Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS TEIXEIRA | ||
Descritores: | INIBIÇÃO DA FACULDADE DE CONDUZIR ÂMBITO | ||
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Data do Acordão: | 02/01/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE ÁGUEDA, JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL - JUIZ 2, COMARCA DO BAIXO VOUGA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 69º CP | ||
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Sumário: | A pena acessória de proibição de conduzir não pode respeitar apenas a uma determinada categoria de veículos motorizados. | ||
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Decisão Texto Integral: | 1. Nos autos de processo abreviado nº 52/11.8GCAGD do Tribunal Judicial de Águeda, Juízo de Instância Criminal, Comarca do Baixo Vouga, em que é arguido, A..., melhor id. os autos, 2.1. O recorrente entende que lhe deveria ser aplicada pena acessória de inibição de todos os veículos com motor excepto veículos pesados de mercadorias de modo a poder continuar a exercer a sua actividade profissional. 2.2. Num período de grande depressão económica e social com grandes índices de desemprego, não faz sentido limitar o direito de emprego com as eventuais consequências ao nível da integração social e familiar quando é praticado um crime de perigo abstracto onde o perigo existe porque é presumido pelo legislador. 2.3. Sendo o fim das penas reintegrar o delinquente na sociedade é antagónico limitar o exercício de uma profissão numa época em que é difícil encontrar e manter trabalho com o fim de ressocializar o arguido que praticou um crime de perigo abstracto. 2.4. No contexto actual de excepção deveria ser aplicada a sanção acessória de inibição de condução de todas as categorias de veículos com motor excepto a categoria de veículos pesados de mercadorias durante o período e trabalho. 2.5. Tal medida é bastante para que o recorrente, enquanto delinquente primário, reflicta sobre a sua actuação pois não poderá conduzir por lazer nem poderá retirar vantagens de locomoção de nenhum veículo com motor excepto o veículo de trabalho. 2.6. O recorrente pugna, subsidiariamente pela redução, para três meses, do quantum da pena acessória. 2.7. Tem o recorrente licença de condução há 23 anos sem nunca ter praticado ilícito criminal estradal e enquanto condutor de veículos pesados foi várias vezes fiscalizado. 2.8. Confessou o crime e mostra arrependimento sincero. 2.9. Está familiar e socialmente inserido na sociedade. 2.10. Estava a cerca de um Km de casa pela que a distância a percorrer seria pequena. 2.11. Deve assim ser julgado procedente o recurso, excepcionando-se na inibição de conduzir, a categoria de veículo pesado de mercadorias durante o horário de trabalho ou deverá ser reduzida a pena de proibição de conduzir de quatro para três meses. 3. A este recurso responde o Ministério Público em 1ª instância, dizendo em síntese: 3.1.Decorre do artigo 500º, nº4, do CPP e do artigo 138º, nº 4, do C. da Estrada que a pena acessória tem um efeito contínuo, motivo pelo qual não pode ser limitada a certos períodos do dia ou nem a certos veículos, nem pode ser diferido o início da execução. 3.2. Pelo que bem andou a decisão recorrida ao aplicar ao arguido a pena que aplicou e pelo período de tempo que o fez, sendo a adequada quer à prevenção especial quer à prevenção geral inerente ao caso concreto bem como ao dolo directo do arguido. 3.3. Deve manter-se a decisão recorrida. 4. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto mostra concordância com a resposta do MºPº em primeira instância, devendo o recurso improceder. 5. Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. II Questões a apreciar: 1. A possibilidade legal e a justificação no caso concreto, da aplicação ao arguido da medida de inibição de conduzir excluindo a categoria de veículos pesados de mercadorias durante o seu horário de trabalho. 2. A medida da pena acessória. III IV Cumpre decidir: 1ª Questão. 1. Não colhe, por enquanto, esta questão, unanimidade na jurisprudência. Quanto à possibilidade legal de a pena acessória de inibição de conduzir aplicada no seguimento da prática do crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º, do Código Penal, o mesmo é dizer ao abrigo do artigo 69º, nºs 1, alínea a) e 2, do mesmo diploma, poder ser restrita a determinada categoria de veículos, ou seja, excluindo alguma categoria da inibição, tem alguma aceitação, dado o elemento literal da redacção do citado nº 2, daquele preceito, ao dizer que “…a proibição pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria”[1]. Mas existem outras vozes claramente contra, interpretação que não se fica no mero elemento literal daquele preceito, antes indo à génese desta medida e à mens legis, para concluírem que uma interpretação sistémica deste preceito aponta para a não excepção a qualquer categoria de veículos na aplicação da inibição ao abrigo do artigo 292º, do Código Penal[2]. Se para esta última posição é indiscutível que não existe lugar para excepcionar a inibição a qualquer categoria de veículos, para a posição que, teoricamente, tal possibilidade não é afastada pela redacção do dito nº 2, do artigo 69º, do Código Pena, já podemos afirmar, no entanto que, em termos concretos e efectivos, a maioria da jurisprudência pende para uma não aplicação desta excepção à inibição resultante da condução por embriaguez. Os argumentos ou razões têm todo um núcleo comum e todos apontam para o que, em nosso entender, é óbvio na leitura que deve ser feita na conjugação destes preceitos – artigo 292º e 69º, do Código Penal -, quanto ao fundamento da inibição: a condução sob o efeito de álcool é perigosa, demasiado perigosa, que põe em risco, muitas vezes em elevado risco, a integridade física de terceiros, muitas vezes mesmo a própria vida. E se a prevenção geral deve estar sempre presente na aplicação da pena acessória de proibição de conduzir, tendo em conta o alto grau de sinistralidade que tem por causa imediata a condução sob o efeito de álcool, na não opção por qualquer excepção na categoria de veículos que deve abranger a inibição deve ter-se em conta a prevenção especial, que está inerente aos actos de beber e conduzir que se reúnem numa e só pessoa: o arguido. 2. É esta filosofia de pensamento e acção que encontramos subjacente em toda a jurisprudência referenciada que não aceita, em qualquer das modalidades descritas, a exclusão de qualquer categoria de veículos da proibição, podendo ler-se, muito sinteticamente, no ac. da Relação do Porto de 19.7.2006 – supra citado: “ Mas, a condenação por crime de condução em estado de embriaguez é fundamento de aplicação da proibição de conduzir pelos perigos que essa condução potencia para os utentes das vias públicas ou equiparadas. E tais perigos não resultam da natureza do veículo, mas antes do estado em que se encontra quem o conduz.
