Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1814/08.9TBAGD.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: CONCESSIONÁRIO
AUTO-ESTRADA
REGRAS DE SEGURANÇA
CUMPRIMENTO
ÓNUS DA PROVA
POLÍCIA
ACIDENTE
Data do Acordão: 02/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INSTÂNCIA CÍVEL DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 12º DA LEI Nº 24/2007, DE 18 DE JULHO.
Sumário: 1. Não viola qualquer regra de direito probatório a valorização só em parte do depoimento de uma testemunha, uma vez que o Tribunal pode acreditar apenas em parte, não valorizando a totalidade do depoimento se, em face dos demais elementos de prova e de acordo com as regras da experiência e da lógica, se evidencie que, relativamente a certos factos, a testemunha assumiu um posicionamento interessado.

2. Nos termos da norma do artigo 12.º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho e nos casos ali previstos, quer se entenda que a responsabilidade da concessionária é contratual quer se entenda que é aquiliana, o lesado deixou de ter que provar o incumprimento ou o cumprimento defeituoso - responsabilidade contratual - ou a culpa - responsabilidade extra-contratual -, passando a recair sobre a concessionária o ónus de provar que cumpriu as regras de segurança.

3. Para este efeito, não basta a genérica alegação e prova de que os funcionários da ré efectuaram diversos patrulhamentos em toda a extensão da concessão, e que passaram por diversas vezes no local onde veio a eclodir o sinistro e, ainda, que os patrulhamentos são efectuados 24 horas por dia todos os dias do ano.

4. Se assim não fosse, os consumidores teriam um ónus mais gravoso do que aqueles que dominam ou devem dominar a vigilância e segurança do tráfego, pois obrigar-se-ia a quem não domina os meios a fazer a prova concreta que quem os domina ou deve dominar não consegue ou tem muitas dificuldades.

5. Uma vez demonstrada a causa do acidente, nenhuma razão se vislumbra para que o ónus da prova das obrigações de segurança a cargo da concessionária tenha tratamento jurídico distinto, consoante a demonstração da causa tenha ou não merecido a atestação de conformidade das autoridades policiais.

6. A obrigatoriedade da presença policial no local do acidente tem como objectivo evitar situações de fraude mas, seguramente, não pode impedir o lesado de fazer a prova da causa do acidente por qualquer meio probatório em direito admissível, obrigando a que o julgador seja mais exigente na aquisição processual de tal facto.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

C… intentou a presente acção declarativa, com forma de processo sumário, contra “A…, S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar à autora a quantia de € 17.650,00, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.

Como fundamento da sua pretensão, alega a autora, em síntese, que: em 3/4/2008, ocorreu um acidente de viação, que consistiu no despiste do seu veículo, quando circulava na auto-estrada A25, no sentido Viseu/Aveiro, despiste esse causado pela existência de uma peça metálica em plena faixa de rodagem; em consequência do acidente, o veículo da autora sofreu danos e também esta, danos esses cujo ressarcimento pretende obter da ré, por entender ser esta a responsável pelo acidente, na medida em que cabia à mesma assegurar a circulação em condições de segurança na auto-estrada.

Foi a “A…” citada para, querendo, contestar a acção, o que fez, arguindo a sua ilegitimidade passiva para a acção, uma vez que não lhe pertence a concessão da área onde ocorreu o acidente sub judice. À cautela, contestou também por impugnação da factualidade alegada pela autora.

Respondeu a autora, pugnando pela improcedência da arguida ilegitimidade da “A…”.

À cautela, veio a autora requerer a intervenção principal provocada da “L…, S.A.”, como ré subsidiária, nos termos do art.º 31º-B do CPC.

Respondeu a “A…”, pugnando pelo indeferimento da requerida intervenção principal provocada da “L…”.

Foi proferido despacho de admissão da requerida intervenção principal provocada da “L…” como ré subsidiária.

Foi citada a ré “L…”, a qual apresentou contestação, na qual arguiu a deficiente alegação da causa de pedir, e contestou por impugnação, quer o acidente, quer os danos, quer, ainda, a sua responsabilidade.

Requereu a ré “L…” a intervenção principal provocada da “B…, S.A. – Sucursal em Portugal”, por ter sido transferida para esta, por via de contrato de seguro, a responsabilidade civil decorrente de sinistros da natureza do alegado pela autora.

Respondeu a autora, concluindo como na p.i.

A convite do Tribunal, a ré “L…” rectificou o pedido de intervenção da seguradora, requerendo a intervenção acessória da mesma.

Foi admitida a requerida intervenção acessória da “B…, S.A. – Sucursal em Portugal”.

Citada a Chamada, veio esta apresentar contestação, dando conta da alteração da sua denominação social, para “C…, S.A. – Sucursal em Portugal”, e alegando que estava prevista uma franquia de € 5.000,00 por sinistro no contrato de seguro celebrado com a ré “L…”.

Impugnou por desconhecimento, quer o acidente, quer os danos, e refutou a responsabilidade da sua segurada.

Elaborou-se despacho saneador, no qual foi julgada procedente a arguida excepção da ilegitimidade passiva da ré “A…, S.A.”, pelo que se julgou esta ré parte ilegítima para a acção, absolvendo-se a mesma da instância.

Foi proferida sentença, da qual a ré interpôs recurso de apelação, que determinou a anulação da decisão proferida em 1ª instância, a fim de repetir o julgamento para apreciação sobre a matéria de facto melhor concretizada sob os pontos 8 a 11 do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (fls. 353).

Repetiu-se o julgamento quanto àqueles pontos da matéria de facto.

Após julgamento, o Tribunal da 1.ª instância proferiu a seguinte decisão:

” Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção proposta por C… contra “A…, S.A.” parcialmente procedente, e em consequência, condenar a ré a: a) pagar à autora a quantia de € 1.150,00, acrescida de juros de mora, contados desde 5/12/2008, à taxa legal de 4%, até integral pagamento; b) pagar à autora o montante que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação, nunca superior a € 15.000,00, correspondente ao valor venal do veículo da autora, com a matrícula …RG, imediatamente antes do acidente, à data de 3/4/2008, valor esse acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, contados desde 5/12/2008, até integral pagamento.”.

2. Objecto da instância de recurso

Nos termos do art. 684°, n°3 e 685.º-A do Código do Processo Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações da recorrente.

