Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
86/07.7GBCLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 05/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA CENTRAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 495.º DO CPP; ARTS. 55.º E 56.º DO CP
Sumário: I - Tendo o recorrente sido ouvido em conformidade com o disposto no art. 495.º, n.º 2, do CPP, a circunstância de não ter sido perguntado, nem nada ter esclarecido, motu proprio, sobre as razões do não cumprimento da condição económica fixada para a suspensão da execução da pena de prisão, não constitui nulidade processual.

II - São dois os fundamentos da revogação: o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostos ou do plano de reinserção social ou; o cometimento de crime e respectiva condenação.

III - A lei exige que seja grosseiro ou repetido o que significa que a conduta infractora deve ser especialmente qualificada, deve revelar um grau de culpa muito elevado, uma completa indiferença pelo condenado relativamente ao sentido de ressocialização que a condição imposta significava, na medida em que é parte integrante do ‘projecto’ de recuperação social subjacente ao decretamento da pena de substituição.

IV - Para as outras condutas infractoras, para aquelas que não densificam um tão elevado grau de indiferença e culpa, permitindo manter-se de pé a projectada realização das finalidades que estiveram na base do decretamento da suspensão, a lei prevê, no art. 55.º do CP, a aplicação de outras medidas.

V - O que é imprescindível para a revogação da pena de suspensão é que se constate que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou definitivamente a prognose favorável que fundou a aplicação da pena de substituição ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência.

VI - O cometimento de sucessivos crimes e consequentes condenações do recorrente, em pleno período de vigência da suspensão da execução da pena de prisão, a sua revelada personalidade com a demonstrada incapacidade de entender e aproveitar o significado da pena se substituição aplicada, frustrando o seu objectivo de política criminal, torna inexorável a conclusão de que está definitivamente afastado o juízo de prognose favorável ali pressuposto, face à malograda expectativa do seu afastamento da criminalidade.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

No processo comum colectivo nº 86/07.7GBCLD que corre termos no Tribunal Judicial da comarca de Leiria – Leiria – Instância Central – Secção Criminal – J3, além de outros, foi o arguido A... , com os demais sinais nos autos, condenado, por acórdão de 10 de Maio de 2012, pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, nº 2, e) do C. penal, nas penas de 3 anos e de 2 anos e 9 meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, acompanhada de regime de prova e condicionada à entrega, no prazo de um ano após o trânsito, da quantia de € 500 ao ofendido B... e da quantia de € 1.490 ao ofendido C... . 

            Por despacho de 21 de Outubro de 2015 foi, além do mais, revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e determinado o cumprimento da pena de 3 anos e 10 meses de prisão.


*

            Inconformado com o decidido, recorre o arguido A..., formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            A. O presente Recurso tem como objeto toda a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos.

B. O despacho judicial ora recorrido revogou a suspensão da pena única de 3 anos e 10 meses de prisão aplicada ao arguido ao abrigo do disposto no art.º 56.º n.ºs 1 al. a) e 2 do Código Penal por considerar, em síntese, que o comportamento do arguido traduzido na falta de cumprimento mínimo das condições de suspensão da execução (pagamentos a realizar aos ofendidos) e as condenações posteriores sofridas, é revelador de que as finalidades de prevenção especial que estiveram na base da suspensão da execução da pena não puderam nem foram por elas alcançadas.

C. Ora, nos termos do disposto no art. 56º do C. Penal, a suspensão da execução da pena de prisão será revogada sempre que, no seu decurso, o condenado a) Infringir grosseiramente ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

            D. Assim deveria o Tribunal a quo valorar se existia tal infracção grosseira tal como previsto no art. 56º do CP, encontrando-se prejudicada a possibilidade de aplicação do regime previsto no art. 55º do C.P., o que não sucedeu in casu.

E. Desde logo, nunca foi o arguido questionado sequer sobre porque razão não cumpriu com a entrega de numerários (500,00 € ao Ofendido B...e 1490,00 € ao ofendido C...).

F. Pelo que a operar a revogação da pena suspensa, com fundamento em tal circunstância., sem que o arguido tenha sido ouvido sobre tal matéria consubstancia nulidade processual que desde já invoca.

G. É que o arguido somente não o fez opor ponderosas dificuldades económicas que o impediram de liquidar tais montantes.

H. Tal facto encontra-se plasmado no teor dos relatórios sociais elaborados e junto aos autos.

I. Não obstante tal facto não foi valorado pelo Tribunal a quo.

J. Sendo patente no teor do relatórios sociais que o arguido subsistiu sempre com parcos recursos económicos importará no caso subjudice discutir se houve violação grosseira do dever imposto ao arguido na sentença condenatória, o que implica o incumprimento das condições impostas de forma particularmente censurável ou reiterada no tempo, não se esgotando num único ato isolado, revelando uma atitude que manifeste indiferença ou contrariedade do arguido face ao cumprimento das condições impostas e às finalidades que, em concreto, visam prosseguir.

K. Resultando a resposta claramente negativa.

L. Para além do incumprimento qualificado previsto no artigo 56º do C. Penal (face ao mero incumprimento culposo a que se refere o artigo 55º), a revogação da pena de prisão suspensa depende ainda de aquele incumprimento revelar que " … as finalidades que estavam na base da suspensão já não poderão, por meio dela, ser alcançadas", condição esta que constitui um verdadeiro critério material da revogação da suspensão da pena (cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário do C. Penal 2008 p. 202), pois conforme esclarecimento do Prof. F. Dias na comissão de Revisão do C. Penal de 1995, a parte final da al. b) do nº 1 [do art. 54º do projecto de revisão, que corresponde quase integralmente ao actual art. 56º do C. Penal] " … estabelece uma condição comum às duas alíneas do nº 1. As alíneas não são cumuláveis, mas a condição vale para ambas."

