Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1080/10.6TXCBR-H.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
DECISÃO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
IRREGULARIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Data do Acordão: 09/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 61.º DO CP; ARTIGO 379.º DO CPP; ARTIGO 146.º, N.º 1, 152.º, N.º 1, E 173.º A 177.º, DO CEPMPL
Sumário: I - A decisão judicial de concessão ou de recusa da liberdade condicional não assume, quer no plano formal quer numa dimensão teleológica, a estrutura de sentença. Daí que não lhe sejam aplicáveis as disposições contidas nos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, ambos do CPP.

II - De acordo com o princípio da legalidade plasmado no artigo 118.º do CPP, a falta ou insuficiência de fundamentação da referida decisão consubstancia uma mera irregularidade, a arguir no prazo, de 10 dias, previsto no artigo 152.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1. Nos Autos de Liberdade Condicional registados sob o nº 1080/10.6TXCBR-A, a correr termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, em que é arguido A…, pelo Mmo Juiz foi proferida decisão em 13/05/2013 (certificada a fls. 16 a 22 destes autos de recurso em separado), que não concedeu a liberdade condicional referido condenado.

2. Inconformado com tal decisão, e pugnando pela revogação da mesma e a sua substituição por outra que lhe conceda a liberdade condicional, recorreu o arguido retirando da motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª Ao decidir como decidiu, não fundamentando, como não fundamentou, a douta decisão que nega a concessão da liberdade condicional ao ora aqui recorrente, o Meritíssimo Senhor Juiz a quo interpretou de forma manifestamente errada a norma do artº 374º, n. ° 2, do CPP;
2ª Posto que estava, por essa norma, obrigado a justificar as razões de facto e de direito da douta decisão, nos termos do disposto no artº. 379.°, n.° 1, al. a) do CPP;
3ª Já que não detinha o Meritíssimo Senhor Juiz a quo quaisquer elementos que o levassem a proferir a decisão que proferiu, e, assim, impunha-se necessariamente decisão diversa;
4ª Ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Senhor juiz a quo interpretou de forma manifestamente errada a norma do art.º 61, n.º 2;
5ª Já que, também aqui, não detinha o Meritíssimo Senhor Juiz a quo quaisquer elementos que o levassem a proferir a decisão que proferiu, e, assim, impunha-se necessariamente decisão diversa.
6ª Ao decidir como decidiu, o Meritíssimo Senhor Juiz a quo interpretou de forma manifestamente errada as normas constitucionais dos princípios de adequação, da proporcionalidade e da necessidade, que, manifestamente, se acham violados.
7ª Tal e tanto implicam a revogação da douta decisão e a sua substituição por outra que conceda a liberdade condicional ao ora aqui recorrente.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária
JUSTIÇA!”

                                                   *

3. O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso e concluindo do seguinte modo (transcrição):

“1 - A decisão de recusa de liberdade condicional impugnada não é uma sentença, desde logo porque não coloca termo ao processo.

2 - Trata-se, porém de um acto decisório do Juiz do Tribunal de Execução de Penas que, conforme o disposto no artigo 146°, n.º 1, do CEPMPL e contrariamente ao alegado pelo recluso recorrente, se mostra devidamente fundamentado, permitindo perceber as razões de facto e de direito que conduziram ao sentido tomado nessa decisão que, além disso, obedece aos requisitos formais de uma sentença.

3 - No se mostra, por isso, aplicável a tais actos decisórios o reclamado no disposto no artigo 374°, n.º 2, do Código de Processo Civil, que, no entanto, no caso em apreciação pela fundamentação da decisão proferida e pelas razões que ficam supra expostas na presente resposta, até se mostrarias plenamente satisfeito - inexistindo assim motivo para arguir qualquer vício processual e, nomeadamente, a nulidade cominada no artigo 379°, desse mesmo Código.

4 - Também diversamente do que o recorrente pretende e como nos termos desenvolvidos nesta resposta melhor se sustenta, a decisão recorrida, recusando a concessão de liberdade condicional ao recluso, aqui recorrente, fez correcta e fundamentada apreciação dos pressupostos desse instituto, considerando no verificados os seus requisitos materiais.