ALEGAÇÕES que apresenta a apelante, A…, S. A.:

A autora/apelada C…, contra alega, concluindo:

3. Da instância recursiva

As questões a decidir são as seguintes:

I. A matéria de facto constante da resposta ao Ponto 9 da Base Instrutória deve ser alterada?

Diz a apelante “…que falha a douta sentença do Tribunal a quo na apreciação da matéria de facto relativamente ao artigo 9º (objecto de repetição do julgamento), dado ser manifesto que não é verdade que a peça metálica se encontrasse (totalmente) na via esquerda da faixa de rodagem, como sugere tal resposta. Aliás, essa resposta nem sequer se compagina com aqueloutra que o Tribunal deu ao artigo 9º - C. Que do depoimento transcrito no corpo destas alegações, e para além da total ausência de credibilidade da testemunha, pode concluir-se que o objecto, grande e de metal, ocupava o meio da faixa de rodagem, encontrando-se, pelo menos, em parte na via da direita (isto se esquecermos completamente a primeira versão do depoimento da testemunha M… que não foi coincidente com este último)…”.

Como é sabido, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal da 1.ª instância na fixação da matéria de facto, só sobrelevará no Tribunal da Relação se resultar demonstrada, através dos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de erro na apreciação do seu valor probatório, tornando-se necessário, para equacionar aquele, que os aludidos meios de prova apontem, inequivocamente, no sentido propugnado pelo mesmo recorrente - só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1.ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, que não ocorrerá perante elementos de prova contraditórios, caso em que deverá prevalecer a resposta dada em 1.ª instância, no domínio da convicção que formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento –“.

O Tribunal da 1.ª instância respondeu, assim, à matéria de facto – foram aditados, por Acórdão desta Relação de 11 de Outubro de 2011 e pelas razões que aí constam, os Pontos 9.º A, 9.º B e 9.º C:

            Quesito 8º: provado que, no momento do acidente, a autora circulava pela via esquerda, encontrando-se o veículo de matrícula …XJ imobilizado na berma da via direita, após ter embatido num objecto que se encontrava na faixa de rodagem;

Quesito 9º: provado que, ao Km 35,650 da A25, encontrava-se, na faixa de circulação esquerda, uma peça metálica (poli do rodado de um veículo pesado);

Quesito 9º-A: provado que o veículo de matrícula …XJ, depois de ter embatido naquela peça metálica, veio a imobilizar-se na berma da faixa de rodagem da direita;

Quesito 9º-B: não provado – aí se perguntava, “Se a autora de nada se apercebeu e continuou a conduzir de forma tranquila no seu sentido de marcha na ultrapassagem ao referido veículo XJ?” ;

Quesito 9º-C: provado que a autora deparou-se com a referida peça metálica que se encontrava, pelo menos em parte, na faixa da esquerda, onde circulava;

Quesito 11º: provado que a autora não conseguiu desviar-se da mesma;

Quesito 12º: provado.

A recorrente para impugnar tal decisão diz:

“Interpõe a apelante o presente recurso pelo facto de não concordar com a solução jurídica seguida pela douta sentença do Tribunal a quo, mas também porque entende que há razões para criticar a decisão respeitante à matéria de facto, concretamente no que respeita ao artigo 9º.

Aliás, e relativamente a este artigo da matéria de facto, objecto da repetição do julgamento, mantém-se – parece-nos – a contradição assinalada pelo douto ac. Desta Relação que ordenou essa repetição e é, além disso, imediatamente visível a sua incongruência com a resposta dada ao artigo 9º - C.

A este artigo 9º respondeu o Tribunal o seguinte: “provado que ao Km 35,650 da A25 encontrava-se na faixa de circulação esquerda uma peça metálica (poli do rodado de um veículo pesado)” – sublinhado nosso. E ao artigo 9º - C desta forma: “provado que a autora deparou-se com a referida peça metálica que se encontrava pelo menos em parte na faixa esquerda, onde circulava” – igualmente sublinhado nosso.

Só por esta comparação entre uma resposta e outra é possível concluir que a resposta ao referido artigo 9º não foi claramente a melhor e não “bate certo” com aquela dada ao artigo 9º - C. 

De facto, estaria a peça totalmente na faixa (via) da esquerda ou apenas em parte nessa via da esquerda? O que não pode – estamos certos – é haver duas (ou melhor: três, como veremos) explicações possíveis para a localização da dita peça.

Cremos até que se tratou de um mero lapso da douta sentença, pois que resulta limpidamente da resposta à matéria de facto que a testemunha (M…) disse que “(…) avistaram este, ao meio da via, entre as duas faixas de rodagem nesse sentido e ocupando sensivelmente o mesmo espaço em cada uma”.

É, pois, evidente que o objecto, a peça metálica, não se encontrava totalmente na via esquerda de circulação, atento o sentido de marcha Viseu – Aveiro, como sugere a resposta ao artigo 9º dada pelo Tribunal mas, quando muito, ocupava o meio da faixa de rodagem e em partes iguais as vias da esquerda e da direita.

Poder-nos-íamos ficar por aqui, pois que só esta comparação demonstra, como se disse, o desacerto da douta decisão quanto àquele artigo 9º, mas o que se passou nas duas sessões de julgamento (a “original” e a “repetição”) com o depoimento da testemunha M… justifica que prossigamos na demonstração que a decisão não foi a melhor, quer no que respeita à decisão de facto, quer no que se refere, sobretudo, à decisão de direito. Para tal – e porque é interessante – importa reproduzir o que essa testemunha disse de mais relevante nessas duas sessões sobre o acidente dos autos, sendo curioso registar a mudança de sentido do depoimento de uma para outra sessão com o pretexto – disse ela – de naquele julgamento estar nervosa (faltando, pois, saber se nesta segunda oportunidade não estava também por “dar o dito por não dito”).

Isto posto,

Vista esta longa (mas necessária) transcrição, é evidente – parece-nos – a total falta de credibilidade (isto para dizer o menos) desta testemunha.

Efectivamente, são várias as diferenças (que não se consegue perceber, por pouco que seja) entre a primeira vez que prestou o seu depoimento e esta última, destacando-se as que se assinalam já a seguir:

- da primeira vez, o veículo rodava na via da direita quando avistaram o objecto; agora não, o carro já circulava na via da esquerda;

- nessa primeira vez, condutora e passageira avistaram o objecto a 200 metros; agora não se sabe a distância, mas, de toda a maneira, a uma distância suficiente para que o veículo se desviasse da peça e com ela não colidisse; - em Outubro de 2011, o objecto (a peça) encontrava-se na via da direita ou – quando muito – naquilo que se poderá designar por meio da via (sobre a linha contínua ou descontínua que separa as duas vias de circulação), mas, de todo o modo, ocupando mais o lado direito (nunca foi dito, aliás, que ocupava – e ainda que parcialmente - a via da esquerda); agora, em Abril de 2012, já a peça se encontrava tanto na via da direita, como na via da esquerda, mas, ainda assim, deixando espaço suficiente (e numa e noutra das vias) para que o veículo passasse sem com ela colidir.

