patrimoniais, como, aliás, é jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do STJ n.º 6/2014, de 09.01.2014, publicado no DR, 1ª série de 22.5.2014[32].

Relevam, assim, os danos não patrimoniais sofridos pelo cônjuge, tendo como pressuposto que os danos da vítima sejam particularmente graves e tenham determinado no outro sofrimento também muito relevante.

Face ao descrito quadro fáctico e considerados os princípios expendidos em II. 12., supra, afigura-se que a compensação atribuída na sentença sob censura, no montante de € 40 000, reportada à data da decisão final em 1ª instância, se apresenta como adequada e razoável, pelo que deverá a Ré pagar à A. N(…) a quantia de € 28 000 (vinte e oito mil euros).[33]

15. Ficou demonstrado que devido às sequelas do acidente, o A. passou a necessitar da ajuda de terceira pessoa, não diferenciada, para a realização das actividades diárias (cf. II. 1. 56. e 63. supra).

E tendo-se igualmente provado que o A. teve e tem de recorrer, por vezes, ao auxílio de uma outra pessoa, a quem paga € 4 por hora, num total que não foi possível apurar (cf. II. 1. 81., supra), verificou-se, ainda, que os AA. não lograram provar (e não o impugnaram na presente apelação) que: a) essa necessidade de auxílio de uma terceira pessoa foi de 8 horas por dia, de 2ª a 6ª feira, o que representou uma despesa mensal de € 640, 12 vezes por ano; b) o A. manteve-se nesta situação durante cerca de um ano, motivo por que teve um prejuízo € 7 680; c) decorrido esse ano o A. passou a recorrer aos serviços dessa terceira pessoa 6 horas por dia, de 2ª a 6ª feira, o que passou a representar uma despesa mensal € 480/12 vezes por ano; d) desde o mês de Maio/2015 até ao fim do mês de Fevereiro/2017 o A. já gastou a quantia de € 10 560 (cf. II. 2. 30. a 33., supra).

Toda esta factualidade constava dos art.ºs 174 a 185 da p. i., tendo-se também alegado no art.º 186º: “E para o indemnizar deste prejuízo para o futuro, atendendo ao critério vertido no artigo 156º desta p. i., é adequada a quantia de € 93 902,37 [€ 460 x 12 x 17,011299][34].

A este respeito foi decidido em 1ª instância:

«Já no que respeita aos demais danos patrimoniais, peticiona o autor o pagamento do montante de € 93 902,37, correspondente ao que teve de pagar[35], e terá de continuar a fazê-lo, a uma terceira pessoa para tratar dele, em face da impossibilidade da sua mulher o fazer./ (…) Visando a indemnização por danos patrimoniais reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação (cf. art.º 562º do CC), entendemos que, no que respeita a estes eventuais danos, não poderá proceder o pedido deduzido pelo Autor./ (…) Com efeito, a este propósito, não logrou o Autor demonstrar, como poderia ter feito, os montantes que, efectivamente, pagou e paga a uma terceira pessoa para o ajudar./ (…) De referir, ainda, que, neste caso concreto, não se nos afigura adequado e possível, pelos motivos expostos, tratando-se de danos patrimoniais e que poderiam ter sido provados com toda a facilidade, lançar mão da equidade para assim fixar uma indemnização./ Em face do que antecede, deverá improceder tal pedido.»

            16. Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se que o quadro jurídico vigente aponta para uma diferente resposta, ainda que se admita que, na fixação do montante compensatório mencionado em II. 14., supra, terá sido porventura atendida parte da realidade a considerar.

O acidente dos autos caracteriza-se como acidente de serviço, sujeito ao regime jurídico previsto no DL n.º 503/99, de 20.11.

Preceitua-se neste diploma, nomeadamente:

- Para efeitos de aplicação do presente diploma, considera-se: a) Regime geral - o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro [hoje, Lei n.º 98/2009, de 04.9], e legislação complementar; b) Acidente em serviço - o acidente de trabalho que se verifique no decurso da prestação de trabalho pelos trabalhadores da Administração Pública (art.º 3º, n.º 1);

- Os trabalhadores têm direito, independentemente do respectivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma (art.º 4º, n.º 1). O direito à reparação em dinheiro compreende, designadamente, o
subsídio por assistência de terceira pessoa
(n.º 4, alínea c)).

- O serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes, nos termos previstos no presente diploma (art.º 5º, n.º 2).

