Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
588/12.3TBMGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
ERRO JUDICIÁRIO
INDEMNIZAÇÃO
REVOGAÇÃO DA DECISÃO DANOSA
Data do Acordão: 03/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 67/2007 DE 31/12
Sumário: 1. O requisito da “revogação da decisão danosa”, previsto no nº2 do art. 13º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, significa que a lei exige, como pressuposto da admissibilidade do pedido indemnizatório, que a decisão em causa seja revogada por via dos meios impugnatórios que, no caso, sejam admissíveis.

2. Se o tribunal de recurso, que poderia pronunciar-se em última instância sobre a matéria da causa, manteve o entendimento do tribunal recorrido, não pode dar-se como existente o erro de julgamento para efeitos de responsabilidade civil pelo exercício da função jurisdicional.

Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I - RELATÓRIO

R (…) intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra o Estado Português,

Alegando em síntese:

no âmbito do Inquérito nº 555/08.1JACBR foi constituído arguido, tendo sido contra si deduzida acusação imputando-lhe a prática, em coautoria, de um crime de corrupção para ato ilícito p. e p. no art. 372º, nº1, do CP, ed e um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, ns. 1, als. a), b), d). e e) do CP, tendo sido promovida a aplicação da medida de coação de suspensão do exercício de funções como administrador de insolvência, promoção que o autor contestou;

por despacho do juiz de instrução proferido a 08.03.2010, foi aplicada ao autor tal medida de coação, despacho de que o autor interpôs recurso, julgado improcedente e mantendo a medida de coação aplicada;

ambas as decisões fizeram uma errada interpretação da lei aplicável, tanto que o autor foi submetido a julgamento, tendo sido absolvido por acórdão proferido a 25.05.2011, e declarada cessada a referida medida de coação que lhe tinha sido aplicada;

defende que houve erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que conduziram à aplicação da medida de coação referida, existindo assim responsabilidade extracontratual do Estado nos termos do art. 13º da Lei nº 67/2007.

em consequência da medida de coação aplicada, o autor foi destituído de funções em todos os processos em que estava nomeado como administrador de insolvência ou liquidatário, deixando de auferir o montante de € 325.022,25, a que acresce o valor de € 112.500,00 que receberia em processos em que deixou de ser nomeado.

Invoca ainda ter sofrido vários danos de natureza não patrimonial, que descrimina, contabilizando-os em € 50.000,00.

Termina pedindo a condenação do réu:

a) A reconhecer que a medida de coação aplicada ao arguido foi desproporcional desadequada e que causou ao autor prejuízos anormais e graves;

b) A pagar ao autor a quantia de € 437.522,25, a título de danos patrimoniais;

c) A pagar a quantia de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais;

d) A pagar ao autor a quantia de € 750,00 mensais, desde a propositura da presente ação e enquanto perdurar o processo da “Planipico”, pendente no Tribunal Judicial do Pico; e

e) A pagar os juros vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento, no tocante aos danos de natureza patrimonial, e desde a sentença até integral pagamento sobre a quantia que vier a ser fixada a título de dano não patrimonial.

O Réu, representado pelo Ministério Público, apresentou contestação no sentido da improcedência da ação.

Foi proferido despacho saneador.

Designado dia para audiência de julgamento, a mesma foi dada sem efeito, sendo proferida de imediato sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo o réu do pedido.


*

Não se conformando com a mesma, o autor dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

1. O nó górdio do dissenso contido no presente recurso prende-se exclusivamente à interpretação jurídica da norma inserta no n.º 2 do artigo 13º da Lei 66/2007 de 31 de Dezembro.

2. Ora o sobredito inciso legal estatui que “o pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente”,

3. Fazendo a douta decisão recorrida (aliás, na esteira da jurisprudência nacional) veemente apologia de que a partícula linguística “revogação” traz imanente a necessidade desta haver operado por decisão de um Tribunal superior.

4. Ora, salvo o devido respeito – que é efetivamente nutrido – tal hermenêutica emerge absolutamente desfasada quer do teor literal da norma, quer de uma leitura conforme à Constituição.

5. Desde logo, a umbilical colagem entre “revogação” e “decisão do Tribunal superior” não se fundamenta em qualquer argumento juridicamente sustentado.

