Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9496/16.8T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
HABITAÇÃO
RENDA
MATÉRIA DE FACTO
MORA
CONTRATO DE DURAÇÃO INDETERMINADA
NRAU
REGIME TRANSITÓRIO
Data do Acordão: 02/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1039 CC, DL Nº 321-B/90 15/10 ( RAU), LEI Nº 6/2006 DE 27/12 ( NRAU), LEI Nº 31/2012 DE 14/8
Sumário: I - Estando em causa o pagamento de rendas como fundamento do pedido de despejo, não é apropriado afirmar na matéria de facto provada que as rendas foram pagas, porque esta afirmação já contém em si uma valoração jurídica relevante para o desfecho da ação.

II - Sendo impugnado o conteúdo declarativo «as rendas foram pagas» que consta da matéria de facto, pretendendo-se que o mesmo seja declarado «não provado», a solução consiste não na sua pura supressão, mas sim na conversão da afirmação de índole jurídica impugnada na afirmação dos dados históricos que lhe serviram e servem de substrato.

III - Quando no proémio do n.º 4 do artigo 26.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, instituído pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, se estabelece que «Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:…», está a dizer-se que os contratos anteriores ao RAU são considerados, por esta norma, como contratos de duração indeterminada e estão abrangidos pelo Regime Transitório estabelecido no NRAU nos artigos 26.º a 58.º.

IV- Para existir mora do arrendatário quanto ao pagamento das rendas torna-se necessário que dos factos provados resulte o local onde a renda devia ser paga e que o arrendatário não procedeu nesse local à entrega da renda.

Decisão Texto Integral:




I. Relatório

a) L (…) e L (…)  intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra J (…), M (…) , M (…), J (…) e T (…) peticionando que:

- seja decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os autores e os réus com fundamento na falta de pagamento de rendas por período superior a 3 meses consecutivos;

- sejam os réus condenados a despejar, imediatamente, o locado e entregá-lo aos autores livre de pessoas e bens, nas condições em que o receberam, incluindo os móveis então existentes;

- sejam os réus condenados ao pagamento das rendas vencidas, de Janeiro a Novembro de 2015, no montante de 4.218,50€, bem como aos juros de mora vencidos, até à data da propositura da ação, na quantia de 168,64€; e, bem assim, dos vincendos, à taxa de 4%, até integral e efetivo pagamento;

- sejam os réus condenados a indemnizar os autores por todos os danos patrimoniais provocados, em valor igual ao valor da renda, a contar de data da resolução do contrato, que até à data, se contabiliza na quantia de 4.602,00€, acrescida de juros de mora vincendos à taxa de 4%, até integral e efetivo pagamento; e, bem assim, dos lucros cessantes até a entrega efetiva do locado livre de pessoas e bens;

Alegam, então, que por documento reduzido a escrito M (…) [avó dos autores] deu de arrendamento aos réus J (…) casado com M (…)  e A (…) casado com M (…), o prédio sito em (...) , figurando nesse contrato os réus J (…) e T (…)  como fiadores, com início em 01-11-1981, pelo prazo de 6 (seis) meses, renovável, por iguais períodos, caso não fosse denunciado pelas partes, mediante o pagamento da renda de 40,00€.

Os autores são hoje os legítimos e donos proprietários do referido imóvel, tendo assumido então a posição se senhorios.

Acrescenta que, por divórcio, de M (…) e A (…) o direito ao arrendamento da casa de morada de família foi transferido, para o cônjuge M (…)

Mais referem que o valor da renda foi sendo sucessivamente atualizada, passando para o valor de 383,50€, a partir de janeiro de 2015, nos termos do disposto no artigo 30.º, da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, que depois de lhe ter sido comunicada, não mereceu qualquer resposta por parte dos réus, correspondendo, nessa medida, à sua aceitação.

Sucede que desde janeiro de 2015 que os réus não pagam a respetiva renda aos autores, nem o fizeram depois de instados a fazê-lo, o que determinou a resolução do contrato pelos autores, o que foi comunicado aos réus, que ocorreu em novembro de 2015.

