Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
141/10.6GBPCV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: COACÇÃO
TENTATIVA
Data do Acordão: 10/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 154.º, N.ºS 1 E 2, E 155.º, N.º 1, ALÍNEA A), AMBOS DO CP
Sumário: I - A tentativa é uma extensão da incriminação de um determinado tipo de crime. Só se verifica quando o agente inicia a prática dos actos objectivamente necessários para a realização do crime, mas não se produz o resultado por circunstâncias estranhas à vontade do agente (portanto, em que não há desistência ou impedimento voluntário do resultado), subsistindo apenas o perigo de lesão do bem protegido na norma incriminadora.

II - O arguido, ao ameaçar outrem de morte, com o objectivo de o coagir a abster-se de uma acção, traduzida na não deslocação a um determinado terreno - constrangendo-o, assim, a não exercer actos de fruição do seu direito de propriedade sobre o mesmo -, sem que tenha conseguido atingir os seus intentos, ou seja, impedir a(s) ida(s) do ameaçado ao prédio rústico, cometeu um crime de coacção na forma tentada, p. e p. nos artigos 154.º, n.ºs 1 e 2, e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do CP.

Decisão Texto Integral:           Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

No processo supra identificado, foram os arguidos A... e B..., completamente identificados nos autos, foram acusados da prática em co-autoria material de um crime de coacção agravada, na forma tentada, um crime de dano e um crime de injúrias, o procedimento criminal relativamente a estes dois últimos crimes, foi declarado extinto por desistência do ofendido, permanecendo a acusação pelo crime de coacção por, quanto a ele ser ineficaz a desistência da queixa, fls. 255 e seg.
Prosseguindo o processo seus termos normais, vieram os arguidos a ser condenados pela prática de um crime de coação agravada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º, 154º, nº 1 e 2, e 155º, nº 1, al. a) do Código Penal, cada um, na pena de (oito) meses de prisão, que nos termos do art. 43º do Código Penal, foi substituída por 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 6 € (seis euros), o que perfaz um total de1.440,00 €.
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Inconformados com o assim decidido, vieram ambos os arguidos a interpor recurso, despedindo a respectiva motivação com as seguintes:

Conclusões:
1. Na sentença recorrida, deram-se, para além do mais, como provados os factos relativos (pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 dos factos provados) à prática de um crime de coação agravada pelos arguidos, com fundamento nas regras da experiência e nas declarações do assistente e das testemunhas C... e D....
2. Salvo o devido respeito, a senhora juíza a quo andou mal na apreciação da prova produzida em julgamento, pois, nem as regras da experiência são de molde a retirar as conclusões que retirou, nem as declarações que refere são idóneas a corroborar as mesmas.
3. Na verdade, os depoimentos conjugados do assistente (gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal de 00.00.01 a 00.23. 10 minutos) e das testemunhas C... (gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal de 00.00.01 a 00.12. 12 minutos) e D... (gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal de 00.00.01 a 00.12. 13 minutos), de que supra se transcreveram os excertos mais relevantes, não permitiam dar como provada tal factualidade.
4.Com a presente impugnação da matéria de facto, pretendemos contrariar a matéria de facto vertida no ponto 3 - facto essencial donde os demais derivam - que, assim, deverá ser eliminada, e, consequentemente, impugnar os factos vertidos nos pontos 4, 5, 6 e 7 , que também devem ser eliminados.
5. Da parte transcrita - a quase totalidade - do depoimento do assistente resulta que o mesmo é incoerente e não merecedor de crédito, inidóneo a fundamentar a prova dos factos vertidos no ponto 3, e, consequentemente, nos pontos 4, 5, 6 e 7, designadamente, porque dele ressalta:
 • que o mesmo não teve qualquer medo ou receio de quaisquer palavras ditas no decurso da discussão;
• que é contraditório e inconsequente porque, ora diz que os arguidos queriam era agredi-lo, ora diz que, afinal, o podiam querer também matar ( aqui, manifestamente, sem qualquer convicção).
• que a sua referência a um “dossier” onde tem, para além dos arguidos, outros indivíduos que também, pelos vistos, teme que o matem, mostra uma personalidade de quem, ou tem medo de tudo, ou, antes, como o seu comportamento aparenta, não tem medo de nada...
