Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4756/13.2TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: DIVÓRCIO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
DOMICÍLIO
RESIDÊNCIA
Data do Acordão: 06/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. CENTRAL - 2ª SEC. F. MEN. - J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.62, 72 CPC, 25, 31, 82 CC
Sumário: 1 - Provando-se que a autora de processo de divórcio litigioso, de nacionalidade portuguesa: i- reside em Angola por motivos laborais; ii- antes, residia em Leiria, onde a sua morada serve para efeitos pessoais e civis - vg atinentes ao seu registo nas finanças e na segurança social; iii- que para esta localidade vem pelo menos uma vez por ano durante algumas semanas -, deve ela ter-se por domiciliada em leiria, ou, ao menos, com residências alternadas.

2 - Decorrentemente, é o tribunal de Leiria, e não o de Angola, que cobra competência internacional para apreciar e decidir – artº 82º nº1 do CC e 62º al. a) e 72º do CPC.

Decisão Texto Integral:





ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

S (…), afirmando residir na Rua (...), Angola, e, quando em Portugal, residente na Rua (...), Leiria, intentou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra A (…)

No âmbito da audiência de julgamento, após a inquirição das testemunhas arroladas por ambas as partes, foi proferido o seguinte despacho:

«Considerando o depoimento das testemunhas (…), pai da Autora e (…), amigo tanto da Autora como do Réu, que deram conta que a Autora em Outubro de 2013 já residia em Angola, daí saindo em pequenos períodos para o estrangeiro, visitando entre outros países o de Portugal, não a fazendo residente, aquando Outubro de 2013, na morada indicada na petição inicial, em especial em Leiria, tanto mais que, como afirmou o próprio pai, apesar de a filha ter um apartamento em Leiria, arrendou-o desde que foi residir para Angola, tendo deixado os respectivos inquilinos o apartamento sem condições por lhe terem “levado tudo”, notificam-se as partes para se pronunciarem quanto à incompetência internacional deste Tribunal»

Ambas as partes se pronunciaram, pugnando ser o Tribunal recorrido internacionalmente competente.

2.

Seguidamente foi proferido o seguinte despacho:

«De harmonia com o disposto no artigo 72.º do Código de Processo Civil que para as acções de divórcio e de separação de pessoas e bens é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor, devendo o autor na petição inicial indicar o domicílio ou sedes das partes, segundo o prescrito no artigo 552.º n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal.

Afirma o artigo 82.º do Código Civil:

1. A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente, em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.

2. Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar.

As testemunhas (…), pai da Autora, e (…), amigo tanto da Autora como do Réu, deram conta que a Autora em Outubro de 2013 já residia em Angola, daí saindo apenas por pequenos períodos para o estrangeiro, visitando entre outros países, o de Portugal.

Tais testemunhas foram perentórias em afirmar que em Outubro de 2013 a Autora já não residia em Leiria mas sim em Angola.

Neste particular, como afirmou o próprio pai da Autora, apesar de a filha ter um apartamento em Leiria, arrendou-o desde que foi residir para Angola, tendo os respectivos inquilinos deixado o apartamento sem condições por lhe terem “levado tudo”, sendo que quando vem a Portugal nem se desloca a tal morada.

Considerando as declarações das testemunhas inquiridas, resulta claro que, ao contrário do alegado pela Autora a propósito da sua identificação, nem a Autora nem o Réu residiam em Portugal quando foi instaurados os presentes autos, nem tão pouco residem actualmente, não devendo a competência internacional do tribunal ser objecto de escolha ou capricho das partes ou dos seus mandatários.

Assim, entende-se que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para a presente causa, não se subsumindo a situação dos autos a nenhuma das alíneas do artigo 62,º do Código de Processo Civil, não tendo assim igualmente aplicação o disposto no artigo 80.º n.º 3 do mesmo diploma legal que pressupõe, precisamente, a competência internacional dos tribunais portugueses.

