Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
427/15.3GCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
INCAPACIDADE ACIDENTAL
INIMPUTABILIDADE DECORRENTE DA INGESTÃO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Data do Acordão: 11/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA LOCAL – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 379.º, N.º 1, AL. C), DO CPP; ARTS.152.º E 153.º DO CE; ARTS. 69.º, N.º 1, AL. A), 292.º E 295.º, DO CP; ARTS. 257.º E 295.º DO CC
Sumário: I - No geral, a ingestão de álcool perturba as capacidades físicas e mentais da condução, mas o agente mantém a consciência do estado de embriaguez em que conduz.

- Se o agente conduz um veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada, com uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l, com consciência de que o faz em estado de embriaguez, pratica o crime do art. 292.º do Código Penal.

- Se, excecionalmente, o agente conduz um veículo sem consciência do estado de embriaguez, isto é, com incapacidade de se deixar motivar pela norma que proíbe a condução sob estado de embriaguez, não fica o condutor impune, uma vez que se lhe aplica então o disposto no art. 295.º do Código Penal.

II - Constando do auto de notícia junto aos autos que o arguido, após a realização daquela diligência de fiscalização, declarou que não deseja ser submetido a exame de contraprova, é medianamente claro que aquela taxa de álcool no sangue não o incapacitou de compreender e esclarecer as autoridades policiais de que não desejava a realização da contraprova.

III - Não existe nenhuma norma jurídica, ou outra não jurídica, designadamente científica, que estabeleça que um condutor sujeito a teste de alcoolemia, realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, apresentando uma taxa superior a 1,2 g/l, não tem capacidade de compreensão e de declaração de que não deseja ser submetido a exame de contraprova.

IV - A assinatura de todo o expediente por parte do ora recorrente, desde o talão do exame, à constituição de arguido e temo de identidade e residência, contemporânea da declaração de que não desejava a realização da contraprova, indiciam o contrário do pugnado pelo recorrente.

V - A confissão sem reservas, nas circunstâncias concretas descritas, afasta racionalmente qualquer veleidade de não ter percebido o sentido da possibilidade de requerer a contraprova a que alude o art.153.º do Código da Estrada.

VI - A invocação da incapacidade acidental para se determinar aquando da declaração de que não desejava contraprova, apenas em sede de recurso, aproxima-se da figura do “venire contra factum proprium”, pois o arguido poderia ter confrontado em julgamento os agentes de autoridade sobre a sua incapacidade para declarar que não pretendia a realização de contraprova e, com a com a confissão integral e sem reservas, evitou não só a produção de prova em audiência sobre os factos relativos à TAS e como beneficiou das consequências legais da confissão integral e sem reservas dos factos.

VII - A atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar, pois para a generalidade dos casos, para os «casos normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios.

VII - E no presente caso não se vislumbram acentuadas circunstâncias atenuantes da responsabilidade do arguido ao nível da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena que levem ao abaixamento da pena abstrata prevista no art.69.º, n.º 1, al. a), do C.P..

Decisão Texto Integral:






Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

                          

     Relatório


           Pela Comarca de Leiria, Instancia Local de Leiria, Secção criminal, J3, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo sumário, o arguido
           A... , empregado fabril, nascido a 22-07-1956, natural de (...) , Leiria , filho de (...) e de (...) , residente na (...) , Leiria
imputando-se-lhe a prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.° do Código Penal e respetiva inibição de conduzir em conformidade com o disposto no art.69.° , n.º 1 alínea a) do Código Penal.

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 3 de agosto de 2015 decidiu julgar procedente a acusação do Ministério Público e, em consequência, condenar o arguido A... , como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido nos termos do artigo 292° do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 7 €, perfazendo o montante global de €420,00 e, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, por um período de três meses.

            Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:
A) O presente recurso vai interposto da sentença que condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal numa pena de multa e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor;
B) O processo de fiscalização de condução sob o efeito do álcool que esteve na origem de todo este processo violou as mais elementares garantias de defesa do arguido e, nessa medida, é nulo;
C) A sentença agora impugnada também está ferida de uma nulidade insanável, de acordo com o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, por falta de pronúncia do tribunal quanto à incapacidade acidental do arguido no momento da recusa da contraprova a que alude o artigo 153.º, n.º(s) 2 e 3 do Código da Estrada e por falta de confirmação dos valores a que alude o exame de fls. 9, assim se violando os mais elementares direitos e garantias de defesa do arguido neste género de situações e o artigo 32º da C.R.P.;
D) Como facilmente se verifica, o álcool é definido como uma droga, tanto em termos científicos como jurídicos,
E) E, dentro destas, como uma droga psicotrópica, já que o seu consumo cria dependência e afecta claramente o sistema nervoso central de todo o indivíduo.
F) Mais, esta qualificação e/ou definição é independente da quantidade e da forma em que esse produto é consumido, já que esta questão só releva(rá) no campo das suas consequências médicas e/ou jurídicas  e até da tolerância da sociedade em geral e/ou de alguns estados em particular ao seu consumo em certos contextos e/ou dentro de certos limites e/ou quantidades.
G) Quanto aos seus efeitos, chamamos aqui a atenção de V.Ex.ª(s) apenas para aqueles que estão directamente relacionados com a diminuição da sensibilidade e capacidade de reacção que é provocada pelo consumo de qualquer género de bebida alcoólica e para os mais que evidentes prejuízos que este consumo costuma acarretar na capacidade julgamento e de crítica do consumidor, na sua percepção, memória e na sua compreensão e capacidade de exposição.
H) Isto posto, e tendo sempre presentes todos os efeitos já referidos do álcool na capacidade de compreensão e declaração do seu consumidor e os efeitos que a lei civil decidiu atribuir aos comportamentos manifestados nesta mesma condição, pergunta-se, será correcta e legal a aceitação por parte do(s) agentes fiscalizadores do facto do arguido ter prescindido da analise de contraprova quanto estão perfeitamente conscientes do estado de embriaguez do arguido e quando têm outros métodos de confirmação do primeiro resultado?
I) Cremos bem que não. E é exatamente por isso que consideramos a prova assim obtida nula para todos os efeitos legais.
J) Assim, e tendo agora em consideração o disposto nos artigos 152.º e 153.º do C.E., o facto da contraprova existir para garantir a todos os condutores a fiabilidade do primeiro exame de pesquisa de álcool no ar expirado (ou no sangue, se for esse o caso), a necessidade deste direito ser perfeitamente percebido pelo seu destinatário, no momento em que lhe é comunicado, a taxa de álcool apurada no ar expirado do arguido e todos os efeitos que uma taxa de álcool deste teor normalmente acarreta para os seus portadores ao nível da compreensão e declaração (e que já tivemos oportunidade de expor) e, bem assim, o disposto nos artigo 257.º e 295.º do Código Civil, temos de considerar todo o processo de fiscalização que nos trouxe até aqui como ferido de nulidade com todas as consequências legais (em virtude da incapacidade em que o arguido se encontrava).
K) Mais, de acordo com o disposto nos artigos 311.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea c) e 386.º do Código de Processo Penal, na sentença deve o tribunal pronunciar-se quanto a todas as questões prévias e/ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa e que o tribunal deva desde logo conhecer e, como facilmente se verifica, o tribunal recorrido não se pronunciou nem quanto à regularidade/legalidade do processo de fiscalização nem quanto à validade da declaração que aí foi proferida pelo arguido no momento em que prescindiu da contraprova.
L) A falta de conhecimento de todas estas questões é portanto motivo de nulidade da respectiva sentença, o que agora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
M) De acordo com o disposto no artigo 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c) e 389.º-A, n.º 1, alíneas b) e c) do C.P.P. toda a sentença ou acórdão deve conter uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e, bem assim, a exposição sucinta de todos os fundamentos que presidiram à escolha e medida das sanções aplicadas, sendo nulas todas as decisões que deixem de pronunciar-se quanto a questões.
N) O tribunal recorrido depois de ter discriminado todos os factos que deu como provados e/ou não provados neste processo - e antes de proceder à fixação da medida concreta de cada uma das penas a aplicar -, devia ter procedido a uma análise crítica de toda a prova existente no processo e devia ter considerado (e ponderado) todas as exigências de prevenção geral e especial que se impunham neste processo,
O) Mas não o fez, assim inviabilizando a correta impugnação de toda esta matéria por parte do recorrente e gerando a nulidade de toda a sentença.
Por tudo isto se requer, agora a V. Ex.ª(s) a declaração de todas as nulidade arguidas, com as devidas e legais consequências ou subsidiariamente a alteração da sentença recorrida e a fixação uma pena acessória coincidente com o limite mínimo legal estabelecido no artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
Ao condenar o arguido nos termos em que o fez, o Meritíssimo Juiz “a quo” realizou uma incorreta interpretação dos factos e da lei, violando o artigo 32º da C.R.P., artigos 71.º e 72.º do Código Penal, artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal., artigo 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c) e 389.º-A, n.º 1, alíneas b) e c) do C.P.P, artigos 152.º e 153.º do C.E., artigo 257.º e 295.º do Código Civil, artigos 311.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea c) e 386.º do Código de Processo Penal, artigos 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c) e 389.º-A, n.º 1, alíneas b) e c) do C.P.P, pelo que a d. sentença sub judice não se deverá manter.