• que, como resulta da experiência comum, numa conversa ou discussão, duas pessoas não dizem nunca a mesma coisa, ao mesmo tempo, como quis fazer crer o assistente;
 • que não merece crédito atribuir aos dois arguidos a mesma conduta , quando, simultaneamente, diz que um - o mais novo - o queria agredir e o outro o impediu; o mesmo que, já noutra circunstância, também tinha impedido outra pessoa de o agredir...
6. Da parte transcrita do depoimento da testemunha C... resulta forte incoerência e contradição, designadamente, quanto à pretensa dupla autoria das ameaças”.
7. Da parte transcrita do depoimento da testemunha D..., no que concerne às imputadas ameaças, o mesmo contraria o do assistente em pontos essenciais. Na verdade, do seu depoimento resulta que:
• a frase “Se a gente lá o apanha, não sai de lá” única a que poderia, eventualmente, ser atribuído conteúdo de ameaça, foi proferida só por um dos arguidos que não conseguiu identificar;
• que nunca ouviu a palavra” cemitério”.
8. Do conjunto da prova valorizada pela senhora juíza a quo, salvo o devido respeito, não é possível retirar que
• quando os arguidos chegaram o assistente estava no logradouro;
• tenham “ vociferado” as expressões vertidas no ponto 3 dos factos provados e, designadamente, que tenha sido proferida a palavra “cemitério”;
• as palavras foram proferidas por ambos os arguidos.
9. Também não é possível concluir, face às regras da experiência invocadas na sentença, que ambos os arguidos fizeram ameaças, porquanto:
• se tivesse havido ameaças, como tal entendidas pelo assistente, o que a experiência diz é que este se retiraria imediatamente para dentro de casa, o que não ocorreu, tendo ainda sua esposa chamado “garotos” aos arguidos;
 • existe total incompatibilidade entre a conduta de impedir a agressão a uma dada pessoa e , simultaneamente, fazer-lhe ameaças de morte. duas pessoas não pronunciam, ao mesmo tempo, as mesmas frases, ainda por cima com uma formulação tão perfeita como é a que se mostra vertida no ponto 3 dos factos provados.
10. A senhora juíza não se deu sequer ao cuidado de esclarecer como foi possível atribuir aquelas frases de construção tão perfeita, a dois arguidos ao mesmo tempo. E, face à prova produzida, que viemos de transcrever, seria o mínimo exigível, para que os seus destinatários pudessem acompanhá-la no iter percorrido na formação da sua convicção, a tal propósito. Por outro lado:
11. Também se não mostra provado que da conduta dos arguidos tenha havido para o assistente condicionamento da “liberdade de acção, determinação e paz individual” ponto 4 da matéria de facto).
 Na verdade,
12. Para além do pouco que disse o próprio assistente, nenhuma outra prova foi efectuada, sendo certo que o contrário até resultou do depoimento da testemunha E... (gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal de 00.00.01 a 00.06. 08 minutos) de que se transcreveu o respetivo excedo na motivação.
13. Face à prova produzida, supra transcrita, deve este tribunal: eliminar dos factos provados o ponto 3. eliminar, igualmente, o ponto 4. E como decorrência necessária de tal decisão, eliminar os pontos 5, 6 e 7 dos factos provados.
14. Aliás, mesmo que se entenda não ser tão segura a prova no sentido que vimos de apontar, nunca poderia deixar de ser eliminada a matéria de facto em questão pontos 3, 4, 5, 6 e 7) por força do princípio da presunção de inocência (in dubio pro reo).
15.Efetivamente, face à divergência interna do depoimento da testemunha C..., bem ressaltada no corpo da motivação, quanto à autoria das pretensas ameaças, e face ao teor expresso do depoimento da testemunha D..., que supra se transcreveu e apreciou (Cf. Motivação e conclusão P) sempre se estaria perante uma impossibilidade de condenação de ambos os arguidos, por decorrência do princípio in dubio pro reo.
16. Em face do exposto, sempre este Venerando Tribunal, em respeito pelo principio da presunção da inocência (in dubio pro reo), não poderia deixar de julgar não provados os factos dos pontos 3,4,5,6 e 7 da sentença.
17. Sendo eliminados os factos supra referidos, como entendemos dever acontecer, é manifesto que não se mostra provada a factualidade típica do art. 154° do C.P.; não se mostrando, de igual, modo, verificados os elementos típicos da al. a) do nº1 do ad. 155° do C.P.