Parece, pois, à apelante, e salvo o devido respeito, que o Tribunal a quo foi pouco rigoroso na apreciação deste depoimento.

Mas também há – e mau seria – algumas semelhanças dos “dois andamentos” desta testemunha de entre as quais se destaca (pelo menos, assim nos parece) aquela de não conseguir a testemunha dar uma explicação minimamente consentânea e lógica para a eclosão do acidente, ficando sempre no ar a ideia, então (Outubro de 2011), como recentemente (Abril de 2012), que a peça se mexeu sozinha e foi de encontro ao veículo, o que – convenhamos – não faz qualquer sentido.

De todo o modo, e seja com que versão for (a de que a peça se encontrava na via da direita ou ocupando igual espaço na via da direita e na via da esquerda), uma conclusão se impõe, i. e., que era possível à condutora e ao automóvel passar pela peça sem com ela colidir porque – no mínimo – o espaço disponível na via esquerda para tal era suficiente para que tal sucedesse.

Mas – curiosamente - não foi assim que aconteceu.

Que dizer disto?

Que, no mínimo, a resposta que o Tribunal a quo deu ao mencionado artigo 9º (agora numa segunda oportunidade para a testemunha) não está, como se disse antes, correcta.

Com efeito, não corresponde à verdade, apesar da “cambalhota” no sentido do seu depoimento que a testemunha escolheu dar neste espaço de alguns meses, que o objecto se encontrasse integralmente (é esse o sentido da pergunta que ali se fazia) na via da esquerda.

Aliás, e em bom rigor, nem a própria resposta ao artigo 9º - C estará correcta, a não ser que se entenda que o primeiro depoimento daquela testemunha não valeu para rigorosamente nada.

Por isso, e a valorar-se apenas o depoimento de Abril de 2012 desta testemunha, certo será apenas que o objecto não se encontrava totalmente na via da esquerda como – erradamente – decorre da resposta ao artigo 9º que assim deve ser alterada, pelo menos no sentido que aquele objecto ocupava apenas parte da dita via da esquerda (e parte também da via da direita).

Assim, o Tribunal a quo só podia ter respondido explicativamente àquele artigo 9º, e no máximo (ou seja, no caso de ignorar completamente a “primeira versão” avançada pela testemunha), da seguinte forma: provado que ao Km 35,650 se encontrava uma peça metálica (poli do rodado de um veículo pesado), ocupando parte igual da via direita e da via da esquerda e deixando espaço disponível para que o automóvel passasse sem embater na dita peça.

Nessa medida, e salvo o respeito devido, a douta sentença apreciou e valorou mal a prova produzida em relação, pelo menos, ao artigo 9º e com isso violou o disposto nos artigos 342º nº 1 e também, como melhor se verá adiante, o artigo 570º do Cód. Civil.

O que dizer desta alegação.

Desde logo e, ao contrário do raciocínio da apelante, anulada que foi parcialmente a resposta ao Ponto 9 da Base instrutória, sem efeito ficou aquilo que a testemunha M… disse na sessão do dia 17.2.2011.

Para a matéria de facto referente aos Pontos anulados pelo anterior acórdão desta Relação e aqueles outros aditados – 9.ºA, B e C – apenas será ponderada a prova testemunhal produzida na sessão de 13 de Abril de 2012.

Por outro lado, deveria saber a apelante que, não viola qualquer regra de direito probatório a valorização só em parte do depoimento de uma testemunha. O Tribunal pode acreditar apenas em parte, não valorizando a totalidade do depoimento se, em face dos demais elementos de prova e de acordo com as regras da experiência e da lógica, se evidencie que, relativamente a certos factos, a testemunha assumiu um posicionamento interessado.

Foi o que fez 1.ª instância ao escrever que O depoimento da testemunha supra identificada padece de alguma confusão, que se poderá, de certo modo, entender perante o carácter dinâmico de um acidente rodoviário, e o manifesto nervosismo da testemunha. Disse que seguia como passageira, ao lado da autora, quando, a distância que não conseguiu precisar, mas o bastante para ambas comentarem a presença do obstáculo na via (que diz que inicialmente pensaram ser um saco de plástico preto), avistaram este, ao meio da via, entre as duas faixas de rodagem nesse sentido, e ocupando sensivelmente o mesmo espaço em cada uma. Mais referiu que seguiam na faixa da esquerda, não se encontrando qualquer veículo na faixa da direita. Referiu que, na berma da direita estava um veículo cinzento, que tinha embatido na mesma peça, o que soube através dos ocupantes do mesmo, que socorreram a autora e a testemunha.

Disse, ainda, que, não obstante ter avistado o obstáculo, e a autora ter desviado a trajectória para a direita, a roda esquerda da frente do veículo da autora passou por cima da peça, e ocorreu então o despiste. Insistindo que lhe pareceu que a autora se desviou o suficiente para passar pela peça sem lhe tocar, não conseguiu explicar como é que, então, ocorreu o embate, referindo, a dada altura, que talvez a peça se tivesse mexido, o que, todavia, não viu.

O que de útil de retira de tal depoimento é que a autora circulava pela via da esquerda, avistou o obstáculo, e aí embateu contra o mesmo, com a roda frontal direita (“roda do passageiro”, como lhe chamou a testemunha) – fim de citação.

Escutado o seu depoimento – que a apelante transcreve – nada nos permite concluir diferentemente do Tribunal de Águeda. Até porque, a modificação da matéria de facto só terá pleno cabimento quando haja uma flagrante desconformidade na sua apreciação.

Não se trata de possibilitar um novo e integral julgamento, mas a atribuição de uma competência residual ao tribunal superior para poder proceder a uma reapreciação da matéria de facto.

O juiz não está subordinado na valoração dos factos, a critérios apriorísticos, devendo antes, fazer apelo à sua experiência vivencial, usando de prudência e de bom senso na interpretação dos sinais transmitidos pelas testemunhas, da forma como se exprimem e da segurança ou não dos conhecimentos que pretendem estar detentoras.

O Tribunal da 1.ª instância, apercebendo-se de alguma confusão no depoimento da testemunha M…, que se poderá, de certo modo, entender perante o carácter dinâmico de um acidente rodoviário, e o manifesto nervosismo desta, dele retirou aquilo que, conjugado com o demais manancial probatório, o levou a assentar a matéria de facto.

Aí se escreveu: “Do documento de fls. 121, da autoria dos serviços da ré, consta, sob o registo nº 8, o relato da ocorrência do acidente. Aí se refere a imobilização, na berma direita da via, no local em questão, do veículo de matrícula …XJ, e o veículo da autora imobilizado no separador central da via, na via esquerda. Daí consta a versão que então terá sido dada pelo condutor do veículo …XJ, que refere ter embatido numa peça metálica (poli dos travões de um veículo pesado) na via esquerda, e que, de seguida, o veículo da autora, devido à referida peça, entrou em despiste.

