Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
46/13.9TATBU.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONDIÇÕES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TÁBUA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 14.º DO RGIT
Sumário: I – Ao suspender a execução da pena aos arguidos sem condicionar essa suspensão ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos exigidos obrigatoriamente no art.14.º, n.º 1, do RGIT;

II - E não emitindo qualquer juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte dos condenados, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, como o acórdão do STJ n.º 8/2012 impunha;

III – Verifica-se a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.

Decisão Texto Integral:








Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

                          

     Relatório

            Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo de Competência Genérica de Tábua, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos

A... , (...) , (...), filho de C (...) e de D (...) , nascido em (...).1949, natural de (...) , (...) e residente em Rua (...) ; e

B... , (...) , (...), filho de C (...) e de D (...) , nascido em (...)1937, natural de (...) , (...) e residente em Rua (...) ,

imputando-se-lhes a cada um, a prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p., pelos artigos 6.º, n.º 1 alínea b), 107.º, n.º 1 e 2 e 105.º, n.ºs 1, 4, 5 e 7 todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de junho), e artigo 30.º n.º 2 do Código Penal.

O “Instituto de Segurança Social, I.P.” deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, peticionando a condenação solidária dos mesmos, no pagamento da quantia de €58.522,17, acrescido de juros de mora no valor de € 10.568,26 (fls. 345-347).

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 15 de maio de 2017, decidiu julgar a acusação totalmente procedente por provada e, em consequência:

- Condenar o arguido A.... , pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos artigos 6.°, n.º1 alínea b), 107.°, n.ºs 1 e 2, e 105.° n.ºs 1, 4, 5 e 7 todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de junho), e artigo 30.º n.º 2 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na execução por 1 ano subordinada a regime de prova;

- Condenar o arguido B.... , pela prática em autoria material e na forma consumada, de um crime continuado de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. pelos artigos 6.º, n.º 1 alínea b), 107.°, n.ºs 1 e 2, e 105.º n.ºs 1 e 4, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 5 de junho), em conjugação com o previsto nos arts. 30.º n.º 2 e 79.º do Código Penal, aplicáveis ex vi art.3.º al. a) do RGIT, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na execução por 1 ano subordinada a regime de prova;

Mais decidiu julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido e, em consequência, condenar os demandados a pagar, solidariamente, ao demandante Instituto da Segurança Social - IP a quantia de €58.522,17 - montante relativo a quotizações em dívida - acrescidos dos juros de mora vencidos sobre aquela capital, no montante global de €10.568,26 - montante este calculado até à data da apresentação do pedido de indemnização civil nos autos- e dos juros vincendos contabilizados a partir do 15.° dia do mês seguinte àquele a que as referidas contribuições dizem respeito, até efetivo e integral pagamento, todos calculados de acordo com as disposições especiais por dívidas à segurança social.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A.... , - com declaração de adesão do arguido B.... na parte da matéria civil ao abrigo do disposto n art.634.º, n.º 2, alínea a), e 3 do C.P.C. - concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. A impugnação relativa à matéria penal limita-se à decisão sobre a suspensão da execução da pena dos arguidos A.... e B.... .

2. A impugnação concernente à matéria civil tem por fim a fixação da quantia que pode ser exigida aos arguidos.

3. A suspensão da execução de pena tem de ser subordinada ao prescrito no art.14º-1 do RGIT, e ser fixada na douta sentença.

4. Ao determinar que essa subordinação seja fixada pelo DGRSP na douta sentença recorrida violou-se o disposto no art.14º-1 do RGIT e aplicou-se erradamente o consignado no art.494º do C. P. Penal.

5. Na douta sentença recorrida não se justificou, em juízo de prognose de razoabilidade, a condição de no período de um ano os arguidos A.... e B.... pagarem à Segurança Social € 58.222,17 acrescidos de juros legais, quando nela se deu como provado a disponibilidade do primeiro dispor mensalmente de € 250,00 e o segundo de € 1.571,22, uma vez que naquele período e para satisfazerem a condição são necessários mais de € 4.851,54 mensais.

6. Esta omissão determina a nulidade da sentença, como dispõe o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2012, de 24/10.

7. A referida condição para a suspensão da execução da pena deve ser alterada para a obrigação de pagar durante um ano uma quantia dentro das disponibilidades mensais de cada um dos arguidos, sendo inferior a € 250,00 para A.... e € 1.571,22 para B.... , acrescida, ou não, dos demais deveres do artº. 51º do C. Penal.

8. O crédito da Segurança Social apenas pode ser exigível pela aplicabilidade do artº 59º da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, no que respeita à sociedade E... , Lda., e pela aplicabilidade dos artºs 20º a 24º da LGT, no que concerne aos arguidos A.... e B.... , enquanto gerentes daquela.

9. Está assim arredada a responsabilização dos arguidos A.... e B.... no pagamento dos créditos da Segurança Social pela aplicação dos dispositivos do Código Penal e do RGIT.

10. Com efeito através do artº 12º do C. Penal e do artº 6º do RGIT, os arguidos A.... e B.... apenas podem ser punidos pelo crime que praticaram em representação da sociedade E... , Lda..

11. Quanto aos créditos da Segurança Social na sentença penal apenas se pode condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento deles em determinado prazo, como se extrai do artº 50-1 do C. Penal e do artº 14º-1 do RGIT.

12. Ora, esta condição não representa qualquer tipo de obrigação exequível do pagamento uma vez que basta ao arguido a ela sujeita cumprir a pena de prisão a que foi condenado para que esse pagamento deixe de ser exigido.

13. Face ao exposto, os arguidos apenas podem ser responsabilizados no pagamento à Segurança Social através da ação cível enxertada nos presentes autos de processo comum (Tribunal Singular).