18. Pelo que, os arguidos ser absolvidos, com as legais consequências.
19. Mas mesmo que se entendesse que a matéria de facto não deveria ser alterada - o que se não admite e só por necessidade de raciocínio se refere - sempre se dirá que a mesma não permitiria a condenação pela prática, sob a forma tentada, do crime de coação agravada p.p. pelos art.s 154° e 155° do C.P.;
20. uma vez que, tratando-se de um crime de resultado, não só não houve consumação, como não houve tentativa, dado esta só existe, de acordo com a ob. citada na motivação (‘...)quando o destinatário da adequada acção de coacção adopta um comportamento que objectivamente está conforme a imposição do coactor, mas não por medo da coação, mas exclusivamente porque tal corresponde à sua vontade, quer esta vontade já se tenha decidido antes da acção de constrangimento (antes de receber a ameaça coactiva) ou só se tenha formado posteriormente”
21. O que, manifestamente, não ocorre no caso ajuizado, uma vez que, como reconhece a própria sentença, o assistente nunca deixou de ir ao terreno, no que consistiria - a ter-se por assente a matéria do ponto 3 dos factos provados - a imposição dos arguidos (“coatores “).
22. Ora, assim sendo, como é, torna-se inequívoco que os arguidos nunca poderiam ser condenados pelo crime de coação agravada, na forma tentada.
23. Ao tê-los condenado, nos termos em que o fez, violou a sentença recorrida a lei e, em especial, os art.s 22°, 23°, 154°, 1 e 2 e 155°, 1, ai. a) do CP, pelo que, deve ser revogada, absolvendo-se os arguidos, com as legais consequências.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso.
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O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso defendendo a improcedência do mesmo.
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O recurso foi recebido e enviado a este tribunal.
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Já nesta instância, a Ex.mo Procurador Geral Adjunto a quem os autos foram continuados, louvando-se na resposta dada na 1ª instância, defendeu também a improcedência total do recurso.
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Corridos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir:


II – FUNDAMENTAÇÃO
Factos provados
1) Há uns tempos a esta parte, o pai dos arguidos B... e A... mantém um diferendo com o assistente F...devido à delimitação das estremas de terrenos confinantes dos quais eram proprietários, sitos em Entroncamento, Santo André, X....
2) No dia 02 de Novembro de 2010, cerca das 20h30m, os arguidos em virtude de tais desinteligências, deslocaram-se à residência do assistente também localizada em Entroncamento, Santo André, X....
3) Ali chegados, os arguidos após verificarem a presença do assistente no logradouro existente defronte da habitação deste, referindo-se a ele, vociferaram repetidamente “quer roubar o terreno ao nosso pai; aquele terreno não é seu; não ponha lá mais os pés senão não sai de lá vivo e mandamo-lo para o cemitério”.
4) Os arguidos estavam cientes da idoneidade das expressões descritas em §3 para fazer o assistente temer quer pela sua integridade física, quer pela vida, bem assim, para lhe condicionar a liberdade de acção, determinação e paz individual, o que conseguiram como representaram.
5) Tudo no intento de compelir o assistente, sempre contra a sua vontade, a não mais se deslocar ao terreno da discórdia e, consequentemente, a deixar de praticar os poderes de facto inerentes ao direito de propriedade por si reivindicado.
6) Resultado que não aconteceu por motivos absolutamente alheios à vontade dos arguidos.
7) Em todas as circunstâncias, os arguidos actuaram de forma livre e voluntária, perfeitamente convictos da ilicitude penal das suas condutas.
8) Os arguidos não têm antecedentes criminais.
9) O arguido Luís Pedro retira mensalmente da sua actividade profissional 675,00€.
10) Tem a seu cargo uma prestação relativa a empréstimo habitação no valor de 270,00 €.
11) Tem de habilitações literárias o 11º ano de escolaridade.
12) O arguido A... vive com a esposa que está empregada, suportando o casal uma prestação mensal relativa ao empréstimo habitação no valor de 400,00€.
13) Retira mensalmente da sua actividade profissional cerca de 750,00 €.
14) Tem de habilitações literárias o 12º ano, e frequência do 2º ano do curso superior de gestão de empresas.
15) Os arguidos são consideradas pessoas educadas, respeitadoras e pacíficas, bem conceituadas no meio profissional e social em que se encontram inseridos.
16) Em sede de transacção quanto ao pedido de indemnização cível efectuada em momento prévio à produção de prova em audiência de julgamento, os arguidos comprometeram-se a pagar ao assistente 1.050,00 €.
17) Em momento prévio à produção de prova em audiência de julgamento o assistente desistiu da queixa contra os arguidos.