6. Na verdade, etimologicamente “revogar” tem o significado de “anular”, “tirar o efeito”, “rescindir”, “invalidar”,

7. Não se descortinando da leitura das normas que compõem o do Livro IV do Código de Processo Penal (artigos 191º a 228º do CPP, exatamente titulado “Das medidas de coação e de garantia patrimonial) que, nesta concreta sede, o conceito adquira um conteúdo semântico distinto daquele supra referido.

8. Com efeito, do artigo 212º (maxime n.º 1 e 4) ressuma com meridiana e transparente clareza que a revogação de qualquer medida de coação deve ocorrer imediatamente por decisão judicial logo que deixe de se verificar o condicionalismo factual e jurídico em que surgiu no mundo juridicamente significante, ordenada pelo juiz.

9. Ou seja, é manifestamente apodíctico que para que uma medida de coação seja revogada não é necessário existir uma decisão de um tribunal superior…

10. Dizendo o óbvio tal “exigência” colidiria abruptamente com a natureza específica dos meios de coação que na sua qualidade eminentemente conservatória e instrumental dos fins do processo penal (no dizer do Insigne Mestre, Prof. FIGUEIREDO DIAS, realizar a justiça, através da descoberta da verdade material) só devem manter-se enquanto proporcionais, adequadas e estritamente necessárias à teleologia que servem!

11. No entanto, segundo a tese expendida na decisão recorrida o cidadão que, ao abrigo de qualquer uma das alíneas do n.º 1 do artigo 212º do CP Penal, veja revogada pelo juiz da primeira instância a medida de coação que lhe havia sido aplicada mesmo no cado da al. a) do citado inciso, para efeitos de uma indemnização terá uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma…

12. Com efeito, a “revogação” não vale já que não vem ungida pela sacrossanta posição do Tribunal Superior.

13. Ora, tal construção é manifesta e crassamente violadora da intencionalidade precipitada na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no artigo 22º.

14. Em tal artigo da norma normarum o legislador Constituinte consignou que “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis (…) com os titulares dos seus órgãos (…) por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa delas, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

15. Ora, in casu, é flagrante a violação dos direitos do autor/recorrente e os prejuízos que dessa violação resultaram.

16. Com efeito, esteve suspenso do exercício funcional de administrador de insolvências entre 19 de Março de 2010 a 25/05/2011, i. é, durante um ano, dois meses e seis dias, em que se viu impedido de obter qualquer rédito dessa sua atividade, que havia transformado em principal ocupação profissional.

17. E esteve submetido a tal estatuto coactivo por força de uma acusação que lhe imputava a prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito e de um crime de falsificação de documentos.

18. Todavia, a imputação da corrupção passiva própria ancorava numa leitura arrevesada (ou interpretação de terceiro grau…) de uma singela e normal conversa telefónica,

19. E a falsificação de documentos não passaria de uma alegada simulação relativa que nem a provar-se reuniria os elementos típicos que permitiriam condenação por tal tipologia criminosa.

20. Foi, pois, naturalmente absolvido dado o ruidoso desmoronamento da tese feita plasmar pelo Ministério Público na acusação (e amplamente acolhida na decisão da Mma. Juiz d Instrução que aplicou a medida).

21. Todavia, diz-se, como Douto Acórdão da Relação de Coimbra sufragou tal entendimento – como acontece quase sempre – a reiteração do erro, além de o “diabolizar”, revestiu-o com a patine de uma inexpugnabilidade hermética.

22. Ou seja, este Estado que nos esmaga (designadamente fiscalmente e que se imiscui como guardião de tudo e mais alguma coisa) quando lhe toca a ele não se mostra disponível para cumprir a Constituição e arrostar com as consequências dos seus actos, ainda que lícitos…

23. De resto, além de desconforme ao Texto Fundamental, na interpretação que se critica, a própria redação da Lei choca com a Jurisprudência europeia.