5 - No caso presente, foi considerado que o recluso não reunia os pressupostos materiais cumulativamente exigidos para concessão de liberdade condicional nem o juízo de prognose favorável à Iibertação, atentas tão elevadas exigências de prevenção especial [motivadas quer pela tenacidade que o agente colocou na execução do seu projecto atentatório da dignidade, da saúde e da integridade física e, por fim, da vida da vítima, quer pela insuficiente consciencialização do desvalor das suas graves condutas criminosas e da sua postura egocêntrica e de desvalorização e de desresponsabilização pessoal], nem a compatibilidade dessa libertação com a defesa da ordem e da paz social [tal era e é o alarme social sempre gerado pelos tipos de crime em causa, pela sua elevada danosidade, sendo no caso ainda mais acentuadamente concretizado, pela sequência dos acontecimentos: a um grave crime de violência doméstica, realizado por actos caracterizados por uma invulgar violência física e psíquica, sucede-se, a culminar uma escalada dessa violência, o crime de homicídio qualificado, na forma tentada, com a vítima a sobreviver apenas pela grande resistência que conseguiu oferecer e pela assistência que lhe veio a ser prestada].

6 - A decisão recorrida não atenta, por isso, contra qualquer preceito legal. Bem pelo contrário, faz correcta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 61°, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal.

Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, julgando improcedente o recurso interposto, será feita Justiça.”

4. Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, a fls. 111 e 112, sufragando a posição evidenciada pelo Ministério Público de 1ª instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

5. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.

6. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (arts 403º e 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, as questões suscitadas são as seguintes:

a) nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação;

b) existência ou não de fundamentos para a concessão da liberdade condicional

Vejamos a decisão recorrida que passaremos a transcrever, na sua quase totalidade:
“1- RELATÓRIO
Foram instaurados os presentes autos com vista à eventual concessão de liberdade condicional ao condenado A…, já identificado nos autos.
O condenado encontra-se em reclusão no Estabelecimento Prisional da Guarda.
O processo seguiu a sua normal tramitação e mostra-se devidamente instruído, mais tendo sido observadas todas as legais formalidades.
Foram juntos aos autos os relatórios exigidos pelo artigo 173° do CEP.
Nos termos do disposto no artigo 177° do CEP o Ministério Público, após a realização de Conselho Técnico, emitiu parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional ao condenado (fls. 100 e 101).
O Conselho Técnico, reunido em 2013.05.02, prestou os necessários esclarecimentos, mais tendo sido emitido parecer maioritariamente favorável (votos favoráveis dos serviços de vigilância e segurança, educação e ensino e reinserção social) à concessão da liberdade condicional ao condenado.
Ouvido o recluso, em Auto de Declarações, o mesmo autorizou a sua colocação em liberdade condicional.
                                                   *
O tribunal é competente.
O processo é o próprio.
Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
2 - OS FACTOS E O DIREITO
O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova que lhe são aplicadas.
Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da  liberdade condicional desde o seu surgimento.