Também da descrição feita pela autora na Participação de Acidente de fls. 12, resulta versão semelhante à descrita, com a diferença de aí parecer que a autora circulava logo atrás do veículo …XJ. Contudo, esta divergência poderá ser meramente aparente, porquanto se pode dever apenas ao relato feito pela autora às autoridades policiais, não só daquilo que viu e assistiu, mas também da informação que lhe havia sido transmitida pelos ocupantes do veículo …XJ, que socorreram aquela.

Esta, no essencial, a forma como o Tribunal formou a sua convicção”.

 Porque entendemos, que a apelante nada trouxe a esta instância recursiva que permita as alterações pedidas, mantemos a matéria de facto fixada pela 1.ª instância.

Resta dizer, ainda, que não vislumbramos qualquer contradição nas respostas aos Pontos 9.º e 9.º C.

É certo, que está “provado que ao Km 35,650 da A25 encontrava-se na faixa de circulação esquerda uma peça metálica (poli do rodado de um veículo pesado)” e que a autora deparou-se com a referida peça metálica que se encontrava, pelo menos em parte na faixa esquerda, onde circulava”.

Se poderiam haver duas, três ou mais explicações possíveis para a localização da dita peça, apenas se provou, que a autora se deparou com uma peça metálica que se encontrava, pelo menos – mas também – na faixa esquerda, por onde circulava, já que no momento do acidente, a autora circulava pela via esquerda, encontrando-se o veículo de matrícula …XJ imobilizado na berma da via direita, após ter embatido num objecto que se encontrava na faixa de rodagem - como fenómeno dinâmico que é um qualquer acidente de viação, o seu processo causal não é, muitas vezes, de fácil apreensão e compreensão, impondo-se ao julgador uma tarefa mental de recreação ou de reconstituição a partir de todos os elementos disponíveis, carreados ao processo, não já para atingir a evidência ou a certeza integral, mas para chegar àquele grau de probabilidade bastante para fundar uma convicção, para consentir a crença quanto às causas do evento -.

II. Os acidentes ocorridos em auto-estrada devem ser analisados e enquadrados (como já sucedia – ou, pelo menos, devia suceder - antes Lei nº 24/2007, de 18 de Julho) no âmbito da responsabilidade extracontratual?

III. A sentença apelada apenas podia ter-se socorrido da inversão do ónus da prova se a autoridade policial tivesse obrigatoriamente verificado no local as causas do acidente?

IV. Numa situação em que o acidente terá sido provocado por um objecto relacionado, não com a AE em si mesma, mas com os veículos que nela circulam, impõe-se a conclusão que a concessionária deve ser absolvida - mesmo que se considere aplicável a este sinistro a Lei nº 24/2007, de 18 de Julho -?

 Estabelece o art. 12º al. a) da Lei 24/2007 de 19/7 - na parte que aqui releva - que, “nas auto -estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a objectos arremessados para a via ou existentes na faixa de rodagem.…”.

Esta norma, como a lei em que se integra, entrou em vigor no dia 19 de Julho de 2007, tendo o acidente dos autos ocorrido em data posterior, sendo, por conseguinte inquestionável a sua aplicabilidade.

Esta norma pôs cobro à querela jurisprudencial que se vinha arrastando em que se discutia se a responsabilidade das concessionárias das auto-estradas pela reparação dos acidentes nestas ocorridos sem culpa dos utentes, é de natureza contratual ou, ao invés, de natureza extra-contratual ou aquiliana, divergindo as soluções jurisprudenciais num e noutro sentido.

O citado art. 12.º tornou praticamente inócua a questão de saber se a responsabilidade da concessionária da auto-estrada é contratual ou extra-contratual e solucionou as divergências sobre a repartição do ónus da prova.

Nos termos desta norma e nos casos ali previstos, quer se entenda que a responsabilidade da concessionária é contratual quer se entenda que é aquiliana, o lesado deixou de ter que provar o incumprimento ou o cumprimento defeituoso - responsabilidade contratual - ou a culpa - responsabilidade extra-contratual -, passando a recair sobre a concessionária o ónus de provar que cumpriu as regras de segurança – neste preciso sentido, por ex. o Acórdão da Relação de Évora de 3.11.2011.

Este regime, não contendo uma opção pelo enquadramento destes acidentes, em termos de responsabilidade civil da concessionária, pela “tese contratual” ou pela “tese delitual” discutidas até então na doutrina e na jurisprudência, assume uma posição quanto à alocação do ónus da prova que é tributária dessa discussão anterior, em termos que permitem configurar a escolha legislativa como uma das respostas fornecidas no quadro legal anterior à lei nº 24/2007 – escreve este Tribunal, em Acórdão de 27.3.2012, que “Viria a abordagem desta questão a culminar – e trata-se do desenvolvimento mais recente – na edição da já mencionada Lei nº 24/2007, contendo o artigo 12º acima transcrito. Tratou-se, inquestionavelmente, de uma opção de intervenção do legislador numa discussão em curso, resolvendo-a em determinado sentido (e este dado é relevante, como adiante veremos), a saber: consagrando um ónus da prova impendente sobre a concessionária, quanto ao cumprimento das respectivas obrigações de segurança, sendo que esta opção – e expressamos aqui, tão-só, a visão dos subscritores deste Acórdão – nos parece ter pretendido apontar para uma abordagem deste tipo de eventos infortunísticos no quadro da imputação delitual, preenchendo, no que tange ao ónus da prova, a previsão final do nº 1 do artigo 487º do CC (“[…] salvo havendo presunção legal de culpa”). Em certo sentido poder-se-á dizer que o legislador, considerando pouco satisfatória a construção nestes casos de uma responsabilidade de tipo contratual, mas considerando justa a alocação do ónus da prova à concessionária, resolveu directamente o problema. Sublinha-se, todavia, que a Lei nº 24/2007 não contém uma opção clara pela qualificação da possível responsabilidade da concessionária como de natureza contratual ou extracontratual”.

Nos termos desta norma, quer se entenda que a responsabilidade da concessionária é contratual quer se entenda que é aquiliana, o ónus da prova passou a recair sobre esta.

Ou seja, o lesado deixou de ter que provar o incumprimento ou o cumprimento defeituoso - responsabilidade contratual - ou a culpa - responsabilidade extra-contratual -, passando a recair sobre a concessionária o ónus de provar que cumpriu as regras de segurança, nomeadamente, quando o acidente ocorrido na auto-estrada tenha sido devido a objectos caídos na via.