O Ministério Público na Comarca de Leiria, Instância Local de Leiria, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela inexistência de qualquer nulidade , pelo equilíbrio e justeza da pena aplicada ao arguido e pela manutenção da douta sentença recorrida por a sentença não ter violado qualquer disposição legal.

            A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados

1.º - No dia 19 de Julho de 2015, às 18 horas e 38 minutos, na Rua Central, Areias, Colmeias, concelho de Leiria, conduzia o ciclomotor, com a matrícula GV (...) , após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade concretamente não apurada e que lhe determinaram uma taxa de alcoolémia no sangue (TAS) de, pelo menos, 1,5 g/1, correspondente à TAS, registada de 1, 63 g/1 ;

2.º- O arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que antes de empreender a condução do veículo referido, ingerira bebidas alcoólicas, em quantidade tal que necessariamente lhe provocariam uma taxa de alcoolémia superior à legalmente permitida para conduzir veículos na via pública e não obstante, quis levar a cabo tal conduta, que sabia ser proibida e punida por lei criminal

3.º- O arguido não tem antecedentes criminais.

4.º. O arguido é empregado fabril, vive com a esposa em casa própria e aufere um salário mensal de 550 euros;

            Factos não provados

Não se provou:

Com relevância para a discussão da causa, inexistem factos não provados.

Motivação

A convicção do Tribunal baseou-se na globalidade da prova produzida em audiência de Julgamento, com especial atinência, nas declarações do arguido quo assumiram a forma de confissão integral e sem reservas, em conjugação com o resultado do exame pericial de fls. 16, teste realizado pelo aparelho «Drager» com referência à dedução do valor máximo admissível.

No que concerne à ausência de antecedentes criminais do arguido baseou-se o tribunal no C.R.C. junto aos autos.

Já em relação à situação económica e pessoal do arguido valeram exclusivamente as suas declarações em conjugação com as regras da experiência.

 *
            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

Como bem esclarecem os Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, « Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente A... as questões a decidir são as seguintes:
- se a sentença recorrida é nula, nos termos do art.379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal;
- se o Tribunal a quo não procedeu a uma análise critica de toda a prova existente, nem ponderou todas as exigências de prevenção geral e especial, pelo que, subsidiariamente, deve ser alterada a sentença recorrida de modo a que a pena acessória aplicada seja coincidente com o limite mínimo legal estabelecido no artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.