A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.
São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:
a) O consentimento do condenado (artigo 61°, n.º 1, do Código Penal (CP);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61°, nº 2 e 63°, nº 2, do CP);
e) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 (em penas superiores a 6 anos) da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61°. n°s 2, 3 e 4 e 63°, n° 2, do CP).
A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.
São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 1/2 da pena:
a) O supra referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61.º, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);
b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.
Estão aqui bem presentes na liberdade condicional as exigência de prevenção geral e especial a que já aludimos supra,. devendo o julgador, para decidir pela concessão da liberdade condicional julgar que o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade, sem cometer crimes (artigo 42°, n.º 1, do CP).
In casu, o recluso  A… cumpre uma pena única de seis anos, decidida no PCC n.º 283/05.OGAOHP - Oliveira do Hospital, pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de homicídio qualificado, este na forma tentada.
Conforme liquidação efectuada nesses autos, o cumprimento do meio dessa pena única será brevemente atingido em 17 de Maio corrente, enquanto que os dois terços e o termo do cumprimento integral dessa pena serão alcançados, respectivamente, em 17.05.2014 e em 17.05.2016.
Decorre agora a instância, para apreciação para liberdade condicional, com referência à data de cumprimento do meio da pena.
                                                   *
No caso em apreço, tendo em conta o teor dos relatórios dos Serviços de Educação e Ensino e de Reinserção Social, da certidão da decisão proferida, sendo que não houve produção de prova a requerimento do condenado e que os elementos apurados se fazem através do contacto com os técnicos que elaboram os relatórios referidos e que detém o dever funcional de avaliação, considera-se que:
1) O recluso  A… cumpre uma pena única de seis anos, decidida no PCC n.° 283/05.OGAOHP - Oliveira do Hospital, pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de homicídio qualificado, este na forma tentada.
2) O cumprimento do meio dessa pena única será atingido em 17 de Maio corrente, enquanto que os dois terços e o termo do cumprimento integral dessa pena serão alcançados, respectivamente, em 17.05.2014 e em 17.05.2016.
3) O recluso tem um comportamento institucional cumpridor e sem registo disciplinar.
4) Sem antecedentes criminais, o recluso, apesar de admitir a prática dos seus crimes, mantém uma postura de desvalorização e de desresponsabilização pessoal, “justificando” os seus actos com o alcoolismo com o facto de “estar obcecado” pela ex-esposa e com o “sentimento de ciúme” que o consumiu.
5) Apesar de verbalizar arrependimento, não mostra haver ainda interiorizado, sem reservas, o desvalor das suas condutas criminosas, nem mostra haver percebido toda a extensão das respectivas consequências dos seus actos.
6) Encontra-se laboralmente activo, trabalhando na cozinha e revelando assiduidade e hábitos de trabalho.
7) Frequentou e concluiu, no ano lectivo de 2010/2011, o 9º ano de escolaridade.
8) Participa na “Mesa Redonda” promovida pelo Centro de Alcoólicos Recuperados da Guarda, manifestando motivação para continuar, mesmo em liberdade, com acompanhamento clínico e psicológico.
9) Beneficia de medidas de licenças de saída jurisdicionais e de curta duração, que têm decorrido sem notícia de incidentes, encontrando-se em RAI desde Fevereiro último.
10) Conta com apoio familiar (da actual companheira, mas também dos pais, irmãos e padrinho de baptismo), tem possibilidade de regressar ao seu anterior posto de trabalho na empresa “B… , Lda.” e, não obstante o conhecimento generalizado da actuação criminosa do recluso, na comunidade de residência, não se antevêem sinais de reactividade social adversa à sua presença, encontrando-se a vítima e os filhos a viver em Itália, desde 2006.
                                                   *
Reunidos os factos assentes importa proferir decisão, tendo-se sempre presente que a apreciação feita nestes autos corresponde a uma nova fase processual, a da execução, sendo que a libertação antecipada, ainda que condicionalmente, dependerá do percurso do condenado ao longo da execução, avaliado pelos técnicos que o acompanham sendo que a personalidade do condenado, revelada no facto, poderá constituir, também, um factor a considerar, não no mesmo sentido da condenação mas na perspectiva da personalidade do agente e da sua evolução. Na verdade, não sendo a liberdade condicional um “prémio”, não se baseia exclusivamente no bom comportamento prisional ou na existência de apoio no exterior.
Da matéria que foi apurada resulta que o recluso reúne um conjunto de condições favoráveis à sua reintegração social, designadamente adequado comportamento institucional, apoio familiar e possibilidade de vir a desenvolver actividade profissional.
No entanto, não poderá ignorar-se que os factos praticados pelo recluso assumiram uma acentuada gravidade, sendo as necessidades de prevenção geral, na situação em apreço, muito elevadas.
Repare-se que o recluso foi condenado na pena única de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de homicídio qualificado, este na forma tentada.
A natureza e a gravidade deste tipo de crimes geram alarme na comunidade - não apenas na comunidade local, mas na comunidade em geral, tanto mais que, amiúde e com inusitada frequência se tem verificado a ocorrência deste tipo de crimes, com desfechos, muitas das vezes, trágicos.
Para além disso, o recluso denota ainda não ter interiorizado plenamente o desvalor da sua conduta criminosa e as consequências dela advenientes para a vítima, antes privilegiando as consequências geradas para si próprio.
Apresenta uma postura desculpabilizante das suas atitudes, designadamente pelo álcool e pelo ciúme incontrolado.
Assim, na perspectiva do Tribunal, as necessidades de prevenção geral, não permitem, por ora, admitir que a libertação do recluso, pelo cumprimento do meio da pena, seja compatível com a ordem e a paz social, sendo ainda acentuadas as exigências de prevenção especial e geral, também por referência à natureza dos crimes por si praticados, geradores de acentuado alarme social, como é sabido e aqui foi assinalado.
3 DECISÃO
Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado A… a liberdade condicional.
                                                   *
Notifique e comunique ao E.P. e serviços de reinserção social.
Comunique ao processo da condenação referido em 1).
(…)”