Como se escreve no Acórdão do STJ de 21.3.2012 “ a presunção assim estabelecida – e que torna desnecessário saber, quanto ao ponto agora em questão, se é aplicável à responsabilidade da concessionária o regime da responsabilidade civil contratual ou extra-contratual, em geral ou previsto para casos especiais em que existe obrigação de vigilância de coisas imóveis (nº 1 do artigo 493º do Código Civil) – não se limita a presumir a culpa da concessionária, mas envolve igualmente uma presunção de incumprimento dos seus deveres de vigilância, ou seja, de ilicitude da sua actuação (por acção ou omissão)”.

Nas palavras do Acórdão do STJ de 8.2.2011, “ esta discussão ficou desvalorizada, com a publicação da Lei n.º 24/2007, de 18-07, decorrendo do art. 12.º que, em caso de acidente rodoviário em auto-estradas, designadamente em razão de “líquidos na via” (al. c) do n.º 1), o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária”.

Também o STJ – em acórdão de 15.11.2011 – decidiu que “ em caso de acidente de viação em auto-estrada concessionada causado pela existência de líquidos na via, perante o disposto no art. 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18-07, cabe à concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, de modo a ilidir a presunção de culpa que sobre ela recai, e não ao lesado demonstrar que tais obrigações não foram observadas. A referida presunção de culpa funciona também como presunção de ilicitude, uma vez que, nas situações previstas no preceito legal citado, estão cometidos à concessionária deveres de agir para evitar danos a terceiros (os utentes da auto-estrada), deveres esses cuja inobservância representa, em termos práticos, o cometimento (por acção ou por omissão) dum facto ilícito” –.

O legislador consagrou, assim, a inversão do ónus da prova da culpa da concessionária, ou seja, nos acidentes em auto-estradas concessionadas, cuja causa seja alguma das previstas na norma em questão, é sobre a concessionária que recai o ónus da prova de ter cumprido as obrigações de segurança a que se acha vinculada, e não ao lesado que incumbe provar que aquela as não cumpriu – nas palavras do Acórdão da Relação do Porto de 5.5.2009, “era à Recorrida que cabia provar a proveniência do objecto indicado, uma vez que só ela tem (e, se não tem, deveria ter) os meios idóneos a responder a isso, por ser a concessionária da via, com as inerentes obrigações, designadamente, as de permanentemente garantir uma via desobstruída e em adequadas condições, de molde a permitir a circulação rápida dos veículos em total segurança e comodidade, a qualquer hora do dia e/ou da noite, aos respectivos utentes pagadores da correspondente taxa”- todos os acórdãos supra citados foram retirados do site www.dgsi.pt –.

Assim, após a publicação da Lei 24/2007, de 18.07, compete ao lesado, tão só, alegar e provar os factos caracterizadores do acidente, incluindo o facto causal do acidente, os danos, e o nexo de causalidade entre aquele e estes, mas beneficiando da presunção de culpa sobre a concessionária – o sublinhado é nosso.

Já não, como escreve a apelante, a velocidade a que seguiria o veículo conduzido pela autora, como causal do embate. Esta é que teria de alegar e provar que a velocidade a que seguia o veículo conduzido pela autora foi causal, ou pelo menos que contribuiu, para tal embate.

A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

A) O km 35 da A25 pertence à Concessão atribuída à ré “L…, S.A. (agora, “A…, S.A.).

B) A ré enviou à autora a carta cuja cópia está junta a fls. 23, que aqui se dá por reproduzida.

C) A autora apresentou reclamação do sinistro por carta datada de 23/4/2008, recebida pela ré no dia seguinte – cfr. doc. junto a fls. 118, que aqui se dá por reproduzido.

D) À data de 3/4/2008, a ré “L…” tinha transferida a sua responsabilidade civil decorrente de sinistros como os reclamados pela autora, através de um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil/exploração para a “B…, S.A. – Sucursal em Portugal” – cfr. doc. junto a fls. 123 a 126, que aqui se dá por reproduzido.

E) O referido contrato de seguro previa, àquela data, uma franquia de € 5.000,00.

F) A Chamada “B…” alterou a sua denominação social para “C…, S.A. – Sucursal em Portugal”.

1. No dia 3 de Abril de 2008, pelas 16:00 horas, na A25, em Águeda, ocorreu um acidente de viação.

2. Foi interveniente nesse acidente o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …RG.

3. Pertencente à autora.

4. E conduzido por esta.

5. O veículo …RG circulava no Km 35 da A25, no concelho de Águeda.

6. No sentido Viseu – Aveiro.

7. No momento do acidente, a autora circulava pela via esquerda, encontrando-se o veículo de matrícula …XJ imobilizado na berma da via direita, após ter embatido num objecto que se encontrava na faixa de rodagem.

8. Ao Km 35,650 da A25 encontrava-se na faixa de circulação esquerda uma peça metálica (poli do rodado de um veículo pesado).

9. O veículo de matrícula …XJ, depois de ter embatido naquela peça metálica, veio a imobilizar-se na berma da faixa de rodagem da direita.

10. A autora deparou-se com a referida peça metálica que se encontrava, pelo menos em parte, na faixa da esquerda, onde circulava.

11. No local do acidente, o traçado da via caracteriza-se por ser uma curva ligeira.

12. A autora não conseguiu desviar-se daquela peça.

13. Tendo embatido na referida peça metálica.

14. Originando o consequente despiste.

15. Seguido de capotamento.

16. Indo imobilizar-se a cerca de 140 metros mais à frente.

17. Sobre o separador central da via de rodagem.

18. A autora foi transportada para as Urgências do Hospital de Aveiro.

19. Onde recebeu tratamento pelos ferimentos sofridos.

20. Ficou com vários hematomas no corpo, nomeadamente no braço e na cabeça.

21. A autora sofreu dores em consequência dos ferimentos.

22. O veículo da autora sofreu, em consequência do acidente, danos na parte da frente, traseira, direita e parte de cima.

23. O pára-choques da frente ficou danificado.

24. E as lâmpadas e faróis da frente e os piscas.

25. Bem como as portas da frente.

26. E a grelha dianteira.

27. E as jantes de alumínio.

28. O valor da reparação dos danos foi estimado em € 15.000,00.

29. A autora não procedeu à reparação do veículo.

30. A partir do acidente, a autora ficou privada do veículo.

31. A autora deslocava-se diariamente com o veículo …RG para o exercício da sua actividade profissional na vila de Nelas.

32. No dia do acidente, os funcionários da ré “L…” efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão desta.

33. Passaram por diversas vezes no local onde eclodiu o sinistro.

34. E não detectaram, nessas ocasiões, qualquer objecto nas imediações daquele local.

35. Tais patrulhamentos são efectuados pelos funcionários da ré, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia, e em todos os dias de cada ano.