A incompetência internacional constitui exceção dilatória que pode e deve ser conhecida oficiosamente até à sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, implicando a absolvição do réu da instância ou o indeferimento liminar, nos termos do disposto nos artigos 96.º al. a), 97.º n.º 1, 99.º, 576.º n.º 1 e 2, 577.º al. a) e 578.º, todos do Código de Processo Civil.

Termos em que se declara o presente Tribunal internacionalmente incompetente e se absolve consequentemente o Réu da instância.

Custas pela Autora.»

3.

Inconformada recorreu a autora.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

 Ora, como «o que abunda não prejudica»,

 Cabe-nos reafirmar que da análise do material probatório produzido não resultou que a dona S (…) tenha abandonado a sua residência em Portugal;

 Pelo contrário, todos os testemunhos foram no sentido de indicar que a recorrente manteve ambas as residências, em Angola e Portugal;

 Todas as testemunhas indicaram que ela se deslocava a Portugal, constantemente,

 Fazia cá cursos e formações,

 Sendo Portugal a sua base, daqui partindo para outros países, de férias;

 Mais do que isto, a autora nos autos principais nem sequer tinha, nem tem, visto de residência em Angola,

 Somente habitando legalmente, em virtude de um visto provisório em nome do seu companheiro;

 Expirado o visto ou terminada a relação de convivência conjugal com o ainda marido e reu nos presentes autos a recorrente passou a ter uma só real residência Portugal;

 Por outro lado, a dona S (...) nunca abandonou o seu imóvel em Portugal,

 Fez negócios cá,

 Manteve sempre contacto com familiares e amigos,

 Esteve sempre atenta à actualidade política e social,

 Além de que, é cá que está registada nas Finanças e Segurança Social;

 Assim, cremos que o Tribunal a quo – salvo o devido respeito – interpretou incorrectamente os factos,

 Aplicando, consequente e subsequentemente, de forma incorrecta, a lei ao caso concreto;

 A recorrente sempre manteve ambas as residências, para efeitos do art. 82.º do Código Civil,

 E diz-nos o art. 82.º n.º 1 CC, que: “a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual [e] se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles”;

 Por outro lado, diz-nos também o art. 25.º do Código Civil, que: “o estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos…”;

  Indicando-nos o art. 31.º n.º 1 que: “a lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo”;

 Ora, se a questão deve ser dirimida pela lei pessoal do indivíduo,

 Se a lei pessoal é a lei da nacionalidade,

 Se a recorrente é portuguesa,

 E além disso, ainda que havendo duplo domicílio, sendo um deles em Portugal,

 Cremos ser indubitável a competência dos tribunais portugueses para a resolução da questão,

 Somente, sempre salvo o devido respeito, por um mero lapso na interpretação dos factos, que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre o mérito da questão;

 Devendo agora o douto tribunal ad quem declarar-se competente e julgar do mérito da questão, como é de lei e justiça;

 E competente se declarando, debruçando-se sobre o mérito da causa, inúmeros são os motivos para declarar procedente a acção, Pois,

 Ficou provado, para além de qualquer dúvida, que recorrente e recorrido estão separados há praticamente 3 anos,

 E ainda que tal se considerasse não provado,

 Sempre seria de analisar a quebra de diversos deveres conjugais, designadamente de comunhão de mesa, leito e habitação,

 Todos eles ausentes há quase 3 anos,

 Consubstanciando motivo justificativo para procedência da acção e consequentemente decretamento do divórcio entre autora e réu nos autos principais;

 Em suma, cremos ser a ordem jurídica portuguesa competente para decidir a questão,

 Quer pelo que resulta da legislação,

 Quer em virtude do que nos dizem os factos;

 Por outro lado, relativamente ao mérito da causa, os indícios são mais que muitos,

 Os depoimentos foram inequívocos,

 E todos no mesmo sentido,

 Recorrente e recorrido estão separados há quase 3 anos,

 Não vivendo em comunhão de leito, mesa e habitação,

 Sendo a prova efectuada, de indubitável força relativamente à relação material subjacente.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:

(In)competência internacional do tribunal recorrido.

5.

Apreciando.

5.1.