*
                Primeira questão: da nulidade da sentença
                O arguido A... defende que a douta sentença recorrida está ferida de nulidade insanável, de acordo com o disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, por falta de pronúncia do tribunal quanto à incapacidade acidental do arguido no momento da recusa da contraprova a que alude o art.153.º, n.ºs 2 e 3 do Código da Estrada e, ainda, por falta de confirmação dos valores a que alude o exame de fls. 9.
Alega para o efeito, em síntese, o seguinte:
- O álcool é uma droga psicotrópica, já que o seu consumo cria dependência e afeta o sistema nervoso central de todo o indivíduo e, independentemente da quantidade e da forma em que é consumido nas bebidas alcoólicas, costuma acarretar nos consumidores prejuízos na capacidade de julgamento e de crítica, na perceção, memória, na compreensão e na capacidade de exposição;
- Tendo presentes estes efeitos das bebidas alcoólicas, é nula a obtenção da prova por parte dos agentes fiscalizadores ao aceitarem a declaração do arguido de prescindir da análise de contraprova, uma vez que os mesmos agentes estão perfeitamente conscientes do estado de embriaguez do arguido e têm outros métodos de confirmação do primeiro resultado;
- Não estando demonstrado que o arguido tenha percebido o sentido da possibilidade de requerer a contraprova a que alude o art.153.º do Código da Estrada, a sua declaração tem de ser considerada inválida para todos os efeitos legais ao abrigo do disposto nos artigos 257.º e 295.º do Código Civil; 
- Estando todo o processo de fiscalização ferido de nulidade em virtude da incapacidade em que o arguido se encontrava, foram violados os mais elementares direitos e garantias de defesa do arguido neste género de situações e o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;
- A regularidade/legalidade do processo de fiscalização e a validade da declaração prestada pelo arguido no momento em que prescindiu da contraprova, deveria ter sido conhecida como questão prévia ou incidental que obsta à apreciação do mérito da causa, de acordo com o disposto nos artigos 311.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea c) e 386.º do Código de Processo Penal, o que não foi feito.
O Tribunal a quo violou, assim, o disposto no art.32º da C.R.P., os artigos 311.º, n.º1, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, alínea c) e 389.º-A, n.º 1, alíneas b) e c), do C.P.P., os artigos 152.º e 153.º do Código da Estrada e os artigos 257.º e 295.º do Código Civil.
Vejamos se assim é.

Sendo inúmeras e de diversas proveniências as normas alegadamente violadas pelo Tribunal a quo, importa, para resposta a esta questão objeto de recurso, que se lhes faça uma referência .

O art.32.º da Constituição da República Portuguesa condensa, em dez números, os mais relevantes princípios materiais do processo penal.

O recorrente limita-se a invocar genericamente a violação desta norma constitucional sem lhe apontar um concreto número.

Um vez, porém, que a fórmula do n.º 1 deste art.32.º - « o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso» - é, no dizer dos Profs Gomes Canotilho e Vital Moreira, “ uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo , que todas elas são, em última análise, garantias de defesa.”,[4] diremos também, em termos gerais, que o este art.32.º consagra o direito do arguido a uma ampla e efetiva defesa.

Enquanto «cláusula geral» permite ainda identificar outras possíveis concretizações judiciais do princípio da defesa não referenciadas no texto constitucional. No essencial configura-se nesta norma o processo criminal como um due process of law, um processo justo e equitativo, determinando a ilegitimidade das normas processuais e dos procedimentos dela decorrentes que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.
O Código de Processo Penal dá tradução aos ditames constitucionais deste art.32.º da Constituição da República Portuguesa.
Quanto ao julgamento, em processo sumário, estabelece que se regula pelas disposições do Código de Processo Penal relativas ao julgamento em processo comum, com as modificações das normas que especialmente lhe são aplicáveis, constantes dos art. 381.º a 391.º, do CPP, devendo os atos e termos do julgamento ser reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa, por força do art.386.º, do mesmo diploma legal.

O art.311.º, n.º1, do C.P.P. , inserido no Livro VII “ Do julgamento”, estabelece a propósito do saneamento do processo e dos atos preliminares do julgamento, que « Recebidos os autos no tribunal , o presidente pronuncia-se sobre nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.». 
Prosseguindo o processo para julgamento, designadamente porque não foram suscitadas ou declaradas oficiosamente nulidades ou questões prévias que obstassem à apreciação do mérito da causa, segue-se a deliberação e votação sobre o objeto do processo ( art.365.º do C.P.P.) – que em julgamento por Tribunal Singular se limita à tomada de posição sobre as questões pelo respetivo Juiz -, e a elaboração da sentença.
O art.374.º do C.P.P. especifica os «Requisitos da sentença», distinguindo nela três partes: o relatório, a fundamentação e o dispositivo.
O art.374.º, n.º 2 do C.P.P., estabelece que « Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.».

Na fundamentação há que distinguir, por um lado, os fundamentos de facto e por outro, os fundamentos de direito da decisão.

A fundamentação de facto começa pela enumeração dos factos provados e não provados; continua com uma exposição de motivos que fundamentam a decisão; e finda com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A fundamentação de direito da sentença consiste na subsunção dos factos ao direito, e indicação das razões de direito que conduzem à decisão.
A sentença em processo sumário tem algumas particularidades, enunciadas no art.389.º-A do C.P.P.. Assim:
« 1 - A sentença é logo proferida oralmente e contém:
     a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
     b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;
     c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;
     d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º».
A fundamentação – como o dispositivo – é um requisito que deve ser observado sob pena de nulidade da sentença, seja em processo comum, seja em processo sumário.