Passemos então a conhecer as questões suscitadas no recurso e pela ordem que foram assinaladas.

a) Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação.

Alega o recorrente que a decisão proferida que não lhe concedeu a liberdade condicional não se encontra fundamentada, em violação do artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal, o que implica a sua nulidade por decorrência do artigo 379º nº 1 a) do Código de Processo Penal.

Apreciando.

Desde já, e a talhe de foice, diremos que inexiste razão ao recorrente ao trazer à colação os mencionados normativos 374º nº 2 e 379º nº 1 a), ambos do Código de Processo Penal. É que a decisão recorrida (como à frente passaremos a explanar), quer do ponto de vista formal quer teleológico, não assume a veste de uma sentença. Por tal razão, à mesma não são aplicáveis os referidos normativos.
Mesmo assim, importa ter sempre presente que a fundamentação é conatural aos actos decisórios, despachos e sentenças. As decisões finais ou despachos que não sejam de mero expediente, mas com repercussão em direitos dos destinatários, só se legitimam e podem ser compreendidas com a respectiva fundamentação. Por isso se diz que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático. Acresce que só a fundamentação possibilita o exercício de um efectivo direito de recurso.
A imposição do dever de fundamentação, tem assento constitucional no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa no qual é dito que: ”As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”, sendo que o artigo 97º n.º 5 do Código de Processo Penal nos diz que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Por sua vez o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro (código que doravante passaremos designar pela sigla CEP) enuncia no seu artigo 146º nº 1 que “Os actos decisórios do juiz de execução de penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de factos e de direito da decisão”.
Este normativo do CEP reproduz, quase ipsis verbis, o preceituado no já supra transcrito nº 5 do artigo 97º do Código de Processo Penal.
Daqui decorre que a fundamentação de um acto decisório deva estar devidamente exteriorizada no respectivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, sendo certo que numa ou noutra decisão judicial se exigem certos e específicos requisitos formais, como sucede com os despachos que decretam uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (194.º, n.º 4 C. P. P.), as decisões instrutórias de pronúncia (308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3 C. P. P.) e as sentenças (379.º C. P. P.).
Tudo isto para se conhecer, ao fim e ao cabo, o efectivo juízo decisório em que se alicerçou o correspondente despacho, designadamente os factos que se acolheram e a interpretação do direito perfilhada, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela. Assim e à partida, não cumprem estes requisitos os actos decisórios que não tenham fundamento algum, por mínimo que seja, e aqueles que se revelem insuficientemente motivados.
Porém, também não se deve exigir que no acto decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser. O que importa é que a motivação seja necessariamente objectiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido e se este tem ligação com o que vem a ser decidido
Por isso esta exigência da fundamentação das decisões é, simultaneamente, tal como supra também deixámos implícito, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional, que a legitima, e de manifestação das garantias de defesa, ambas com assento constitucional, de forma a aferir a sua razoabilidade e a obstar a decisões arbitrárias. A fundamentação de um acto decisório deve estar devidamente exteriorizada no respectivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido.