A questão de competência internacional surge quando no pleito se desenham elementos em conexão com outra ordem jurídica, para além da portuguesa.

Trata-se de saber se a questão submetida a tribunal deve ser resolvida pelos tribunais portugueses ou se pelos tribunais estrangeiros.

Sempre que, de acordo com as regras da competência territorial traçadas na ordem interna, a ação possa ser instaurada em Portugal, os tribunais portugueses terão competência internacional para julgar, não obstante existirem elementos de conexão com outras ordens jurídicas estrangeiras.

Os elementos de conexão que atribuem a competência internacional aos tribunais portugueses são estabelecidos no artº 62º do CPC.

Estatui este preceito que:

Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;

c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

No caso vertente e afastadas que, meridianamente, se encontram as previsões das alíneas b) e c), resta apurar se a da al. a) é atendível.

Para o efeito cumpre atentar no disposto nos  artºs 72º do CPC,  82ºe 83º do CC.

Artº 72º do CPC:

Para as ações de divórcio e de separação de pessoas e bens é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor.

Artigo 82.º do CC:

1. A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente, em diversos lugares, tem-se por  domiciliada em qualquer deles.

2. Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser  determinada, no lugar onde se encontrar.

Artigo 83.º do CC

(Domicílio profissional)

1. A pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações que a esta se referem, domicílio profissional no lugar onde a  profissão é exercida.

A questão passa, pois, por saber-se se, perante os factos apurados, a autora tinha, ou não, à data da instauração do processo, residência no nosso país, e/ou em Angola.

5.2.

O domicílio é um conceito legal.

Ele é preenchido ou consubstanciado, desde logo pelo conceito de «residência».

A «residência» é um elemento de facto: é o sítio preparado para servir de base de vida a uma pessoa singular – cfr-. Castro Mendes in Teoria geral, 1967, 1º, 228.

Mas como dimana do artº 82º, o elemento factual «residência» que pode preencher  o conceito legal de «domicílio» apresenta uma intensidade com várias  vertentes ou cambiantes.

A mais impressiva ou forte, é a «residência habitual».

Importa reter que, para que o «domicílio» possa emergir, a lei  apenas exige a «residência habitual» e não, como para outros efeitos, vg. para o despejo do locatário, a  «residência permanente».

Para este efeito tem-se entendido que:

«Residência permanente é o local onde está centrada a organização da vida individual, familiar e social do arrendatário, com carácter de habitualidade e estabilidade, ou seja, a casa em que o arrendatário juntamente com o agregado familiar toma as suas refeições, dorme, desenvolve toda a sua vivência diária, familiar e social ; o local onde, de modo estável e continuado, se centra a actividade inerente à economia doméstica e familiar do arrendatário» - cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 21.06.2011,dgsi.pt, p. 1491/04.6PCAMD.L1-1.

Assim sendo, há que convir que sendo a residência habitual um minus, por reporte à residência permanente, para aquela deve exigir-se uma menor intensidade e continuidade de vivência num determinado local, para que ela possa sobrevir e permitir a conclusão que neste a pessoa tem o seu domicílio.

Mas mesmo que neste particular se possa ser menos exigente, é evidente que o  adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração ou o decurso de um razoável lapso de tempo, pois que tal é necessário para a organização e estabilização do modus vivendi pessoal .

Por outro lado, e tal como no regime do arrendamento urbano em que o arrendatário pode ter uma ou mais residências permanentes alternadas, para além da do locado, sem que por tal deste possa ser despejado, também o artº 82º do CC permite que um cidadão possa ter mais do que um domicílio desde que resida habitualmente alternadamente em diversos locais.

Porém tal possibilidade deve respeitar certos requisitos.

Em primeiro lugar a alternância reporta-se, não a uma qualquer residência meramente passageira, esporádica e sem cariz de estabilidade, mas antes a duas ou mais residências habituais, no sentido supra expresso, ie. torna-se necessário que em relação a cada uma delas se verifique alguma estabilidade, habitualidade, continuidade e efetividade de estada do centro da vida familiar.