24. Na verdade, a exigência da prévia “revogação” (e seja por tribunal superior ou por “jurisdição competente”) é inconciliável com a orientação dimanada dos Acórdãos Kobler (C-224/01, de 20 de Setembro de 2003) e Traghetti (C-173/03 de 13 de Junho de 2006) onde foi decidido que a decisão que violava direito comunitário havia sido exarada por um Tribunal Supremo (logo irrecorrível e, como tal, de impossível “prévia revogação”).

25. Na verdade, é justamente nos casos em que há violação de norma comunitária, e já não é possível a obtenção de decisão que a respeite, que se impõe a possibilidade da via indemnizatória.

26. Com efeito, tal via emerge como único meio de o particular obter algum ressarcimento.

27. Ora, a tipologia da procedimentalidade a que foi submetido o recorrente viola a ideia do fair trial, ou due process of law, com arrimo constitucional (artigo 20º da CRP) e na CEDH (artigo 6º).

28. Com efeito ambos os preceitos garantem o direito a um processo equitativo, matricialmente informado pelos princípios materiais da justiça em toda a dinâmica processual.

29. Ora, um circunstancialismo como o descrito – em que avulta o olvido sistemático do “alerta” do recorrente da fragilidade dos meios probatórios em que se estribou a aplicação da medida de coação, bem como dos prejuízos que a manutenção da mesma lhe causava, bem como a sua sustentação num alegado crime (falsificação de documentos) em que nem sequer existiam os elementos normativos típicos – emerge nos antípodas do processo justo.

30. Pelo que violadas se mostram as citadas normas constitucional e da CEDH.

31. Ora, neste conspecto, é patente que a norma do artigo 13º, n.º 2, da Lei 67/2007 irrompe contra norma comunitária,

32. E face ao primado do direito comunitário em face do nacional (defendido desde o acórdão Costa/ENEL (Proc. 6/64 de 15 de Julho de 1964, retomada nos acórdãos Simmenthal (de 9 de Março de 1978, 106/77 e Factortame (de 19 de Junho de 1990, C-213/89) e desenvolvida no acórdão von Colson e Kamann (de 10 de Abril de 1984, 14/83).

33. Ou seja, a primazia do direito comunitário sobre o direito nacional emerge como elemento fundante da autonomia do respetivo ordenamento e como uma obrigação de facere.

34. Exatamente porque radica num acervo de princípios dotados de incontornável espessura e axiologicamente fundados; na verdade, os direitos fundamentais da pessoa informam e estruturam os princípios gerais de direito comunitário, cuja observância é garantida pelo Tribunal de Justiça; a protecção desses direitos deve ser garantida tendo em conta os objetivos da União Europeia e tem como fonte inolvidável as tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros, bem como os instrumentos internacionais relativos à proteção dos direitos fundamentais em que os Estados-Membros aderiram, nomeada e especificamente a Convenção Europeia dos Direitos do Homem;

35. Isto é, e consequentemente, na UE são inadmissíveis medidas inconciliáveis com os direitos fundamentais reconhecidos e garantidos nos ditos instrumentos.

36. Assim, a douta decisão recorrida é manifesta e claramente tirada, omitindo a violação do princípio do fair trial ocorrido no processo penal em causa – reconhecido no artigo 6º da CEDH.

Termos em que, na procedência do presente recurso deve a Douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene a prossecução dos autos para aferir da bondade da pretensão do autor.


*

O Réu apresentou contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.

Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.