E desde então os autores vêem-se impedidos de usar o arrendar a outrem o prédio em discussão, pelo menos pelo mesmo valor da renda devida.

*

Devidamente citados, apenas a ré M (…) contestou a presente ação, pugnando pela sua improcedência.

Numa primeira asserção, a ré impugna os factos trazidos a este pleito pelos autores, alegando, em síntese, que refutou a atualização de renda protagonizada pelos autores, sem que tivesse apresentado qualquer proposta alternativa, o que não mereceu resposta dos autores, razão pela qual se manteve incólume o valor da renda então em vigor, que se cifrava em 66,65€, valor esse que sempre pagaram, quer por depósito na conta bancária que lhes fora facultada para o efeito quer por depósito liberatório realizado na Caixa (...) .

Numa segunda asserção, a ré deduz pedido reconvencional contra os autores, peticionando a sua condenação a pagar-lhes a quantia de 10.000,00€ pelos prejuízos que lhe foram causados com a lide.

Por último, peticionam a condenação dos autores como litigantes de má-fé, por deduzirem pretensão nos autos relativamente à qual bem sabem não ter qualquer direito.

*

Os autores apresentaram articulado de réplica, invocando a exceção dilatória de ineptidão da demanda reconvencional deduzida pela autora.

*

Por despacho, datado de 30.06.2017, foi homologada a desistência da instância protagonizada pelos autores relativamente aos réus J... e T..., tendo os mesmos, em consequência, sido absolvidos desta instância.

*

Procedeu-se à realização da audiência prévia, onde, além do mais: foi julgada verificada a exceção dilatória inominada da inadmissibilidade da reconvenção deduzida pela ré M (…), com a consequente absolvição dos autores de tal demanda reconvencional; foi proferido despacho saneador; foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova e, bem assim, admitidos os requerimentos probatórios apresentados pelas partes.

*

A instância mantém-se válida, não existindo quaisquer exceções, nulidades, questões prévias ou incidentais de que, neste momento, se possam conhecer.

*

São três as questões que compete a este Tribunal conhecer:

1ª – da natureza e validade do acordo celebrado entre os autores e os réus;

2ª – do direito de resolução da autora do aludido acordo por falta de pagamento de rendas e suas consequências:

3ª – Da litigância de má-fé dos autores.

*

b) Recorrem desta decisão os Autores, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

c) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 - Em primeiro lugar os Autores pretendem ver alterada a matéria de facto, ou seja:

a) O ponto 7 da matéria de facto provada deve ser declarado não proavdo por ausência, argumentam, de prova documental que comprove que os Réus/Recorridos pagaram uma única renda aos Autores/Recorrentes;

b) A matéria da alínea B) dos factos não provados deve ser declarada provada, considerando a motivação invocada pelo tribunal que por assenta manifestamente em suposições e juízos de valor e a prova que os recorrentes invocam para o efeito, como o relatório médico.

2 - Em segundo lugar os Recorrentes pretendem que se analise e declare qual o tipo e a duração do contrato de arrendamento, existente entre os Autores/Recorrentes e os Réus/Recorridos.

3 – Em terceiro lugar, pretendem que se verifique se foi dado cumprimento às formalidades exigidas por lei na comunicação de oposição do Réu/Recorrido J (…), datada de 11.11.2014, com a finalidade de aferir sobre a sua eficácia legal, designadamente, para efeitos dos arts. 35.º e 36.º do NRAU.

4 – Por fim, verificar se estão reunidas as condições para julgar a ação procedente.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto.

1 – Quanto ao ponto 7 da matéria de facto provada, cujo teor é o seguinte:

«Desde janeiro de 2015 ou réus sempre pagaram aos réus, por depósito bancário em conta fornecida para o efeito ou depósito na Caixa (...) a quantia de 66,65€ mensais».

Como se referiu, os Autores recorrentes pretendem que esta matéria seja declarada não provada porque, argumentam, não há prova documental que comprove que os Réus pagaram uma única renda aos Autores recorrentes.

Vejamos então.