36. A ré não foi informada antes do acidente, por outros utentes da via, da existência de qualquer objecto nas imediações do local do sinistro.

37. Nem teve conhecimento de qualquer sinistro anterior causado pelo mesmo objecto.

38. O abandono ou queda daquele objecto no local do sinistro ocorreu entre patrulhamentos dos colaboradores da ré.

39. O veículo …RG foi abatido em Centro autorizado para abate de veículos automóveis, conforme “Certificado de Destruição de Veículos em Fim de Vida” datado de 22/9/2009, cuja cópia está junta a fls. 234.

E será que com esta factualidade – Pontos 32 a 37 -, a apelante logrou afastar aquela culpa presumida e provar que cumpriu, cabalmente, as obrigações de segurança que sobre si impendiam enquanto concessionária?

Entendemos que não, já que, com a inversão do ónus da prova consagrada no preceito referido, não basta à concessionária provar o cumprimento de procedimentos genéricos de inspecção e vistoria para que se possa ter por acatada a obrigação de manutenção das condições de segurança da via.

Ao estabelecer-se um ónus da prova de cumprimento, por força do disposto no artigo, 12º, nº 1, alínea a) da Lei 24/2007 de 18 de Julho, o que efectivamente se procurou foi onerar a entidade vinculada à manutenção das condições de segurança da auto-estrada com o encargo de provar a verificação de um evento extraordinário, não susceptível de ser por si controlado, sem embargo do normal funcionamento dos meios de vigilância e monitorização do tráfego que lhe estão exigidos.

Esta Relação de Coimbra, por Acórdãos – todas as decisões foram retiradas do site supra citado - de 13.11.2012, 18.9.2012 e de 15.3.2011, tem entendido que não é suficiente a prova do cumprimento de procedimentos genéricos de inspecção e vistoria para que se possa ter por acatada a obrigação de manutenção das condições de segurança da via.

O Acórdão da Relação do Porto de 5.11.2012 -  retirado do citado sitio da internet- decidiu que “Para a ilisão da presunção legal iuris tantum de ilicitude e culpa resultante do nº 1, do citado artigo 12º, da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho, não basta a genérica demonstração do cumprimento dos deveres de manutenção, conservação e vigilância, sendo necessário provar um quadro factual concreto variável em função da conexão da fonte de perigo com a actuação da entidade exploradora.

Como se escreve, na bem elaborada sentença da 1.ª instância, “No caso sub judice, provou-se que a autora sofreu um despiste quando conduzia o seu veículo automóvel na A25, ao Km 35, na zona de Águeda, no sentido Viseu – Aveiro.

Mais se provou que, ao referido Km, no sentido em que seguia a autora, encontrava-se, pelo menos em parte da faixa de rodagem da esquerda, uma peça metálica – o poli do rodado de um veículo pesado. A autora, ao deparar-se com tal obstáculo, não conseguiu desviar-se do mesmo e nele veio a embater, originando o consequente despiste do veículo, seguido de capotamento… Está em causa nestes autos o dever de vigilância da concessionária, que deverá assegurar que a circulação dos utentes na auto-estrada se faça em condições de segurança.

Resulta claramente da matéria de facto provada que a ré não detectou a peça metálica na via antes da ocorrência do sinistro.

Provou, contudo, a ré que, no dia do acidente, os seus funcionários efectuaram diversos patrulhamentos a toda a extensão da concessão da mesma, tendo passado por diversas vezes no local onde eclodiu o sinistro, sem que tivessem detectado qualquer objecto nas imediações daquele local. Mais provou que os patrulhamentos são efectuados pelos funcionários da ré, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia, todos os dias do ano. Provou-se, ainda, que o abandono ou a queda do objecto na via ocorreu entre patrulhamentos dos funcionários da ré, não tendo sido esta informada, antes do acidente, da existência de qualquer objecto nas imediações do local do sinistro.

Ante a factualidade assim provada, afigura-se-nos esta insuficiente para se concluir que a ré cumpriu devidamente o seu dever de vigiar as condições de circulação, assegurando que esta se processava em condições de segurança.

Com efeito, não basta a genérica alegação e prova de que os funcionários da ré efectuaram diversos patrulhamentos em toda a extensão da concessão, e que passaram por diversas vezes no local onde veio a eclodir o sinistro, e ainda, que os patrulhamentos são efectuados 24 horas por dia, todos os dias do ano.

Não se provou, nem a ré o alegou, quantas passagens foram feitas pelo local, antes do acidente sub judice, qual o intervalo usual entre as passagens, qual a hora da última passagem antes do acidente. Nem tais dados resultam com clareza do documento junto pela ré a fls. 119 e ss., donde constam, 2 patrulhamentos à área entre Albergaria e Boa Aldeia até às 13:30 horas, mas finalizando o segundo patrulhamento no nó de Oliveira de Frades (o qual fica antes de Águeda, se considerarmos o sentido Viseu/Aveiro), e um terceiro patrulhamento iniciado às 14:00 horas, mas sem registo do respectivo terminus e local deste. Há registo de outro patrulhamento iniciado às 15:15 horas em Angeja, que, a ter passado ao Km 35 antes do sinistro, terá sido na via de sentido contrário (sentido Aveiro/Viseu) ao do acidente.

Pelo que nem após exaustiva análise do referido documento se descortinam os elementos que permitam concluir pelos dados temporais supra apontados.

O acidente deu-se às 16:00 horas do dia 3/4/2008. Desconhecemos qual foi a última passagem dos serviços da ré pelo local, e qual a periodicidade dessas passagens, de modo a poder concluir que a ré cumpriu essa periodicidade ou que os patrulhamentos feitos pela ré eram adequados a assegurar a normalidade da circulação, nada mais lhe sendo exigível.

Provou-se que o abandono ou a queda da peça na via se deu entre patrulhamentos dos serviços da ré. Mas, desconhecendo-se a periodicidade desses patrulhamentos, bem como se essa periodicidade foi cumprida no caso concreto, não é possível concluir que o acidente não poderia ter sido evitado com melhor vigilância por parte da ré… Também no caso sub judice, a ré mais não demonstrou do que ter cumprido os procedimentos habituais por si pré-estabelecidos, sem alegação e prova de factos concretos que permitam concluir que a sua actuação foi, no caso, idónea e adequada a evitar o sinistro, ou que este ocorreu por caso fortuito ou de força maior ou de acto de terceiro que não estava em condições de impedir - fim de citação.

Se se ficasse pela mera prova genérica, acabar-se-ia por transpor para os utentes ou consumidores um ónus desproporcionado, face aos meios que podem utilizar na descoberta da verdadeira causa do acidente, quando estejam envolvidos os factos elencados no artigo 12 n.º 1 da Lei 24/07 de 18/07.Pois, é nestas situações que é difícil descobrir a origem dos factos concretos.