É o que resulta do art.379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, ao estabelecer que é nula a sentença « Que não contiver as menções referidas no n.º2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas  a) a d) do n.º1 do artigo 389.º-A e 391.º-F».

Do art.379.º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Penal, resulta ainda que é nula a sentença « Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.».  

A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista.

A propósito do procedimentos para a fiscalização da condução sob a influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas, estabelecem os artigos 152.º e 153.º, do Código da Estrada, o seguinte:
Art.152.º « Princípios gerais» :
« 1 - Devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
     a) Os condutores;
     b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito;
     c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
2 - Quem praticar atos suscetíveis de falsear os resultados dos exames a que seja sujeito não pode prevalecer-se daqueles para efeitos de prova.
3 - As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.
4 - As pessoas referidas na alínea c) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são impedidas de iniciar a condução.
5 - O médico ou paramédico que, sem justa causa, se recusar a proceder às diligências previstas na lei para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas é punido por crime de desobediência
Art.153.º « Fiscalização da condução sob a influência de álcool » :
« 1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente:
     a) Do resultado do exame;
     b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame;
     c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e
    d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo.
3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
     a) Novo exame, a efetuar através de aparelho aprovado;
     b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efetuado.
5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito.
6 - O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial.».
Por fim, importa considerar os artigos 257.º «Incapacidade acidental» e 295.º «Disposições reguladoras» do Código Civil, invocados pelo recorrente, que estabelecem:
Art.257.º :

