Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
82/12.2GTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDA VENTURA
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
PROCESSO SUMÁRIO
Data do Acordão: 02/27/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 280.º E 384.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. Quando o Ministério Público opta pela suspensão provisória do processo no decurso do inquérito, remete-o ao juiz de instrução para que seja proferido despacho de concordância e, obtida esta, continua sob a sua jurisdição até ao final da suspensão, visando, conforme os casos, o arquivamento ou o exercício da acção penal.

II. De igual modo, no âmbito da previsão do art. 384.º, n.º 1, do CPP, o Ministério Público, antes de requerer o julgamento em processo sumário e em alternativa a esse requerimento, pode determinar, verificadas as formalidades legalmente previstas, a suspensão provisória do processo.

III. Nessa fase preliminar, o processo, que é sumário desde que o Ministério Público decidiu tramitá-lo sob essa forma, deve permanecer nos serviços daquela autoridade judiciária, ser tramitado pelos respectivos funcionários e ser despachado pelo Magistrado que dele é titular, ao qual competirá verificar se as condições estabelecidas ou legalmente previstas foram cumpridas, decidindo se o processo, depois de decorrido o prazo de suspensão, deve ser arquivado ou, pelo contrário, prosseguir.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:

1. Nos presentes autos, a fols. 29. foi proferido o seguinte despacho:

A. A autuação dos presentes autos como processo sumário acha-se claramente incorrecta e carece, pois, de ser revertida.

Na verdade, a remessa de um dado inquérito para a fase de julgamento em processo sumário envolve, logicamente, o desejo do Ministério Público que o arguido seja submetido a esse mesmo julgamento. Este é, naturalmente, o escopo da submissão de um dado arguido À fase judicial de um dado processo, sendo que o mesmo ganha particular acuidade em face da forma sumário atenta a celeridade que lhe é imprimida pelo julgador nos artigos 381. ° e seguintes do Código de Processo Penal. Nota que se acha, aliás, presente em expressões como “são julgados em processo sumário (..j” [artigo 381.°, n.° 1 do Código de Processo Penal), “o Ministério Público (..) apresenta-o imediatamente, ou no mais curto prazo possível, ao tribunal competente para o julgamento” [artigo 382.°, n.° 2 do Código de Processo Penal], “o início da audiência de julgamento em processo sumário tem lugar no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção (..)“ [artigo 387.°, n.° 1 do Código de Processo Penal].

Tratam-se, nesta senda, de duas realidades claramente inconciliáveis. Na verdade, se prevalece nos autos a opinião que deve prevalecer um mecanismo de diversão processual que obsta à existência de julgamento, mostra-se patentemente contraditório que a forma seguida seja, precisamente, aquela que visa a submissão do arguido a julgamento. Nem tal solução se acha, aliás, legitimada na lei, não se achando, sequer, razoável a argumentação que a suspensão provisória do processo poderá ser determinada oficiosamente pelo próprio juiz de julgamento à luz do disposto no n.° 1 do artigo 384.° do Código de Processo Penal.

O que sucede em virtude de o n.° 2 de tal preceito continuar a deferir inequivocamente tal competência ao Juiz de Instrução. E enquanto acto do Juiz de Instrução, o mesmo processa-se sob a égide de um inquérito e não dá, obviamente, lugar a uma autuação como processo sumário. Tal constatação mostra-se, aliás — e após a Lei n.° 26/2010, de 30 de Agosto —, consensualmente aceite na jurisprudência, como o revelam, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Março de 2011, de 15 de Junho de 2011, de 11 de Julho de 2011 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Dezembro de 20111. O que nos leva à conclusão basilar que, requerendo o Ministério Público a suspensão provisória no âmbito de um processo sumário, tal não o desonera de apresentar os autos ao Juiz de Instrução. O que foi, aliás e correctamente, impulsionado pelo Ministério Público a fols. 17, não se compreendendo, pois, porque razão se decidiu na Secção materializar a presente autuação.

É que o argumento apresentado inviabiliza que o processo transite para o Tribunal para ser registado, distribuído, tramitado e tratado estatisticamente como processo sumário e já não como inquérito. Mostra-se, inversamente, cristalino que, proposta pelo Ministério Público a sobredita suspensão provisória — ou mesmo que esta fosse impulsionada pelo arguido ou determinada por iniciativa do Tribunal —, os autos deverão permanecer nos correspondentes serviços. Isto atendendo a que é o Ministério Público que continua a dirigir os ulteriores termos do processo em qualquer uma das sobreditas hipóteses à luz das regras plasmadas nos artigos 282.°, n.° 3 e 4.° e 384.°, n.° 3 do Código de Processo Penal.