M. Ora, só o incumprimento grosseiramente culposo do dever de pagar as quantias arbitradas a título de indemnização implica a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, conforme é pacificamente entendido a partir da letra do art. 56º do C. Penal.

N. Assim, ao constatarmos que o arguido, não detém efetivas capacidades económicas, que viveu sempre com o seu agregado envolto em dificuldades de subsistência, impedem que se caracterize o incumprimento como grosseiro, ou seja, que neste momento deva reputar-se aquele incumprimento de manifesto, evidente para qualquer pessoa medianamente cumpridora das suas obrigações, especialmente censurável, contrariamente ao entendimento do despacho recorrido que, nessa medida, deve ser revogado.

O. Para além disso é ainda referido no despacho ora recorrido que o arguido detém posteriormente aquela mais duas condenações por condução sem habilitação legal.

P. Referindo depois a este propósito: "(…) todos eles, sofreram condenações por crimes dolosos, praticados posteriormente ao trânsito em julgado do acórdão proferido nos presentes autos, pela prática de um dos mesmos crimes (condução ilegal) (…)".

Q. Tal não corresponde à verdade, no âmbito do acórdão proferido e que determinou a suspensão da pena de prisão, o arguido havia sido condenado pela prática em concurso efectivo de dois crimes de furto qualificado.

R. Ao contrário do que se refere no despacho recorrido, não existe in casu qualquer decisão que condene o arguido pela prática dos mesmos crimes.

S. Porquanto naquela decisão o mesmo foi condenado pela prática de furto qualificado e após nos outros processos posteriores na prática de dois crimes de condução sem habilitação legal.

T. Assim uma vez mais enferma o despacho recorrido de nulidade pois que em inexiste qualquer condenação durante o tempo de suspensão pela prática do mesmo crime (ao contrário do que é referido no texto da decisão ora recorrida).

U. Sendo certo que só o incumprimento grosseiramente culposo de obrigações pecuniárias legitima a revogação da suspensão da pena privativa da liberdade e o consequente cumprimento desta, como referimos antes e é pacificamente entendido.

V. Além disso, não ficou de qualquer modo demonstrado nos presentes autos que as finalidades de prevenção especial que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão não tivessem sido alcançadas.

W. Pelo contrário da audição do arguido em tribunal e bem assim dos relatórios elaborados é possível concluir que o arguido largou a vida e as companhias ligadas aos furtos em que havia sido condenado, encontrando-se social e familiarmente inserido, detendo condenações pela prática de condução sem habilitação legal ,mas encontrando-se inclusive conforme resulta dos autos que o mesmo frequentou em ambiente prisional programa específico Estrada segura – Intervenção em delitos estradais, sendo que o mesmo juntou ainda aos autos documento comprovativo de que se encontra a frequentar aulas de código por forma a habilitar-se legalmente ao exercício da condução.

X. Pelo que forçoso seria concluir que é possível realizar a favor do arguido um juízo de prognose favorável ao mesmo, sendo que o facto de ir cumprir a pena de prisão efectiva de 3 anos e 10 messes, acarretará efeitos nefastos.

Y. São sobejamente conhecidos os efeitos negativos das penas de prisão, sobretudo quando excessivas e severas como é o caso, potenciando o efeito revés ao pretendido e despoletando legitimamente nos sujeitos recludidos sentimentos de iniquidade e revolta.

Z. É que, a manter-se a revogação da suspensão da pena aplicada pelo Tribunal a que, tal inviabilizará em absoluto a vertente preventiva e ressocializadora, o que é contra legem, pelo menos no que toca ao seu espírito.

AA. Até porque e conforme entendeu o Digno Magistrado do Ministério Público, conforme consta do teor da decisão recorrida "(…) as condenações posteriores (transitadas em julgado) sofridas pelos condenados não serão de gravidade tal que determinem a revogação da suspensão da execução da pena (…)".

BB. Em conformidade, e tendo especialmente em conta o preceituado nos arts. 55º e 56º do Código Penal, não poderia o Tribunal revogar a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido.

Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com mui douto suprimento de Vª Exª deverá conceder-se provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra em que se reconheça, não ser de operar a revogação da suspensão da pena de prisão de 3 anos e 10 meses aplicada ao arguido.

Só assim se fazendo costumada Justiça.


*

            Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, alegando que a audição do recorrente antes da prolação do despacho recorrido assegurou plenamente o contraditório quanto às razões do incumprimento das condições impostas à suspensão da execução da pena de prisão, inexistindo, por isso, qualquer nulidade, que o recorrente, no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão praticou dois crimes de condução sem habilitação legal pelos quais foi condenado em duas penas de prisão, demonstrando a inobservância das condições impostas e estas condenações que as finalidades de prevenção especial que estiveram na base da substituição da pena de prisão não foram alcançadas, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            A Mma. Juíza recorrida sustentou o despacho.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aderindo aos fundamentos da contramotivação do Ministério Público e consequente justificação da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A nulidade decorrente do não questionamento do recorrente sobre o incumprimento da condição;

- A não verificação dos pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.


*

            Para a resolução destas questões importa ter presente o teor do despacho recorrido que é o seguinte:

            “ (…).