14. Isto posto, verifica-se que na douta sentença recorrida não se deu como provado que relativamente aos arguidos A.... e B.... tenha havido reversão em processo de execução fiscal movido contra a sociedade E... , Lda..

15. Acontece, todavia, que essa reversão é imperativa para se responsabilizar os citados arguidos, pessoas singulares, como devedores subsidiários e solidários das cotizações retidas e não entregues à Segurança Social.

16. Esta imperatividade resulta do artº 23º da LGT aplicável ao caso dos autos por força do disposto no artº 6º do DL 42/2001, de 9 de Fevereiro.

17. Face a esse artº 6º do DL 42/2001, ao processo de execução de dividas à Segurança Social aplica-se, em tudo o que não estiver regulado nesse diploma, a legislação especifica da Segurança Social, a LGT e o CPPT.

18. Assim, conjugados os artºs 48º e 49º da LGT com o artº 60º da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, verifica-se que quanto a todas as cotizações indicadas no nº 16 dos factos dados como provados na douta sentença recorrida está completada a prescrição de 5 anos do nº 3 daquele artº 60º, no que respeita aos arguidos A.... e B.... .

19. E isto porque a interrupção do prazo de prescrição apenas ocorre nas circunstâncias específicas do artº 49º-1 da LGT e nº 4 do artº 60º da Lei 4/2007.

20. Daí que, ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 304º do C. Civil, os arguidos A.... e B.... tenham a faculdade de recusar o pagamento dessas cotizações à Segurança Social.

21. Ainda quanto à questão de estar completado o prazo de prescrição, acresce esclarecer que o art. 71º do C. P. Penal não pode ser interpretado no sentido de beneficiar do aplicável ao crime dos autos que, por motivo de ser continuado, apenas começar a correr na última realização plurima do ato continuado da conduta penal.

22. Este entendimento é o único possível sob pena de violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade consignados, respetivamente, nos arts. 13º e 18º-2 da Constituição da República Portuguesa.

23. Assim, o pedido cível fundado na prática de crime continuado tem de respeitar a Lei Civil supra indicada no que respeita à prescrição da obrigação de pagamento de dívidas à Segurança Social.

24. Na douta sentença recorrida violaram-se as disposições legais supra indicadas.

Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e, por via disso, acordar-se

     a) na revogação da douta sentença recorrida por não ter subordinado a suspensão da execução no disposto no art.14º-1 do RGIT;

     b) na nulidade da douta sentença recorrida na parte da condição para suspensão da execução da penas por omissão de pronúncia;

     c) a revogação da sentença proferida na ação civil enxertada nos presentes autos na parte em que condenou os arguidos A.... e B.... , sendo essa condenação substituída pela absolvição deles no pagamento de qualquer quantia à Segurança Social;

     d) na declaração de inconstitucionalidade do artº71º do C. P. Penal se entendido no sentido de o prazo civil da prescrição apenas começar a contar quando puder ser exercida a ação penal, por violação do artº17º e 18º-2 da Constituição da República Portuguesa; em preito à Justiça.

            O Ministério Público, no Juízo de Competência Genérica de Tábua, respondeu ao recurso concluindo que o mesmo é intempestivo, mas a entender entender-se como tempestivo, então a douta sentença é nula, por haver incorrido em omissão de pronúncia, uma vez que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 8/2012 impõe que o Tribunal efetue um juízo de prognose sobre a aplicação do art.º 14.º do RGIT e este não o fez.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado intempestivo e, na hipótese inversa, deverá ser julgada procedente a nulidade invocada.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Decidida já pelo relator a questão da tempestividade do recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados:

1. A sociedade E... , Lda. pessoa colectiva n.º (...) matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (...), tinha como objecto social, a confecção de artigos de vestuário em série, para homem, senhora e criança e a sua sede social era em (...).

2. Eram sócios da Sociedade, os arguidos A.... , titular de uma quota com o valor nominal de €19.951,91 e B.... titular de uma quota com o valor nominal de €19.951,91.

3. Eram ainda sócios da sociedade O..., Lda..

4. Os arguidos A.... e B.... exerceram o cargo de gerente, de direito e de facto, da sociedade arguida, de forma conjunta e ininterruptamente, desde a altura da constituição da sociedade até à data da acusação proferida nos autos.

5. E... , Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 26.04.2012, no processo n.º 59/12.8T8TBU, transitada em julgado em 4.06.2012.

6. Não obstante a declaração de insolvência foi decidido na sentença que: "a administração da massa insolvente será assegurada pela devedora, na pessoa dos sócios gerentes B.... e A.... , sob fiscalização da Sra. Administradora de Insolvência nomeada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 226.° n. º1 do CIRE", pelo que continuam a ser os arguidos A.... e B.... os gerentes de facto da sociedade arguida.

7. Foram os arguidos A.... e B.... quem sempre dirigiram e dirigem as actividades da arguida sociedade, nomeadamente, contratação de pessoal, direção de funcionários, representação da arguida sociedade perante terceiros, fornecedores e funcionários, pagamento de salários, entrega de recibos, retenção e entrega dos montantes retidos à Segurança Social, gerindo e controlando de facto a sociedade arguida.

8. A sociedade arguida, por intermédio dos arguidos A.... e B.... , estava obrigada, no final de cada mês de prestação de trabalho efectivo, a liquidar o montante das contribuições mensais devidas pelos seus trabalhadores e gerentes às Instituições de Segurança Social, o que estes sabiam.

9. A sociedade arguida assumia-se como mero substituto tributário/funcionando como um depositário das importâncias pagas pelos colaboradores, que lhes foram retidas ou descontadas, com a obrigação de as entregar nos cofres da Segurança Social nos prazos regulados por lei, facto que os arguidos A.... e B.... conheciam.

