Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2/14.0T9NLS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: EXAMES E PERÍCIAS;
PAGAMENTO;
POLÍCIA JUDICIÁRIA
Data do Acordão: 10/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE NELAS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 2.º, N.ºS 3 E 4, DA PORTARIA N.º 175/2011, DE 28-04; ARTS. 2.º, N.º 1, 3.º, N.º 1, 46.º, N.º 3, AL. B), E N.º 4, E 47.º, DA LEI N.º 37/2008, DE 06-08
Sumário:
A Portaria n.º 175/2011, de 28-04 (configurando, também, desenvolvimento da Lei n.º 37/2008, de 06-08) impõe aos tribunais o pagamento directo e antecipado à Polícia Judiciária dos custos decorrentes da realização, por aquele órgão de polícia criminal, de exames e/ou perícias que lhe sejam requeridos no âmbito de um processo penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
1. No âmbito do processo comum singular n.º 2/14.0T9NLS, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Nelas – Juízo C. Genérica, por despacho judicial de 06.03.2018 foi determinado o pagamento de fatura/nota de débito respeitante a exame efetuado nos autos pela Polícia Judiciária, tal como requerido por esta entidade.

2. Não se conformando com a decisão recorreu a digna Magistrada do Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:
1 – Vem o presente recurso interposto do despacho que, indeferindo a promoção do Ministério Público, determinou o pagamento da nota de débito, junta aos autos pela Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança da Polícia judiciária, devida pela realização de perícia pelo Laboratório de Polícia Cientifica da Polícia Judiciária.
2 – A Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril, aprovou a tabela de preços a cobrar pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P. e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais e outros documentos que lhes forem requeridos.
3 – Nos termos dos n.ºs 3, e 4, do artigo 2.º, do referido diploma, tais custos são cobrados para efeitos de pagamento antecipado do processo e são pagos, diretamente, a essas entidades pelos Tribunais.
4 – De acordo com o artigo 46.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 37/2008, de 06 de Agosto (Lei Orgânica da Polícia Judiciária) tais verbas constituem receitas próprias do mencionado Serviço.
5 – Apesar do teor relativamente inequívoco dos mencionados preceitos legais, cremos que, quando tais entidades atuam no exercício das atribuições da sua competência exclusiva, no âmbito da sua missão de coadjuvação dos Tribunais, o mencionado documento (fatura/recibo/nota de débito) destina-se, exclusivamente, à demonstração do montante a levar em regra de custas, aí se imputando tal encargo ao seu responsável.
6 – Nestes casos, obtido o pagamento da conta pelo seu responsável, tal quantitativo deverá ser transferido para a mencionada entidade, traduzindo-se em sua receita própria. Já se não for obtido tal pagamento, nada haverá a transferir para o mencionado Serviço.
7 – Cremos que esta é a interpretação que melhor acolhe a teleologia das normas em referência e a lógica subjacente à circunstância de um serviço central da administração direta do Estado exigir de um outro órgão do Estado o pagamento de quantias pelos serviços prestados no âmbito da sua própria missão.
8 – Razão pela qual deveria ter sido indeferido o requerido pagamento.
9 – Salvo melhor opinião, ao assim não decidir, o despacho recorrido violou os artigos 1.º, 2.º, n.º 1, e 46.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º 37/2008, de 06 de agosto, e os artigos 1.º, e 2.º, n.ºs 3, e 4, da Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril.

Desta forma,
Na procedência do recurso, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que indefira o pagamento da nota de débito apresentada pela Unidade de Administração Financeira, Patrimonial e de Segurança da Polícia Judiciária.
Assim decidindo, farão V. Exas. JUSTIÇA!

3. Por despacho de 19.03.2018 foi o recurso admitido.

4. Notificada, a Polícia Judiciária não respondeu ao recurso.

5. Remetidos os autos à Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido do recurso merecer provimento.

6. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP, não houve qualquer reação.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo, pois, decidir.

II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita e fixa o objeto do recurso, no caso em apreço importa decidir se o despacho em crise ao determinar o pagamento à Polícia Judiciária de nota de débito relativa a exame por si realizado no âmbito do processo violou os artigos 1.º, 2.º, n.º 1 e 46.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 37/2008, de 6 de agosto, bem como os artigos 1.º e 2.º, n.ºs 3 e 4 da Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril.