            I – Nos presentes autos de Proc. CC nº 86/07.7GBCLD, por douto acórdão datado de 10/05/2012, transitado em julgado relativamente aos mesmos em 31/05/2012, foram os arguidos condenados nos seguintes termos:

- O arguido D... pela prática em concurso efectivo de um crime de furto qualificado, um crime de condução sem habilitação legal e um crime de detenção de arma proibida, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, e sob a condição de, no prazo de um ano após o trânsito em julgado, entregar ao ofendido B... a quantia de € 500,00, devendo fazer prova nos autos de tal entrega no prazo de 10 dias após o terminus de tal prazo; e, ainda, aos deveres ínsitos nas alíneas a) a d) do nº 3 do artº 54º do Cod. Penal;

- O arguido E... , pela prática em co-autoria material de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, e sob a condição de, no prazo de um ano após o trânsito em julgado, entregar ao ofendido B... a quantia de € 500,00, devendo fazer prova nos autos de tal entrega no prazo de 10 dias após o terminus de tal prazo; e, ainda, aos deveres ínsitos nas alíneas a) a d) do nº 3 do artº 54º do Cod. Penal.

Nos termos do mesmo acórdão datado de 10/05/2012, transitado em julgado relativamente ao arguido A...em 06/09/2012, foi este arguido condenado, pela prática em concurso efectivo de dois crimes de furto qualificado, na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, e sob a condição de, no prazo de um ano após o trânsito em julgado, entregar ao ofendido B... a quantia de € 500,00; e de, no mesmo prazo, entregar ao ofendido C... a quantia de € 1.490,00, devendo fazer prova nos autos de tais entregas no prazo de 10 dias após o terminus de tal prazo; e, ainda, aos deveres ínsitos nas alíneas a) a d) do nº 3 do artº 54º do Cod. Penal.

Foram apresentados, e homologados por douto despacho de fls. 1194-A, os respectivos planos de reinserção social dos arguidos gizados pela DGRSP.

Verificando-se que decorreu já o prazo de um ano fixado como condição de suspensão da execução da pena de prisão aplicada a estes arguidos, os mesmos não comprovaram nos autos o pagamento de qualquer quantia aos lesados.

Requisitados e juntos aos autos CRCs actualizados dos arguidos (fls. 1317 e segs., 1327 e segs. e 1301 e segs.), e das diversas certidões juntas aos autos (designadamente a fls. 1346 e segs.; fls. 1382 e segs.; fls. 1395 e segs; fls. 1412 e segs.; fls. 1440 e segs. e fls. 1581 e segs. ) resulta que, posteriormente à condenação sofrida nos presentes autos:

§ O arguido D... foi condenado:

- Nos autos de Processo Sumário nº 90/13.6GAVFX do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Franca de Xira, por decisão datada de 29/04/2013, transitada em julgado em 02/04/2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 54 períodos de prisão por dias livres; por factos praticados em 14/04/2013.

- Nos autos de Processo Comum Colectivo nº 98/11.6GACDV da Instância Central – Secção Criminal – J6, da Comarca de Lisboa Norte, por acórdão datado de 03/09/2015, ainda não transitado em julgado, pela prática em co-autoria material de um crime de furto qualificado na pena de 3 anos e 3 meses de prisão efectiva; por factos praticados entre 11 e 12 de Dezembro de 2013

§§ O arguido E... foi condenado:

- Nos autos de Processo Sumário nº 17/13.5PFCLD do 1º Juízo do Tribunal das Caldas da Rainha, por decisão datada de 04/12/2013, transitada em julgado em 16/01/2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, sob a condição de o arguido se inscrever e frequentar a escola de condução, devendo comprová-lo nos autos no prazo de 2 meses; e ainda a acompanhamento pela DGRS; por factos praticados em 24/10/2013.

- Nos autos de Processo Sumário nº 41/14.0GAACB do 3º Juízo do Tribunal de Alcobaça, por decisão datada de 04/03/2014, transitada em julgado em 03/04/2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade; por factos praticados em 13/02/2014.

- Nos autos de Processo Comum Colectivo nº 98/11.6GACDV da Instância Central – Secção Criminal – J6, da Comarca de Lisboa Norte, por acórdão datado de 03/09/2015, ainda não transitado em julgado, pela prática em concurso efectivo de um crime de associação criminosa, de três crimes crime de furto qualificado e de um crime de detenção de arma proibida na pena única de 7 anos de prisão; por factos praticados em diversas datas, designadamente entre 11 e 12 de Dezembro de 2013, entre 30 e 31 de Janeiro de 2014, e em 05 de Fevereiro de 2014.

§§§ O arguido A... foi condenado:

- Nos autos de Processo Sumário nº 16/14.0GTTVD do Tribunal Judicial da Lourinhã, por decisão datada de 05/03/2014, transitada em julgado em 03/07/2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão efectiva, por factos praticados em 01/03/2014; tendo-se feito constar expressamente naquela decisão condenatória a decisão de não suspender a pena de prisão aplicada, desde logo em virtude de o arguido ter já averbadas no seu CRC 10 condenações, 8 das quais pela prática de crime de condução sem habilitação legal; e por em 4 ocasiões distintas ter estado privado de liberdade e cumprimento de prisão efectiva pela prática do crime em apreço.