Em segundo lugar temos de estar perante uma verdadeira alternância, ou seja sem hierarquização de um local relativamente ao outro (como acontece com as residências secundárias ou acidentais, para fins de recreio), mas antes   perante residências que são usadas com a mesma relevância e paritariamentecfr. Acs. da Relação de Lisboa de 15.12.2005,  dgsi.pt, p. 11237/2005-6 e de 21.06.2011 supra cit.

Acresce que o conceito de domicílio pode emergir se, mesmo inexistindo uma residência habitual, se se conseguir determinar uma residência meramente ocasional.

E, finalmente, mesmo à míngua desta, a pessoa tem-se por domiciliada no lugar em que esporádica e contingentemente se encontrar.

Destarte, verifica-se que nos encontramos perante uma série de possibilidades sucedâneas, as quais, ainda que com uma intensidade factual decrescente atinente à estabilidade e continuidade vivencial da pessoa num determinado lugar, são todas e cada uma delas, bastantes para densificar o conceito legal de domicílio.

5.3.

A autora na sua pi. começou por referir que residia em Benguela e em Leiria.

Quis, pois, significar que tinha residências alternadas.

Tal é já um elemento relevante pois que - maxime sem que ela, aparentemente,  tivesse colocado a hipótese de que a questão da incompetência internacional viria a  ser suscitada, e, note-se, tendo-o sido nem sequer foi pela parte contrária, mas pelo julgador -   demonstra que já então considera(va) ter uma ligação à morada de leiria que a leva(va) a entender que ali tem residência.

Depois, analisados os autos,  e considerando os depoimentos das testemunhas, verifica-se que a autora foi para Angola por motivos laborais, não estando demonstrado que o vínculo profissional seja de tal modo sólido que venha a implicar a sua estadia por muitos e mais anos em tal país.

Alegou, e tal não foi contraditado,  que reside naquele país ao abrigo de um visto provisório em nome do seu companheiro.

A autora tem a nacionalidade portuguesa.

Mais invocou - e tal, em função desta nacionalidade, é normal que assim seja-, que é em Portugal que está ligada com estabilidade e permanência em termos, vg., de   registo nas Finanças e na Segurança Social.

Certo é que o seu pai disse que em outubro de 2013 ela já estava a viver em Angola.

Mas também verbalizou que vem a Portugal uma ou duas vezes por ano e que que fica cá algumas semanas, sendo que última vez tinha sido há um mês ou dois, atenta a data do seu depoimento.

Ou seja, a autora reside  em Angola não de um modo permanente e estanque, antes vindo a Portugal, pelos vistos quando pode – até porque as viagens não são baratas -  e aqui passando o tempo que a profissão naquele país lhe permite.

Mantendo, assim, uma ligação com a zona de Leiria, eivada de alguma estabilidade e continuidade.

Nesta conformidade, e numa interpretação admissível, pode conclui-se que a residência da autora em Angola, deve ter-se como residência meramente ocasional e/ou  profissional – artº 82º nº2 e 83º do CC.

Pois que, afinal, sendo ela uma emigrante, é suposto que, quando possa ou a isso for obrigada, regresse a Portugal – e, note-se, a notória crise que atualmente grassa  em Angola pode potenciar tal regresso.

Decorrentemente, aquela estada em Angola apenas releva, pelo menos por via de regra e determinantemente, para os efeitos da sua profissão, ou seja, e na terminologia legal: «quanto às relações que a esta se referem» - artº 83º nº1 do CC.

 Como é bom de ver, a instauração de ação de divórcio não é matéria que, pelo, menos direta, imediata e determinantemente, respeite - no sentido de estar essencialmente condicionada ou conexionada-, com a profissão da autora.

Por conseguinte, tal residência não releva para o efeito que nos ocupa, antes sendo de relevar a morada/residência em Portugal.

5.4.

E mesmo que assim não fosse ou não se entenda e se considerasse que a residência da autora em Angola é mais do que profissional, certo é que, perante os factos apurados, cumpriria ainda dilucidar se a mesma deveria ser considerada a  sua única residência, ou se  se pode vislumbrar que ela tem residências alternadas.