Assiste, em parte, razão aos Autores recorrentes porque a redação do facto provado n.º 7 é inapropriada.

Com efeito, estando em causa o pagamento de rendas como fundamento para o despejo não é próprio afirmar na matéria de facto que as rendas foram pagas, porque esta afirmação já contém em si uma valoração jurídica relevante para o desfecho da ação.

Cumpre sim descrever na matéria de facto provada e não provada a realidade histórica, ou considerada como tal, através de conceitos com o máximo de conteúdo empírico e o mínimo de conteúdo valorativo.

Mas não se pode apagar pura e simplesmente o conteúdo declarativo que conta do ponto 7 impugnado.

Com efeito, o tribunal a quo quis declarar algo em relação às rendas e respetivo pagamento.

Porém, fê-lo de modo conclusivo e em termos jurídicos.

Cumpre, pois, reverter para os dados históricos que servem de substrato ao que foi afirmado de modo jurídico.

Tal é autorizado e querido pelo disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, onde se dispõe que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Com efeito, se a lei processual determina que a Tribunal da Relação possa alterar a matéria de facto com base na valoração que faz da prova existente nos autos, por maioria ou igualdade de razão o poderá e deverá fazer quando não se trata de valorar diversamente as provas, mas sim de substituir os conceitos de natureza jurídica pelos conceitos de índole factual em que os primeiros se basearam.

O que resulta dos factos provatórios, do documento constituído pela carta cuja fotocópia está a fls. 84 verso, é que o Sr. (…) identificando-se como filho e cabeça de casal dos primitivos senhorios dos Réus, remeteu uma carta ao Réu J (…) datada de 13 de Dezembro de 2013, na qual lhe comunicou que a nova senhoria era a sua irmã (…) e que a renda devia ser paga a esta senhora e que caso a sua irmã não lhe desse instruções em contrário a renda devia ser depositada no banco Banco (...) , na conta com o NIB (…), mais referindo que a conta que vinha sendo utilizada até então para pagar a renda tinha sido encerrada.

Consta também dos autos, segundo a afirmação do artigo 16.º da contestação, que o Réu J (…) depositou a renda de €66,35 euros nesta conta até 19-11-2015, data em que esta conta foi encerrada (cfr. declaração do banco (...) a fls. 85;).

Consta também dos autos que o Réu J (…) abriu uma conta na Caixa (...) , agência de (...) , com o n.º (…), e depositou a favor de G (…) a renda de €66,35 euros, relativa aos meses de Dezembro de 2015 a Janeiro de 2017, inclusive, e nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2018 (documentos relativos aos depósitos bancários de fls.140 a 159).

São estes os factos probatórios que servem de substrato empírico à factualidade do ponto 7 impugnado.

Deles não se pode concluir como vem afirmado no facto provado n.º 7 que «Desde janeiro de 2015 ou réus sempre pagaram aos réus [entenda-se «Autores»], por depósito bancário em conta fornecida para o efeito ou depósito na Caixa (...) a quantia de 66,65€ mensais».

Não se pode concluir tal porque isso é valorar juridicamente os factos que ficam descritos, cumprindo apenas nessa parte da sentença descrever os factos históricos isentos de valorações, tanto quanto possível.

Por conseguinte, o que deve constar sobre tal matéria é isto:

«J (…), identificando-se como filho e cabeça de casal dos primitivos senhorios dos Réus, remeteu uma carta ao Réu J (…), datada de 13 de Dezembro de 2013, na qual lhe comunicou que a nova senhoria era a sua irmã G (…)e que a renda devia ser paga a esta senhora e que caso a sua irmã não lhe desse instruções em contrário a renda devia ser depositada no banco Banco (...) , na conta com o NIB (…)mais referindo que a conta que vinha sendo utilizada até então para pagar a renda tinha sido encerrada.

O réu J (…) abriu uma conta na Caixa (...) , agência de (...) , com o n.(…), e depositou a favor de G (…) a renda de €66,35 euros, relativa aos meses de Dezembro de 2015 a Janeiro de 2017, inclusive, e nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2018».