« 1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.
    2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.».
Artigo 295.º «Disposições»:
« Aos atos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente.».
Retomando o caso concreto, avançamos já que a pretensão do recorrente não pode proceder, quer por razões de natureza substantiva, quer processual.
Os elementos essenciais do crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.292.º, n.º1, do Código Penal, são a condução, com dolo ou por mera negligência, de um veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada, com uma TAS igual ou  superior a 1,2 g/l.
O ponto de partida do crime de condução em estado de embriaguez é a consideração de que existem substâncias cujo consumo ou ingestão influenciam as capacidades físicas e mentais para conduzir. O álcool perturbando as capacidades do condutor põem em causa o bem jurídico tutelado, como seja, a segurança rodoviária. 
O dolo e a negligência têm como elementos de referência a consciência do estado de embriaguez com que o agente conduz.
Uma realidade comprovada cientificamente é a influência do álcool nas capacidades físicas e mentais para conduzir e outra, bem diferente, é que a condução com álcool determina a incapacidade do condutor para se deixar motivar pela norma, no momento da condução.
Por outras palavras, no geral, a ingestão de álcool perturba as capacidades físicas e mentais da condução, mas o agente mantém a consciência do estado de embriaguez em conduz.
Se o agente conduz um veículo, com ou sem motor, na via pública ou equiparada, com uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l, com consciência de que o faz em estado de embriaguez,  pratica o crime do art.292.º do Código Penal
Se, excecionalmente, o agente conduz um veículo sem consciência do estado de embriaguez, isto é, com incapacidade de se deixar motivar pela norma que proíbe a condução sob estado de embriaguez, não fica o condutor impune, uma vez que se lhe aplica então o disposto no art.295.º do Código Penal, que pune «quem, pelo menos por negligência, se colocar em estado de inimputabilidade derivado de ingestão ou consumo de bebida alcoólica ou de substância tóxica e, nesse estado, praticar um facto ilícito típico…».
Como bem salienta o Prof. Germano Marques da Silva, “ O agente pode encontrar-se em estado de inimputabilidade derivado da ingestão ou consumo de bebida alcoólica e nesse estado praticar o facto ilícito típico previsto no art.292.º. Sendo o agente inimputável, não é diretamente responsável pela prática do crime do art.292.º”, mas ao colocar-se nesse estado, pelo menos por negligência, “aplica-se então o art.295.º, n.º2” do Código Penal.[5]     
No caso concreto, o arguido A... , na qualidade de condutor, sujeitou-se à realização do teste de alcoolemia por agente de autoridade, mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, tendo apresentado uma TAS de, pelo menos, 1,5 g/1, correspondente à TAS, registada de 1,63 g/1.
Constando do auto de notícia junto aos autos que o arguido, após a realização daquela diligência de fiscalização, declarou que que não deseja ser submetido a exame de contraprova, é medianamente claro, que aquela taxa de álcool no sangue não o incapacitou de compreender e esclarecer as autoridades policiais de que não desejava a realização da contraprova.
Não existe nenhuma norma jurídica, ou outra não jurídica, designadamente científica, que estabeleça que um condutor sujeito a teste de alcoolemia, realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, apresentando uma taxa superior a 1,2 g/l, não tem capacidade de compreensão e de declaração de que não deseja ser submetido a exame de contraprova.
A afirmação do recorrente de que os agentes fiscalizadores estavam perfeitamente conscientes do estado de embriaguez do arguido e tendo outros métodos de confirmação do primeiro resultado, deviam tê-lo realizado, não colhe.
Uma situação é os agentes fiscalizadores poderem estar conscientes de que o arguido conduzia em estado de embriaguez, pois apresentava uma TAS de, pelo menos, 1,5 g/1, correspondente à TAS, registada de 1,63 g/1 e outra, bem diferente, é que com esta TAS – que está longe de ser das mais elevadas – o arguido estava incapacitado de entender e querer para decidir-se sobre a realização de contraprova.
Aliás, se o arguido estivesse incapacitado acidentalmente de entender e querer para decidir-se sobre a realização de contraprova, então também teria conduzido  o veículo em estado de inimputabilidade. Nessa situação, a conduta dos agentes de fiscalização não seria “forçar” a realização de contraprova não querida, mas deter o arguido pela prática do crime de embriaguez, p. e p. pelo art.295.º do Código Penal.
O certo, porém, é que não resulta dos factos provados e da fundamentação da matéria de facto da sentença, ou mesmo de qualquer outro elemento do processo, que o arguido A... estava incapacitado de saber que conduzia em estado de embriaguez ou que estava incapacitado de entender e querer no momento em que declarou não desejar a realização de contraprova.
Pelo contrário, a assinatura de todo o expediente por parte do ora recorrente, desde o talão do exame, à constituição de arguido e temo de identidade e residência, contemporânea da declaração de que não desejava a realização da contraprova, indiciam o contrário do pugnado pelo recorrente.
Depois do arguido ter declarado que não queria realizar contraprova à TAS que resultou do teste efetuado em alcoolímetro, é manifesto que os agentes de fiscalização violariam os seus direitos fundamentais se lhe impusessem essa contraprova, seja noutro aparelho aprovado ou por análise de sangue. Note-se que a contraprova, a realizar-se contra a vontade declarada do arguido, poderia determinar uma agravação da sua responsabilidade criminal, pois o resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial (n.º 6 do art.153.º do  Código da Estrada) e, em especial nos casos de analise do sangue, o novo resultado do teste apresenta frequentemente valores superiores ao teste realizado no alcoolímetro.
A segunda razão, agora mais de índole processual, para a improcedência desta questão, respeita à confissão integral e sem reserva , por parte do arguido, dos factos da acusação, nos termos do art.344.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal.
De acordo com o n.º 2 deste preceito, a confissão integral e sem reservas implica:
   «a) Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados;
      b) Passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável; e
     c) Redução da taxa de justiça em metade
Este regime não se aplicará nos casos enumerados nas alíneas a) a c) do n.º3 deste preceito, ou seja, se «a) Houver coarguidos e não se verificar a confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles; b) O tribunal, em sua convicção, suspeitar do carácter livre da confissão, nomeadamente por dúvidas sobre a imputabilidade plena do arguido ou da veracidade dos factos confessados; ou c) O crime for punível com pena de prisão superior a 5 anos
De todo o modo, «Verificando-se a confissão integral e sem reservas nos casos do número anterior ou a confissão parcial ou com reservas, o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção da prova.» ( n.º4 do art.344.º do C.P.P.).
Resulta da ata de audiência de julgamento junta a folhas 53 dos autos, que o arguido A... , no início da audiência, declarou que pretendia confessar os factos que lhe são imputados; depois de lhe ter sido perguntado pelo Ex.mo Juiz se o fazia de livre vontade e fora de qualquer coação, respondeu que sim, que a sua confissão é integral e sem reservas.