- Confere direito ao subsídio por assistência de terceira pessoa a situação resultante de acidente que não permita ao trabalhador praticar com autonomia os actos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas da vida quotidiana sem a assistência permanente de outra pessoa (art.º 16º, n.º 1). Consideram-se necessidades básicas os actos relativos à alimentação, locomoção e cuidados de higiene pessoal (n.º 2). A situação referida no n.º 1 é certificada pelo médico assistente ou pela junta médica nos casos, respectivamente, de incapacidade temporária absoluta ou permanente (n.º 3). A assistência de terceira pessoa considera-se permanente quando implique um atendimento de, pelo menos, seis horas diárias, podendo ser assegurada através da participação sucessiva e conjugada de várias pessoas, incluindo a prestação no âmbito do apoio domiciliário (n.º 4). O familiar do dependente ou quem com ele coabite, que lhe preste assistência permanente, é considerado terceira pessoa (n.º 5).

- A atribuição do subsídio depende de requerimento do interessado ou de quem o represente, dirigido à entidade responsável pelo seu pagamento, acompanhado da certificação médica e de declaração passada por quem lhe preste assistência (art.º 17º, n.º 1). O montante mensal do subsídio corresponde ao valor da remuneração paga a quem preste a assistência, com o limite da remuneração mínima mensal garantida para os trabalhadores do serviço doméstico (n.º 2). Na falta de prova de pagamento da remuneração, o montante do subsídio corresponde ao valor estabelecido para prestação com idêntica finalidade, no âmbito do regime jurídico das prestações familiares (n.º 3). O pagamento do subsídio inicia-se no mês seguinte ao da apresentação do requerimento, com efeitos a partir da data da efectiva prestação da assistência, e cessa no fim do mês da verificação do facto determinante da extinção do direito (n.º 4). O direito ao subsídio suspende-se durante o internamento em hospital ou estabelecimento similar, por período superior a 30 dias consecutivos, em hospital ou estabelecimento similar, desde que não determine encargos para o trabalhador (n.º 5).

- O subsídio por assistência a terceira pessoa é concedido e pago pela Caixa Geral de Aposentações a partir da passagem à situação de aposentação (art.º 35º, n.º 1). À atribuição do subsídio aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 16º e 17º (n.º 2).

- Os serviços e organismos da administração local podem transferir a responsabilidade por acidentes em serviço prevista neste diploma para entidades seguradoras (art.º 45º, n.º 3).

E existe alguma similitude com as normas que regulam idêntica matéria no domínio dos acidentes de trabalho (cf., nomeadamente, os art.ºs 47º, n.º 1, alínea h); 53º, 54º e 72º, n.º 4 da Lei 98/2009, de 04.9).

17. Nos termos do art.º 609º, n.º 2, do CPC, se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

Afigura-se, atendendo à factualidade apurada e ao referido regime jurídico, complementado, naturalmente, pelas normas do direito civil substantivo (v. g., os art.ºs 562º e seguintes do CC), que o A. tem direito a adequada indemnização/compensação pela assistência/ajuda de terceira pessoa para a realização das (suas) actividades diárias.

No entanto, considerado o mencionado regime jurídico, desconhece-se, desde logo, se e quando foram efectuadas (outras) diligências tendentes à sua atribuição.

Em todo o caso, haverá que ponderar o já apurado e o que vier a ser esclarecido, e, à luz do enquadramento jurídico vigente, determinar os montantes devidos segundo os critérios que dele emergem, inclusive, e, sendo caso disso, lançando mão de juízos de equidade.[36]

Para alcançar tal desiderato, cremos, será necessário apurar toda a realidade concernente à dita problemática e atender aos preceitos legais aplicáveis, pelo que esta Relação apenas poderá/deverá condenar no que vier a ser liquidado (art.º 609º, n.º 2 do CPC).[37]

18. Sendo um acidente de viação, o acidente destes autos foi igualmente um acidente de trabalho/em serviço (cf. II. 1. 18., supra), prevalecendo, como se sabe, a responsabilidade subjectiva do terceiro sobre a responsabilidade objectiva patronal, assumindo esta última um carácter subsidiário ou residual.

No caso em apreço, a Seguradora F (…) - do ramo de acidentes de trabalho/em serviço - veio deduzir, na acção apensa aos presentes autos, pedido de reembolso pelas quantias já pagas, no âmbito do seguro de trabalho celebrado com a entidade patronal do A. (cf. II. 1. 86., supra, e o art.º 17º, n.º 4 da Lei 98/2009, de 04.9).