10. Uma vez apurado o valor das contribuições, a sociedade arguida, por intermédio dos arguidos A.... e B.... , estava obrigada, a entregar todo esse valor à Segurança Social, mensalmente e até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as contribuições dissessem respeito, facto que estes conheciam.

11. Os arguidos A.... e B.... , no âmbito das suas funções de gerência na arguida sociedade, entre os meses de Fevereiro de 2010 a Julho de 2012, procederam, em nome desta, ao desconto mensal prévio nas remunerações salariais pagas aos seus trabalhadores e membros de órgãos sociais, do valor das cotizações devidas à Segurança Social.

12. Em obediência a uma decisão tomada em momento anterior pelos arguidos A.... e B.... , nem a arguida sociedade, nem qualquer dos outros arguidos não procedeu à entrega à Segurança Social daqueles valores liquidados, os quais foram efetivamente cobrados e retidos aos seus trabalhadores e membros de órgãos sociais, no prazo legalmente estipulado, ou seja, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam.

13. Nem nos noventa dias volvidos sobre essa data.

14. Nem até à data da acusação proferida nos autos.

15. Nem, ainda, quando foram notificados pelo Instituto de Segurança Social para, em 30 dias, procederem ao pagamento dos montantes em falta, acrescida dos valores dos juros respectivos e da coima aplicável.

16. Encontrando-se em falta, em sede de contribuições devidas à segurança social, o montante global de € 58.522,17 (cinquenta e oito mil quinhentos e vinte e dois euros e dezassete cêntimos), em relação aos meses, montantes e categorias de rendimento a seguir melhor discriminados, contrariando o que lhes era legalmente imposto:

Saldo em dívida
     Ano           Mês Cotizações
Trabalhadores
        11%
    2010 Fevereiro 2447,43 €
Março 2572,60 €
Abril 2573,32 €
Junho 2614,96 €
Julho 2640,61 €
Agosto 2673,00 €
Setembro 2572,21 €
Outubro2734,06 €
Novembro2519,93€
Dezembro 2366,69 €
2011Janeiro 2454,01 €
Fevereiro 2244,82 €
Março 2065,66 €
Abril 2329,47 €
Maio 1948,55€
Junho 1936,22 €
Julho 1899,13€
      Agosto 3717,99 €
Setembro 1 783 81 €
     Outubro 1824,60 €
Novembro 1 793,42 €
Dezembro 2676,21 €
2012Janeiro 598,31€
Fevereiro 596,46 €
Março 598,31 €
Abril 1114,37€
       Maio 1109,21 €
Junho 1046,52 €
Julho 1070,29 €
      Total 58.522,17 €
17. Os arguidos A.... e B.... enquanto sócios e gerentes, de facto e de direito, da arguida sociedade, sabiam que estavam obrigados em nome da arguida sociedade a liquidar os montantes das contribuições mensais devidas pelos seus trabalhadores e membros de órgãos sociais às Instituições de Segurança Social.

18. Bem como sabiam que os referidos montantes pertenciam à Instituição de Segurança Social.

19. Não obstante, os arguidos A.... e B.... de comum acordo e em conjugação de esforços decidiram não entregar esses montantes descontados nos salários dos seus trabalhadores e antes usá-los em seus benefícios e em benefício da sociedade arguida.

20. Os arguidos A.... e B.... enquanto sócios gerentes, de facto e de direito, da arguida sociedade, passaram a dispor dos montantes das cotizações devidas à Segurança Social acima indicados, fazendo as referidas quantias suas e da sociedade arguida que geriam.

21. Integrando tais quantias nos seus patrimónios e no da arguida sociedade.

22. Utilizando-as em proveito daquela sociedade e em proveitos próprios, como se lhes pertencessem.

23. Enriquecendo deste modo os seus patrimónios e o da arguida sociedade, em igual montante, e prejudicando o Instituto de Segurança Social, pelo menos, em valor equivalente, ao montante não entregue de € 58.522,17.

24. Obtendo vantagens patrimoniais e benefícios que sabiam ser indevidos e proibidos por lei. 25. Os arguidos A.... e B.... , agiram na qualidade de sócios e de gerentes, de facto e de direito, da arguida sociedade e no interesse desta e nos seus próprios interesses.

26. Os arguidos A.... e B.... após não terem entregue pela primeira vez os montantes destinados à Segurança Social e que havia deduzido nas referidas remunerações, praticaram o mesmo tipo de conduta ao longo dos meses seguintes.

27. Após a prática dos primeiros factos descritos, a sociedade E... não foi alvo de qualquer fiscalização ou penalização.

28. Os arguidos reiteraram a prática da conduta descrita supra, de forma homogénea, ao longo do período de – Fevereiro de 2010 e Julho de 2012, movidos pela facilidade com que sucessivamente logravam concretizar os seus intentos.

29. Os arguidos B.... e A.... agiram de forma livre, deliberada, consciente e de comum acordo, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

30. À época da falta de pagamento das prestações dos autos, os arguidos não tinham disponibilidade financeira para pagar o que quer que fosse, além da parte líquida dos salários dos trabalhadores e dos preços das matérias-primas (que apenas era fornecido a pronto pagamento), de combustíveis, luz e telefone.

31. Os arguidos optaram por dar continuidade ao fabrico e à produção de rendimentos, na expectativa de virem no futuro, a recuperar a estabilidade económico-financeira e a refazer o fundo de maneio, que lhes permitisse regularizar as situações omitidas por carência de meios. 32. O arguido A.... , encontra-se aposentado, auferindo mensalmente o montante de €628,00/mês de reforma.