- Nos autos de Processo Abreviado nº 576/14.5PBCLD da Instância Local, secção criminal, das Caldas da Rainha, por decisão datada de 12/01/2015, transitada em julgado em 11/02/2015, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão efectiva, por factos praticados em 06/09/2014; tendo-se feito constar expressamente naquela decisão condenatória a decisão de não suspender a pena de prisão aplicada, desde logo atentos os antecedentes criminais do arguido, e porque o mesmo praticou os factos durante a suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada nos presentes autos.

Foi solicitada à DGRSP a elaboração dos respectivos relatórios de acompanhamento do PIR, que se mostram juntos, respectivamente, a fls. 1504 e segs., a fls. 1501 e segs. e 1497 e segs., cujos teores aqui se dão por reproduzidos.

Procedeu-se à tomada de declarações aos arguidos e aos técnicos da DGRSP que os acompanham, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 495º nº 2 do CPP (cfr. fls. 1519-1521).

A fls. 1570-1571 o arguido A... juntou aos autos declaração comprovativa de que o mesmo frequentou em ambiente prisional o Programa Específico "Estrada Segura – Intervenção em Delitos Estradais em Meio Prisional".

O arguido A... encontra-se preso em cumprimento de pena à ordem dos autos proc. nº 576/14.5PBCLD da Instância Local de Caldas da Rainha (cfr. fls. 1574).

Tendo vista nos autos, o Digno Magistrado do MºPº pronunciou-se no sentido de que as condenações posteriores (transitadas em julgado) sofridas pelos condenados não serão de gravidade tal que determinem a revogação da suspensão da execução da pena e, relativamente ao arguido D..., promoveu se prorrogue por mais um ano o período de suspensão da execução da pena.

No que concerne ao arguido E..., promoveu aguardem os autos o trânsito da decisão proferida nos autos CC nº 98/11.6 GCCDV, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 57º nº 2 do Cod. Penal.

Notificadas as defesas, nada vieram dizer.

Apreciando e decidindo:

O Código Penal Português traça um sistema punitivo que tem por base o pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização, objectivo que a existência da própria prisão parece comprometer.

Assim, a suspensão da execução da pena é um substituto particularmente adequado das penas privativas de liberdade, sempre que o Tribunal concluir que atendendo à personalidade do agente, às condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Nestes termos, a revogação da suspensão deve ser vista como um último recurso, perante uma situação limite que denuncie nitidamente que o condenado teve uma actuação significativamente culposa, que põe por terra a esperança que se depositou na sua recuperação.

Dispõe o artigo o artigo 55.º do Código Penal que, se durante o período da suspensão o condenado culposamente deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, pode o Tribunal fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão, impor novos deveres ou prorrogar o período de suspensão.

            De acordo com o previsto no artigo 56.º n.º 1 alínea b), do Código Penal, "a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas".

Ora, no caso dos autos, e relativamente a todos os condenados, verificamos que estão preenchidos ambos os referidos pressupostos legais, na medida em que nenhum dos arguidos pagou qualquer quantia a nenhum dos lesados no prazo de um ano após o trânsito do acórdão condenatório proferido nos autos; cumpriu formalmente e de forme risível as obrigações impostas no respectivo PIR, e, todos eles, sofreram condenações por crimes dolosos, praticados posteriormente ao trânsito em julgado do acórdão proferido nos presentes autos, pela prática de um dos mesmos crimes (condução ilegal) porque foram condenados nos presentes autos (isto quanto aos arguidos D...e A...), e, quanto ao arguido A..., tendo este sofrido 2 condenações em pena de prisão efectiva, ambas pela prática do crime de condução ilegal, e por factos posteriores ao trânsito do acórdão condenatório proferido nos presentes autos.

Acresce que os arguidos, ouvidos em declarações, não justificaram de forma credível e suficiente a sua conduta, e ausência de proactividade com vista ao cabal cumprimento da obrigação de pagamento e de efectiva alteração da conduta, com vista à adopção de atitudes conformes ao direito; sendo que, igualmente, a audição dos respectivos técnicos de reinserção que os acompanharam também não permitiu a este Tribunal formular um juízo favorável aos arguidos, no que concerne a aferir se as condutas dolosas do arguidos, pela prática das quais os mesmos foram já condenados por decisões transitadas em julgado, "revelam que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas".

No caso dos autos, salvo o devido respeito por entendimento diverso, que muito é, considera-se que os comportamentos posteriores de cada um dos arguidos – a falta de cumprimento mínimo das condições de suspensão da execução das respectivas penas, e as condenações posteriores sofridas, transitadas em julgado, supra descritas revelam claramente que as finalidades de prevenção especial que estiveram na base da suspensão da execução da pena não puderam nem foram por elas alcançadas.

Neste sentido cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 11.09.2003 (disponível em www.dgsi.pt). ao esclarecer que "Para que possa ser revogada a suspensão da execução da pena, torna-se imprescindível que se constate que as finalidades que estão na base da suspensão da pena, e que foram reconhecidas na sentença, se vejam frustradas. No fundo, o juízo de prognose favorável ao arguido realizado na sentença, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, levá-lo-iam a respeitar os valores essenciais do ordenamento jurídico e a se manter afastado da prática de crimes, tem de ser infirmado. É necessário avaliar se face à natureza e circunstâncias do crime cometido, ao passado do condenado, às suas circunstâncias pessoais actuais, e às necessidades de protecção do bem jurídico violado, e de reintegração daquele na sociedade, é conveniente revogar a suspensão da pena, por ter sido infirmado de forma definitiva o juízo de prognose que alicerçou a convicção de que a suspensão se revelava suficiente" (sic).