Por conseguinte, alterada a decisão sobre a matéria de facto e a repartição do risco, a Ré deverá pagar/reembolsar à A. F (...) a importância de € 40 264,93 [(€ 54 994,77 + € 2 526,56) x 0,7] (cf. II. 1. 87. a 94.-A e 97., II. 4., in fine e II. 10., supra), sendo que, adoptado o critério (não impugnado) fixado na sentença, os juros moratórios sobre a parcela relativa à ampliação [€ 1 768,59] serão computados à taxa legal desde a notificação desse pedido até integral pagamento.

19. Tendo o acidente dos autos sido simultaneamente de viação e de trabalho, o A. A (…)o recebeu do Município de (…), a este título, a quantia de € 34 319,84, existindo uma diferença de € 3 193,96 (cf. II. 1. 78., supra), razão pela qual deverá ainda receber da Ré a quantia de € 2 235,77 (70 %).

20. Devido à alteração na repartição do risco, a indemnização que o A. deverá receber a título de perda futura de ganho ascende a € 105 000 [€ 150 000 x 0,7].

            21. Procedem, assim, parcialmente as “alegações” dos recursos interpostos pelos AA. A (…)e mulher e pela A. F (…) - mantendo-se, quanto ao mais, o decidido na sentença - e soçobram as do recurso da Ré Z(…).


*

            III. Face ao exposto, julgam-se parcialmente procedentes as apelações dos AA. A(…)e mulher e da A. F (…) e improcedente a apelação da Ré Z (…)e, em consequência:

            a) Altera-se a decisão sobre a matéria de facto como se indica em II. 4., in fine;

b) Condena-se a Ré Z (…) a pagar à A. N (…)a quantia de € 28 000 a título de indemnização por danos não patrimoniais;

c) Condena-se a Ré Z (…)a pagar ao A. A (…) as quantias de € 63 000, € 105 000 e € 2 235,77 a título de compensação por danos não patrimoniais, indemnização por danos patrimoniais futuros e indemnização pelos restantes danos patrimoniais, respectivamente;

d) Condena-se a Ré Z(…) a pagar ao A. A (…) a indemnização pela assistência de terceira pessoa para a realização das actividades diárias, no montante que vier a ser liquidado, como se refere em II. 17., supra;

e) Condena-se a Ré Z (…) a pagar à A. F (…) a quantia de € 40 264,93, com juros moratórios sobre a parcela relativa à ampliação [€ 1 768,59] computados à taxa legal desde a notificação desse pedido até integral pagamento;

f) Mantém-se no mais o decidido em 1ª instância.

A Ré suportará as custas do seu recurso; as custas dos demais recursos serão suportadas pelos AA. (…) (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido a fls. 36 e 43 verso), pela A. F(…) e pela Ré em razão dos respectivos decaimentos.


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05.11.2019

Fonte Ramos ( Relator )

Alberto Ruço

Vítor Amaral


[1] Apensação determinada por despacho de 28.6.2018.
[2] Porém, no âmbito do processo para fixação de pensão por acidente em serviço/Caixa Geral de Aposentações (Lei n.º 98/2009, de 04.9 e DL n.º 503/99, de 20.11), a Junta Médica, realizada em 13.9.2016, fixou uma “incapacidade permanente absoluta para o exercício de todo e qualquer trabalho de 52,73 %” (cf. o documento de fls. 194).
[3] Tendo-lhe sido atribuída uma pensão mensal (por acidente em serviço) de € 661,61, “encargo” do Município (…), com início a 01.3.2017, data em que o A. foi desligado do exercício de funções por motivo de aposentação por incapacidade (cf. o documento de fls. 194 e 195).

[4] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[5] Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[6] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 277.
[7] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.
[8] «A fórmula (…) - ter a direcção efectiva do veículo - destina-se a abranger todos aqueles casos (proprietário, usufrutuário, locatário, comodatário, adquirente com reserva de propriedade, autor do furto do veículo, que o utiliza abusivamente, etc.) em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objectiva [a quem usa o veículo ou dele dispõe]. Trata-se das pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências [adequadas] para que o veículo funcione sem causar danos a terceiros. (…) Tem a direcção efectiva do veículo a pessoa que, de facto, goza ou usufrui as vantagens dele, e a quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento (vigiar a direcção e as luzes do carro, afinar os travões, verificar os pneus, controlar a sua pressão, etc.).
   (…) No caso de aluguer, sendo o veículo conduzido pelo locatário ou às suas ordens, o veículo é utilizado tanto no interesse do locatário, como no do locador, e qualquer deles se pode dizer que tem a direcção efectiva do veículo, devendo por isso aceitar-se que ambos respondem solidariamente pelo dano.» - vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª edição, Almedina, 1982, págs. 580, 581, 585 e 586.
   Porém, no comentário ao art.º 503º do Código Civil, Pires de Lima e Antunes Varela, observam que «Embora a responsabilidade recaia, assim, normalmente sobre o proprietário, este não é responsável se (…) perdeu, por qualquer circunstância, essa direcção, como no caso de furto ou de entrega ao promitente-comprador, ao locatário ou, em certas circunstâncias, ao comodatário» (vide CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, págs. 485 e seguinte).