E convém, aliás, referir que esta é a posição que se mostra pacificamente aceite na jurisprudência. O que se pode divisar em função de uma consulta minimamente rápida e diagonal dos arestos produzidos por reporte a tal matéria. Nesse sentido, vejam-se, entre outros’, os seguintes Acórdãos:

A- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Novembro de 2009:

Depois, a suspensão provisória do processo é uma fase da vida do inquérito, da qual o Ministério Público poderá lançar mão, verificados que se mostrem os respectivos pressupostos, e desde que o juiz com a mesma concorde.

Ver, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Setembro de 2009, de 21 de Dezembro de 2010,0 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Setembro de 2011 e o Acórdão do Tribunal de Relação de Guimarães de 23 de Janeiro de 2012.

Com isto, reafirma-se que, havendo uma proposta de suspensão provisória do processo, os autos não devem ser distribuídos sem que, antes, seja proferido o respectivo despacho de concordância, ou não, com a mesma proposta.

É que, como bem resulta dos artsº. 263.°, n.° 1, e 267.°, o Ministério Público é o titular do “Inquérito”, e o Juiz de Instrução só intervém no mesmo quando está em causa a prática de actos de natureza jurisdicional, tal como se prevê nos citados artsº. 17.° e 268.°, e no art.° 79.°, n.° 1, da Lei n.° 105/2003, de 10 de Dezembro, ainda em vigor.

Por outro lado, e se é certo que a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito, exceptuados os casos previstos na lei, como seja o do julgamento em processo sumário, como resulta do art.° 262.°, n.° 2, a verdade é que, no que para o conhecimento do objecto do presente recurso também releva, de processo sumário não se poderá verdadeiramente falar enquanto o M.° P.° não concluir que o mesmo julgamento haverá de ser feito sob essa forma.

Aliás, veja-se a hipótese prevista no n.° 2 do art.° 381.°, onde é o M.° P.° quem, inequivocamente, define a forma de processo em que o detido em flagrante delito, por crime punível com pena superior a cinco anos de prisão, haverá de ser julgado!

Assim, enquanto o M.° P.° não traçar, previamente, o destino dos autos, com vista a um julgamento que terá de realizar-se, não se poderá falar da existência de processo sumário, pois que, não só pode aquele optar pela suspensão provisória do respectivo processo, à semelhança do que aqui se propõe, como, ainda, nos crimes puníveis com pena superior a cinco anos de prisão, haverá o mesmo de ponderar o eventual uso da faculdade prevista nos artsº. 16.°, n.° 3, e 381.°, n.° 2.

Assim, a distribuição como processo sumário só poderia mesmo ter sido feita no caso de não haver a concordância do JIC com a proposta de suspensão provisória apresentada.

Se o juiz concorda com a mesma suspensão, os autos haverão de permanecer nos serviços do M.° P.°, ao qual pertencem, durante todo o período de duração daquela, e aí serão arquivados, caso sejam cumpridas as impostas injunções e regras de conduta. É o art.° 282.°, n.° 3, quem o diz!

Se não cumprir as injunções, o processo, então, haverá de prosseguir os seus ulteriores termos, agora sob a forma sumária, ou não, conforme o circunstancialismo adequado à previsão dos art.ºs387° e 390.°.

Assim, nunca um processo deverá ser distribuído, para julgamento, ainda que sob a forma sumária, pese embora a redacção dada ao art.° 384.° (que prevê a suspensão provisória em processo sumário), quando o Ministério Público, ante uma detenção em flagrante delito, e na fase processual prevista no art.° 382.°, n.° 2, , proponha a suspensão provisória do processo, e enquanto esta perdurar.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Janeiro de 2011:

Sendo a suspensão provisória do processo decretada quando o processo ainda se encontra em poder e na titularidade do magistrado do Ministério Público, em fase preliminar do processo sumário, e sem que aquele magistrado tenha promovido o respectivo julgamento, é absolutamente inútil apresentar o processo à distribuição como se fosse iniciar-se a fase judicial, uma vez que o processo continuará na titularidade do MP, só prosseguindo para julgamento se vierem a mostrar-se verificadas as condiç6es a que se reportam as alíneas a) ou b) do n°4 do art.° 282° do CPP.