2. A decisão recorrida
Ficou a constar do despacho em crise:
Fls. 544 e ss:
Vem a Polícia Judiciária solicitar o pagamento de uma fatura respeitante a exame efetuado no âmbito dos presentes autos.
O Ministério Público promoveu o indeferimento do pagamento pelos motivos constantes da promoção que antecede.
Ainda que já tenhamos adotado posição idêntica à ora manifestada pelo Ministério Público, contudo, depois de melhor ponderada a questão, à luz da recente jurisprudência dos nossos tribunais superiores, entendemos que o pagamento é devido é devido, pelos fundamentos que a seguir se expõem.
Na Portaria n.º 175/2011, logo no seu preâmbulo, refere-se: “O n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto estabelece que, pela realização de perícias e exames, o Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., recebe as quantias fixadas em tabela aprovada por portaria do Ministro da Justiça.
Também o seu art.º 1.º diz:
“1 – A presente portaria aprova a tabela de preços a cobrar pela Direção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas.
2 – A tabela ora aprovada consta do anexo à presente portaria e dela faz parte integrante.”
Por sua vez, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do seu art. 2.º:
“3 – O custo das perícias e exames bem como dos instrumentos técnicos elaborados para apoiar as decisões das entidades judiciárias são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo.
4 – As perícias e os exames realizados pela Direção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., ou pela Polícia Judiciária são pagos diretamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, de acordo com a tabela de preços anexa à presente portaria”.
Assim, resulta da Portaria n.º 175/2011, de 28 de Abril, que aprova a tabela de preços a cobrar pela Direção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, ou outras diligências, que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas (cfr. art. 1.º), que o custo das perícias, exames elaborados pela DGRSP, PJ e INML sejam pagos diretamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram (cfr. n.º 4 do art. 2.º da citada Portaria 175/2011).
A realização destas perícias e exames constituem encargos processuais, cujo pagamento, de acordo com a condenação, é imputado ao responsável pelo pagamento das custas (cfr. artigos 24.º, n.º 2 e 30.º, n.º 3, alínea c), ambos do Regulamento do Código das Custas Processuais e artigo 34.º, da Portaria 419-A, de 17 de Abril) – neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 29.03.2017 (Desembargador Donas Boto), os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 20-10-2015, 2-2-2016 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-1-2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Relativamente ao ofício emanado do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça e assinado pelo seu Chefe de Gabinete, datado de 13 de Janeiro de 2012, que serviu de fundamento ao não pagamento deste tipo de despesas, convém transcrever o que, a propósito, se diz no Acórdão da RE de 3-12-2015, in www.dgsi.pt: «… resulta, aliás, das reações à publicação da mencionada portaria por parte do Ministério Público (veja-se a notícia publicada no “B …” e no “C …” de 21.04.2012) e da posição assumida pela Senhora Ministra da Justiça na sequência dessas reações (quanto aos pagamentos aí previstos relativamente às perícias e exames efetuados pela Polícia Judiciária), no sentido de que não seria isso que se pretendia com a publicação da dita portaria – que “não pode existir qualquer cobrança de custos de exames ou de perícias realizadas pela Polícia Judiciária no âmbito da investigação criminal ao Ministério Público, já que esses custos são considerados no orçamento de Estado nas verbas diretamente atribuídas à Polícia Judiciária a título de financiamento das suas despesas de funcionamento” – ou da posição assumida no oficio emanado do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça, assinado pelo seu Chefe de Gabinete, datado de 13.01.2012, no sentido de que “as notas de débito emitidas” se destinam “à demonstração dos recursos utilizados e respetivos custos para o erário público”, não ao seu pagamento.
Esta posição colide com o teor da portaria, pelo que não se pode dizer que foi intenção do legislador – ao aprovar tal portaria – dizer, simultaneamente, uma coisa e o seu contrário (e não deve o interprete, ao fixar o sentido e alcance da lei, presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, face ao disposto no art.º 9 n.º 3 do Código Civil), por outro lado, mal se compreenderia que esta – a resultante das declarações da Senhora Ministra – fosse a intenção do legislador e, decorrido este tempo, não tenha ainda alterado ou revogado tal portaria, que prevê exatamente o contrário do que se infere de tais declarações.”
Finalmente, diga-se que isto em nada colide com as competências e atribuições da Polícia Judiciária, pois qua a sua Lei Orgânica (Lei n.º 37/2008, de 06 de Agosto) prevê expressamente, no seu art.º 46.º, n.º 2, que a DGRSP dispõe ainda das seguintes receitas: “c) As quantias cobradas por atividade ou serviços prestados, designadamente ações de formação, realização de perícias e exames, extração de certidões e cópias em suporte papel ou digital” – que se reconduzem a receitas próprias resultantes da sua atividade.
Ora, concordamos que embora a interpretação não deva cingir-se à letra da lei, não pode ser considerado o pensamento legislativo que não tenha na mesma o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art. 9.º do Código Civil).
Assim, não se vê que o legislador não tivesse vertido em lei o seu pensamento de forma clara, e que seja suscetível de outra interpretação.
Por isso, repetimos, da referida Portaria mais não resulta que uma antecipação do pagamento, pois, a final, tais valores serão tidos em regra de custas, cuja liquidação compete ao interveniente processual que vier a ser considerado como responsável pelo pagamento das custas do processo, ou, não havendo responsável ou podendo delas estar o mesmo isento, serão suportadas pelo Cofre Geral dos Tribunais (cfr. art. 514.º, n.º 1, CPP).
Pelo que, em face do exposto, o pagamento solicitado é devido, pelo que se ordena o mesmo.