   Vide, ainda, naquele primeiro sentido, M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, 2016, págs. 629 e seguintes.
[9] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 18.5.2006 - processo 06A1274,  31.10.2006-processo 06A3245 e 03.3.2009-processo 09A276, publicados no “site” da dgsi.

[10] Que reza o seguinte: “Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.”
[11] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 20.9.1994, 06.11.2003-processo 03B2997, 18.5.2006 - processo 06A1274, 31.10.2006-processo 06A3245 e 03.3.2009-processo 09A276, publicados, o primeiro, no BMJ 439º, 538 e, os restantes, no “site” da dgsi.
[12] Contrato mediante o qual se proporcionou o gozo temporário da viatura em causa, mediante retribuição (cf. os art.ºs 1022º e 1023º do CC).
[13] A propósito da relação de emprego, da relação de trabalho típica e das relações laborais de facto, vide Maria do Rosário Palma Ramalho, Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Almedina, 2000, págs. 302, 324, 384, 537, 542, 544, 550, 681 e 788 e seguinte.
[14] Já não assim, por exemplo, nas situações relatadas nos acórdãos da RP de 11.12.2012-processo 512/09.0TBSTS.P1 e da RG de 15.5.2014-processo 598/04.4TBCBT.G1, publicados no “site” da dgsi.

[15] Sabendo-se que o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (cf. art.º 11º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12.02), e bem assim que a subordinação jurídica é o elemento relevante para a distinção entre o contrato de trabalho e outros contratos que mantêm com este algumas afinidades e que, em geral, só existirá contrato de trabalho se o empregador puder, de algum modo, orientar a actividade do trabalho, quanto mais não seja no tocante ao lugar ou ao momento da sua prestação (cf., designadamente, os Acórdãos do STJ de 24.5.1995 e de 25.01.2000, in BMJ 447º, 308 e AD 467º, 1519, respectivamente).

[16] A respeito da hipótese de locação, equacionando se a responsabilidade objectiva recai apenas sobre o locatário ou solidariamente sobre locador e locatário ou, ainda, apenas sobre o locador, vide M. J. Almeida Costa, ob. cit., págs. 631, nota (1), onde se salienta que a solução do problema dependerá de «(…) saber quem cria o risco e aproveita dele», isto é, «a direcção efectiva do veículo e o interesse na sua utilização.», acrescentado que deverá, «portanto, atender-se ao que resulte das circunstâncias de cada situação concreta».

   Esta a perspectiva também acolhida, v. g., pelos acórdãos do STJ de 23.10.1997, in BMJ, 470º, 582 e da RG de 15.5.2014-processo 598/04.4TBCBT.G1 [no qual se expendeu, nomeadamente, que “saber se esta tinha, juntamente com a locatária, a direcção efectiva do veículo alugado impõe que se atente às cláusulas contratuais”, tendo-se concluído: «III - Numa situação de aluguer do veículo conduzido pelo locatário ou às suas ordens, ele é utilizado tanto no interesse do locatário, como no do locador, e qualquer deles se pode dizer que tem a direcção efectiva do veículo, sendo, pois, de aceitar que ambos respondem solidariamente pelo dano.»], publicado no “site” da dgsi.
[17] Cf. o acórdão do STJ de 05.11.2009-processo 407/07.TBAW.S1, publicado no “site” da dgsi.

[18]Que fixou a seguinte orientação, hoje com o valor de acórdão para uniformização de jurisprudência: “A primeira parte do n.º 3 do artigo 503º do Código Civil estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular ou titulares do direito a indemnização” (cf. DR 146/83, Série I, 1º Suplemento, de 28.6).