Procede, por conseguinte, a impugnação formulada pelos Réus, mas não se pode declarar como não provado que não existiu pagamento de rendas, há que indicar na matéria de facto aquilo que historicamente ocorreu e isso foi o que acabou de ser indicado.

Por conseguinte, altera-se a matéria de facto, substituindo-se a matéria relativa ao facto provado n.º 7 pelos seguintes factos:

«7. J (…), identificando-se como filho e cabeça de casal dos primitivos senhorios dos Réus, remeteu uma carta ao Réu J (…), datada de 13 de Dezembro de 2013, na qual lhe comunicou que a nova senhoria era a sua irmã G (…) e que a renda devia ser paga a esta senhora e que caso a sua irmã não lhe desse instruções em contrário a renda devia ser depositada no banco Banco (...) , na conta com o NIB (..), mais referindo que a conta que vinha sendo utilizada até então para pagar a renda tinha sido encerrada.

8. O Réu J (…) depositou a renda de €66,35 euros nesta conta até 19-11-2015, data em que esta conta foi encerrada.

9. O réu J (…)  abriu uma conta na Caixa (...) , agência de (...) , com o n.º (…), e depositou a favor de G (…)  a renda de €66,35 euros, relativa aos meses de Dezembro de 2015 a Janeiro de 2017, inclusive, e nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2018» ([1]).

2 – Relativamente à matéria da alínea B) dos factos «não provados».

Tem o seguinte teor:

«(B) G (…) não comunicou aos autores o teor da carta descrita em 5) e por ela recebida».

Os recorrentes argumentam que esta matéria deve ser declarada provada, considerando a motivação invocada pelo tribunal que assenta manifestamente em suposições e juízos de valor e a prova que os recorrentes invocam para o efeito, como o relatório médico.

O tribunal justificou a resposta negativa do seguinte modo:

«Quanto aos factos descritos em B), considero que os mesmos resultaram indemonstrados pela inverosimilhança da sua verificação, quando confrontados com as mais elementares regras da experiência e do normal suceder, por não ser crível que uma mãe, recebedora de uma carta dirigida aos seus filhos, dela não lhes dê conhecimento, e mesmo que, quando assim não suceda, por entender que a jovialidade dos seus filhos o não obrigaria, sempre tal circunstância não poderia ser assacada aos réus».

Não procede a argumentação dos recorrentes, pelas seguintes razões:

(I) Tendo uma carta sido recebida na casa para onde foi endereçada, não pelo destinatário identificado na face da carta, mas por outra pessoa que «abriu a porta» ao carteiro e assinou o respetivo aviso de receção, qual é a ação esperada socialmente relativamente ao recetor da carta?

A resposta é que o recetor da carta entregará a carta ao destinatário, e, além disso, fá-lo-á na primeira ou segunda oportunidade que lhe seja proporcionada, caso não opte por deixar a carta em local visível destinado segundo o hábito da casa à correspondência que é recebida e que sabe que será visualizada pelo destinatário.

Desta resposta extrai-se esta regra de experiência:

Quando alguém atende o carteiro e recebe uma carta endereçada a outra pessoa que aí reside, assinando o respetivo aviso de receção, entregará a carta ao destinatário.

Claro que a regra pode ser violada num caso concreto, por dolo, negligência ou força maior, mas isso é a exceção, não é a regra.

Salvo se alguma circunstância particular do caso concreto revelar que o comportamento regra pode não ter ocorrido, o juiz formará a sua convicção de acordo com a regra, no sentido de que a carta foi entregue.

Ora, no caso dos autos, não temos qualquer facto que coloque como provável a hipótese da recetora da carta, a falecida Sra. G (…) não ter entregue a carta aos Autores.

Por isso, face à verificação da indicada regra de experiência, que aponta para a hipótese da entrega da carta, sem factos que mostrem ter sido violada tal regra, o juiz não podia adquirir a convicção de que a referida senhora não entregou a carta aos Autores.

E daí que a resposta não possa deixar de ser «não provado» que « G... não comunicou aos autores o teor da carta descrita em 5) e por ela recebida».