Nota: em idêntico sentido decis6es sumárias deste TRL de 21-12-2010; de 18-1-2011, proferida no âmbito do Proc. n.° 514/10.4 pqlsb-A.L1, 3ª Secção, relatada por Domingos Duarte; de 20 de Janeiro de 2011, proferida no âmbito do Proc. n°698/10.leclsb-A.L1, 5ª Secção, relatada por Margarida Blasco, Acórdão de 12 de Janeiro de 2011; decisão sumária do TRL de 19-01-2011, Proc.nº203/10.0sclsbA.L1, 3ª Secção, relatada por Teresa Féria; decisão sumária TRL de 25-01-2011, Proc. n°236/10.6S9LSB-A.L1, 3ª Secção, relatada por Rui Gonçalves; decisão sumária TRL de 25-01-2011, Proc. n.° 421/10.OPLLSB-A.L1, 9ª Secção, relatado por Margarida Vieira de Almeida; Ac. TRL de 27-01-2011, Proc. nº1065/10.2PTLSBA.L1, 9ª Secção, relatado por Maria do Carmo Ferreira; Ac. TRL de 27-01-2011, Proc. n°1534/10.4SILSB-A.L1, 9ª Secção, relatado por Maria do Carmo Ferreira.

Com o que não se pode aceitar, em face do requerimento de suspensão provisória do processo de fols. 17 e consequente deferimento constante de fols. 22, que os presentes autos prossigam a sua tramitação sob a forma sumária. Temos, nesse sentido, que, com o despacho de fols. 22 — e após o qual esta se apresenta como a primeira intervenção judicial —, os autos não poderiam permanecer sob tal autuação. Com o que carecem os mesmos de ser devolvidos ao Ministério Público para serem tramitados sob a sua égide.

Em tal sentido mostra-se, aliás, claro o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Janeiro de 2011 ao estabelecer que

1. A lei penal adjectiva, nos casos em que é possível o julgamento em processo sumário, prevê duas fases distintas: uma fase pré-judicial e uma fase judicial. Verificados os pressupostos do eventual julgamento em processo sumário, o Ministério Público inicia a fase preliminar do processo criminal, no âmbito da qual pode praticar actos (v.g., aqueles a que se reportam os nºs 2, 3 e 4 do art.° 382° e art.° 384°, nº1) cuja sequência não é, necessariamente, a apresentação do detido ao juiz para julgamento sumário.

II. No termo da fase pré-judicial, o Ministério Público decide o destino dos autos, podendo, o despacho que encerra esta fase, incluir: a sujeição a julgamento sumário, o arquivamento dos autos, a tramitação do processo sob a forma comum ou abreviada ou a suspensão provisória do processo.

III. A partir do momento em que, com a concordância do juiz, o Ministério Público decide, nesta fase, a suspensão provisória do processo (art.° 281°) a tramitação dos autos passa a ser incompatível com o julgamento sumário (artsº 381° e 382° do CPP), pelo que nada justifica que o processo transite para o Tribunal de Pequena Instância Criminal para aí ser registado, distribuído e tramitado como processo sumário. Ao invés, os autos devem permanecer nos Serviços do Ministério Público atendendo a que este continua a dirigir os ulteriores termos do processo (v.g., artsº 282°, nºs 3 e 4 e art.° 384°, n°3 do CPP).

IV. Com efeito, seja qual for o desfecho da suspensão decretada, o Ministério Público é o titular a acção penal, cabendo decidir não só a suspensão provisória do processo, mas também, necessariamente, a fiscalização e cumprimento das injunções e das regras de conduta - razão pela qual o processo suspenso deve manter-se na sua titularidade e sob o seu controle e direcção3 (sublinhado nosso).

Desta forma, atenta a inviabilidade do prosseguimento da tramitação dos autos sob a forma de processo sumário, rejeita-se o registo, distribuição e autuação como processo especial sumário dos autos apresentados. Processo sumário de que deverá, assim, dar-se baixa do mesmo. Isto sendo, por outra via, certo que actos como o desejado a fls. 28 deverão ser concretizados pelo próprio Ministério Público em sede de inquérito.

Notifique.

Devolva os autos aos Serviços do Ministério Público.