Coloca-se a questão de saber se a decisão judicial de concessão ou de recusa da liberdade condicional é equiparável a uma sentença, por aplicação e integração analógica da disciplina processual desta, como certa jurisprudência tem vindo a sustentar (cfr. vg. Acs da Relação de Lisboa de 15.12.2011 e de 06.10.2010, acessíveis através de www.dgsi.pt) sendo-lhe aplicável, quando exista falta de fundamentação, o invocado regime de nulidade previsto no artigo 379º do Código de Processo Penal já que só através da formalização como sentença se possibilita uma ponderação adequada de cada caso e que a mesma seja verdadeiramente sindicável em sede de recurso.
Ou, não sendo uma sentença, a falta de fundamentação configura então uma mera irregularidade, que afecta ou não o valor do acto praticado e, na positiva, é a todo o tempo e mesmo em sede de recurso, sujeita a reparação a realizar, por determinação oficiosa, pelo tribunal recorrido (cfr, neste sentido os Acs da Relação de Lisboa de 24.02.2010 e de 23.09.2009, acessíveis através do site www.dgsi.pt) ou deve ser arguida, e tão só, no prazo estipulado no artigo 123º do Código de Processo Penal (neste sentido cfr. Ac desta Relação, de 12.12.2012, acessível pelo mesmo site).

Quanto a nós, tal como sumariamente, logo ab initio havíamos deixado consignado, a decisão recorrida, quer do ponto de vista formal quer teleológico, não assume a veste de uma sentença. Por isso, inexiste razão ao recorrente ao trazer à colação os mencionados normativos 374º nº 2 e 379º nº 1 a), ambos do Código de Processo Penal, que apenas têm pertinência em relação a uma sentença.

E para fundamentar esta nossa posição, passaremos a transcrever parte do acórdão proferido por esta Relação, no dia 22/05/2013, no âmbito do Proc nº 850/10.0TXCBR-G.C.1 (transcrição essa feita até por uma questão de ordem prática e de sistematização do raciocínio ali exposto com o qual continuamos a concordar tanto mais que o aqui relator ali foi adjunto).

