Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
52/11.8GCAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS TEIXEIRA
Descritores: INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR
ÂMBITO
Data do Acordão: 02/01/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ÁGUEDA, JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL - JUIZ 2, COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 69º CP
Sumário: A pena acessória de proibição de conduzir não pode respeitar apenas a uma determinada categoria de veículos motorizados.
Decisão Texto Integral: 1.
Nos autos de processo abreviado nº 52/11.8GCAGD do Tribunal Judicial de Águeda, Juízo de Instância Criminal, Comarca do Baixo Vouga, em que é arguido,

            A..., melhor id. os autos,
Foi o mesmo julgado e condenado como autor material de um crime p. e p. pelo art.º 292º, nº1, do Código. Penal,
- Na pena de 95 (noventa e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete)
e
- Na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do art.º 69º nº 1 al. a) do C. Penal.

            2. Da decisão recorre o arguido apresentando as seguintes conclusões:

            2.1. O recorrente entende que lhe deveria ser aplicada pena acessória de inibição de todos os veículos com motor excepto veículos pesados de mercadorias de modo a poder continuar a exercer a sua actividade profissional.

            2.2. Num período de grande depressão económica e social com grandes índices de desemprego, não faz sentido limitar o direito de emprego com as eventuais consequências ao nível da integração social e familiar quando é praticado um crime de perigo abstracto onde o perigo existe porque é presumido pelo legislador.

            2.3. Sendo o fim das penas reintegrar o delinquente na sociedade é antagónico limitar o exercício de uma profissão numa época em que é difícil encontrar e manter trabalho com o fim de ressocializar o arguido que praticou um crime de perigo abstracto.

            2.4. No contexto actual de excepção deveria ser aplicada a sanção acessória de inibição de condução de todas as categorias de veículos com motor excepto a categoria de veículos pesados de mercadorias durante o período e trabalho.

            2.5. Tal medida é bastante para que o recorrente, enquanto delinquente primário, reflicta sobre a sua actuação pois não poderá conduzir por lazer nem poderá retirar vantagens de locomoção de nenhum veículo com motor excepto o veículo de trabalho.

            2.6. O recorrente pugna, subsidiariamente pela redução, para três meses, do quantum da pena acessória.

            2.7. Tem o recorrente licença de condução há 23 anos sem nunca ter praticado ilícito criminal estradal e enquanto condutor de veículos pesados foi várias vezes fiscalizado.

            2.8. Confessou o crime e mostra arrependimento sincero.

            2.9. Está familiar e socialmente inserido na sociedade.

            2.10. Estava a cerca de um Km de casa pela que a distância a percorrer seria pequena.

            2.11. Deve assim ser julgado procedente o recurso, excepcionando-se na inibição de conduzir, a categoria de veículo pesado de mercadorias durante o horário de trabalho ou deverá ser reduzida a pena de proibição de conduzir de quatro para três meses.

            3. A este recurso responde o Ministério Público em 1ª instância, dizendo em síntese:

            3.1.Decorre do artigo 500º, nº4, do CPP e do artigo 138º, nº 4, do C. da Estrada que a pena acessória tem um efeito contínuo, motivo pelo qual não pode ser limitada a certos períodos do dia ou nem a certos veículos, nem pode ser diferido o início da execução.

            3.2. Pelo que bem andou a decisão recorrida ao aplicar ao arguido a pena que aplicou e pelo período de tempo que o fez, sendo a adequada quer à prevenção especial quer à prevenção geral inerente ao caso concreto bem como ao dolo directo do arguido.

            3.3. Deve manter-se a decisão recorrida.

            4. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto mostra concordância com a resposta do MºPº em primeira instância, devendo o recurso improceder.

            5. Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.


II

Questões a apreciar:

1. A possibilidade legal e a justificação no caso concreto, da aplicação ao arguido da medida de inibição de conduzir excluindo a categoria de veículos pesados de mercadorias durante o seu horário de trabalho.

2. A medida da pena acessória.

                                                                III


IV

Cumpre decidir:

            1ª Questão.

            1. Não colhe, por enquanto, esta questão, unanimidade na jurisprudência.

            Quanto à possibilidade legal de a pena acessória de inibição de conduzir aplicada no seguimento da prática do crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º, do Código Penal, o mesmo é dizer ao abrigo do artigo 69º, nºs 1, alínea a) e 2, do mesmo diploma, poder ser restrita a determinada categoria de veículos, ou seja, excluindo alguma categoria da inibição, tem alguma aceitação, dado o elemento literal da redacção do citado nº 2, daquele preceito, ao dizer que “…a proibição pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria”[1].