33. Não possui outros rendimentos.

34. Vive sozinho em casa arrendada pela qual paga €250,00 de renda mensal.

35. Tem uma filha maior de idade.

36. Tem despesas básicas com água, luz, gás, no montante de €40,00 e ainda medicamentosas no valor de €88,00 mês.

37. Frequentou a escolaridade até ao 5.º ano.

38. O arguido B.... auferiu última remuneração (declarada) no valor de €1.571,22 em 02.2003.

39. Não estão registados em nome do arguido quaisquer veículos automóveis.

40. Do certificado de registo criminal do arguido A.... , constam as seguintes condenações:

40.1- no Pr.70/07.0TATBU- comum singular deste Tribunal, por sentença proferida em 21.07.2010, transitada em julgado em 11.07.2011, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, por factos praticados em 31.07.2006, na pena de 170 dias multa, à taxa diária de €3,00, perfazendo €510,00 de multa;

40.2- no Pr.123/10.8TATBU- comum singular deste Tribunal, por sentença proferida em 30.01.2012, transitada em julgado em 20.02.2012, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, por factos praticados em 2009, que manteve a pena aplicada no Pr.70/07.0TATBU;

40.3- no Pr. 11/10.8 TATBU- comum singular deste Tribunal, por sentença proferida em 23.03.2012, transitada em julgado em 30.04.2012, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, por factos praticados em2007, que manteve a pena aplicada no Pr.70/07.0TATBU;

40.4- no Pr. 39/10.8IDCBR- comum singular deste Tribunal, por sentença proferida em 13.04.2012, transitada em julgado em 3.05.2012, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 120 dias multa, à taxa diária de €6,00;

40.5- no Pr.16216/09.1IDPRT- comum singular do 4.º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Nova de Gaia, por sentença proferida em 20.11.2012, transitada em julgado em 10.10.2013, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 horas de Trabalho a Favor da Comunidade;

40.6- no Pr.50/12.4IDCBR- comum singular deste Tribunal, por sentença proferida em 13.02.2013, transitada em julgado em 5.03.2013, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 200 dias multa, á taxa diária de €5,00.

41. Do certificado de registo criminal do arguido B.... constam as seguintes condenações:

41.1- no Pr.70/07.0TATBU- comum singular deste Tribunal, por sentença proferida em 21.07.2010, transitada em julgado em 11.07.2011, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, por factos praticados em 31.07.2006, na pena de 170 dias multa, à taxa diária de €3,00, perfazendo €510,00 de multa;

41.2- no Pr. 123/10.8TATBU- comum singular deste Tribunal, por sentença proferida em 30.01.2012, transitada em julgado em 20.02.2012, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, por factos praticados em 2009, que manteve a pena aplicada no Pr.70/07.0TATBU;

41.3- no Pr. 11/10.8 TATBU- comum singular deste Tribunal, por sentença proferida em 23.03.2012, transitada em julgado em 30.04.2012, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, por factos praticados em 2007, que manteve a pena aplicada no Pr.70/07.0TATBU;

41.4- no Pr. 39/10.8IDCBR- comum singular deste Tribunal, por sentença proferida em 13.04.2012, transitada em julgado em 3.05.2012, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos praticados em 7.2009, na pena de 120 dias multa, à taxa diária de €5,00;

41.5- no Pr.16216/09.1IDPRT- comum singular do 4.º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Nova de Gaia, por sentença proferida em 20.11.2012, transitada em julgado em 10.10.2013, foi condenado pela prática em 2009, de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 9 meses de prisão substituída por 270 horas de Trabalho a Favor da Comunidade;

41.6- no Pr.50/12.4IDCBR- comum singular deste Tribunal, por sentença proferida em 13.02.2013, transitada em julgado em 5.03.2013, foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, por factos praticados em 12.12.2011, na pena de 200 dias multa, á taxa diária de €5,00.

Factos não provados:

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente não se provou que:

a) Que os arguidos eram ainda sócios da sociedade P..., SA.

Motivação de facto:

Para a formação da convicção do Tribunal quanto à factualidade provada e não provada, analisou-se crítica e conjuntamente a prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador.

A prova assentou na conjugação das declarações do arguido A.... , com o depoimento das testemunhas: F... , G... , H... , I... , J... , L... , M.. , N... e demais prova documental existente nos autos, designadamente: mapa com a identificação das cotizações em falta a fls. 102; participação de fls. 96 a 97; notificações de fls. 101 a 103; e de fls. 98 a 100; 104 a 106; 169; certidão da sociedade de fls. 81 a 84; 107 a 113; prints do sistema de informação do instituto da segurança social de fls. 114 a 129; certidão de trânsito em julgado de sentença de declaração de insolvência de fls. 660 e fls. 178 a 189; recibos de vencimento e declarações de fls. 206 a 223; certidões de sentenças condenatórias dos arguidos proferidas noutros processos juntas a fls. 416 e ss.; certificados de registo criminal dos arguidos juntos aos autos.

O julgamento decorreu na ausência do arguido B.... , não obstante as notificações regularmente efectuadas para comparência deste.

O arguido A.... admitiu como verdadeiros os factos que lhe são imputados, bem como ao arguido B.... , ou seja, as dívidas de quotizações constantes da acusação, em virtude dos montantes não entregues à Segurança Social, pelas quantias e nos períodos aí descriminados.

Com efeito, referiu não saber os valores exatos em divida mas confirmou que ambos eram gerentes, e que a sociedade se obrigava com a assinatura dos dois gerentes, tinha trabalhadores assalariados, e pagavam os salários líquidos aos trabalhadores após efectuados os devidos descontos. Adiantou que por vezes apenas pagavam parte dos salários e iam posteriormente pagando parcialmente consoante a disponibilidade financeira da empresa.