3. Apreciação

Importa decidir se o despacho em crise ao determinar o pagamento à Polícia Judiciária de nota de débito relativa a exame, pela mesma entidade, realizado no âmbito do processo comum singular n.º 2/14.0T9NLS violou, como defende o Ministério Público, ora recorrente, os artigos 1.º, 2.º, n.º 1 e 46.º, n.º 3, alínea b) da Lei 37/2008, de 6 de agosto, bem como os artigos 1.º e 2.º, n.ºs 3 e 4 da Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril.
A resposta à questão, controvertida no seio da jurisprudência [cf. v.g. os acórdãos do TRE de 20.10.2015 (proc. n.º 31/11.5TAMTL-A.E1), 20.10.2015 (proc. n.º 43/13.4GAMTL-A.E1), TRP de 29.03.2017 (proc. n.º 411/14.4PFVNG-B.P1), TRC de 24.05.2017 (proc. n.º 306/12.6JACBR-A.C1], implica que nos debrucemos sobre os diplomas relevantes, invariavelmente convocados, os quais, não obstante a divergência, não escaparam à decisão recorrida, servindo em simultâneo a argumentação expendida no recurso.
A Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril, que «Aprova a tabela de preços a cobrar pela Direção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas», dispõe no artigo 2.º, sob a epígrafe «Preços e pagamentos» [destaque nosso]:
«[…]
3 - O custo das perícias e exames bem como dos instrumentos técnicos elaborados para apoiar as decisões das entidades judiciárias são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo.
4 – As perícias e os exames realizados pela Direção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., ou pela Polícia Judiciária são pagos diretamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, de acordo com a tabela de preços anexa à presente portaria» [destaques nossos].
Na parte introdutória à dita Portaria mostra-se consignado:
«[…]
A Lei n.º 37/2008, de 6 de Agosto, que aprovou a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, determina, na alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º, que a Polícia Judiciária é responsável pela arrecadação de receitas próprias resultantes das quantias cobradas por atividades ou serviços prestados, designadamente pela realização de perícias e exames, enquanto o n.º 4 do mesmo artigo estabelece que aqueles montantes são pagos «à Policia Judiciária de acordo com uma tabela, aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça». Reconhecendo como missão da Polícia Judiciária «coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover as ações de prevenção, deteção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes» (artigo 2.º, n.º 1), determina a Lei n.º 37/2008: «A PJ coadjuva as autoridades judiciárias em processos relativos a crimes cuja deteção ou investigação lhe incumbe realizar ou quando se afigure necessária a prática de atos que antecedem o julgamento e que requerem conhecimentos ou meios técnicos especiais» (artigo 3.º, n.º 1).
Já em sede de disposições financeiras, decorre do mesmo diploma, constituírem, entre outras, receitas da Polícia Judiciária as provenientes de dotações que lhe forem atribuídas no Orçamento do Estado, sendo da sua responsabilidade a arrecadação de diversas receitas próprias, designadamente «As quantias cobradas por atividades ou serviços prestados, designadamente (…), realização de perícias e exames», devendo tais quantias ser «pagas à PJ de acordo com a tabela aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça» e consignadas «à realização de despesas da PJ durante a execução do orçamento do ano a que respeitam» (artigo 46.º); Como despesas identifica o artigo 47.º do mesmo diploma «as que resultem de encargos decorrentes da prossecução das atribuições que lhe são cometidas».
Perante semelhante quadro legal, com respeito naturalmente pela posição contrária, afigura-se-nos correta a decisão recorrida.
Com efeito, a Portaria n.º 175/2011 [configurando, também, desenvolvimento da Lei n.º 37/2008], cujas normas pertinentes acima reproduzimos, versando especificamente sobre o pagamento dos custos, suportados pela instituição, v.g. com os exames e perícias, solicitados/requeridos pelos tribunais, de tão clara que se apresenta no seu elemento literal [aspeto que, como decorre do ponto 5 das conclusões, nem o recorrente é capaz de contraditar; reconhecendo, antes, o «teor relativamente inequívoco dos mencionados preceitos legais»] - posto que, não dispensando a interpretação da lei uma metodologia hermenêutica que convoque os elementos histórico, sistemático e teleológico, não pode, contudo, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não encontre na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (sentido possível da letra da lei), sendo de presumir haver o legislador exprimido em termos adequados o seu pensamento (artigo 9.º do Código Civil) - não nos suscita dúvida.