            Mas existem outras vozes claramente contra, interpretação que não se fica no mero elemento literal daquele preceito, antes indo à génese desta medida e à mens legis, para concluírem que uma interpretação sistémica deste preceito aponta para a não excepção a qualquer categoria de veículos na aplicação da inibição ao abrigo do artigo 292º, do Código Penal[2].

            Se para esta última posição é indiscutível que não existe lugar para excepcionar a inibição a qualquer categoria de veículos, para a posição que, teoricamente, tal possibilidade não é afastada pela redacção do dito nº 2, do artigo 69º, do Código Pena, já podemos afirmar, no entanto que, em termos concretos e efectivos, a maioria da jurisprudência pende para uma não aplicação desta excepção à inibição resultante da condução por embriaguez.

            Os argumentos ou razões têm todo um núcleo comum e todos apontam para o que, em nosso entender, é óbvio na leitura que deve ser feita na conjugação destes preceitos – artigo 292º e 69º, do Código Penal -, quanto ao fundamento da inibição: a condução sob o efeito de álcool é perigosa, demasiado perigosa, que põe em risco, muitas vezes em elevado risco, a integridade física de terceiros, muitas vezes mesmo a própria vida.

            E se a prevenção geral deve estar sempre presente na aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, tendo em conta o alto grau de sinistralidade que tem por causa imediata a condução sob o efeito de álcool, na não opção por qualquer excepção na categoria de veículos que deve abranger a inibição deve ter-se em conta a prevenção especial, que está inerente aos actos de beber e conduzir que se reúnem numa e só pessoa: o arguido.

            2. É esta filosofia de pensamento e acção que encontramos subjacente em toda a jurisprudência referenciada que não aceita, em qualquer das modalidades descritas, a exclusão de qualquer categoria de veículos da proibição, podendo ler-se, muito sinteticamente, no ac. da Relação do Porto de 19.7.2006 – supra citado:

            “ Mas, a condenação por crime de condução em estado de embriaguez é fundamento de aplicação da proibição de conduzir pelos perigos que essa condução potencia para os utentes das vias públicas ou equiparadas. E tais perigos não resultam da natureza do veículo, mas antes do estado em que se encontra quem o conduz.
            Por isso, a proibição de conduzir, quando tem como fundamento a condenação pelo crime do artº 292º do CP, não pode deixar de abarcar todas as categorias de veículos com motor, desde que destinados a circular nas vias públicas ou equiparadas. Efectivamente, se a perigosidade da condução, que é a razão de ser da pena, é alheia ao tipo de veículo que se conduz, por respeitar à pessoa do condenado, ela poderá verificar-se na condução de qualquer veículo com motor.
            A possibilidade de a proibição de conduzir abranger apenas alguma ou algumas categorias de veículos com motor só é, pois, concebível em casos diferentes do presente. Neste sentido se decidiu nos acórdãos desta Relação proferidos nos processos nºs 696/03, 6394/03 e 6412/03, da 1ª secção, com o mesmo relator deste”.

            3. Não deixa de ser igualmente convincente, argumentativa e sensata, a explicação/comparação de regimes, feita no ac. já supra citado, da Relação do Porto de 16.2.2005, onde se afirma:

            “ Se atentarmos no estatuído nos art.ºs 146.º, al. m), e 147.º, al. i), do Código da Estrada, verificaremos que a punição das contra-ordenações graves e muito graves que lhe estão associadas, conduz, para além do mais, à sanção acessória de inibição de conduzir (art. 139.º, n.º 1), sendo que esta, legalmente, se refere a todos os veículos a motor (cfr. n.º 3).
            É claro que existem diferenças de regime, designadamente a possibilidade desta inibição ser dispensada, atenuada ou suspensa.
            Mas aonde, no entanto, queremos chegar com esta observação, é que não vemos como muito congruente que para uma situação cuja gravidade fica aquém da contemplada nestes autos, a inibição tenha forçosamente que respeitar a todos os veículos a motor, quando nesta, onde as exigências de prevenção e defesa da comunidade são maiores, tal não se verificaria.
            No mínimo, traduziria uma forma pouco lógica de sancionar”.

            4. Sendo este o nosso entendimento – de que não se deve abrir qualquer excepção na sanção acessória de inibição de conduzir a determinados veículos aplicada pela condução em estado de embriaguez -, esta pretensão do recorrente terá necessariamente que improceder.

            2ª Questão: a medida da pena acessória.

1. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado pelo recorrente é punível com pena de prisão de 30 dias a 1 ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias e inibição de conduzir veículos com motor entre três meses e três anos.

Tendo por referência o disposto nos artigos 40º e 71º, do Código Penal, a medida concreta das penas, quer a principal, quer a acessória de inibição de conduzir, deve ser encontrada e fixada nos limites exigidos essencialmente pelo grau de culpa e pela necessidade de prevenir futuros crimes, ou seja, pela prevenção geral e especial.