Ainda esclareceu que desde 2007 a sociedade em causa atravessava período de dificuldades económicas, pelo que ambos (os arguidos) tiveram de fazer opções dando prioridade aos pagamentos de salários aos trabalhadores (que em 2010 seriam cerca de 35 trabalhadores, ainda que fosse variável esse número), e outros encargos que mantinham a fábrica a funcionar, como sendo despesas com matéria-prima, combustível, energia. Referiu que nessa altura não tinham dinheiro para pagar à Segurança Social, tendo sido mais gravoso para a situação financeira da sociedade, o período de 2011/2012.

As testemunhas F... , G... , H... , I... , foram todos trabalhadores na sociedade comercial referida em 1., da qual os arguidos eram gerentes. Confirmaram o teor das cópias dos recibos de vencimento juntos aos autos, com os quais foram confrontados, tendo dito que recebiam salários líquidos, pois que eram efectuados os respectivos descontos para a Segurança Social. Disseram que ambos os arguidos eram patrões e recebiam cheques assinados para pagamentos dos vencimentos, esclarecendo a testemunha H... que ambos os arguidos assinavam os seus cheques, enquanto gerentes.

Do teor da certidão de RNPC consta que a sociedade obrigava-se com a assinatura de ambos os gerentes, assim corroborou ainda a testemunha M.. que era contabilista na sociedade E... desde 2011.

Esta testemunha esclareceu que as dividas para com a ISSS, existiam já antes de 2011, em 2010, e confirmou que estavam registadas as deduções para a Segurança Social, tendo o próprio efectuado tais registos com base na documentação que recebia e não por sua autorecriação.

A testemunha N... , filha do arguido A.... , disse que era ela e outras três pessoas que administravam a sociedade P..., e não os arguidos. Explicou a conjuntura de crise nos têxteis que disse ter sido o que motivou as dificuldades económicas na sociedade E... .

Pelo teor dos recibos de vencimento juntos aos autos, com os nomes dos trabalhadores da sociedade E... no período em causa, constata-se que foram efetuados descontos para a Segurança Social nos salários dos trabalhadores, confirmando-se assim que recebiam o salário líquido.

Da conjugação da prova produzida, resulta que os arguidos sabiam que tal facto de não entrega dos valores de descontos a efetuar para a Segurança Social era crime, tendo ambos clara noção do referido, mas optaram por dar prioridade a outras operações, em detrimento da entrega dos valores de quotizações devidos à Segurança Social.

Mostram-se confirmados as quantias das quotizações em divida, nos períodos temporais descritos na acusação, face aos elementos que são enviados por parte da empresa para a Segurança Social, constata-se que os descontos dos salários são declarados, basta verificar o teor das cópias dos vencimentos dos trabalhadores, juntos aos autos, para se constatar que os descontos são efetuados e os trabalhadores receberem salários líquidos, já após os descontos deduzidos, embora não tenham sido posteriormente entregues àquela Instituição os respetivos montantes retidos/não pagos.

Pela conjugação de toda a prova produzida, resultaram provados os factos imputados aos arguidos.

Os descritos valores a título de remuneração nunca deixaram de ser declarados, ao abrigo da obrigação legal que impendia sobre a sociedade na qualidade de entidade empregadora, como resulta da documentação facultada pela Segurança Social, junta aos autos. A prova das notificações efectuadas pela Segurança Social, como interpelação aos arguidos consta dos documentos juntos aos autos.

As testemunhas prestaram todas depoimentos que pareceram isentos e sinceros, pelo que se tiveram por credíveis, confirmando os factos de que tiveram conhecimento pessoal.

A prova produzida em audiência foi suficiente para comprovar os factos descritos na acusação nos termos dados por assentes.

Não permanece nenhuma dúvida de que os factos de que vêm os arguidos acusados, ocorreram no período respeitante aos meses de Fevereiro de 2010 a Julho de 2012, e estes incorreram nas condutas descritas pelos montantes mensais devidos à ISS e referidos no ponto 16., pelo que se têm tais factos como provados.

Aceitamos as declarações do arguido A.... quanto à sua situação económica-pessoal, que não pareceu irrazoável, considerando-se plausível. Ainda resultando dos documentos de pesquisa efectuada, alguns elementos sobre as condições económicas do arguido B.... .

Considerou-se o certificado de registo criminal dos arguidos, juntos aos autos.

Não resultou provado o referido na alínea a) tendo em conta o depoimento da testemunha N... , que sublinhou ser a própria a gerente da mencionada sociedade, juntamente com mais duas pessoas, e não os arguidos.


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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Como bem esclarecem os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente A.... , a que adere o arguido B.... na parte da matéria civil, as questões a decidir são, as seguintes:

- se a sentença é nula, por omissão de pronúncia;

- se a sentença não podia subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao regime de prova; e  

- se os arguidos A.... e B.... não podem ser responsabilizados no pagamento dos créditos da Segurança Social pela aplicação dos dispositivos do Código Penal e do RGIT.


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            1.ª Questão: da nulidade da sentença.

            O recorrente A.... defende que a douta sentença é nula, por omissão de pronúncia, porquanto não justificou, em juízo de prognose de razoabilidade, a condição de no período de um ano os arguidos A.... e B.... pagarem à Segurança Social € 58.222,17 acrescidos de juros legais, quando nela se deu como provado a disponibilidade do primeiro dispor mensalmente de € 250,00 e o segundo de € 1.571,22, quando naquele período e para satisfazerem a condição são necessários mais de € 4.851,54 mensais.

Esta omissão determina a nulidade da sentença, como dispõe o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2012, de 24/10.

Vejamos.

Os arguidos A.... e B.... , vêm acusados, cada um, da prática de um crime continuado de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p., pelos artigos 6.°, n.º1 alínea b), 107.°, n.ºs 1 e 2, e 105.° n.ºs 1, 4, 5 e 7, todos do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5 de junho).

O art.107.º, n.º1 do RGIT referido na acusação, estatui que as penas aplicáveis ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social são as previstas nos n.ºs 1 e 5 do art.105.º.