Sem distinguir entre exames e/ou perícias realizadas no âmbito, ou à margem, do processo, isto é entre os casos em que a Polícia Judiciária atua, ou não, em coadjuvação das autoridades judiciárias, impõe aos tribunais o pagamento direto e antecipado àquela entidade dos respetivos custos. Outro entendimento deixaria por explicar quais seriam as «situações» em que os tribunais estariam vinculados ao pagamento (direto e antecipado). Por certo, tal não ocorreria por atos, de semelhante categoria, levados a efeito, à margem do dever de coadjuvação - artigo 2.º da Lei 37/2008, de 6 de agosto.
Por outro lado, não se vê em que medida este último diploma é capaz de contrariar tal interpretação. Com efeito, as dotações da instituição, atribuídas no Orçamento do Estado, para o exercício da respetiva atividade não colide, como aliás resulta do n.º 3 do artigo 46.º da Lei n.º 37/2008, com o direito que lhe assiste às demais receitas resultantes da sua atividade, como são as previstas na alínea b) (do n.º 3 do dito artigo 46.º), onde se incluem os encargos (custos) decorrentes da realização de exames.
A posição da Digna recorrente apresenta-se a este tribunal de tão mais difícil compreensão quanto não questiona o direito da Polícia Judiciária ao reembolso do custo do exame; é o que se extrai do referido no ponto 6 das conclusões, onde se lê: «Nestes casos, obtido o pagamento da conta pelo seu responsável, tal quantitativo deverá ser transferido para a mencionada entidade, traduzindo-se em sua receita própria. Já se não for obtido tal pagamento, nada haverá a transferir para o mencionado Serviço», pensamento que a nosso ver, por um lado, esvazia a argumentação que, para efeito de cobrança do respetivo custo, distingue entre os atos (v.g. exames) realizados no exercício do dever de coadjuvação daqueles outros que já não se inscreveriam nesse estrito domínio, comprometendo, por outro lado, o apelo às normas que se debruçam sobre as receitas e despesas da instituição. De facto, o que a recorrente acaba por questionar é tão só o momento do reembolso, sem embargo de o fazer sempre depender do pagamento da conta de custas (sendo devidas), na qual o dito encargo é imputado ao responsável.
Significaria, pois, que não sendo devidas custas, ou não sendo estas, voluntária ou coercivamente, pagas a Polícia Judiciária jamais seria reembolsada; de modo diverso, caso o seu responsável viesse a liquidar a conta então nenhuma relevância assumiria a destrinça (que a lei não consente, dizemos nós!) entre uma intervenção no âmbito do dever de coadjuvação e uma outra, ao mesmo, estranha, como perderiam interesse as considerações tecidas a propósito das receitas.
Já em relação ao ofício emanado do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça, assinado pelo seu Chefe de Gabinete, datado de 13 de janeiro de 2012 – no sentido de que não poderia existir qualquer cobrança de custos de exames ou de perícias realizadas pela Polícia Judiciária no âmbito da investigação criminal ao Ministério Público, já que esses custos seriam considerados no orçamento de Estado nas verbas diretamente atribuídas à Polícia Judiciária a título de financiamento das suas despesas de funcionamento -, não nos distanciamos das considerações a propósito tecidas no acórdão do TRE de 20.10.2015, quando aí se escreve: «Esta posição colide com o teor da portaria, pelo que não se pode dizer que foi intenção do legislador – ao aprovar tal portaria – dizer, simultaneamente, uma coisa e o seu contrário (…), por outro lado, mal se compreenderia que esta – a resultante das declarações da Senhora Ministra – fosse a intenção do legislador e, decorrido este tempo, não tenha ainda alterado ou revogado tal portaria, que prevê exatamente o contrário do que se infere de tais declarações».

III. Dispositivo
Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo, em consequência, inalterada a decisão recorrida.
Sem tributação, por se tratar de entidade isenta.

Coimbra, 24 de Outubro de 2018
[Processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)