Com efeito, a dado passo do referido acórdão é dito:
«Quanto a nós e adiantando desde já, entendemos que a decisão sobre a concessão ou recusa da liberdade condicional não é uma sentença.
Na verdade, se atentarmos à noção legal de sentença dada pelo artigo 97.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, cujas disposições são aplicáveis a título subsidiário (154.º do CEP), aí se considera que “Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo”.
Existe aqui uma similitude de terminologia com o preceituado nos artigos 419.º, n.º 3, al. b) e 400.º, n.º 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal, dizendo o primeiro respeito ao conhecimento dos recursos em conferência e reportando-se o segundo à irrecorribilidade dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam a final do objecto do processo”. As redacções destes dois segmentos normativos foram introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/Ago., que substituiu a menção “que não ponham termo à causa”.
Tanto num caso, como no outro, passou-se a considerar que a menção a “objecto do processo” tinha um significado semelhante ao do “mérito do processo”, alargando-se, por isso, aquele conceito de pôr termo ou fim à causa.
O art.º 485º do C.P.Penal (na redacção anterior à Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro) reportava-se à decisão sobre a liberdade condicional qualificando-a sempre “despacho” o que nos levava a concluir que o legislador, desde logo, entendeu que esta decisão não era nem estava sujeita ás regras processuais penais impostas ás sentenças.
Tal preceito foi revogado pela Lei n.º 115/2009, de 12/Out., através do seu artigo 8.º, n.º 2, al. a), que instituiu o Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade (CEP), mas o mesmo continua a fazer referência, no capitulo respeitante à liberdade condicional, a “decisão do juiz” (177.º, n.º 3), como de resto sucede em relação a outras decisões, distinguindo a mesma das “sentenças condenatórias” (v.g. 3.º, n.º 2; 181.º).
Mais, a liberdade condicional ocorre no decurso da execução de uma pena de prisão, comportando um regime substantivo (61.º a 64.º Código Penal) e um regime processual (antes 484.º a 486.º C. P. Penal; agora 155.º, 173.º e ss. CEP), que actualmente integra uma fase de incidência técnico-administrativa, que culmina com o parecer do Conselho Técnico (175.º, n.º 2 CEP), a que se segue uma fase de incidência judicial, a qual se inicia com a audição do recluso e finda com a prolação da decisão judicial (176.º, 177.º CEP).
Não tem carácter definitivo como decorre do disposto nos artsº agora 23.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1 CEP
Sendo assim um incidente processual que não conhece nem do objecto final do processo de execução das penas de prisão nem muito menos do objecto do processo penal não correspondendo, nem sob o ponto de vista formal nem teleológico, a uma sentença.
Qual então o regime a aplicar:
Nos termos do disposto no artigo 118.º do Código de Processo Penal, que consagra o princípio da legalidade dos actos processuais, preceitua-se que “A violação ou a inobservância da disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”.
Ora e ao contrário das sentenças (379.º C. P. Penal), dos despachos que decretam uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (194.º, n.º 4 C. P. Penal), bem do despacho de pronúncia (308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3 C. P. Penal), não existe qualquer norma legal que comine de nulidade, por falta de motivação, o despacho que se pronuncie sobre a concessão ou não da liberdade provisória.
Daí que, de acordo com o referido princípio da legalidade dos actos processuais, a falta ou a insuficiência de motivação de uma decisão que conceda ou não a liberdade condicional, não corresponde a uma nulidade antes tratando-se e apenas de uma irregularidade.
Esta solução é consentânea com o modo como a lei adjectiva penal estabeleceu o sistema fechado das nulidades insanáveis e dependentes de arguição, configurando as normas relativas a nulidades como normas excepcionais, dado o seu carácter taxativo, e, portanto, insusceptíveis de aplicação analógica (cfr. o artigo 11.º do Código Civil) – vide Conde Correia, in Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra, 1999, p. 152 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª edição, Lisboa, 2009, p. 298.
Por sua vez e de acordo com o artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto”.
Assim, a falta de invocação atempada de qualquer irregularidade como de resto de uma nulidade que não seja absoluta ou insanável, conduz à sua sanação (121.º, 123.º C. P Penal, por interpretação extensiva) – o contrário e a possibilidade de se conhecer a todo o tempo e oficiosamente uma mera irregularidade é, na prática, conferir-lhe o estatuto de uma nulidade insanável – o que se mostra legalmente desajustado.
No entanto, o CEP veio estabelecer como regra geral para a prática de actos o prazo de dez (10) dias, preceituando no seu artigo 152.º, n.º 1 que “Salvo disposição legal – leia-se deste Código – em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual”. E quando quis regular um outro prazo veio fazê-lo expressamente, seja por referência interna (2 dias – 218.º, n.º 1; 5 dias – 160.º; 177.º, n.º 1; 203.º, n.º 1 parte final; 204.º, n.º 1; 205.º, n.º 1; 206.º, n.º 2 CEP; 8 dias – 203.º, n.º 1 I parte CEP), seja por remissão externa, como sucede no caso dos recursos (239.º CEP), cujo prazo de interposição regra é de 30 dias (411.º, n.º 1 C. P. Penal na redacção dada pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro.)
Ora atendendo a que tendo o C.P.Penal apenas aplicação subsidiária em relação ao Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, conforme decorre do seu artigo 154.º e não havendo reenvio expresso para o prazo de invocação do vício processual de irregularidade, em nosso entender, deverá aplicar-se o prazo de 10 dias de acordo com o disposto no art.º 152º do referido CEP.
Nos autos, verifica-se que em nenhum momento foi suscitada a presente irregularidade perante o tribunal que a terá cometido, pelo que improcede este fundamento de recurso.
E esta solução, encontra-se perfeitamente coadunada com o facto de ao contrário do regime recursivo em processo penal, que permite invocar a nulidade de uma sentença como fundamento de recurso (379.º, n.º 2 C. P. Penal), a impugnação da decisão da concessão ou recusa da liberdade condicional é limitada à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional (179.º, n.º 1 CEP)
Assim, no caso em apreço, o dever de fundamentação é o que consta do disposto no art. 146º nº 1, do CEP.»
Depois de feita esta transcrição com os fundamentos ali constantes e que continuamos a defender, compulsados os presentes autos de recurso, verifica-se que em nenhum momento foi suscitada qualquer irregularidade perante o tribunal que a possa ter cometido, pelo que improcede este fundamento de recurso.
E mesmo que assim não fosse, constatamos que da decisão recorrida observou o dever de fundamentação exigido pelo artigo 146º do CEP, constando da mesma: as razões de facto e de direito que a fundamentaram; os crimes objecto de condenação transitada em julgado com a respectiva pena única; datas atinentes ao atingimento de metade 2/3 da pena e terminus da mesma; ainda os antecedentes criminais, pareceres do Conselho Técnico e do MP. Ainda o percurso e postura no Estabelecimento Prisional e projectos de vida do recluso o que foi conjugado com as razões de prevenção geral e especial estabelecidas e consagradas no art. 61º nº 2, al. a), “a contrario sensu”, e sua alínea b), do Código de Processo Penal.