Factos não provados
Com relevância para a causa inexistem factos por provar.
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O tribunal motivou a sua convicção probatória nos seguintes termos:
Motivação
O tribunal fundou a sua convicção sobre a factualidade apurada, à luz das regras da experiência comum, no auto de denúncia de fls. 3 e 4 conjugado com as declarações do assistente e das testemunhas C... e D... quanto aos factos descritos na acusação, nos CRCs dos arguidos de fls. 252 e 253 e nas declarações por estes prestadas apenas quanto à sua situação sócio económica, e nos depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa quanto à boa consideração de que gozam os arguidos no meio social em que estão inseridos.
O assistente prestou declarações seguras e coerentes, descrevendo o circunstancialismo que se deu por provado bem como as concretas expressões imputadas aos arguidos que agiam na defesa da mesma “causa”, não tendo quaisquer dúvidas em atribuí-las a ambos. Corroborou o auto de notícia de fls. 3 e 4.
A testemunha C..., sua esposa, confirmou espontaneamente as declarações do assistente assim como a testemunha D..., pessoa sem especial ligação a qualquer dos interessados que passou no local aquando do conflito gerado tendo presenciado parte do mesmo, que prestou depoimento desinteressado e convergente com as declarações do assistente.
Resulta pois da prova produzida que os arguidos actuaram no intento comum de compelir o assistente a não mais se deslocar ao terreno da discórdia e, consequentemente deixar de praticar os poderes de facto inerentes ao direito de propriedade por si reivindicado e que este sentiu medo, vendo prejudicada a sua liberdade de acção, determinação e paz individual. A prova produzida corrobora a versão do assistente, cujas declarações encontram suporte nos demais meios de prova, não tendo sido infirmadas por qualquer outro meio de prova.
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Delimitação do recurso
Como é sabido, são as conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que definem o “thema decidendum”. No caso vertente, as questões postas à consideração deste tribunal são fundamentalmente duas; saber se a matéria de facto deve ser modificada nos pontos indicados pelos recorrentes, e, resolvida esta questão se a dita matéria integra a prática por ambos os arguidos, ou algum deles, do crime que lhes foi imputado na sentença recorrida.
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Impugnação da matéria de facto:
            No nosso sistema processual penal, em matéria de apreciação da prova, rege o artº 127º, que estabelece o princípio da livre apreciação da prova, também designado por sistema da íntima convicção ou de prova moral, que se contrapõe ao sistema da prova legal, que implica a pré-fixação pelo legislador da valoração dos meios de prova.
Esta regra da livre apreciação da prova “não se confunde com a apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo” (Conf., Simas Santos e Leal Henriques, in Cód. Proc. Penal, Anotado, vol. I, pág. 685).
O julgador é livre na apreciação da prova, conquanto vinculado esteja aos princípios em que e consubstancia o direito probatório (artº 127º), pelo que a liberdade concedida se trata de uma liberdade de acordo com um dever, qual seja o de perseguir a chamada verdade material, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controle.
Deste modo, a liberdade do juiz, neste particular, mais não é que a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcendo a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros.
Citando o Prof. Germano Marques da Silva ( Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 126/127) “O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as interferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-se basear-se na correcção do raciocínio, que há-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos”
Na tarefa de apreciar a prova, o julgador tem, grande parte das vezes, de se socorrer de presunções judiciais tendo o recorrente atacado os juízos que foram formulados com base nelas.
 As presunções judiciais, também chamadas presunções naturais ou “homini”, mais não são do que uma aplicação das regras da lógica e da experiência comum, pois que, como melhor se refere no Ac. STJ de 27-05-2012 (Disponível in www.dgsi.pt) “consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência da vida, sem contrariar a princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido acessória ou sequencialmente objecto de prova”.
A presunção judicial apesar de não constituir prova directa, não contraria o princípio da livre apreciação da prova que permite ao julgador apreciar todas as provas - desde que não proibidas por lei - segundo as regras da experiência e da livre convicção, engloba a extracção, ante factos conhecidos, de ilações capazes de firmar um facto desconhecido, depois de descartadas, por irrazoáveis ou desconformes com as regras da experiência, quaisquer outra hipóteses divergentes conciliáveis com a existência do facto “probando (Ac. STJ de 28.06.2007, in www.dgsi.pt )
Chamaram-se estes ensinamentos á colação para dizer que aos julgadores do tribunal de recurso a quem está vedada a imediação e a oralidade em toda a extensão -quando é posta em causa a matéria de facto, mesmo que se cumpram com rigor, todos os procedimentos do nº 3 e 4 do artº 412º- só podem afastar-se do juízo feito pelo julgador da primeira instância naquilo que não se tiver operado em consonância com o princípios referidos.