Tudo ponderado, indefere-se o doutamente promovido e, nos termos do disposto no artº 56º nº 1 als, a) e b) e nº 2 do Cod. Penal:

- Determino a revogação da suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos D..., E... c A... e, consequentemente,

- Determino que o arguido D... cumpra a pena única de 3 anos e 9 meses de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos;

- Determino que o arguido E... cumpra a pena de 3 anos de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos;

- Determino que o arguido A... cumpra a pena única de 3 anos e 10 meses de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos.

Notifique.

Comunique, com cópia, aos autos CC nº 98/11.6GACDV da Instância Central de Lisboa Norte (mais solicitando, quanto a estes, a oportuna remessa de certidão, com nota de trânsito em julgado, do acórdão final condenatório neles já proferido), aos autos de Proc. nº 576/14.5PBCLD da Instância Local de Caldas da Rainha; ao EP respectivo, à DGRSP e ao TEP.

Mais oficie à DGRSP; solicitando que informe qual a situação do arguido E... (que, à data de 03/06/2015 se encontrava na situação de prisão preventiva à ordem dos autos CC nº 98/11.6GACDV da Instância Central de Lisboa Norte).

Após trânsito:

- Remeta Boletins à DIC.

- Extraia certidões com nota de trânsito e remeta aos autos CC nº 98/11.6GACDV da Instância Central de Lisboa Norte e de Proc. nº 576/14.5PBCLD da Instância Local de Caldas da Rainha e ao TEP solicitando a este (TEP) que, oportunamente, ligue o arguido A... à ordem dos presentes autos, para cumprimento da pena de prisão que aqui lhe foi imposta.

- Passe mandados de captura e de condução ao EP do arguido D... e (caso o mesmo já tenha sido restituído à liberdade pelos autos à ordem dos quais se encontrava preso preventivamente) do arguido E..., a fim de os mesmos cumprirem as penas que lhe foram aplicadas nestes autos.

            (…)”.


*

            Com relevo para as questões a decidir, colhem-se dos autos, ainda, os seguintes elementos:

            i) Por despacho de 8 de Janeiro de 2014 [fls. 62 destes autos] foi homologado o Plano de Reinserção Social relativo ao recorrente [fls. 57 a 61 destes autos].

            ii) Por sentença de 12 de Janeiro de 2015, já transitada, proferida no processo nº 576/14.5PBCLD, por factos de 6 de Setembro de 2014, qualificados como crime de condução de veículo sem habilitação legal, foi o recorrente condenado na pena de seis meses de prisão. 

            iii) Por sentença de 5 de Março de 2014, já transitada, proferida no processo nº 16/14.0GTTVD, por factos de 1 de Março de 2014, qualificados como crime de condução de veículo sem habilitação legal, foi o recorrente condenado na pena de dezasseis meses de prisão.          

            iv) Os dois crimes de furto qualificado por cuja prática foi o recorrente condenado nos presentes autos, na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão, foram cometidos nos dias 2 e 8 de Março de 2007.

            v) No Relatório Social de fls. 100 a 102, elaborado em Maio de 2015, no âmbito do Plano de Reinserção Social, são referidos:

- A comparência do recorrente às entrevistas;

- A atitude interessada face às metodologias apresentadas;

- A tendência para ser desfavorável às convenções;

- A alteração de residência sem informação ao técnico de reinserção social;

- A atitude interessada face ao processo educativo do filho e a reaproximação com a mãe deste, com quem vivia quando recolheu ao EP das Caldas da Rainha para cumprimento da pena aplicada no processo referido em iii).  

vi) O recorrente, no cumprimento da pena, tem tido comportamento adequado às regras da instituição prisional, frequentou com assiduidade e interesse o programa Estrada Segura – Intervenção em Delitos Estradais em Meio Prisional, integrou a Casa de Regime Aberto no Interior durante Abril de 2015 tendo neste período trabalhado na brigada de trabalho da Câmara Municipal das Caldas da Rainha com assiduidade e empenho, e tem a decorrer processo de inscrição em escola de condução para obtenção da carta de condução [declaração de fls. 105 dos autos, da Direcção do EP].

vii) Em declarações prestadas à Mma. Juíza a quo em 3 de Junho de 2015 que a Relação ouviu, o recorrente disse, em síntese, que: Está preso em cumprimento de pena por condução sem carta à ordem da Lourinhã; é madeireiro, vive com a mulher e dois filhos e está a tirar a carta no estabelecimento prisional; trabalhava por conta do F.. e da G.., fazia umas horas; quando terminar a pena tem trabalho no mesmo sítio; a companheira é doméstica, os filhos têm 5 meses e 12 anos e tem um outro, com 18 anos, do primeiro casamento, que vive com a mãe; a casa onde habitam é dos avós da companheira; está arrependido e gostava de ter uma oportunidade, para sustentar a família, pois foi um deslize que não voltará a acontecer; tem a 4ª classe, sabe ler e escrever mas, devido a um acidente que sofreu e que o incapacitou, não lhe passavam o atestado médico para obter a carta de condução, o que já conseguiu no estabelecimento prisional.     

viii) Em declarações prestadas à Mma. Juíza a quo em 3 de Junho de 2015 que a Relação ouviu, o técnico da DGRSP, António Manuel Casca disse, em síntese, que: Formalmente, o recorrente cumpriu o programa de reinserção mas alterou a residência sem ter comunicado, vindo depois a apurar que estava a residir com a companheira; durante o período de suspensão da pena o recorrente não se inscreveu em qualquer curso de código para obter a carta, até porque não tinha condições económicas para atingir esse objectivo.