II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se o requisito da “revogação” da decisão implica que a medida de coação tenha sido objeto de revogação por um tribunal superior.
2. Em caso afirmativo, se tal viola a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS
1. Requisito da revogação da decisão.
Pretendendo o autor a condenação do Estado por responsabilidade extracontratual por “erro judiciário”, encontra-se aqui em causa, unicamente, a interpretação a dar ao nº2 do artigo 13º, da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro:
“2.O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”
O Juiz a quo, considerou que tendo a decisão danosa – decisão do juiz de instrução que decretou a medida de coação – sido objeto de interposição de recurso, e tendo o tribunal da Relação vindo a julgar o recurso improcedente, confirmando tal decisão, não se encontraria verificado o requisito da “revogação prévia”, não servindo para o efeito a revogação da medida decretada na sequência da sentença absolutória que veio a ser proferida a final.
Insurge-se o apelante contra tal entendimento, defendendo, em primeiro lugar, que a “revogação” de qualquer meio coativo nos termos do artigo 212º do Código Processo Penal deve ocorrer por decisão judicial logo que deixe de se verificar o condicionalismo factual e jurídico que a determinou, sem necessidade de existência de uma decisão do tribunal superior.
Não podemos dar razão ao apelante.
O que se discute aqui não é significado da expressão “revogação” de uma medida de coação para efeitos do Código de Processo Penal – que abrange qualquer situação em que a mesma é declarada extinta, seja pelo próprio tribunal, seja por um tribunal superior –, mas o sentido a dar à “revogação da decisão danosa” exigido pelo nº2 do artigo 13º da Lei nº 97/2007.
E, neste âmbito, a doutrina é unanime em considerar que a lei exige, como pressuposto da admissibilidade do pedido indemnizatório, que a decisão em causa haja sido “revogada pelo tribunal competente”.
A Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, que aprova o regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, veio estender ao domínio da administração da justiça o regime da responsabilidade da administração, com duas ressalvas: a) a que decorre do regime próprio do erro judiciário; b) inadmissibilidade de os magistrados responderem diretamente pelos ilícitos que cometam com erro ou culpa grave.
Dentro do âmbito da responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes da função jurisdicional – por factos ou omissões imputáveis à função jurisdicional –, o legislador contempla duas situações geradoras de danos decorrentes do deficiente funcionamento do aparelho judiciário: a violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 12º) e o erro judiciário (artigo 13º).
É o seguinte o teor do citado artigo 13º, sob a epígrafe “Responsabilidade por erro judiciário”:
“1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto.
2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
O regime da responsabilidade civil por danos decorrentes de erro judiciário, apenas se reporta à responsabilidade por danos ilicitamente causados por: a) decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal; b) decisão jurisdicional manifestamente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto.
E subordina essa responsabilidade à prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente, a qual é fundamento do pedido de indemnização[2].
Quanto ao sentido a dar a tal exigência, afirma Carlos Alberto Fernandes Padilha: “Tal significa que o requisito ilicitude – consubstanciado na existência de erro de julgamento – terá de ser demonstrado, não através da ação de responsabilidade civil que se destine a efetivar o direito de indemnização pelo exercício da função jurisdicional, mas no próprio processo judicial em que foi cometido o erro e por via dos meios impugnatórios que, no caso, forem admissíveis[3]”.
Como refere tal autor, o reconhecimento judicial do erro constituiu um pré-requisito da responsabilidade civil pelo exercício da função jurisdicional, sendo uma condição prévia à demonstração da ilicitude, como pressuposto necessário do direito de indemnização[4]”.
Tal requisito da revogação prévia destina-se a evitar, tal como se fez constar da exposição de motivos da proposta de Lei nº 95/VIII, que sejam os tribunais administrativos, no âmbito de uma ação de responsabilidade, a pronunciar-se pela bondade intrínseca das decisões jurisdicionais.
Por outro lado, o juízo absolutório que venha a ser proferido na sentença final não retira, sob qualquer forma, o fundamento lógico da atuação lícita do julgador, nem o transforma em erro judiciário[5].
Existindo um mecanismo específico para procurar evitar a consumação de decisões erradas, a reação contra uma decisão judicial ferida de erro deve assentar, em primeiro lugar, no sistema de recursos instituído pelo ordenamento jurídico[6].
Aqui chegados, poder-se-á colocar-se a seguinte questão, para a qual Maria José Rangel Mesquita chama a atenção, que é a de saber se o ordenamento jurídico oferece ao lesado por erro judiciário os meios necessários a obter a revogação da decisão danosa, enquanto fundamento do pedido de indemnização, ou se tal possibilidade não existe ou não existe em todos os casos, por razões que se prendem com o valor da causa.
“Se a revogação da decisão danosa apenas puder ser obtida pelo lesado de acordo com os meios processuais de reapreciação de decisões judiciais à sua disposição, pode acontecer que não seja admissível recurso ordinário (em razão do valor da causa ou da sucumbência) ou um recurso extraordinário de revisão. Tal implica que o lesado não conseguirá, por sua iniciativa, preencher o requisito da prévia revogação da decisão danosa e, consequentemente, demandar o Estado e deduzir o seu pedido de indemnização[7]”. A referida autora, propõe assim, que o legislador preveja uma disposição expressa que permita a revogação, pela jurisdição competente, de sentença danosa fundada em erro judiciário, configurando um verdadeiro direito à revogação no caso de decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificada por erro grosseiro nos respetivos pressupostos de facto.
Tal preocupação remete-nos para a questão levantada em 2º lugar pelo apelante nas suas alegações de recurso no sentido de que a exigência da “prévia revogação” seria inconciliável com o Direito da União Europeia, sendo hoje consensual a admissibilidade da responsabilidade da responsabilidade de um Estado membro da União em consequência da violação do direito da União imputável ao exercício da função jurisdicional, mesmo que tal violação resulte da decisão de um tribunal que decida em ultima instância.
Percebe-se o melindre da exigência prevista no nº2 do artigo 13º naqueles casos em que a decisão “danosa” não seja suscetível de recurso – seja por não o admitir em razão do valor, seja por se tratar de uma decisão proferida pelo STJ[8].
Contudo, no caso em apreço, tais preocupações não tem razão de ser. Ao aqui autor foi dada a possibilidade de recorrer da decisão “danosa”. O que sucedeu, foi que a mesma foi confirmada pelo tribunal da Relação.
Se o tribunal de recurso, que poderia pronunciar-se em última instância sobre a matéria da causa, manteve o entendimento do tribunal recorrido, não pode dar-se como existente o erro de julgamento para efeitos de responsabilidade civil[9].
A apelação terá de ser julgada improcedente.
IV – DECISÃO
 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a suportar pela apelante.