Cumpre, pois, manter o facto em causa no rol dos factos «não provados».

b) Matéria de facto - Factos provados

1. Por documento, denominado de Arrendamento, datado de 22 de setembro de 1981, M (…) cedeu aos réus J (…) , casado com M (…) e A (…)  então casado com M (…) , o gozo do prédio urbano, composto por casa de habitação, sito no lugar (...) , em (...) , pelo prazo de 6 meses e com início a 01.11.1981, sucessivamente renovável por igual período e condições, mediante o pagamento mensal da quantia de 8.000$00€, com regime de renda condicionada.

2. O prédio urbano, composto por casa de habitação, sito no lugar (...) , em (...) , encontra-se inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o atual artigo (...) , da freguesia da (...) , proveniente do artigo (...) º, da freguesia de (..) , a favor, na proporção de ½ por cada um, de L (…) e L (…).

3. Por divórcio, o direito do gozo do prédio descrito em 1) foi transferido para a ré M (…)

4. Pelo mandatário da autora pelo menos aos réus J (…) e M (…) foi enviada uma carta, datada de 14.10.2014, que apresentava o seguinte teor:

Encarregaram-me os meus constituintes, os Exmos. Senhores L (…) e L (…) V/ senhorios, no sentido da resolução do assunto acima referido.

Venho por este meio comunicar a V/ Exas. na qualidade de senhorios do locado, sito em (...) , (...) , do qual V/ Exas são arrendatários, que o valor da renda atualmente em vigor de 66,65€ (…) será atualizada conforme o previsto nos termos do art. 30.º, da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, da transição do contrato de arrendamento para o NRAU.

Assim, proponho o seguinte:

A) Valor da renda futura 383,50€ (trezentos e oitenta e três euros e cinquenta cêntimos);

B) Tipo de contrato: contrato a termo certo;

C) Duração do contrato: 5 anos.

(…)

Mais informa que os arrendatários, caso se aplique, podem invocar alguma das circunstâncias previstas, nas alíneas a) e b), do n.º 4, do artigo 31.º, do NRAU (a saber ser o RACB do agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais; ter o arrendatário idade igual ou superior a 65 ano de idade ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%), aplicando-se nestes casos o disposto nos arts. 35.º a 36.º do NRAU.

A falta de resposta dos arrendatários vale como aceitação no constante na proposta, nos termos do n.º 6, do artigo 31.º, do NRAU.

Nos termos do n.º 1, do art. 31.º, da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o prazo de resposta dos arrendatários é de 30 dias a contar da receção da presente comunicação a enviar para a residência dos meus constituintes, sita na R. (…), (...) . (…).

5. Pelo réu J (…)  foi enviada uma carta, datada de 11.11.2014, aos autores L (…) e L (…) , com o seguinte teor:

Venho por este meio expressar a minha profunda discordância em relação aos valores apresentados para a atualização do valor da renda referente ao locado sito em (...) , (...) do qual sou arrendatário, pelos motivos abaixo descritos:

Mais informo que tanto eu (J (…)), como a minha cônjuge, ambos temos 65 anos e o nosso RACB do agregado familiar é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, logo a nossa situação enquadra-se nos arts. 35.º e 36.º do NRAU.

6. Tal carta foi expedida, a 13.11.2014, com aviso de receção, para a Rua (…) (...) , e recebida a 19.11.2014 por G (…), que naquele apôs a sua assinatura.

7. J (…), identificando-se como filho e cabeça de casal dos primitivos senhorios dos Réus, remeteu uma carta ao Réu J (…), datada de 13 de Dezembro de 2013, na qual lhe comunicou que a nova senhoria era a sua irmã G (…) e que a renda devia ser paga a esta senhora e que caso a sua irmã não lhe desse instruções em contrário a renda devia ser depositada no banco Banco (...) , na conta com o NIB (…)mais referindo que a conta que vinha sendo utilizada até então para pagar a renda tinha sido encerrada.

8. 8. O Réu J (…)  depositou a renda de €66,35 euros nesta conta até 19-11-2015, data em que esta conta foi encerrada.