Enquanto o art.105.º, n.º 1, estabelece uma pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, o n.º5, do mesmo preceito, estabelece uma de prisão de um a cinco anos, para as pessoas singulares, quando a entrega não efetuada for superior a € 50 000,00.

O n.º 7, do art.105.º, do RGIT esclarece que os valores a considerar para efeitos do disposto na norma são os que, nos termos da legislação aplicável, devem constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

No caso presente, o Tribunal a quo deixou sublinhou na fundamentação de direito da sentença - e bem -, que  «No caso concreto em análise, nenhuma das condutas ilícitas praticadas pelos arguidos se reporta à não entrega de quantia superior a € 50 000,00 pelo que estamos perante um crime punível em abstrato com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias – pessoas singulares.».

Perante o exposto, só por lapso material se entende que no dispositivo da sentença tenha o arguido A.... sido condenado com referência ao art.105.°, n.º 5 do RGIT, entre outros números desta norma.

Se a presente questão for declarada procedente temos como prejudicada a retificação do dispositivo nesta parte, por parte do Tribunal de recurso, uma vez que para sanação da nulidade da sentença na parte criminal terá de ser proferida uma nova sentença, em que certamente este lapso será evitado.

Posto isto.

Tendo o Tribunal a quo optado pela pena de prisão, em detrimento da pena de multa, e suspendido a sua execução aos arguidos, importa agora verificar se ao assim decidir teve ou não em consideração o específico regime de suspensão da execução da pena de prisão das infrações tributárias.

O artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, estatui, a propósito das «Das disposições aplicáveis aos crimes tributários» (Capítulo II), que «A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.».

Face ao elemento literal da norma, parte da jurisprudência entendia que em caso de condenação de um agente por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, em pena de prisão suspensa na sua execução, condicionada obrigatoriamente, nos termos do artigo 14.º do mesmo diploma, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, não cumpria ao juiz, aquando da suspensão, conhecer da possibilidade de o arguido cumprir a condicionante, tendo em conta a sua situação económica. O dever de se pronunciar sobre se o arguido terá ou não condições de efetuar o pagamento, como condição de suspensão, prende-se apenas com a execução e cumprimento da pena. Consequentemente, a ausência de pronúncia sobre essa possibilidade de pagamento, não originava a nulidade de sentença prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

Outra parte da jurisprudência, entendia, diversamente, que o dever de investigação e de pronúncia sobre se o arguido tem ou não condições de efetuar o pagamento, como condição de suspensão, prende-se logo com a escolha e determinação da pena. Consequentemente, se na sentença não se fez um juízo de prognose sobre a possibilidade de pagamento referido no art.14.º, n.º1 do RGIT, a sentença padecerá de nulidade por omissão de pronúncia. 

O acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 8/2012, tomou posição sobre esta divergência, optando por esta última, ao decidir:

«No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.».[4]

O STJ ao mencionar na fundamentação desta sua decisão, designadamente, que «Nada impede que concluindo o julgador pela impossibilidade de cumprimento, se repondere a hipótese de optar por pena de multa, pois o processo de confeção da pena a aplicar não é um caminho sem retorno, há que avaliar todas as hipóteses e dar um passo atrás, se necessário, encarando todas as soluções jurídicas pertinentes, conforme estabelece o artigo 339.º, n.º 4, do CPP.», deixou medianamente claro que, pelo menos nos casos em que o crime tributário é punível com pena de prisão ou multa, tendo o Juiz optado prima facie pela pena de prisão e consequente suspensão da sua execução, poderá dar um passo atrás, reponderando a aplicação da pena de multa, se verificar que o arguido não tem possibilidades de cumprir a condição da suspensão de execução da pena imposta pelo art.14.º, n.º1 do RGIT.   

No caso em apreciação, prevendo o crime em alternativa prisão ou multa e tendo incidindo a opção sobre a pena de prisão, entendeu o Tribunal a quo suspender a execução da pena de prisão sem qualquer referência ao condicionamento do art.14.º, n.º1, do RGIT,      

Porém, ao suspender a execução da pena aos arguidos, não só não condicionou a suspensão da execução da pena ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos exigidos obrigatoriamente no art.14.º, n.º 1, do RGIT, como não emitiu qualquer juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte dos condenados, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, como o acórdão do STJ n.º 8/2012 impunha.

Impõe-se, consequentemente, declarar, nesta parte, a nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do art.379.º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Penal.

Procede, assim, esta primeira questão.


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            2.ª Questão: da suspensão subordinada ao regime de prova.

O recorrente A.... defende que a suspensão da execução de pena tem de ser subordinada ao prescrito no art.14.º, n.º 1 do RGIT, e ser fixada na douta sentença, pelo que ao fixar o regime de prova e determinar que essa subordinação seja fixada pelo DGRSP violou o disposto naquele preceito e aplicou erradamente o consignado no art.494º do C. P. Penal.

A condição para a suspensão da execução da pena deve ser alterada para a obrigação de pagar durante um ano uma quantia dentro das disponibilidades mensais de cada um dos arguidos, sendo inferior a € 250,00 para A.... e € 1.571,22 para B.... , acrescida, ou não, dos demais deveres do art.51.º do C. Penal.

Vejamos.

Com a declaração da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, o Tribunal a quo após averiguar e pronunciar-se sobre a razoabilidade da satisfação da condição obrigatoriamente imposta pelo art.14.º, n.º1 do RGIT, poderá reponderar a fixação da pena de prisão e sua suspensão. 

Considerando o teor do acórdão do STJ de fixação de jurisprudência n.º 8/2012, entendemos que, pelo menos nos casos em que o crime é punível com pena de prisão ou multa, a suspensão da execução da pena compreenderá, obrigatoriamente, a condição que consta do art.14.º, n.º1 do RGIT, pelo que o Tribunal a quo, em nova sentença a proferir para suprir a omissão da nulidade atrás reconhecida, caso opte pela suspensão da execução da pena, terá de incluir a dita condição.