E daí que o legislador, em consonância com o que se vinha discutindo na doutrina e jurisprudência, tenha optado pela inversão do ónus da prova, isto é, imputou aos concessionários a prova de que o acidente não se deveu a culpa sua. Terão de elidir essa presunção de culpa, o que exige uma análise de todo o circunstancialismo que envolveu o acidente, nestas situações. Se assim não fosse, os consumidores teriam um ónus mais gravoso do que aqueles que dominam ou devem dominar a vigilância e segurança do tráfego. Pois obrigar-se-ia a quem não domina os meios a fazer a prova concreta que quem os domina ou deve dominar não consegue ou tem muitas dificuldades – neste preciso sentido os Acórdãos do STJ, de 9.9.2008 e de 8.2.2011, ambos  publicados em www.dgsi.pt-.

Mais, pode ler-se no Acórdão do STJ de 9.9.2008 – buscado no site referido – “Entendemos ser impróprio falar-se que a Lei introduziu a responsabilidade objectiva para a concessionária. Não o fez, apesar de se considerar, face ao nosso entendimento, ter-se tornado mais difícil, mas não impossível, o afastamento da presunção de incumprimento que impende sobre si.

 Julgamos que, nesta situação, deve exigir-se a prova concreta e não apenas a genérica, porque é a que melhor se adequa à situação, e se enquadra com o espírito da lei.

Na verdade, estamos no domínio do controlo da segurança do tráfego, da posse dos meios técnicos para a atingir. E, como é sabido, são os concessionários que detêm esses meios técnicos, ou devem tê-los, para cumprirem, cabalmente, com as obrigações emergentes do contrato de concessão, que impõem uma vigilância permanente, com vista a obter-se uma segurança compatível com a velocidade permitida nas respectivas vias”.

Provado ficou, que o abandono de tal peça na via de rodagem, ocorreu entre os patrulhamentos da Apelante, pelo que não podia o Tribunal da 1.ª instância concluir que a Apelante cumpriu o seu dever de vigilância e como tal assegurar que a circulação de veículos se processava em condições de segurança.

Como escreve a apelada “ Como é notório que não aconteceu – pois a Apelada não foi a única a sofrer as consequências de tal objecto estranho na via de rodagem. Basta uma análise singela ao doc. 1 junto com a P.I. para se verificar que fruto de tal acontecimento anómalo, ocorreram vários acidentes”.

O Tribunal da Relação do Porto, de 5.11.2012, por exemplo, entendeu que “tendo a última diligência de vigilância da auto-estrada da responsabilidade da sua concessionária ocorrido três horas antes do acidente, a omissão de diligências de vigilância durante tal espaço temporal, por si só, impede a ilisão da presunção de cumprimento as obrigações de segurança por parte daquela”.

 Já o mesmo Tribunal – Acórdãos de 13.9.2012 e 17.11.2011 – escreve que “a presunção de culpa pela inobservância do dever de vigilância, decorrente do contrato de concessão, é ilidida quando a concessionária passa no local do acidente cerca de meia hora antes de ter ocorrido e verifica que a via está completamente desimpedida”…” ilide a presunção de culpa que sobre si impende no cumprimento das obrigações de segurança a concessionária que procede à fiscalização da via com regularidade, passando pelo mesmo local de duas em duas horas, assim cumprindo o dever de vigilância e actuando com a diligência que lhe era exigida no contrato de concessão”.

Atenta a factualidade trazida a estes autos - O acidente deu-se às 16:00 horas do dia 3/4/2008. Desconhecemos qual foi a última passagem dos serviços da ré pelo local, e qual a periodicidade dessas passagens, de modo a poder concluir que a ré cumpriu essa periodicidade ou que os patrulhamentos feitos pela ré eram adequados a assegurar a normalidade da circulação, nada mais lhe sendo exigível.

Provou-se que o abandono ou a queda da peça na via se deu entre patrulhamentos dos serviços da ré. Mas, desconhecendo-se a periodicidade desses patrulhamentos, bem como se essa periodicidade foi cumprida no caso concreto, não é possível concluir que o acidente não poderia ter sido evitado com melhor vigilância por parte da ré…, concluímos que o tribunal da 1.ª instância bem andou ao considerar que a ora apelante não logrou ilidir a presunção legal “iuris tantum” de violação das obrigações de segurança que a onera.

Assim, não podemos comungar com a apelante quando alega que só poderia ser condenada se a A. tivesse provado (e antes alegado) que a interveniente sabia da existência do objecto na via e que, nessa hipótese, nada fez para o remover e/ou sinalizar.

Não logrando esta demonstrar os factos que lhe competia – em termos do afastamento da sua responsabilidade como concessionária da A25 -, é responsável pelos danos causados à autora em consequência do acidente debatido nestes autos - o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará a presunção de incumprimento se demonstrar que a existência e interferência de uma pedra na via, com colisão num veículo, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem ou a força maior, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento – Acórdão da Relação de Guimarães de 18.12.2012,no site www.dgsi.pt -.

Avançando.

Diz a autora que a sentença apelada apenas podia ter-se socorrido da inversão do ónus da prova se a autoridade policial tivesse obrigatoriamente verificado no local as causas do acidente.

Esta questão tem que ver com a interpretação do art.º 12.º n.º 2 da Lei 24/2007, que dispõe que, “Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança.”

Para a ré/apelante, tal verificação não foi feita pela autoridade policial nos momentos seguintes ao acidente, pelo que, falta um requisito essencial que impede o exercício do direito da Autora.

Diz esta:

“Depois, cabe sublinhar – e também aqui andou claramente mal a douta sentença, posto que em rigor não considerou todo o artigo 12º, mas apenas o seu nº 1 relativo ao ónus que impende sobre as concessionárias – que a Lei em vigor à data do acidente dos autos só podia ser aplicável ao sinistro relatado pelo A. desde que as causas do acidente tivessem sido (e não foram) obrigatoriamente verificadas no local pela autoridade policial (nº 2 do artigo 12º), sendo que, aliás, esta autoridade policial só estaria dispensada de o fazer em caso de força maior (nº 3 do mesmo preceito legal). Assim sendo, impõe-se a pergunta: que se poderá concluir da prova dos autos?

É inquestionável que aquela força policial não vislumbrou ou verificou qualquer objecto nas imediações do local do acidente, o que vale por dizer que não confirmou, como estava obrigada, as causas do acidente.