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            Da nulidade decorrente do não questionamento do recorrente sobre o incumprimento da condição

            1. Alega o recorrente – conclusões E e F – que, não tendo sido nunca perguntado sobre as razões de não ter entregue as quantias de € 500 e de € 1.490 aos ofendidos B...e C..., respectivamente, a circunstância de a revogação da suspensão da execução da pena de prisão ter sido decretada com tal fundamento, constitui nulidade processual.

            Vejamos.

            No âmbito da execução da pena suspensa e regulando a falta de cumprimento das condições de suspensão, dispõe o art. 495º, nº 2 do C. Processo Penal que, o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão. Esta obrigação imposta ao tribunal de ouvir o condenado antes de decidir as consequências do incumprimento das condições de suspensão, mais não é do que uma manifestação do princípio do contraditório, na vertente do direito de audiência dos sujeitos processuais que possam ser afectados pela decisão, dessa forma lhes garantindo uma influência no desenvolvimento do processo, aliás, especificamente previsto no art. 61º, nº 1, b) do C. de Processo Penal no que ao arguido respeita.

            A Mma. Juíza a quo procedeu à audição do recorrente – ainda que não exactamente, na presença do técnico de reinserção social, uma vez que, como resulta da audição da gravação do registo da diligência, este foi ouvido por vídeo-conferência – não o questionou, efectivamente, sobre as razões do não pagamento das quantias monetárias fixadas no acórdão condenatório, condicionante da suspensão da execução da pena de prisão, nem sobre a evolução da sua situação económica e financeira entre a condenação e a data em que recolheu ao estabelecimento prisional para cumprimento de outra pena [as respostas do recorrente quanto à sua profissão – madeireiro – tipo de trabalho – por conta de outrem fazendo umas horas – e agregado familiar –vivia com a companheira e dois filhos menores em casa dos avós desta – pouco adiantam]. E é de uma forma acidental, em resposta à pergunta feita pela Mma. Juíza sobre se o recorrente, durante o período de suspensão da execução da pena, teria tentado obter carta de condução, que o técnico de reinserção social ao responder que não por não ter condições económicas para tanto, lança alguma luz sobre a questão.

            Em todo o caso, a Mma. Juíza a quo, antes de o recorrente iniciar as declarações, esclareceu-o sobre o objectivo da diligência, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, embora tenha colocado o acento tónico nos crimes supervenientemente praticados à condenação. Todavia, temos por certo que o recorrente não ignorava que entre as condições fixadas no acórdão para a suspensão da execução da pena de prisão, se contava o pagamento das quantias referidas aos ofendidos, pagamentos que não efectuou.

            Assim, se é verdade que a Mma. Juíza deveria ter questionado o recorrente sobre as razões do não cumprimento da condição de conteúdo económico, também é verdade que nada o impedia, ciente do seu incumprimento, de ter explicado os motivos de assim ter agido, o que não fez, embora estivesse assistido por Ilustre Defensora.

            Não ocorreu pois, qualquer violação do princípio do contraditório, na vertente do direito de audiência do arguido, causadora de nulidade processual. Saber se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão poderia ter como fundamento, único ou juntamente com outros, o não pagamento das quantias indicadas aos ofendido no prazo assinalado, é já uma questão material, que se prende com a forma como o direito foi aplicado aos factos apurados.

            Em síntese conclusiva, tendo o recorrente sido ouvido em conformidade com o disposto no art. 495º, nº 2 do C. Processo Penal, a circunstância de não ter sido perguntado, nem nada ter esclarecido, motu proprio, sobre as razões do não cumprimento da condição económica fixada para a suspensão da execução da pena de prisão, não constitui nulidade processual.


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Da não verificação dos pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão

2. Alega o recorrente – conclusões G a BB – que só o incumprimento grosseiro da condição fixada poderia permitir a revogação da suspensão da execução da pena, e a violação grosseira não ficou provada face aos seus parcos recursos económicos, acrescendo que, contrariamente ao que consta do despacho recorrido, a pena cuja execução se encontra suspensa respeita a crimes de furto e não a crime de condução de veículo sem habilitação legal, o que constitui nulidade, sendo certo que a sua posterior condenação pela prática deste crime não demonstra que as finalidades de prevenção especial que estiveram na base da suspensão da execução da pena não foram alcançadas, devendo manter-se a formulação de uma prognose favorável, impeditiva da revogação da suspensão.

Vejamos.

2.1. Quanto à apontada nulidade, começaremos por dizer, adiantando a resposta, que ela não existe. Explicando.

É verdade que o texto do despacho recorrido suscita dificuldades de interpretação no que respeita ao recorrente pois, não tendo este sofrido condenação, no acórdão que aplicou a pena de prisão suspensa de cuja revogação agora cuidamos, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, afirma-se no despacho recorrido, quanto aos arguidos ali condenados que «(…) todos eles, sofreram condenações por crimes dolosos, praticados posteriormente ao trânsito em julgado do acórdão proferido nos presentes autos, pela prática de um dos mesmos crimes (condução ilegal) porque foram condenados nos presentes autos (isto quanto aos arguidos D...e A...), e, quanto ao arguido A..., tendo este sofrido 2 condenações em pena de prisão efectiva, ambas pela prática de crime de condução ilegal, e por factos posteriores ao trânsito do acórdão condenatório proferido nos presentes autos.».