Figueira da Foz, 13/9/12

 2. Inconformado, o Magistrado do MºPº recorreu finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões(transcrição):

1- O despacho recorrido, de 13.09.2012, pôs termo à tramitação dos autos sob a forma de processo sumário, ao declarar-se nele, a posteriori do douto despacho que determinara a suspensão provisória dos autos (nos idos de 12.06.2012), a incompetência material para conhecer da suspensão provisória do processo formulada ao abrigo do art.° 384.°, n.° 1, do CPP, e ao reverter a distribuição e autuação do próprio processo sumário, determinando o seu envio para os Serviços do MP, para inquérito, sendo, pois, recorrível ao abrigo do disposto do art.° 391.°, n.° 1, do citado compêndio;

2- A decisão recorrida reverteu a distribuição e autuação do expediente que lhe fora remetido pelo Ministério Público, com requerimento de aplicação de suspensão provisória, formulado ao abrigo do art. 384º, n.° 1, do Código de Processo Penal, conjugadamente com o disposto no art.° 281º do mesmo diploma legal, por entender que tal expediente deveria ter sido remetido, em sede de inquérito, directamente ao juiz de instrução; todavia, tratava-se de expediente avulso do Ministério Público, que nunca foi registado como inquérito, dada a finalidade que lhe foi dada — requerimento de aplicação do referido instituto em processo sumário, ao abrigo do art.° 384°, n.° 1, do Cód. Proc. Penal;

3- E a referida decisão fundou-se ainda no entendimento de que a ser dada «concordância» do juiz de instrução ao requerimento do Ministério Público, formulado ao abrigo do art.° 384.°, n.° 1, do Cód. Proc. Penal, nunca tal expediente pode assumir a forma processual de processo sumário, pois tal instituto visa evitar a submissão do arguido a julgamento, não fazendo sentido a distribuição e autuação como processo sumário;

4- Só que tal decisão viola frontalmente o disposto no artº 384.°, n.° 1, do Cód. Proc. Penal, que refere de modo expresso que «é correspondentemente aplicável em processo sumário o disposto nos artigos 280.°, 281.° e 282.°, até ao início da audiência, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente, devendo o juiz pronunciar-se no prazo de cinco dias.»

5- Na verdade, o processo sumário suspenso só poderá ser remetido aos Serviços do Ministério Público se o arguido não cumprir as regras de conduta/injunções que lhe tenham sido aplicadas e se não for já possível o julgamento em processo sumário;

6- Com efeito, verificado que seja o cumprimento das injunções e regras de conduta (e será ao juiz que competirá verificá-lo) será ordenado o arquivamento dos autos. Se o não forem ou se ocorrer condenação do arguido no decurso do prazo de suspensão, nos termos previstos no art. 282.°, n.° 4, al. b), do CPP, o juiz remeterá, aí sim, os autos ao MP para os fins previstos no n.° 3 do art. 384°, do citado Código, mantendo-se a competência do tribunal competente para o julgamento sob a forma sumária (art. 391.º, n.° 2), do CPP), precisamente porque os autos não regressam à titularidade do MP, que não pode, assim, decidir livremente do respectivo destino, estando vinculado a deduzir acusação em processo abreviado, nos termos do art. 384.°, n.° 3.

7- Remeter o processo sumário ao Ministério Público para inquérito, depois de ter sido requerida a suspensão provisória do processo, por parte do MP, e obtida a concordância da arguida e do Juiz, e ainda antes de saber se a arguida cumpriu ou não as injunções/regras de conduta que lhe foram impostas, é pretender que um processo jurisdicional saia da respectiva secção, fora dos casos previstos na lei, em violação do art. 125.°, n.° 3, da L.O.F.T.J. (Lei n.° 3/99, de 13/01) e do art. 155.°, n.° 2, da N.L.O.F.T.J (Lei n°52/2008, de 28/08).

8- O que viola flagrantemente o disposto no art. 390.° n.° 1, do CPP, que, de forma taxativa, fixa os casos em que o processo muda de forma processual.

9- Ao teor do art.° 390.°, n°1, do CPP, acresce uma razão de natureza administrativa: Tendo os autos sido registados na secretaria judicial como processo sumário, não poderão ser registados na secretaria do Ministério Público sob outra espécie (inquérito, processo administrativo ou expediente avulso) nem lhes poderia ser dada definitiva baixa na secção de processos por se tratar de processo pendente em fase judicial.