É evidente que a valoração da prova por declarações depende, para além do conteúdo destas, do modo como as mesmas são assumidas pelo declarante e da forma como são transmitidas ao tribunal, circunstâncias que relevam, para além da postura e comportamento global do declarante, para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova, por via da amostragem ou indiciação da personalidade, carácter e da probidade de quem depõe.
É que ler a transcrição daquilo que foi dito e ouvir a reprodução em áudio, é bem diferente de ouvir, ver, apreciar as perturbações e hesitações, a reacção às perguntas, o corar, o alterar tom de voz, aspectos que nem a transcrição nem a reprodução magnetofónica permitem transmitir.
Daqui que o tribunal de recurso ao reapreciar a sentença baseada em prova por declarações deva, salvo em casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.
Ou seja, como refere Paulo Saragoça Matta (Jornadas de Direito Processual Penal, Almedina, 2004, pág. 253.), se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada.
Diga-se, ainda, que a prova no domínio do direito processual, ao invés do que ocorre com a demonstração matemática ou com a experimentação no campo da ciência, não visa a certeza lógica ou absoluta, mas apenas a convicção essencial às relações práticas da vida social (A. Varela in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora 2º ed. pág. 407.)

Vejamos então se os meios de prova que foram indicados pelos recorrentes, as declarações do assistente, e os testemunhos da esposa deste e de D..., impõem decisão diversa da recorrida. E, desde já adiantamos que não.
Com efeito, os recorrentes assentam a sua impugnação na desvalorização dos depoimentos destas três pessoas, ou seja, entendem que o juízo feito pelo tribunal recorrido não podia assentar neles, porque são contraditórios e incoerentes, esquecendo que uma prova sem discrepâncias ou contradições, é praticamente impossível, e que nem por isso o tribunal está impedido de extrair a sua convicção acerca dos factos probandos.
O assistente afirma que quando estava no escritório com a esposa, no dia dos factos, Novembro de 2010, tocaram á campainha, veio ver quem era e quando chegou ao jardim, viu os arguidos que em tons agressivos e ofensivos, a apontaram para o monte de ferros e arames enquanto lhe diziam: “Está a ver o que está ali? Se vai ao terreno não sai de lá vivo” “o Sr. é o maior ladrão de X...”.
“E ainda se lá vai, vai parar ao cemitério, se lá vai não sai de lá vivo”
A testemunha D... que não presenciou toda a cena, afirma que quando foi confrontado com ela os arguidos “já ali estavam há mais tempo a discutir” diz que ouviu os arguidos, embora um mais nervoso do que outro, a ameaçarem o assistente com expressões “Se lá vai não sai de lá vivo” “Se lá o apanhamos não sai de lá” “ Você é o maior ladrão de X...”, já iam a entrar para o carro e ainda gritavam.
Enquanto a mulher do assistente C..., que ficou no escritório enquanto o assistente veio ao jardim para ver o que se passava, começou a ouvir barulho, veio também ao jardim e viu que aí estavam, já da parte de dentro, os ferros e arames que, nesse mesmo dia, o marido tinha andado a pôr no terreno que é o pomo da discórdia entre arguidos (ou melhor o pai destes, proprietário do térreo confinante) e o assistente, “ambos ameaçavam de morte o meu marido “ “ai dele que pusesse os pés no terreno que não saía de lá vivo” “aquilo era um barulho tremendo “diziam que haviam de pôr o meu marido no cemitério”, “chamaram-lhe ladrão, que ele era o maior ladrão de X...”.
“Passado um bocado meteram-se numa carrinha de caixa aberta e ainda gritavam.”
Perante estes depoimentos, que não foram contraditados por outra prova, não se vê como se possa pôr em causa a convicção de que efectivamente os arguidos dirigiram reiteradamente ameaças de morte ao ofendido.
 O facto de a testemunha D... não ter ouvido apalavra “cemitério” não quer dizer que ela não tivesse sido proferida. Além de esta testemunha não ter presenciado toda a “discussão”, tal como o assistente e a esposa, afirma que os ânimos estavam exaltados e um dos arguidos queria bater no ofendido enquanto o outro o puxava para trás tentando impedir a agressão, o que denota alguma confusão e gritaria que permite explicar que a testemunha não tivesse ouvido a palavra cemitério, sendo certo que, mesmo sem o uso desta palavra, as expressões que indicou são bem elucidativas das ameaças de morte proferidas contra o assistente.