A aparente contradição resulta da existência de um lapso de escrita no texto transcrito, no segmento «(isto quanto aos arguidos D...e A...)» onde se pretendeu escrever, «(isto quanto aos arguidos D...e João)» como clara e inequivocamente resulta do segmento que se lhe segue onde é expressamente referido o ‘arguido A...’ e as duas condenações em prisão sofridas após o trânsito do acórdão por crimes de condução ilegal [o que não invalida que o equívoco persista, relativamente ao arguido João, pois só o arguido D...foi condenado no acórdão em referência pela prática de crime de condução ilegal].

Em todo o caso, nunca estaríamos perante uma qualquer nulidade.

2.2. Sendo a pena de suspensão da execução da pena de prisão uma pena de substituição, da pena de prisão, em sentido próprio, e tendo estas, na sua origem, a necessidade de obviar aos efeitos das penas curtas de prisão, para que não fosse facilmente frustrado este propósito político-criminal, a lei fixou limites muito apertados para a revogação desta pena de substituição.

Assim, dispõe o art. 56º do C. Penal:

1 – A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades de que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2 – A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.  

São, portanto, dois os fundamentos da revogação: o incumprimento grosseiro ou repetido dos deveres ou regras impostos ou do plano de reinserção social ou; o cometimento de crime e respectiva condenação. 

Atentemos em cada um deles.

2.2.1. Como se disse, o recorrente, no acórdão proferido nos autos, foi condenado, pela prática de dois crimes de furto qualificado, na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, acompanhada de regime de prova e condicionada à entrega, no prazo de um ano após o trânsito, das quantias de € 500 a um dos ofendidos e a quantia de € 1.490 a outro dos ofendidos.

            O acórdão, proferido em 10 de Maio de 2012 mostra-se transitado há mais de uma ano, e o recorrente não efectuou a entrega das quantias referidas aos ofendidos, no prazo assinalado.

            Dúvidas não subsistem, portanto, de que o recorrente não cumpriu, totalmente, a condição económica da condição da suspensão. Não é, no entanto, um qualquer incumprimento que releva para este fim. A lei exige que seja grosseiro ou repetido o que significa que a conduta infractora deve ser especialmente qualificada, deve revelar um grau de culpa muito elevado, uma completa indiferença pelo condenado relativamente ao sentido de ressocialização que a condição imposta significava, na medida em que é parte integrante do ‘projecto’ de recuperação social subjacente ao decretamento da pena de substituição. Para as outras condutas infractoras, para aquelas que não densificam um tão elevado grau de indiferença e culpa, permitindo manter-se de pé a projectada realização das finalidades que estiveram na base do decretamento da suspensão, a lei prevê, no art. 55º do C. Penal, a aplicação de outras medidas.

            Revertendo para a questão subjudice, a natureza da condição fixada, com termo certo, afasta a possibilidade de um incumprimento reiterado da mesma.

            Por outro lado, não existem factos provados que permitam concluir que o incumprimento efectivamente verificado, foi um incumprimento grosseiro. Para tanto, era desde logo necessário que a Mma. Juíza tivesse apurado a condição económica e financeira do recorrente, fixando os seus rendimentos e os do seu agregado familiar, determinando os bens detidos, e concretizando as despesas inerentes.

            Em todo o caso, resulta das declarações do recorrente que, antes de detido, trabalhava para terceiro, dando umas horas, o que significa a inexistência de vínculo laboral estável e precariedade dos respectivos rendimentos, situação, aliás, indirectamente confirmada pelo técnico de reinserção social ao referir não dispor aquele de meios económicos para obter a carta de condução. E vivia com a companheira, que é doméstica, e dois filhos menores, em casa dos avós desta, o que significa que outros rendimentos, ao menos, com um mínimo de expressão pecuniária e regularidade, não serão auferidos pelo agregado.

            Sendo facto notório que qualquer agregado familiar tem despesas com a satisfação das suas necessidades básicas, e que a existência de crianças exige cuidados acrescidos com alimentação, saúde e vestuário, o que é razoável concluir é que o recorrente e seu agregado familiar têm uma precária situação económica e financeira.

            Esta constatação conduz-nos ao afastamento do qualificativo, grosseiro, relativamente ao incumprimento da condição imposta e, consequentemente, ao afastamento do fundamento previsto na alínea a), do nº 1 do art. 56º do C. Penal para a revogação da suspensão.

2.2.2. A suspensão da execução da pena de prisão tem como fim de política criminal, o afastamento do delinquente da prática de novos crimes, a prevenção da sua ‘reincidência’. Dai que, nos termos do citado art. 56º, nº 1, b) do C. Penal, haja lugar à sua revogada sempre que, no decurso do período de suspensão, o condenado cometa crime pelo qual venha a ser condenado, e revele que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Não distinguindo a lei, podemos dizer que o novo crime pelo qual veio o condenado a ser punido não tem que ter a natureza do crime punido com a pena de substituição, nem tem que ser um crime doloso, podendo ser apenas negligente, da mesma forma que, ao exigir a lei apenas a condenação por novo crime, é irrelevante o tipo de pena aplicada. Como nota Figueiredo Dias, o cometimento de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 355).

Mas o que é imprescindível para a revogação da pena de suspensão é que se constate que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou definitivamente a prognose favorável que fundou a aplicação da pena de substituição ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência. 

Pois bem.