9. O réu J (…)  abriu uma conta na Caixa (...) , agência de (...) , com o n.º 0(…), e depositou a favor de G (…) a renda de €66,35 euros, relativa aos meses de Dezembro de 2015 a Janeiro de 2017, inclusive, e nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2018.

Matéria de facto – factos não provados:

(A) A ré M (…)  remeteu aos autores carta com conteúdo semelhante à descrita em 5).

(B) G (…)  não comunicou aos autores o teor da carta descrita em 5) e por ela recebida.

c) Apreciação das questões objeto do recurso

1 – Os Recorrentes pretendem que se analise e declare qual o tipo e a duração do contrato de arrendamento, existente entre os Autores/Recorrentes e os Réus/Recorridos.

Quanto a esta questão, cumpre referir que sendo o contrato dos autos datado de 1981, como é, foi abrangido pelas disposições transitórias Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), instituído pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.

O Regime Transitório do NRAU, estabelece no seu «CAPÍTULO II», sob a epígrafe «Contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU (…)», no seu artigo 27.º, o seguinte:

«As normas do presente capítulo aplicam-se aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, bem como aos contratos para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro».

E no artigo 28.º dispõe:

«Aos contratos a que se refere o presente capítulo aplica-se, com as devidas adaptações, o previsto no artigo 26, com as especificidades constantes dos números seguintes e dos artigos 30.º a 37.º e 50.º a 54.º».

A redação dada ao artigo 26.º, incluído no «Capítulo I», sob a epígrafe «Contratos habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano e contratos não habitacionais celebrados depois do Decreto-Lei n.º 257/95, de 30 de Setembro», na parte que agora interessa, é esta:

«1- Os contratos celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, passam a estar submetidos ao NRAU, com as especificidades dos números seguintes.

2 - (…). 3 - (…).

4 - Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades: (…).

5 - (…) 6 - (…)».

Atente-se no n.º 4, deste artigo 26.º: «Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:…».

Verifica-se que as normas do contrato de arrendamento urbano anteriores ao denominado Regime do Arrendamento Urbano (RAU - Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro) não previam a existência de contratos de arrendamento para habitação de duração limitada, isto é, que pudessem cessar, findo o prazo, mediante declaração de vontade nesse sentido de qualquer das partes.

 Tal modalidade contratual (contratos de duração limitada), foi prevista apenas mais tarde, no artigo 98.º do RAU, podendo tais contratos ser livremente denunciados decorridos os prazos de vigência estabelecidos.

Antes não era assim.

Como em 1981 ainda não existia a figura dos contratos de duração limitada, mais tarde previsto no artigo 98.º do RAU, como já se referiu, então cumpre concluir que o contrato dos autos é um contrato sem duração limitada, ou melhor, considerados como tal ([2]).

Por conseguinte, quando no proémio do n.º 4 do artigo 26.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano, instituído pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, se estabelece que «Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades:…», está a dizer-se que os contratos anteriores ao RAU são considerados, por esta norma, como contratos de duração indeterminada e estão abrangidos pelo Regime Transitório estabelecido no NRAU nos artigos 26.º a 58.º.

É o caso dos autos.

Passando à questão seguinte.

2 – Os recorrentes pretendem também que se verifique se foi dado cumprimento às formalidades exigidas por lei na comunicação de oposição do Réu/Recorrido J (…) , datada de 11.11.2014, com a finalidade de aferir sobre a sua eficácia legal, designadamente, para efeitos dos arts. 35.º e 36.º do NRAU.

Os Réus opuseram-se declarando que não aceitavam a renda proposta, não tendo indicado renda alternativa e referiram que ambos tinham mais de 65 anos e o RACB do agregado familiar era inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, estando abrangidos pelo disposto nos arts. 35.º e 36.º do NRAU.

Não se pronunciaram quanto ao prazo do contrato, nem fizeram acompanhar a carta de certidão de nascimento, nem comprovativo do RACB do agregado familiar.

Portanto conclui-se que pretenderam permanecer com a mesma renda – artigo 33.º, n.º 2, do NRAU.