Quanto ao facto de serem ambos os arguidos a proferirem as ameaças, não se vê como decidir de outro modo.
Ninguém afirmou que os arguidos disseram as mesmas coisas ao mesmo tempo, como afirmam os recorrentes, mas daqui não resulta que as expressões ameaçadoras não tivessem sido proferidas por ambos. É que as três testemunhas indicadas dizem que foram os dois embora não conseguindo distinguir concretamente o que cada um disse.
O assistente perguntado a este respeito não teve dúvidas em dizer que eram os dois embora o mais velho demonstrasse menos agressividade, até porque como refere o assistente, os arguidos referiam-se sempre ao “terreno do nosso pai”, expressão que é reveladora do envolvimento de ambos.
 Aliás, se não fossem os dois a actuarem contra o assistente, o que faziam ambos em frente da casa deste e por que aí se deslocaram ambos e depositaram os restos da vedação no jardim?
Apesar de as pessoas que presenciaram a cena, assistente incluído, terem referido que um deles puxava o outro para evitar que agredisse o assistente, e que um era mais agressivo que o outro (identificando o assistente e a mulher o mais agressivo e aquele que o queria agredir como sendo o mais novo dos irmãos), isto não invalida que ambos proferissem expressões ameaçadoras, como todos referem, e que estivessem animados do mesmo propósito de coagirem o assistente para não ir ao terreno ameaçando-o de morte se tal acontecesse.
Apreciados os depoimentos das pessoas em causa à luz das regras da experiência comum, não é admissível concluir outra coisa que não seja que cada um deles, neste particular, aderiu à conduta do outro, e que portanto, são co-autores.
Aliás, nada foi referido em julgamento que pusesses em causa o que estas três pessoas afirmaram, certo sendo que os arguidos que tiveram participação activa nos factos, e que melhor do que ninguém podiam descrever o que se passou, remeteram-se ao silêncio.
E, não se diga que o fizerem no exercício de um direito, e que o silêncio a que se remeteram não os pode prejudicar, o que é incontestável, mas também o é que esta atitude não os pode beneficiar apoiando-se nela a dúvida acerca do que as pessoas que presenciaram os factos dizem ter presenciado e ouvido.
Também não tem qualquer razão de ser a dúvida lançada acerca do efeito que as expressões provocaram no assistente, em primeiro lugar, porque elas são objectivamente intimidatórias sendo que foi assim que o ofendido as entendeu:
            …”Eu entendi que se lá fosse eles matavam-me”
…” Agora vou menos ao terreno e com algum receio”
“Tenho igual receio dos dois, nunca se sabe o que pode surgir”
“Pelas acções deles entendi que se me apanhassem no terreno me batiam e me matavam”.
Valem estas considerações para dizer que no caso dos autos as ilações tiradas pelo julgador para atribuir o juízo de culpabilidade aos arguidos reside num puro exercício de lógica, como aliás decorre da motivação da convicção onde estão bem patentes as razões que levaram o tribunal recorrido a decidir como decidiu.
Para terminar e parafraseando o acórdão desta Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 (in C.J., ano XXVII, Tomo II, página 44), “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”., o que de modo nenhum foi conseguido pelos arguidos.
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“In dubio pro reo
Chamam os arguidos em sua defesa o princípio referido, mas também sem razão.
O princípio “in dubio pro reo” é um corolário do princípio constitucional da presunção de inocência plasmado no artº 32º nº2 da CRP, que impõe que instalando-se e permanecendo a dúvida acerca de factos referentes ao objecto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), essa dúvida deve ser sempre desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, pags 50 e 51).
Como salienta Figueiredo Dias (in Direito Processual Penal, I vol, pag 213) “Um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz – que omita decisão … - tem que ser sempre valorado a favor do arguido”, sendo que “com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dúbio pro reo”.
Tal princípio incute uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
No caso vertente, e conforme decorre da fundamentação da matéria de facto expressa na sentença recorrida o tribunal recorrido formulou, de forma bem fundamentada, a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova (maxime, segundo o disposto no artigo 127º) e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à ocorrência e prática, por ambos os arguido, dos factos submetidos à sua apreciação, à forma do cometimento dos mesmos, bem como às consequências decorrentes do seu cometimento, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal.