10- Termos em que se deverá revogar o despacho recorrido e determinar que seja substituído por outro que determine que se mantenha intocada a distribuição e autuação dos autos sob a forma de processo sumário, tendo em vista a subsequente tramitação da suspensão provisória determinada, a 12.06.2012, na secretaria judicial, e devendo nessa sede ser formulado o despacho a que alude o disposto no art.° 282.°, do Cód. Proc. Penal, ou antes a devolução dos autos ao Ministério Público, caso a suspensão provisória não tenha sucesso, para que aí se proceda em conformidade com o disposto no art.° 384.°, n.° 3, do Código de Processo Penal.

    
      
3. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador da República nada disse apondo o seu visto.


Colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

III. Fundamentação:

1. Poderes cognitivos do tribunal da quem e delimitação do objecto do recurso:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

Assim, no caso sub judicie cumpre apreciar:
Onde devem prosseguir os presentes autos; se nos serviços do M.P., se junto dos serviços do Tribunal Judicial.
2. Mérito do recurso:

Apreciando:

Breve resenha do processo:

Após a recepção nos Serviços do Ministério Público do expediente relativo ao Auto de Noticia por Detenção da arguida A..., pela prática de factos susceptíveis de configurar o crime de condução ilegal, pelo MºPº foi determinado se autuasse como expediente preliminar de processo sumário por entender ser possível uma opção de consenso ou até de recurso a processo sumaríssimo (fols.6 e 7).

Oportunamente, depois de realizadas as diligências tidas por convenientes e ouvida a arguida determinou que os autos fossem conclusos ao Mº Juiz de instrução.

Este após distribuição efectuada por iniciativa dos Serviços do MºPº - já que a ordem do magistrado havia sido a de abertura de conclusão ao juiz de instrução e não de distribuição para apresentação ao juiz de julgamento, despachou no sentido da concordância com a proposta suspensão do processo.(fols22 e 23 ).

 Posteriormente, a fols 29 veio então a ser proferido o despacho sob recurso.

O direito:

Dispõe n.º 1 do artº 281.º do C.P.Penal (Suspensão provisória do processo) “Se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:

a) Concordância do arguido e do assistente;

b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza;

c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza;

d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento;
e)Ausência de um grau de culpa elevado; e

f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir.”

Por sua vez o artº 282.º (Duração e efeitos da suspensão), do mesmo diploma, estabelece:

“1 – A suspensão do processo pode ir até dois anos, com excepção do disposto no nº 5.

2 – A prescrição não corre no decurso do prazo de suspensão do processo.

3 – Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto.

4 – O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:

a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou

b) Se durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado.

5 – Nos casos previstos nos nºs 6 e 7 do artigo anterior, a duração da suspensão pode ir até cinco anos.”

Estas normas constituem o regime regra, para as quais remetem as demais situações de suspensão provisória do processo previstas no Código de Processo Penal.

Por sua vez, relativamente à suspensão provisória do processo no âmbito do processo sumário, dispõe o art.384.º do C.P.Penal:

“ 1. É correspondentemente aplicável em processo sumário o disposto nos artigos 280.º, 281.º e 282.º, até ao início da audiência, por iniciativa do tribunal ou a requerimento do Ministério Público, do arguido ou do assistente, devendo o juiz pronunciar-se no prazo de cinco dias.

2. Se, para efeitos do disposto no número anterior, não for obtida a concordância do juiz de instrução, o Ministério Público notifica o arguido e as testemunhas para comparecerem numa data compreendida nos 15 dias posteriores à detenção para apresentação a julgamento em processo sumário, advertindo o arguido de que aquele se realizará, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor.

3. Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 282.º, o Ministério Público deduz acusação para julgamento em processo abreviado no prazo de 90 dias a contar da verificação do incumprimento ou da condenação.”

Assim, quando o Ministério Público opta pela suspensão provisória do processo no decurso do inquérito, remete-o ao juiz de instrução para ser proferido o despacho de concordância e continua o processo sobre a sua jurisdição até ao final da suspensão para o respectivo arquivamento ou exercício da acção penal, consoante os casos. Nessa situação, o processo é registado como inquérito nos serviços do Ministério Público.

Igualmente, no processo sumário e no âmbito da previsão do art. 384.º n.º 1 do C.P.Penal, o Ministério Público, antes de requerer o julgamento em processo sumário e em alternativa a esse requerimento, pode determinar a suspensão provisória do processo.