Sobre a relevância do grau de culpa[3], afirma Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, a fls. 71:

             “Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside numa proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui um limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização.”

            Ora, a culpa ou grau de culpa, deve aferir-se do factualismo concretamente provado, que rodeia a conduta do arguido.

            E o que se sabe, é que o recorrente conduzia com uma TAS de 1,74g/l no sangue.       Este facto revela já uma culpa elevada do arguido.

           

            Pelo que, apesar de o grau de culpa ser a medida e o limite da pena, numa moldura abstracta de 3 a 36 meses, a fixação de 4 está dentro dos limites proporcionais e adequados, daquela culpa e necessidades de prevenção.

            Na verdade, cada vez mais neste tipo de criminalidade a prevenção geral se revela acentuada, pois é conhecido o elevado índice de sinistralidade e o contributo para o mesmo da condução com álcool.

E deve sobretudo ser relevado o teor de álcool com que o arguido conduzia, superior ao triplo do legalmente permitido[4].

2. Invoca o recorrente, entre outras circunstâncias, a confissão dos factos pelo arguido, justificando com base naquela confissão, pena mais leve.

Mas sem razão.

Com certeza que a confissão dos factos encerra em si mesmo a admissão da conduta e quiçá uma certa auto-censura. Mas não tem o relevo que o arguido lhe pretende dar, pois a confissão não foi fundamental ou determinante para o apuramento dos factos, pois trata-se de uma prova essencialmente documental ou pericial. Quando muito, o arguido poderia ter requerido exame de contraprova, o que não fez. Deste modo, o exame de pesquisa do álcool realizado foi essencial para o tribunal dar os factos como provados, ainda que o arguido tivesse negado ou não tivesse confessado tais factos.

            3. Invoca ainda o recorrente outras circunstâncias tais como ser delinquente primário e estar inserido social e familiarmente bem como os anos de condução que tem.                       São todas circunstâncias relevantes e com certeza que foram ponderadas para o julgador a quo fixar os 4 meses de proibição de conduzir, quando a pena abstracta atinge um máximo de 36 meses.

            Com certeza que as penas mais elevadas estarão reservadas para situações extremas na sua gravidade, do mesmo modo que o limite mínimo deve ser reservado para as situações cujo grau de alcoolemia também se aproxima do mínimo para estes efeitos e que é de 1,20g/l. Pois não é difícil aceitar que um maior ou menor grau de álcool no sangue, agrava proporcionalmente a perigosidade da condução e tem subjacente um maior ou menor grau de culpa e de ilicitude.

            Em síntese, considerando os limites mínimos e máximos da pena acessória para o caso, afigura-se mais que justificada a concretamente fixada na sentença.

Alterar, para menos, esta pena, seria estar a negar todo o esforço que tem vindo a ser feito a nível preventivo, para uma diminuição[5] do grau de sinistralidade.


IV

Decisão

Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) Ucs.

Luís Teixeira (Relator)

Calvário Antunes


[1] Entre outros, v. acs. da Relação do Porto de 16.2.2005, proferido no processo nº 0445028, e de 19.7.2006, proferido no processo nº 0613241, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.jtrp.
E ainda o ac. da mesma Relação, de 12.5.2004, proferido no processo nº 0345778, consultável no mesmo sítio, onde se afirma:
“ Acresce que, se é certo que o art.º 69º, n.º 2, do Código Penal, permite que a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis possa ser limitada a uma determinada categoria de veículos automóveis e não tenha que abranger todas as categorias de veículos com motor [Cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA in Crimes Rodoviários, cit., pág. 29]”.
[2] Com uma apreciação evolutiva e esclarecedora da aplicação e interpretação do artigo 69º, do Código Penal, no sentido apontado, v. ac. da Relação do Porto de 17.12.2008, proferido no processo nº 0846482, consultável em www.dgsi.pt.jtrp.
Igualmente no mesmo sentido v. ac. da Relação do Porto de 25.3.2009, proferido no processo nº 0814506, podendo ser consultado em www.dgsi.pt.jtrp, no qual é referida outra jurisprudência quer num quer noutro sentido.
Aos quais se poderão aditar os citados pelo recorrido MºPº na sua resposta:
Ac. TRL de 31.1.2006; ac. TRE de 12.9.2006; Ac. TRC de 29.11.2000 e ac. TRC de 14.7.2004, todos consultáveis na CJ.

[3] O artigo 40º, nº 2, impõe desde logo que “ em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

[4] Pois a partir de 0,5g/l no sangue já é sancionada a condução com álcool como contra-ordenação e a partir de 1,20g/l, é punida como crime.

[5] Pois seria utópico pretender pura e simplesmente eliminá-la.