                                                                       Coimbra, 01 de março de 2016
Maria João Areias ( Relatora )
Fernanda Ventura
Fernando Monteiro


V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.

1. O requisito da “revogação da decisão danosa”, previsto no nº2 do art. 13º da Lei nº 67/2007, significa que a lei exige, como pressuposto da admissibilidade do pedido indemnizatório, que a decisão em causa seja revogada por via dos meios impugnatórios que, no caso, sejam admissíveis.

2. Se o tribunal de recurso, que poderia pronunciar-se em última instância sobre a matéria da causa, manteve o entendimento do tribunal recorrido, não pode dar-se como existente o erro de julgamento para efeitos de responsabilidade civil pelo exercício da função jurisdicional.
 


[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o artigo 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] Maria José Rangel de Mesquita, “A Responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional: âmbito e pressupostos”, disponível in http://www.icjp.pt/, pág. 16.
[3] “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado”, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 271.
[4] Obra citada, pág. 276.
[5] Neste sentido, Tiago Manuel de Lourenço Afonso, obra citada, pág. 36, e Acórdãos do STJ de 19.09.2002, relatado por Neves Ribeiro, de 29.01.2008, relatado por Salvador da Costa, e de 03.12.2009 relatado por Alberto Sobrinho.
[6] Chamamos a atenção para o facto de não nos encontrarmos perante a aplicação de uma medida de coação privativa da liberdade, para a qual o legislador, concretizando o princípio consagrado no nº5 do artigo 27º da CRP, criou, no artigo 255º do CPP, um regime específico de indemnização por privação da liberdade ilegal ou injustificada: com a alteração que lhe foi introduzida pela Lei nº 48/2007, permite-se a indemnização do arguido cuja medida de coação era regular ex ante, mas que se vem a revelar injustificada ex post por sentença absolutória, em que se comprove que não foi agente do crime ou que atuou ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude – Tiago Manuel de Lourenço Afonso, “A Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por Acto da Função Jurisdicional”, Porto Maio de 2013, tese de mestrado, sob a orientação e Mário Aroso Almeida, disponível in http://repositorio.ucp.pt/.
[7] Maria José Rangel de Mesquita, “A Responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional: âmbito e pressupostos”, págs. 17 e 18.
[8] De qualquer modo, o tribunal constitucional, tendo sido chamado a apreciar a norma aqui em causa, veio a considerá-la de acordo com a constituição – Acórdão nº 363/2015, relatado por Pedro Machete.
[9] Neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, obra citada, pág. 276.