Consequentemente, em tal hipótese, não tem sentido a pretensão do recorrente de fixação da “obrigação de pagar durante um ano uma quantia dentro das disponibilidades mensais de cada um dos arguidos, sendo inferior a € 250,00 para A.... e € 1.571,22 para B.... , acrescida, ou não, dos demais deveres do art.51.º do C. Penal”.

Com a declaração de nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a condição a que alude o art.14.º, n.º 1 do RGIT, fica prejudicado o conhecimento da questão da suspensão da execução sob regime de prova.

Ainda assim, anotamos aqui que o regime de prova está longe de exigir a fixação de um qualquer pagamento ao lesado, e nem este é mencionado como integrando o regime de prova. 

A suspensão da execução da pena com regime de prova, regulada nos artigos 53.º e 54.º do Código Penal, tem como característica própria a existência de um plano individual de reinserção social, que é executado com vigilância e apoio dos Serviços de Reinserção Social (artigo 53.º, n.º 2, do Código Penal).

O tribunal pode impor ao arguido os deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51.º e 52.º, do Código Penal, mas também outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado (artigo 54.º, n.º 3, do Código Penal), como «a) Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; b) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; c) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data previsível do regresso; d) Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro».


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            3.ª Questão: da inexigibilidade da indemnização peticionada pela Segurança Social

Por fim, defendem os arguidos A.... e B.... que não podem ser responsabilizados no pagamento dos créditos da Segurança Social pela aplicação dos dispositivos do Código Penal e do RGIT.

Alegam para o efeito que, quanto aos créditos da Segurança Social, na sentença penal apenas se pode condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento deles em determinado prazo, como se extrai do art.50.º, n.º1 do C. Penal e do art.14.º,n.º1 do RGIT.

Esta condição não representa qualquer tipo de obrigação exequível do pagamento uma vez que basta ao arguido, a ela sujeita, cumprir a pena de prisão a que foi condenado para que esse pagamento deixe de ser exigido.

Face ao exposto, os arguidos apenas podem ser responsabilizados no pagamento à Segurança Social através da ação cível enxertada nos presentes autos de processo comum (Tribunal Singular).

Na douta sentença recorrida não se deu como provado que, relativamente aos arguidos A.... e B.... , tenha havido reversão em processo de execução fiscal movido contra a sociedade E... , Lda.. E essa reversão é imperativa para se responsabilizar os citados arguidos, pessoas singulares, como devedores subsidiários e solidários das cotizações retidas e não entregues à Segurança Social.

Esta imperatividade resulta do art.23º da LGT aplicável ao caso dos autos por força do disposto no art.6.º do DL 42/2001, de 9 de Fevereiro.

Face a esse art.6º do DL 42/2001, ao processo de execução de dívidas à Segurança Social aplica-se, em tudo o que não estiver regulado nesse diploma, a legislação específica da Segurança Social, a LGT e o CPPT.

Assim, conjugados os artigos 48.º e 49.º da LGT com o art.60º da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, verifica-se que quanto a todas as quotizações indicadas no nº 16 dos factos dados como provados na douta sentença recorrida está completada a prescrição de 5 anos do nº 3 daquele art.60º, no que respeita aos arguidos A.... e B.... . E isto porque a interrupção do prazo de prescrição apenas ocorre nas circunstâncias específicas do art.49.º, n.º1 da LGT e n.º 4 do art.60.º da Lei 4/2007. Daí que, ao abrigo do disposto no nº 1 do art.304º do C. Civil, os arguidos A.... e B.... tenham a faculdade de recusar o pagamento dessas cotizações à Segurança Social.

Ainda quanto à questão de estar completado o prazo de prescrição, acresce que o art.71º do C. P. Penal não pode ser interpretado no sentido de beneficiar do aplicável ao crime dos autos que, por motivo de ser continuado, apenas começar a correr na última realização plurima do ato continuado da conduta penal. Este entendimento é o único possível sob pena de violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade consignados, respetivamente, nos arts. 13.º e 18.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa.

Assim, o pedido cível fundado na prática de crime continuado tem de respeitar a Lei Civil supra indicada no que respeita à prescrição da obrigação de pagamento de dívidas à Segurança Social.

Vejamos.

O acórdão do STJ, de fixação de jurisprudência, n.º 1/2013, abordou já a questão de saber se as prestações tributárias, incluindo os respetivos juros, devidas e não entregues à Segurança Social, contempladas no art.107.º, n.º 1, do RGIT, cuja conduta omissiva integra o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, podem ser reclamadas em processo penal desencadeado por tal crime, face ao princípio da adesão, ou se o ressarcimento do referido valor por tais dívidas à Segurança Social, não pode constituir objeto de pedido de indemnização civil em processo penal, por ser da exclusiva competência da jurisdição administrativa fiscal a sua liquidação e cobrança.

A resposta do STJ, com unanimidade de votos, foi que «Em processo penal decorrente de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. no art.107.º nº 1, do R.G.I.T., é admissível, de harmonia com o art.71.º, do C.P.P., a dedução de pedido de indemnização civil tendo por objeto o montante das contribuições legalmente devidas por trabalhadores e membros dos órgãos sociais das entidades empregadoras, que por estas tenha sido deduzido do valor das remunerações, e não tenha sido entregue, total ou parcialmente, às instituições de segurança social».[5]

Esta posição, seguida pela generalidade da jurisprudência, designadamente pelos Juízes que constituem este Tribunal da Relação, deixa claro o “Objeto do pedido de indemnização civil não é a obrigação de pagamento das contribuições e acréscimos legais a favor da Segurança Social, que emerge de relação jurídica administrativa-tributária especial e rege-se pela legislação de direito público, mas sim a indemnização pelo valor do dano, que imediatamente corresponde ao montante em dívida pelo incumprimento dessas contribuições.