3. Não deixa de ser igualmente convincente, argumentativa e sensata, a explicação/comparação de regimes, feita no ac. já supra citado, da Relação do Porto de 16.2.2005, onde se afirma: “ Se atentarmos no estatuído nos art.ºs 146.º, al. m), e 147.º, al. i), do Código da Estrada, verificaremos que a punição das contra-ordenações graves e muito graves que lhe estão associadas, conduz, para além do mais, à sanção acessória de inibição de conduzir (art. 139.º, n.º 1), sendo que esta, legalmente, se refere a todos os veículos a motor (cfr. n.º 3). 4. Sendo este o nosso entendimento – de que não se deve abrir qualquer excepção na sanção acessória de inibição de conduzir a determinados veículos aplicada pela condução em estado de embriaguez -, esta pretensão do recorrente terá necessariamente que improceder.
2ª Questão: a medida da pena acessória. 1. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado pelo recorrente é punível com pena de prisão de 30 dias a 1 ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias e inibição de conduzir veículos com motor entre três meses e três anos. Tendo por referência o disposto nos artigos 40º e 71º, do Código Penal, a medida concreta das penas, quer a principal, quer a acessória de inibição de conduzir, deve ser encontrada e fixada nos limites exigidos essencialmente pelo grau de culpa e pela necessidade de prevenir futuros crimes, ou seja, pela prevenção geral e especial.
Sobre a relevância do grau de culpa[3], afirma Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, a fls. 71:
“Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside numa proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui um limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização.” Ora, a culpa ou grau de culpa, deve aferir-se do factualismo concretamente provado, que rodeia a conduta do arguido. E o que se sabe, é que o recorrente conduzia com uma TAS de 1,74g/l no sangue. Este facto revela já uma culpa elevada do arguido.
Pelo que, apesar de o grau de culpa ser a medida e o limite da pena, numa moldura abstracta de 3 a 36 meses, a fixação de 4 está dentro dos limites proporcionais e adequados, daquela culpa e necessidades de prevenção. Na verdade, cada vez mais neste tipo de criminalidade a prevenção geral se revela acentuada, pois é conhecido o elevado índice de sinistralidade e o contributo para o mesmo da condução com álcool. E deve sobretudo ser relevado o teor de álcool com que o arguido conduzia, superior ao triplo do legalmente permitido[4].
2. Invoca o recorrente, entre outras circunstâncias, a confissão dos factos pelo arguido, justificando com base naquela confissão, pena mais leve. Mas sem razão. Com certeza que a confissão dos factos encerra em si mesmo a admissão da conduta e quiçá uma certa auto-censura. Mas não tem o relevo que o arguido lhe pretende dar, pois a confissão não foi fundamental ou determinante para o apuramento dos factos, pois trata-se de uma prova essencialmente documental ou pericial. Quando muito, o arguido poderia ter requerido exame de contraprova, o que não fez. Deste modo, o exame de pesquisa do álcool realizado foi essencial para o tribunal dar os factos como provados, ainda que o arguido tivesse negado ou não tivesse confessado tais factos. 3. Invoca ainda o recorrente outras circunstâncias tais como ser delinquente primário e estar inserido social e familiarmente bem como os anos de condução que tem. São todas circunstâncias relevantes e com certeza que foram ponderadas para o julgador a quo fixar os 4 meses de proibição de conduzir, quando a pena abstracta atinge um máximo de 36 meses. Com certeza que as penas mais elevadas estarão reservadas para situações extremas na sua gravidade, do mesmo modo que o limite mínimo deve ser reservado para as situações cujo grau de alcoolemia também se aproxima do mínimo para estes efeitos e que é de 1,20g/l. Pois não é difícil aceitar que um maior ou menor grau de álcool no sangue, agrava proporcionalmente a perigosidade da condução e tem subjacente um maior ou menor grau de culpa e de ilicitude.
Em síntese, considerando os limites mínimos e máximos da pena acessória para o caso, afigura-se mais que justificada a concretamente fixada na sentença. Alterar, para menos, esta pena, seria estar a negar todo o esforço que tem vindo a ser feito a nível preventivo, para uma diminuição[5] do grau de sinistralidade. IV Decisão Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) Ucs.
Luís Teixeira (Relator) Calvário Antunes
[3] O artigo 40º, nº 2, impõe desde logo que “ em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. [4] Pois a partir de 0,5g/l no sangue já é sancionada a condução com álcool como contra-ordenação e a partir de 1,20g/l, é punida como crime. |