b) Passando agora à análise da segunda questão, indaguemos se justifica ou não a concessão da liberdade condicional ao recorrente?
Dando expressão aos chamados princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade das penas (com os quais está ligada a liberdade condicional), a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 18º nº 2 estabelece  que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Na mesma óptica de orientação, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, enuncia vinculativamente para os Estados Membros no seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.”
De tais normativos decorre que os princípios da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas, devem ser tidos em conta não só na sua escolha e determinação, como também na sua execução, mormente quando as reacções penais forem privativas da liberdade.
Por outro lado, é por demais consabido que tanto na determinação como na execução das penas deverá atender-se às finalidades destas que, segundo estabelece o artigo 40º do Código Penal, visam a “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Também com relevância para esta questão , importa trazer à colação o artigo 42º nº 1 do Código Penal que dispõe: “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”, sendo que pelo mesmo diapasão rege o artigo 2.º, n.º 1 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP), ao estipular-se que “A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando -o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade”.
Todos estes normativos reforçam a ideia de que a execução de uma pena de prisão tem essencialmente na sua base nítidas razões de prevenção geral associadas à defesa da sociedade e à paz jurídica ou social, mas também orientações de prevenção especial especialmente na vertente da ressocialização do condenado.
Para o efeito e no que concerne à liberdade condicional, segundo o nº 9 do Preâmbulo do D.L. nº 400/82, de 23 de Setembro, esta tem como objectivo «criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».
Na sequência, estipula o artigo 61.º, do Código Penal que:
“1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.”
Decorre, pois, deste artigo 61.º, do Código Penal, que a liberdade condicional pode revestir duas modalidades: a facultativa e a obrigatória.
Como escreve Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18ª ed., pág. 244., “ A facultativa depende de requisitos formais e de requisitos de fundo e a sua aplicação está regulada nos nºs 1, 2 e 3. Verificados os requisitos formais e de fundo, é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional, sendo então também de certo modo obrigatória. A liberdade condicional obrigatória, para além do consentimento do condenado, depende tão só da verificação de requisitos formais, rectius, do requisito enunciado no nº 4, onde a aplicação desta modalidade de liberdade condicional se encontra estabelecida”.
No caso em apreço, a situação que se discute é a da liberdade condicional facultativa e referente ao meio da pena. Por isso, no âmbito da sua concessão ou não, apenas são chamados à colação os nºs 1 e 2 do referido artigo 61º.
Trata-se de uma medida de carácter excepcional que tem como objectivo a suspensão do cumprimento da pena aplicada e só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem a da paz social.
Assim, para além de terem de se verificar os chamados requisitos formais (consentimento do condenado em que seja colocado em liberdade, cumprimento de metade ou dois terços da pena e no mínimo seis meses) - no caso vertente o meio da pena - tem o Juiz de avaliar se estão reunidos os requisitos de fundo previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 61.º, do Código Penal, isto é, e voltamos a repeti-los:
“ a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.”.
Como escreve Figueiredo Dias Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 539., para efeitos de prognose favorável “ … devem ser aqui tomados em conta … as concretas circunstâncias do facto, a vida anterior do agente e a sua personalidade; e além destes, como se disse, também a evolução da personalidade durante a execução da prisão”.
E acrescenta ainda que “ decisivo devia ser, na verdade, não o “ bom “ comportamento prisional “ em si” – no sentido da obediência aos (e do conformismo com) regulamentos prisionais -, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re) socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.