Perante a fixação da matéria de facto, tomada com toda a segurança pelo tribunal a quo (tal como o demonstra a exposição feita na motivação da matéria de facto), não tem sentido invocar a violação do princípio in dubio pro reo, que só opera quando, produzida toda a prova, o tribunal mantiver dúvidas sobre a prática, pelo arguido, de factos que lhe sejam desfavoráveis. Esta dúvida é que imporia ao juiz que decidisse de modo a favorecer o arguido.
Não tendo o tribunal a quo evidenciado quaisquer dúvidas sobre a prática dos factos desfavoráveis aos arguidos, (que a nós tribunal de recurso também não se suscitam como acima foi referido) não há lugar à aplicação de tal princípio.
Não pode proceder também por este meio a impugnação dos arguidos.
Improcedem, assim as conclusões 1 a 16 que tinham por objecto a impugnação da matéria de facto.
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Matéria de direito
Improcedendo a impugnação de facto, improcedem também as conclusões 17 e 18.
Nas conclusões 19 a final os recorrentes põem em causa que os factos provados sejam idóneos à condenação de ambos pelo crime de coacção na forma tentada.
Mas também aqui sem razão, como tentaremos demonstrar.
Dispõe o artº 154º, nº 1 do Cód. Penal: “Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade (…)
O nº 2 do preceito prevê a punibilidade da tentativa.
Este crime comete-se através do constrangimento de outra pessoa a adoptar determinado comportamento – praticar uma acção, omitir uma acção ou suportar uma acção. Os meios utilizados para constranger ou coagir consistem na violência ou na ameaça com um mal importante (sublinhado nosso).
Sobre o que deve entender-se por emprego de violência ou ameaça com um mal importante, escreve Maia Gonçalves ”Por violência deve entender-se não só o emprego de força física, mas também a pressão moral ou intimidação. E não se exige que a força física ou a intimidação sejam irresistíveis; basta que tenham potencionalidade causal para compelir a pessoa contra quem se empregam à prática do acto ou à omissão ou a suportar a actividade. A violência pode mesmo consistir em uma omissão, v.g. privando outrem de alimentos, mas deve ser levado em conta o circunstancialismo concreto, pois, v.g., a violência ou a intimidação susceptíveis de coagir um jovem podem não ter potencialidade para coagir um homem adulto. (Código Penal Anotado, 18ª edição, pág.598)
Este crime é agravado nos termos do artº 155º nº 1 do mesmo Código, quando for realizado “ Por meio de ameaça com a prática de um crime punível com prisão superior a três anos” (al. a), como é o caso em que as ameaças se traduzem num perigo para a vida da pessoa ameaçada.
Resulta dos factos provados que os arguidos em conjugação de esforços e intenções se deslocaram a casa do assistente com o intuito de o impedir de se deslocar a um terreno cuja delimitação é motivo de discórdia entre ele e o pai dos arguidos, e perante o assistente e com aquele desiderato, proferiram repetidamente ameaças de morte.
Não está em causa que as ameaças proferidas tinham idoneidade para constranger o assistente, não só por que este referiu que temeu pela sua vida e pela sua integridade física, mas também porque atenta a circunstância em que foram proferidas, no âmbito de uma quezília por causa da delimitação de um terreno; os arguidos deslocaram-se propositadamente a casa do assistente para as proferirem; o que fizeram em tom exaltado; querendo um deles agredi-lo logo, e ainda com a agravante de serem dois a ameaçar, são circunstâncias idóneas a incutir medo a coagir qualquer pessoa.
Ou seja, os arguidos ameaçaram o assistente de morte com o objectivo de o coagirem a omitir uma acção, deslocar-se ao terreno da “discórdia”, constrangendo-o assim a não exercer actos de fruição do seu direito de propriedade sobre o mesmo, impondo-lhe esta omissão contra a sua vontade.
O facto de não terem conseguido levar a cabo os seus intentos, ou seja de não terem conseguido impedir o assistente de se deslocar ao terreno, não invalida que tivessem praticado o crime embora na forma tentada, nos termos do nº2 do citado artº 154º, certo sendo que mesmo sem esta norma, a tentativa de crime de coacção agravada, artº 155º nº1 al. a) do Cód. Penal, seria sempre punida nos termos gerais, artº 23º nº1 do mesmo código.