Ora perante o que supra se expendeu quanto a esta última qualificação e os factos supra referidos, a resposta no sentido da existência de residências alternadas é admissível.

Na verdade, a requerente, para além de residir em Angola também reside em Portugal,  na zona de Leiria.

Tal dimana das declarações do seu pai que verbalizou que ela morou em vários sítios em Leiria.

Ou seja, pode a autora mudar de casa na zona de Leiria, mas o certo é que morava nesta cidade; e, pelos vistos, com ela continua a ter uma efetiva ligação, pois que para ela retorna quando se pode deslocar a Portugal e, servindo certamente a(s) morada(s) que ali tem tido, como referências para efeitos pessoais e civis, atinentes à sua de cidadã contribuinte, eleitora, etc.

Tanto basta para se concluir que a(s) sua(s)  morada não é (são)  meramente incidental(is), passageira(s) ou esporádica(s), mas antes assume(m) o jaez de efetivo centro da sua vida familiar no nosso país.

Por outro lado, esta(s) morada(s) não se assume(m) como  subalterna(s) relativamente à(s) de Luanda, antes pelo contrario, se vislumbra(m) como verdadeiramente alternativa(s) a esta, ou, até, mais importante(s) e relevante(s).

Pois que, como se viu, esta mais se compagina com uma mera residência profissional, e, assim, mais contingente, aleatória e facilmente alterável para outro local ou país,  designadamente porque,  reitera-se, nos tempos que correm, máxime em países como Angola por força da descida do preço do crude,  atualmente grassam graves crises económicas – facto notório -. 

Enquanto que naqueloutra ela tem o seu centro de vida civil, pessoal e familiar, o qual, ipso facto, se assume com mais perene e consistente comparativamente a uma simples vivencia por motivos laborais.

Assim sendo, com se entende que é, e tendo a autora residência meramente ocasional ou profissional em Angola, esta não releva para o efeito que ora nos ocupa.

Ou, ao menos, tendo ela residências alternadas, ambas as residências relevam e podem ser consideradas para efeito de se entender domiciliada em qualquer delas.

Pelo que, cobrando aplicação o disposto nos citados artigos 62º al. a) e 72º do CPC, emerge a final conclusão de que o tribunal recorrido cobra competência internacional para apreciar e decidir.

5.5.

Uma palavra final.

A autora, para além de pugnar pela competência internacional do tribunal recorrido, entende que este tribunal ad quem deve já pronunciar-se sobre o mérito da sua pretensão.

É obvia a inatendibilidade deste pedido.

Como é consabido, os tribunais de recurso apenas reapreciam matérias previamente decididas pelos tribunais recorridos e não decidem em primeira mão.

No caso sub judice, a incompetência internacional foi decretada antes da decisão final de mérito.

Consequentemente, o processo terá de continuar na 1ª instância para que esta decisão sobrevenha e, caso alguma das partes se mostre com ela inconformada, despolete então o respetivo recurso, caso em que, então sim, este tribunal se pronunciará.

6.

Sumariando.

I - Provando-se que a autora de processo de divórcio litigioso, de nacionalidade portuguesa: i- reside em Angola por motivos laborais; ii- antes, residia em Leiria, onde a sua morada serve para efeitos pessoais e civis - vg atinentes ao seu registo nas finanças e na segurança social; iii- que para esta localidade vem pelo menos uma vez por ano durante algumas semanas -, deve ela ter-se por domiciliada em leiria, ou, ao menos, com residências alternadas.

II - Decorrentemente, é o tribunal de Leiria, e não o de Angola, que cobra competência internacional para apreciar  e decidir – artº 82º nº1 do CC e 62º al. a) e 72º do CPC.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, declarar a competência internacional do tribunal recorrido e ordenar a ulterior e legal tramitação dos autos.

Custas a final, pelo vencido, ou na proporção da sucumbência.

Coimbra, 2016.06.14

Carlos Moreira ( Relator)

Moreira do Carmo

Fonte Ramos