In casu, o recorrente, condenado que foi, em 10 de Maio de 2012, pela prática de dois crimes de furto qualificado, na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, acompanhada de regime de prova e sujeita a condições, em pleno período de vigência da suspensão da execução da pena de prisão, veio a ser condenado, em dois distintos processos, por factos de 1 de Março e de 6 de Setembro de 2014, qualificados, em sentenças de 5 de Março de 2014 e 12 de Janeiro de 2015, como crimes de condução de veículo sem habilitação legal, nas penas de 16 meses de prisão e de 6 meses de prisão, respectivamente.

A este propósito, não será de desconsiderar o passado criminal do recorrente. Assim, antes da condenação imposta pelo acórdão de 10 de Maio de 2012, havia já sofrido as seguintes condenações [cfr. certificado do registo criminal de fls. 129 a 138]:

            - Sentença de 8 de Junho de 2000; factos de 8 de Junho de 2000; crime de condução de veículo sem habilitação legal; pena de 90 dias de multa;

            - Sentença de 28 de Março de 2003; factos de 29 de Outubro de 2000; crime de condução de veículo sem habilitação legal; pena de 150 dias de multa;

            - Sentença de 11 de Outubro de 2004; factos de 27 de Dezembro de 2002; crime de condução de veículo sem habilitação legal; pena de 10 meses de prisão, suspensa sob condição, posteriormente revogada;

            - Sentença de 26 de Setembro de 2006; factos de 19 de Setembro de 2006; crime de condução de veículo sem habilitação legal; pena de 9 meses de prisão, suspensa sob condição, posteriormente revogada;

            - Sentença de 23 de Outubro de 2006; factos de 16 de Outubro de 2006; crime de condução de veículo sem habilitação legal; pena de 12 meses de prisão;

            - Sentença de 1 de Fevereiro de 2007; factos de 26 de Janeiro de 2007; crime de condução de veículo sem habilitação legal; pena de 7 meses de prisão;

            - Sentença de 20 de Dezembro de 2007; factos de 8 de Março de 2007; crime de resistência e coacção sobre funcionário e crime de detenção de arma proibida; penas de 5 meses de prisão substituída por 150 dias de multa e de 200 dias de multa;

            - Sentença de 28 de Fevereiro de 2008; factos de 27 de Agosto de 2006; crime de condução de veículo sem habilitação legal; pena de 9 meses de prisão substituída por 54 períodos de prisão por dias livres;

- Sentença de 18 de Janeiro de 2013; factos de 27 de Julho de 2010; crime de condução de veículo sem habilitação legal; pena de 4 meses de prisão.

Assim, o recorrente, entre Junho de 2000 e Julho de 2010 – sem contra com os dois furtos qualificados por a respectiva condenação ser de Maio de 2012 – praticou oito crimes de condução de veículo sem habilitação legal, um crime de resistência e coacção sobre funcionário e um crime de detenção de arma proibida.

Pelo crime estradal sofreu duas condenações em pena de multa, duas condenações em pena de prisão suspensa, posteriormente revogada, três condenações em pena de prisão e uma condenação em prisão por dias livres. Pelos dois restantes crimes, foi condenado em penas de multa.

No acórdão de 10 de Maio de 2012, fazendo-se referência, além do mais, aos antecedentes criminais do recorrente [os supra referidos, excepção feita à condenação de 18 de Janeiro de 2013, por inexistente, à data], a substituição da pena de prisão pela pena de suspensão da execução da pena de prisão foi assim justificada: «Ora, compulsada e analisada a factualidade supra exposta, cremos que, numa derradeira oportunidade a evitar nova reclusão dos arguidos, tal juízo de confiança ainda pode e deve ser formulado, acreditando-se que a suspensão da execução da pena, e a concomitante ameaça da execução, ainda se configuram como suficientes e bastantes a servirem de cominação e advertência para que os arguidos obviem à prática de factos semelhantes. E, sabendo perfeitamente que, caso não evitem tal reincidência criminógena, as penas aplicadas ganham necessária efectividade, que apenas aos mesmos é imputável.».    

E que fez o recorrente? Pois, pratica novo crime de condução inabilitada de veículo em 1 de Março de 2014, e repete o feito em 6 de Setembro do mesmo ano, isto depois de, em 18 de Janeiro de 2013 ter sido condenado em pena de prisão, pela prática do mesmo crime.

É uma evidência que o recorrente possui uma personalidade mal formada, com manifesta propensão para a prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, crime que vem cometendo regularmente. Mas, mais do que isso, a sua personalidade revela ainda uma total incompreensão por parte do recorrente da oportunidade – derradeira, a qualificou o tribunal colectivo que proferiu o acórdão em referência – de ressocialização em liberdade que constituiu a decretada suspensão da execução da pena de prisão, oportunidade que desperdiçou quando optar pelo cometimento de novos crimes que, como era inevitável, foram punidos com penas de prisão.

Em suma, o cometimento de sucessivos crimes e consequentes condenações do recorrente, em pleno período de vigência da suspensão da execução da pena de prisão, a sua revelada personalidade com a demonstrada incapacidade de entender e aproveitar o significado da pena se substituição aplicada, frustrando o seu objectivo de política criminal, torna inexorável a conclusão de que está definitivamente afastado o juízo de prognose favorável ali pressuposto, face à malograda expectativa do seu afastamento da criminalidade.

Está pois verificado, in casu, o circunstancialismo previsto no art. 56º, nº 1, b) do C. Penal pelo que, não merece censura o despacho recorrido ao decidir a revogação da suspensão da execução da pena de prisão decretada ao recorrente, com fundamento neste pressuposto.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.


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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III do R. das Custas Processuais).

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Coimbra, 4 de Maio de 2016


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)