Por outro lado - e aqui reside a diferença essencial -, sabemos que o prognóstico para efeito de suspensão de execução da prisão deve ter em conta a probabilidade de a suspensão ser suficiente para uma realização adequada das finalidades da punição (e portanto não só de prevenção especial, como de prevenção geral).
Já, porém, o prognóstico para efeito de concessão da liberdade condicional deve, numa certa medida, ser «menos exigente» (o que não deixa de compreender-se, porque o condenado já cumpriu uma parte da pena e dela se esperará que possa, em alguma medida, ter concorrido para a sua socialização); se ainda aqui deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do condenado, este conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado.”
No caso em apreço e tendo em conta o disposto no falado art. 61º nº 2, als. a) e b), do CP, a decisão recorrida fundamentou com suficiência a recusa da concessão da liberdade condicional no caso concreto, aludindo de sobremaneira às elevadas razões de prevenção geral. Com efeito, e depois de ali se aludir a que o recluso reúne um conjunto de condições favoráveis à sua reintegração social, ali também, e bem, se refere:
“No entanto, não poderá ignorar-se que os factos praticados pelo recluso assumiram uma acentuada gravidade, sendo as necessidades de prevenção geral, na situação em apreço, muito elevadas.
Repare-se que o recluso foi condenado na pena única de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de homicídio qualificado, este na forma tentada.
A natureza e a gravidade deste tipo de crimes geram alarme na comunidade - não apenas na comunidade local, mas na comunidade em geral, tanto mais que, amiúde e com inusitada frequência se tem verificado a ocorrência deste tipo de crimes, com desfechos, muitas das vezes, trágicos.
Para além disso, o recluso denota ainda não ter interiorizado plenamente o desvalor da sua conduta criminosa e as consequências dela advenientes para a vítima, antes privilegiando as consequências geradas para si próprio.
Apresenta uma postura desculpabilizante das suas atitudes, designadamente pelo álcool e pelo ciúme incontrolado.
Assim, na perspectiva do Tribunal, as necessidades de prevenção geral, não permitem, por ora, admitir que a libertação do recluso, pelo cumprimento do meio da pena, seja compatível com a ordem e a paz social, sendo ainda acentuadas as exigências de prevenção especial e geral, também por referência à natureza dos crimes por si praticados, geradores de acentuado alarme social, como é sabido e aqui foi assinalado.”
Concordamos plenamente que, face ao tipo de crimes cometidos (violência doméstica e homicídio qualificado, na forma tentada) a prevenção geral não está assegurada nas suas exigências no presente momento em termos de neutralização do efeito negativo do crime na comunidade, da dissuasão e do fortalecimento do seu sentimento de justiça e de confiança na validade da norma violada, considerando a natureza e gravidade dos crimes praticados, crimes esses que com exagerada frequência têm ocorrido hodiernamente e, muitas vezes, com efeitos trágicos, sendo por demais consabido que, especialmente o crime de violência doméstica, como infelizmente se vem demonstrando ocorre de forma transversal em todos os extractos da sociedade, independentemente do nível social ou económico dos agentes e vítimas. Tal como referido no Ac da Relação do Porto de 21.03.2012 (in CJ Ano XXXVII, tomo II, pag 315) “A consciência jurídica colectiva está particularmente sensível a crimes praticados no âmbito familiar e doméstico.“
As respectivas exigências de prevenção geral, muito fortes no caso dos autos face ao tipo de crimes cometidos, sempre impedem a libertação antecipada neste momento. A sociedade, face à pena que lhe foi aplicada e ao género de crimes cometidos, não veria com bom olhos a libertação do ora recorrente logo a meio da pena, ou, por outras palavras, a concessão de liberdade condicional em momento ainda tão distante do termo da pena seria interpretada como sinal inaceitável de laxismo e indiferença perante a necessidade de tutela dos bens jurídicos violados.
Concordamos, pois, com a justificação/fundamentação para a não concessão da liberdade condicional.
Daqui decorre que a decisão recorrida não merece censura e é de manter, devendo, nessa sequência, improceder o recurso.

Não merece, pois, provimento o recurso interposto.

                                                   *

III – DISPOSITIVO

Nos termos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s, sem prejuízo do que dispõe o artigo 4º nº 1 j) do Regulamento das Custas Processuais.

                                                   *


 (Luís Coimbra - Relator)

 (Isabel Silva)