3 – Por fim, verificar se estão reunidas as condições para julgar a ação procedente.

A resposta é negativa e resulta da circunstância dos factos não revelarem que existe mora por parte do arrendatário.

É que, para existir mora do arrendatário, tem de estar indicado, nos factos provados, o local onde a renda devia ser paga e ainda que o arrendatário não procedeu nesse local à entrega da renda.

Com efeito, não existindo lugar definido contratualmente cai-se na regra supletiva do Código Civil que, no n.º 1 do seu artigo 1039.º, diz que a renda, na ausência de acordo ou de usos em contrário, é paga no «domicílio do locatário».

É certo que se encontra junto aos autos cópia do contrato de arrendamento, e refere-se nele que a renda devia «…ser paga nesta cidade em casa do senhorio ou de quem o representar no primeiro dia útil…» (cfr. fls. 17).

Esta «cidade» é (...) , pois no final do contrato, imediatamente antes das assinaturas aparece manuscrito o local da celebração e a data da celebração, nestes termos « (...) , 22 de Setembro de 1981».

Verifica-se, porém, que esta cláusula contratual foi derrogada no decurso do contrato.

É o que resulta da comunicação mencionada no facto provado n.º 7 do qual consta que «J (…) , identificando-se como filho e cabeça de casal dos primitivos senhorios dos Réus, remeteu uma carta ao Réu J (…) datada de 13 de Dezembro de 2013, na qual lhe comunicou que a nova senhoria era a sua irmã G (…) e que a renda devia ser paga a esta senhora e que caso a sua irmã não lhe desse instruções em contrário a renda devia ser depositada no banco Banco (...) , na conta com o NIB (…), mais referindo que a conta que vinha sendo utilizada até então para pagar a renda tinha sido encerrada».

Verifica-se, pois, que esta conta (como referiram os Réus no artigo 16.º da contestação) foi encerrada.

E não foi estabelecido, por acordo, expresso ou tácito, outro local ou modo para pagamento da renda.

Na sequência desse encerramento da conta onde era depositada a renda, «8. O réu J... abriu uma conta na Caixa (...) , agência de (...) , com o n.º (…)  e depositou a favor de G (…) a renda de €66,35 euros, relativa aos meses de Dezembro de 2015 a Janeiro de 2017, inclusive, e nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2018.

Verifica-se, pois, que no decurso do contrato existiu uma alteração do lugar onde a renda era paga, tendo passado a ser depositada numa conta bancária.

Esta conta foi encerrada, certamente por ação dos senhorios, mas não por ação imputável à Ré.

Isto significa que tendo sido encerrada a conta bancária, que funcionava como local de pagamento da renda acordado entre as partes, deixou de existir lugar para pagamento das rendas definido contratualmente.

Não existindo lugar definido contratualmente cai-se na regra supletiva já mencionada constante do n.º 1 do artigo 1039.º, do Código Civil, onde se determina que a renda, na ausência de acordo ou de usos em contrário, é paga no «domicílio do locatário».

Por conseguinte, face à matéria de facto provada, a renda, na altura em que foi instaurada a ação, devia ser paga no domicílio da Ré, devido ao facto da conta bancária onde era depositada ter sido encerrada e de não ter sido estabelecido por consenso, expresso ou tácito, outro local para o seu pagamento.

Cumpre, por isso, concluir que a mora quanto ao recebimento das rendas é do senhorio e não do arrendatário.

Baseando-se a ação na mora por falta de pagamento de rendas, tem de improceder.

IV. Decisão

Considerando o exposto, embora por razões diferentes, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.


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Coimbra, 26 de Fevereiro de 2019


Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo


[1] As partes foram notificadas previamente para se pronunciarem, querendo, sobre a eventualidade do tribunal da Relação substituir a afirmação jurídica pelos factos históricos correspondentes que ficaram indicados nos factos provados n.º 7, 8 e 9.
[2] Esta designação não é exata, no que respeita à correspondência entre o sentido literal e a realidade, porque os contratos previam um prazo renovável automaticamente.