Ou seja, o arguido confessou, designadamente, que conduzia um ciclomotor, após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade concretamente não apurada, que lhe determinou uma taxa de alcoolémia no sangue de, pelo menos, 1,5 g/1, correspondente à TAS, registada de 1, 63 g/1, assim assumindo como corretamente obtida a prova da sua condução em estado de embriaguez através do teste cujo talão consta dos autos.

Mais ainda, resulta provado, em face desta confissão, que o ora recorrente agiu deliberada , livre e conscientemente, isto é, com liberdade de ação, e com dolo, pois sabia que conduzia embriagado face à quantidade de bebidas alcoólicas que ingerira e quis conduzir neste estado, com consciência da censurabilidade da sua conduta.

Esta confissão sem reservas, nas circunstâncias concretas descritas, afasta racionalmente qualquer veleidade de não ter percebido o sentido da possibilidade de requerer a contraprova a que alude o art.153.º do Código da Estrada.

A invocação da incapacidade acidental para se determinar aquando da declaração de que não desejava contraprova, apenas em sede de recurso, aproxima-se da figura do “venire contra factum proprium”, pois o arguido poderia ter confrontado em julgamento os agentes de autoridade sobre a sua incapacidade para declarar que não pretendia a realização de contraprova e, com a com a confissão integral e sem reservas, evitou não só a produção de prova em audiência sobre os factos relativos à TAS, como beneficiou das consequências legais da confissão integral e sem reservas dos factos.

Em face do exposto, podemos agora concluir que nem o Ministério Público, nem o arguido A... , suscitaram, antes ou depois da audiência de julgamento – salvo este em sede de recurso –, qualquer questão relativa à incapacidade acidental do ora recorrente para prescindir da realização da contraprova ao exame efetuado e da consequente eventual ilegalidade do processo de fiscalização.

Dos elementos juntos aos autos, pelas razões que se deixaram expostas, também não se vislumbram motivos para o Tribunal a quo, oficiosamente e no caso concreto, dever decidir como questão prévia e/ou incidental, antes do julgamento, neste, ou na sentença, se o arguido estava incapacitado pela embriaguez de prescindir da realização da contraprova ao exame efetuado e da consequente ilegalidade do processo de fiscalização. 

Assim, não se reconhecendo a violação pelo Tribunal a quo, designadamente na douta sentença recorrida, das normas jurídicas citadas pelo recorrente nas conclusões da motivação do recurso, não se reconhece a invocada nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, a que alude o artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

2.ª Questão: da pena acessória
            Esta questão é suscitada apenas nas conclusões da motivação e de um modo francamente deficiente.
Por um lado, a propósito da pena, alega que o Tribunal a quo não fez uma análise crítica de toda a prova existente, quando é evidente que na “Motivação” da matéria de facto, examinou criticamente toda a prova em que assentou os factos como provados – não há factos dados como não provados.
Por outro lado, refere que o Tribunal a quo não ponderou todas as exigências de prevenção geral e especial, mas não concretiza qual o sentido em que, no seu entendimento, foram interpretados os artigos 71.º, 72.º e 69.º, n.º1 do Código Penal e em que termos é que deviam ter sido interpretados e aplicados tendo em vista as exigências de prevenção geral e especial. Por fim, defende, subsidiariamente, que deve ser alterada a sentença recorrida de modo a que a pena acessória aplicada seja coincidente com o limite mínimo legal estabelecido no artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
Vejamos.

Temos como pacífico que o ora recorrente, com a sua conduta dada como provada, praticou um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, al a) do Código Penal.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, imputado ao arguido, é punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.

O art.69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, estatui que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º e 292.º.

Muito embora distintas nos seus pressupostos, quer a pena principal, quer a acessória, assentam num juízo de censura global pelo crime praticado e daí que para a determinação da medida concreta de uma e outra se imponha o recurso aos critérios estabelecidos no art.71.º do Código Penal.

Nos termos do art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

De acordo com o art.40.º, n.º1, do Código Penal, a aplicação de penas (e de medidas de segurança) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

Por fim, a culpa é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

No caso em apreciação, o Tribunal a quo depois de optar pela pena de multa em detrimento da pena de prisão, em que teve em consideração as exigências de prevenção – tendo como elevadas as exigências de prevenção geral e mais limitadas as exigências de prevenção especial, pelas razões que concretiza –, determinou a medida concreta da pena de multa, tendo em consideração novamente as exigências de prevenção geral e especial e, ainda, a culpa do arguido.