 Não é a natureza das dívidas ou dos valores pecuniários em dívida, que define o princípio da adesão ao processo penal, mas sim o dano, embora não qualquer dano, mas, o dano emergente de crime.

O artigo 129º do Código Penal ao referir que «a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil» significa de forma clara que permite a indemnização por perdas e danos, quando esta indemnização seja emergente de crime, sendo essa indemnização regulada pela lei civil. Não é a natureza da prestação que constitui o dano. O dano tem origem no prejuízo, in casu, causado pelo incumprimento da prestação em falta, e identificado no seu valor ou montante, e que por esse incumprimento constitui crime.”

Pelos danos causados por crimes tributários respondem os agentes, não nos termos da Lei Geral Tributária (LGT), mas nos termos da lei civil.

Como salienta, em síntese, o Prof. Germano Marques da Silva:

Nem o RGIT nem a LGT afastam a regra geral constante dos arts. 483.º a 498.º do Código Civil, aplicáveis por remissão do art.129º do Código Penal. (…)

A unidade e coerência do sistema impõem que se distinga a responsabilidade pelo pagamento do imposto (responsabilidade tributária), sendo então aplicável a legislação tributária, nomeadamente a Lei Geral Tributária, e a responsabilidade emergente de crime, consequência civil resultante da prática do ilícito criminal causador de dano à administração tributária ou à administração da segurança social. (…)

A dívida tributária existe e mantém-se independentemente da prática do crime tributário, mas se o crime causar danos os seus agentes são responsáveis pela indemnização dos danos dele emergentes nos termos gerais.

Do exposto decorre que pelos danos causados pelos crimes tributários respondem os agentes dos crimes e respondem não nos termos da Lei Geral Tributária, mas nos termos da lei civil.

Assim, o administrador da empresa que seja também agente do crime, não responderá subsidiariamente, mas solidariamente, como solidariamente respondem todos os demais agentes nos termos do que dispõe o art.497º do Código Civil.”.[6]

Retomando o caso concreto, diremos que o pedido de indemnização deduzido pelo demandante “Instituto da Segurança Social – IP”, contra os demandados, funda-se no dano causado por estes àquele, que emerge do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, e não por créditos da Segurança Social.

No pedido civil formulado pelo “Instituto da Segurança Social – IP”, ao abrigo do art.71.º do C.P.P., não está em causa a responsabilidade tributária, nem as regras específicas constantes do acervo de direito administrativo.

O pedido de indemnização civil do “Instituto da Segurança Social – IP” não depende do ‘aval’ das normas de direito público administrativo, não determinando estas normas, nem a legitimidade, nem a viabilidade daquele, como resulta do supra exposto.

A reversão contra os demandados A.... e B.... , que pressupõe a instauração de um processo de execução fiscal e depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, que no caso é a sociedade “ E... , Lda”, situa-se no âmbito da responsabilidade tributária.

Também as restantes normas invocadas pelos recorrentes relativas à prescrição respeitantes à cobrança coerciva das quotizações e as contribuições não pagas a que alude o art.60.º da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, relevam para a responsabilidade tributária.

Uma vez que a indemnização pedida nos presentes autos não se funda na responsabilidade tributária, mas sim, na responsabilidade civil, por facto ilícito, emergente do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, não tem aqui sentido invocar, salvo o devido respeito, normas referentes ao processo de execução fiscal e á prescrição das contribuições ou prestações exigíveis no âmbito da cobrança coerciva dos montantes devidos à Segurança Social.

Afastada que temos a aplicação das normas relativas ao prazo de prescrição aludidas pelos demandados/recorrentes, é evidente que não se reconhece a inconstitucionalidade do art.71.º do C.P.P., interpretado no sentido do prazo aplicável ao crime dos autos por ser continuado apenas começa a correr na última realização plurima do ato continuado da conduta penal, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade consignados, respetivamente, nos artigos 13.º e 18.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa.

Não é objeto de recurso e temos como pacífico, que os arguidos A.... e B.... preencheram com as suas condutas descritas nos factos provados, todos os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social.

A privação das contribuições à Segurança Social que os arguidos A.... e B.... causaram por retenção e não entrega àquela instituição das remunerações dos trabalhadores da sociedade de que eram gerentes, representou para a Segurança Social um prejuízo global de € 58 522,17.

Verificando-se preenchidos os demais pressupostos da indemnização civil previstos no art.483.º do Código Civil, por facto ilícito emergente do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, como bem fica demonstrado na douta sentença recorrida, não merece qualquer censura a condenação dos demandados na parte cível. 

 Assim, improcede esta última questão suscitada pelo recorrente A.... e a que B.... na parte cível.

     Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A.... e, declarando a nulidade da douta sentença recorrida, nos termos do art.379.º, n.º1, alínea c) do C.P.P., por omissão de pronúncia na parte relativa à suspensão da execução da pena, nos termos supra descritos, determina-se a devolução do processo ao Tribunal que a emitiu, a fim de suprir a nulidade com prolação de nova sentença, e manter a condenação, em matéria cível, dos demandados A.... e B.... .

Sem tributação na parte criminal e custas pelos demandados A.... e B.... , nos termos dos artigos 523.º do C.P.P. e 527.º do C.P.C.

                                                                                           *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                       *

Coimbra, 20 de março de 2018

Orlando Gonçalves (relator)

Alice Santos (adjunta)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º, pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] DR Série I de 24- 10-2012  
[5] DR., 1.ª série, de 4 de janeiro de 2013.
[6] In “Direito Penal Tributário”, 2009, págs 121 a 124.