[19] Cf., de entre vários, o cit. acórdão do STJ de 03.3.2009-processo 09A276 e os acórdãos da RC de 12.11.2013-processo 323/10.0T2AND.C1, da RG de 07.12.2017-processo 795/14.4TBVRL.G1 [constando do ponto III do sumário: «Em caso de acidente de viação provocado por máquina/empilhador em poder da locatária, no âmbito de um contrato de aluguer sem manobrador, para efeitos de determinação da direcção efectiva do veículo com vista à repartição do risco, nos termos e para os efeitos do art.º 503º, n.º 1, do CC, deve atender-se aos poderes de facto exercidos por essa locatária e à incidência na esfera do risco envolvida no mesmo acidente.»], estes, também publicados no “site” da dgsi.
[20] Cf., entre outros, o citado acórdão do STJ de 05.11.2009-processo 407/07.TBAW.S1.
[21] Sabendo-se que o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objectiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação, sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respectivo corpo - vide, entre outros, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 308 e seguintes e 358 e seguintes; J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33 e os acórdãos do STJ de 21.10.1993 e 12.01.1995, in CJ-STJ, I, 3, 84 e III, 1, 19, respectivamente.

[22] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 24.4.1973, 19.9.2006-processo 06A2386, 30.6.2016-processo 161/11.3TBPTB.G1.S1 e 06.12.2018-processo 1685/15.9T8CBR.C1.S1 e da RC de 02.6.2009-processo 442/04.2TBANS.C1 e 21.02.2018-processo 1685/15.9T8CBR.C1 (desta Secção e subscrito pelo relator, aí 1º adjunto), publicados, o primeiro, no BMJ 226º, pág. 210 e, os restantes, no “site” da dgsi.

   Vide, ainda, Manual de Oliveira Matos, Código da Estrada, Anotado, 1988, Almedina, págs. 465 e seguintes.
[23] Redacção que se manteve, na 1ª parte do n.º 4 do mesmo art.º, na redacção conferida pela Lei n.º 23/2010, de 30.8.

[24] Vide, de entre vários, os acórdãos da RL de 20.02.1990 e da RP de 07.4.1997, in CJ, XV, 1, 188 e XXII, 2, 204, respectivamente.

[25] Vide Vaz Serra, BMJ 278º, 182.
[26] Vide Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, pág. 214 e ainda, entre outos, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 474.
   Propendemos, assim, para o entendimento sufragado nas referidas anotações, de sentido contrário àquela que parece ser a posição adoptada pelo STJ nos acórdãos de 24.4.2013-processo 198/06.TBPMS.C1.S1 e 07.5.2014-processo 436/11.1TBRGR.L1.S1, publicados no “site” da dgsi.
[27] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[28] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 09.9.2014-processo 654/07.7TBCBT.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[29] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 12.3.2009-processo 08P3635, 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, 27.5.2010-processo 8629/05.4TBBRG.G1.S1, 14.9.2010-processo 267/06.0TBVCD.P1.S1, 07.10.2010-processo 2171/07.6TBCBR.C1.S1, 21.10.2010-processo 1331/2002.P1.S1, 11.11.2010-processo 270/04.5TBOFR.C1.S1, 07.6.2011-processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, 07.6.2011-processo 524/07.9TCGMR.G1.S1, 07.5.2014-processo 436/11.1TBRGR.L1.S1, 09.9.2014-processo 654/07.7TBCBT.G1.S1, 16.6.2016-processo 1364/06.8TBBCL.G1.S2, 05.7.2017-processo 4861/11.0TAMTS.P1.S1 e 09.01.2018-processo 275/13.5TBTVR.E1.S1, publicados no “site” da dgsi.   
[30] Exigências e princípios que, cremos, poderão/deverão ser adequadamente conjugados, ainda que, simultaneamente, se procure alcançar uma maior uniformização judicial.
   Afigura-se-nos, assim, porventura excessivo o juízo crítico expresso por Filipe Albuquerque Matos, sobre esta matéria, na parte final da anotação ao acórdão do STJ de 24.4.2013 (RLJ 143º, pág. 218).
[31] Vide Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, págs. 214 e seguinte.

[32] Assim firmada: «Os artigos 483º, n.º 1 e 496º, n.º 1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave
[33] Ademais, na resposta à alegação de recurso, a Ré, não questionando a gravidade das lesões sofridas pelo A. e a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela A., concluiu que a indemnização de € 40 000 arbitrada pela Mm.ª Juíza a quomostra-se perfeitamente justa e adequada”.
[34] Note-se, porém, que tais critérios ficaram discriminados no art.º 157º da p. i..
[35] Existe, aqui, lapso manifesto, porquanto a quantia em causa correspondia ao “prejuízo para o futuro”.

[36] Cf., a este respeito, o acórdão do STJ de 02.6.2016-processo 3987/10.1TBVFR.P1.S1, publicado no “site” da dgsi.

[37] Cf., entre outros, o acórdão da RE de 12.7.2016-proc. n.º 1215/15.2T8TMR.E1, publicado no “site” da dgsi.