Finalmente, passou à determinação da medida concreta da pena acessória. Tendo por referência o disposto no art.69.º, n.º1, alínea a) do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho – e não a alínea c), n.º1 do Código Penal, que respeita à proibição de conduzir por crime de desobediência – e “as circunstâncias que presidiram à pena principal”, fixou a pena acessória de proibição de conduzir em 3 meses.

Três meses é o limite mínimo da pena de proibição de conduzir veículos com motor aplicável em caso de condenação por crime previsto no art.292.º do Código Penal.

Pese embora o recorrente invoque o disposto no art.72.º do Código Penal, não concretiza qualquer circunstância para a atenuação especial da pena, que tem lugar apenas «… quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele , que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto , a culpa do agente ou a necessidade da pena.».

A jurisprudência tem sido exigente na aplicação deste preceito penal, limitando a atenuação especial da pena a casos extraordinários ou excecionais de acentuada diminuição da ilicitude do facto , a culpa do agente ou a necessidade da pena - cfr. entre outros, os recentes acórdãos do STJ de 12 de Julho de 2006 ( 06P796) e de 25 de Outubro de 2006 ( proc. n.º 06P1286), que se podem consultar em www.dgsi.pt/jstj.

Acerca do pressuposto material da atenuação da pena, escreve o Prof. Figueiredo Dias que “ a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da(s) circunstância(s) atenuante(s) , se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo. Por isso , tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar: para a generalidade dos casos, para os « casos normais» , lá estão as molduras penais normais , com os seus limites máximo e mínimo próprios.”.[6]

Subscrevemos integralmente este entendimento jurisprudencial e doutrinal.

No presente caso, o grau de ilicitude do facto é médio, considerando a T.A.S. de pelo menos 1,5 g/l  com que o arguido conduzia no interior de um centro urbano, durante o dia, e todas as potenciais consequências inerentes a uma condução nesse estado, para a vida, para a integridade física e bens patrimoniais  próprios e alheios.

Podendo o crime ser cometido com negligência, resulta dos factos provados que arguido agiu com dolo e direto.

A confissão integral feita pelo arguido é praticamente irrelevante, uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito e consta dos autos o talão com o resultado do teste à alcoolemia. Esse é também o entendimento do Prof. Eduardo Correia ao defender que “..não deve ter nenhum significado  a confissão do criminoso preso em flagrante delito e , duma maneira geral , em todos os casos em que se torna claro que a prova está feita por outros meios.” – Direito Criminal, Almedina, 1971, Vol. II , pág. 387.

A ausência de antecedentes criminais por parte do arguido é uma circunstância normal na vida da maioria dos cidadãos.

Se as razões de prevenção especial não são aqui as mais prementes, já as exigências de prevenção geral o são, como se menciona, e bem, na sentença recorrida.

Uma vez que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar, pois para a generalidade dos casos, para os «casos normais», lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios, e no presente caso não se vislumbram acentuadas circunstâncias atenuantes da responsabilidade do arguido  A... ao nível da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena que levem ao abaixamento da pena abstrata prevista no art.69.º, n.º1, al. a), do C.P., o Tribunal da Relação entende que bem andou o Tribunal recorrido ao não fazer uso da atenuação especial da pena a que alude o art.72.º do Código Penal aquando da fixação da pena acessória.

Não se reconhecendo a violação pela decisão recorrida dos critérios de determinação da pena acessória, enunciados nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal e tendo respeitado os que resultam ainda dos artigos 40.º e 69.º, n.º1, al. a) do mesmo Código e o princípio da proporcionalidade na graduação da mesma pena ínsito no art.18.º da C.R.P., impõe-se negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e manter a douta sentença recorrida.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e manter a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

                                                                                     *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).                    


*

Coimbra,  23 de novembro de 2016

(Orlando Gonçalves - relator)

(Inácio Monteiro - adjunto)

 



             


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] Constituição da República Portuguesa anotada, 4.ª edição, pág. 516.
[5]Crimes rodoviários , Pena acessória e Medidas de Segurança”, Univ. Católica Editora, pág.62

[6]  Cf. “Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime”, noticias editorial , páginas 306 e 307.