Porém também pode suceder que seja o arguido a requerer a suspensão provisória do processo e que o M.P., apesar de não o ter requerido, a ela se não oponha.

Ora, quando o Ministério Público opta pela suspensão do processo no decurso do inquérito, não o remete ao tribunal de julgamento, antes o remete ao tribunal de instrução/juiz de instrução para o despacho de concordância e continua este sobre a sua jurisdição até ao final da suspensão para o consequente arquivamento ou exercício da acção penal. E porque o Ministério Público é o titular do inquérito o processo é registado como inquérito nos serviços do Ministério Público.

Neste sentido vidé, Ac. TRL datado de 21-12-2010 disponível in www.dgsi.pt” I – Embora o processo sumário não comporte uma fase de inquérito e não seja admissível a instrução, existe uma fase preliminar, mais ou menos prolongada, sob o domínio do Ministério Público, que se desenrola até à remessa dos autos para a fase de julgamento.
II – É durante essa fase preliminar que o Ministério Público, se o entender conveniente, interroga sumariamente o arguido e é nela que realiza as diligências de prova a que se refere o n.º 4 do artigo 382.º do Código de Processo Penal.
III – Se durante essa fase preliminar do processo sumário o Ministério Público decidir suspender provisoriamente o processo, não desempenha qualquer finalidade útil o registo, a distribuição e a autuação do processo no Tribunal de Pequena Instância Criminal quando não é o respectivo juiz o competente para apreciar a decisão de suspender o processo.
IV – Nessa fase preliminar, o processo, que é sumário desde que o Ministério Público decidiu tramitá-lo sob essa forma, deve permanecer nos serviços do Ministério Público, ser tramitado pelos respectivos funcionários e ser despachado pelo magistrado que dele é titular, ao qual competirá verificar se as condições estabelecidas ou legalmente previstas foram cumpridas, decidindo se o processo, depois de decorrido o prazo da suspensão, deve ser arquivado ou deve prosseguir.”

O que já não sucederá quando a suspensão do processo ocorra já em fase de julgamento.

Ou seja, uma vez recebido o expediente como processo sumário e partindo a iniciativa da suspensão do próprio tribunal, do próprio arguido ou do assistente mediante formulação de requerimento nesse sentido, obtida a concordância do M.P. e determinada a suspensão provisória, os autos aguardam o decurso do prazo de suspensão provisória na secretaria judicial, por se tratar já de processo judicial, cuja orientação e supervisão pertence ao juiz.

Verificado que seja o cumprimento das injunções e regras de conduta (e será ao juiz que competirá verificá-lo) será ordenado o arquivamento dos autos. Se o não forem ou se ocorrer condenação do arguido no decurso do prazo de suspensão nos termos previstos no art. 282º, nº 4, al. b), o juiz remeterá os autos ao M.P. para os fins previstos no nº 3 do art. 384º, mantendo-se a competência do tribunal competente para o julgamento sob a forma sumária (art. 391º, nº 2), precisamente porque os autos não regressam à titularidade do Ministério Público, que não pode, assim, decidir livremente do respectivo destino, estando vinculado a deduzir acusação em processo abreviado, nos termos do art. 384º, nº 3.

(Neste sentido vidé, Acs deste TRC, de 09-02-2011, de 30-11-2011, de 13-06-2012 disponíveis in www.dgsi.pt)

No caso dos autos:

Verifica-se que a iniciativa da suspensão provisória do processo, foi do magistrado do MºPº, optando por tal em detrimento da sujeição imediata a julgamento (sumário) como aliás, e bem, vem explicitado no despacho de fols 6.

Mais, posteriormente é o próprio MºPº, e bem, que manda abrir conclusão ao juiz de instrução.

A iniciativa da distribuição foi assim e tão só dos serviços do MºPº, por este tutelados. Pois, se bem atentarmos compulsados os autos não consta nenhum despacho a determinar a remessa à distribuição e a sua consequente autuação.

Ou seja nunca os autos saíram da titularidade do M.P.  e não tendo sido submetidos ou apresentados para  julgamento aí deverão manter-se.

Só em caso de incumprimento perante a obrigatoriedade de dedução de acusação e após essa dedução deverão os autos ser distribuídos.

Nestes termos entendemos não merecer qualquer censura o despacho recorrido,  devendo os autos manter-se nos serviços do M.P..

III – Dispositivo:
Em face do exposto, acordam na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Sem custas.



Fernanda Ventura (Relatora)

Luís Coimbra