Na verdade, do documento elaborado pela autoridade policial e junto pela A. resulta o seguinte: - a versão do acidente contada pela própria A.; - como “vestígios no local” apenas vários fragmentos espalhados pela via e vidros partidos deixados pelo veículo; - no croquis também não é assinalado ou representado qualquer objecto, mormente aquele indicado pela A.; - a posição do veículo – despistado sobre o separador central – após o sinistro, sendo certo que apenas estes três últimos resultam da percepção directa do agente que elaborou o documento. Não pode, por isso, a autoridade atestar, designadamente para os termos do previsto nesta Lei, qual(ais) terá(ão) sido a(s) causa(s) do sinistro que a A. diz ter sofrido.

Assim, torna-se evidente que estava, como está, afastada qualquer possibilidade de aplicação ao caso vertente da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho e, muito em especial, da inversão do ónus de prova que passou a recair sobre as concessionárias de AE, desde que, naturalmente, haja condições para tal. E neste caso não há “– fim de citação -.

A interpretação do preceito ora em análise não foi pacífica na jurisprudência.

No acórdão desta Relação de Coimbra de 9/03/2010, defendeu-se que a aplicação do nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18.7 fica dependente da verificação confirmatória exigida pelo seu nº 2, pelo que a não existir não goza o lesado da presunção de culpa vazada no nº 1 daquele mesmo artigo.

Já nos acórdãos da Relação do Porto de 08/05/2012 e de 11/01/2011, - também publicados no site www.dgsi.pt - entende-se que só uma interpretação demasiado formal e estreita do normativo conduziria à conclusão de que o utente lesado não pode beneficiar da norma do art.º 12.º n.º 1, no caso de as autoridades não terem procedido à verificação das causas do acidente.

Como se escreve no dito acórdão de 2011, “A finalidade visada pelo legislador através do n° 2 do não foi a de cercear ao lesado a prova da causa do acidente, que lhe é facultada por qualquer meio admissível em direito. Pretende-se, tão só, impor às autoridades policiais competentes o dever de comparecer no local e de diligenciar no sentido de apurar a causa do acidente. No entanto, caso tais diligências não produzam resultado concludente, ou os indícios delas resultantes, na perspectiva da autoridade policial, não permitam identificar a causa como respeitante ao atravessamento de um animal, nem por isso o lesado se encontra inibido de a demonstrar com recurso a outros meios de prova …”

Também a Relação de Guimarães, em Acórdão de 13.9.2012, decidiu que “Uma vez demonstrada a causa do acidente, nenhuma razão se vislumbra para que o ónus da prova das obrigações de segurança a cargo da concessionária tenha tratamento jurídico distinto, consoante a demonstração da causa tenha ou não merecido a atestação de conformidade das autoridades policiais. Trata-se de questão a que corresponde um momento lógico anterior, nenhum fundamento existindo para que seja o resultado da intervenção das autoridades policiais a determinar o direito probatório material aplicável” -.

Ainda, no Acórdão da Relação do Porto de 14.1.2013, pode ler-se que “As causas do acidente - atravessamento do canídeo - devem ser confirmadas no local pela autoridade policial - artigo 12.º nº 2 da citada Lei. Todavia, mesmo não existindo tal verificação isso não pode ser preclusivo de o lesado poder fazer a prova da existência do animal na via, socorrendo-se de outros meios probatórios e, com isso beneficiando, ainda assim, da presunção de incumprimento estabelecida no nº 1 do mencionado artigo 12º…A obrigatoriedade da presença policial no local do acidente, poderá ter, como, aliás, é referido nas alegações da recorrente, evitar situações de fraude mas, seguramente, não pode impedir o lesado de fazer a prova da causa do acidente por qualquer meio probatório em direito admissível…”

É esta a posição que seguimos.

Apresenta-se mais conforme com a justiça material – aquela por que todos ansiamos -, sendo certo que os Tribunais deverão ser mais “exigentes” na sua convicção para considerar como provado esta facto – relembramos que o ónus pertence ao lesado -, assim se evitando possíveis situações de fraude.

Por outro lado, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará a presunção de incumprimento se demonstrar que a existência e interferência de uma peça metálica - poli do rodado de um veículo pesado - com colisão num veículo, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem ou a força maior, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento.

E no caso em apreço, provou-se - resposta ao quesito 1 º - que a Apelada sofreu um despiste quando conduzia o seu veículo automóvel na A25.

Mais se provou - resposta ao quesito 9º - que no sentido em que seguia a apelada, encontrava-se na faixa de rodagem, uma peça metálica – poli de um rodado de um veiculo pesado -.

A Apelada, ao deparar-se com tal obstáculo, não conseguiu desviar-se do mesmo e nele veio a embater, originando o consequente despiste, seguido de capotamento.

Nada mais existindo nestes autos – que afaste a presunção supra referida - forçoso será concluir pela total responsabilidade da ré/apelante.

Sumariando esta decisão:

1.Não viola qualquer regra de direito probatório a valorização só em parte do depoimento de uma testemunha, uma vez que o Tribunal pode acreditar apenas em parte, não valorizando a totalidade do depoimento se, em face dos demais elementos de prova e de acordo com as regras da experiência e da lógica, se evidencie que, relativamente a certos factos, a testemunha assumiu um posicionamento interessado.

2. Nos termos da norma do artigo 12.º da Lei nº 24/2007, de 18 de Julho e nos casos ali previstos, quer se entenda que a responsabilidade da concessionária é contratual quer se entenda que é aquiliana, o lesado deixou de ter que provar o incumprimento ou o cumprimento defeituoso - responsabilidade contratual - ou a culpa - responsabilidade extra-contratual -, passando a recair sobre a concessionária o ónus de provar que cumpriu as regras de segurança.

3. Para este efeito, não basta a genérica alegação e prova de que os funcionários da ré efectuaram diversos patrulhamentos em toda a extensão da concessão, e que passaram por diversas vezes no local onde veio a eclodir o sinistro, e ainda, que os patrulhamentos são efectuados 24 horas por dia, todos os dias do ano.

4.Se assim não fosse, os consumidores teriam um ónus mais gravoso do que aqueles que dominam ou devem dominar a vigilância e segurança do tráfego, pois obrigar-se-ia a quem não domina os meios a fazer a prova concreta que quem os domina ou deve dominar não consegue ou tem muitas dificuldades.

5. Uma vez demonstrada a causa do acidente, nenhuma razão se vislumbra para que o ónus da prova das obrigações de segurança a cargo da concessionária tenha tratamento jurídico distinto, consoante a demonstração da causa tenha ou não merecido a atestação de conformidade das autoridades policiais.

6. A obrigatoriedade da presença policial no local do acidente tem como objectivo evitar situações de fraude mas, seguramente, não pode impedir o lesado de fazer a prova da causa do acidente por qualquer meio probatório em direito admissível, obrigando a que o julgador seja mais exigente na aquisição processual de tal facto.

IV. A Decisão

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

(José Avelino - Relator -)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)