A tal não obsta o facto de o crime de coacção ser um crime de resultado pois que, ao contrário do que entendem os recorrentes, a tentativa tem o seu campo de aplicação precisamente neste tipo de crime, quando o resultado não se produz por circunstâncias de todo alheias ao agente, que foi o que aconteceu no caso vertente.
A tentativa é uma extensão da incriminação de um determinado tipo de crime, e só se verifica quando o agente inicia a prática dos actos objectivamente necessários para a realização do crime, mas não se produz o resultado por circunstâncias estranhas à vontade do agente (portanto, em que não há desistência ou impedimento voluntário do resultado) subsistindo apenas o perigo de lesão do bem protegido na norma incriminadora.
Como se refere no Ac. Rel Porto de 16-09-2009, (disponível em dgsi.pt) “O dolo na tentativa é o mesmo que o do crime consumado, dirige-se a um fim e compreende os actos de execução formalmente típicos necessários, excluindo-se assim a possibilidade de tentativa no crime negligente ou no crime preterintencional.
E, continua o mesmo acórdão, agora socorrendo-se dos ensinamentos do Prof. Cavaleiro de Ferreira (Direito Penal Português, parte geral vol. II, pág. 42); “ No crime tentado o dolo não consiste apenas na vontade sob a perspectiva do fim (também assim é nos actos preparatórios), mas na vontade do fim e dos meios de o conseguir, intenção que tem por conteúdo o facto exterior a executar para consumar o crime (…) A unidade da intenção é igualmente indispensável. O dolo ou intenção na tentativa abrange conjuntamente o fim e o meio, em uma só resolução. Não há intenção na tentativa de um crime se o agente tem a intenção de preparar o crime, mas não de o consumar. O agente que inspecciona o local do crime, que procura conhecer o modo de penetrar com chaves falsas numa residência e experimenta a gazua para só mais tarde, quando verificar estarem ausentes os moradores, cometer o furto, não inicia ainda a execução. A execução não é ainda objecto da intenção; comete apenas um acto preparatório”.
No do crime de coacção a tentativa verifica-se no caso a que nos vimos a referir, mas também quando o constrangido praticou ou omitiu a conduta, visada com a ameaça, mas o fez de motu próprio, ou seja, quando não existe nexo de causalidade entre a conduta do constrangido e a ameaça, como referem os recorrentes socorrendo-se dos ensinamentos de Taipa de Carvalho (Comentário Conimbricence, tomo I pag. 359), mas isto não invalida que se verifique a tentativa em casos “normais”, onde o resultado querido pelo agente pura e simplesmente se não verifica, por circunstancias que lhe são de todo alheias.
Aliás, neste como em outros crimes de resultado, se não existir nexo causal entre os actos de execução e o resultado, o agente não pode ser punido pelo crime consumado, mas apenas pela tentativa, v.g. no homicídio, quando a morte da vítima se venha a verificar por outra causa, o mesmo acontece no crime de coacção quando o coagido opta pela conduta querida pelo coactor não por causa da actuação deste mas por sua própria vontade, p. exemplo porque a família lhe pede para o fazer, para dar o exemplo que o Prof. Taipa de Carvalho usa na ob. citada, onde, se bem entendemos, se estribaram os recorrentes para defenderem a inexistência de tentativa (conclusão 20).
Ora no caso dos autos, os arguidos executaram todos os actos necessários a constranger o arguido de exercer o direito de propriedade sobre o terreno, ameaçando-o com um mal importante, um perigo para a sua vida, mas, não obstante a respectiva conduta ser idónea a constranger o assistente a praticar tal omissão, não conseguiram o fim em vista, porque o assistente mesmo temendo pela sua vida e integridade física, resolveu, ainda assim, continuar a deslocar-se ao terreno.
Não se tendo verificado o resultado típico querido pelos arguidos, apesar de estes terem praticado todos os actos de execução, o crime não lhes pode ser imputado na forma consumada que pressupõe que os actos de execução conduzam ao resultado em vista do qual eles foram praticados, mas antes o mesmo crime na forma de tentativa.
Improcede também neste ponto, o recurso dos arguidos.
Não tendo sido posta em causa a espécie nem a medida da pena aplicadas, mais não nos resta do que julgar improcedente o recurso dos arguidos.
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III – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso dos arguidos e confirmar a sentença recorrida.
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Custas pelos arguidos com a taxa de justiça que se fixa em 3 UC para cada um.
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Coimbra, 2 de Outubro de 2013


(Cacilda Sena - Relatora)


(Elisa Sales)