Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1569/12.2TBLRA.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
RESOLUÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
PERDA DE INTERESSE
RENÚNCIA AO CUMPRIMENTO
DANO NÃO PATRIMONIAL
GRAVIDADE
Data do Acordão: 01/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.217, 496, 798, 799, 808, 1027, 1221, 1222, 1225 CC, 607 CPC
Sumário: 1. Se a reapreciação da decisão da matéria de facto visa meras conclusões de facto, a mesma não pode ser objecto de consideração já que a lei manda seleccionar na elaboração da sentença apenas factos substantivos, materiais, específicos ou concretos (art. 607º, nº 3 e 4º, 1ª parte do NCPC).

2. Incorrendo o empreiteiro em incumprimento definitivo em relação à sua obrigação de eliminação dos defeitos, o dono da obra pode mandar efectivar por sua conta tais trabalhos e depois reclamar a devida quantia ao empreiteiro.

3. Se o A./dono da obra comunicou ao R./empreiteiro em 9.9.2011 que apesar de o mesmo ter assumido a responsabilidade da reparação a mesma nunca foi iniciada, pelo que face ao desinteresse do R. em iniciar os trabalhos tomou a iniciativa de consultar o mercado para recolher orçamentos para a realização dos mesmos, dando uma última oportunidade ao R. para o contactar até 19.9.2011, sob pena de o A. iniciar os trabalhos por sua conta sem mais avisos, missiva a que o R. não respondeu, verifica-se incumprimento definitivo deste último.

4. Tal quadro factual tem dois significados, um da parte dos A., outro da parte do R.:

- quanto ao A. tal “ultimato” ao R., implica que este ficou devidamente ciente que aquele perderia definitivamente o interesse na prestação subjectiva do R. (nos termos do art. 808º do CC), já que o desinteresse do R. em iniciar os trabalhos iria desencadear a iniciativa do A. de consultar o mercado para recolher orçamentos para a realização dos mesmos, se o R., em última oportunidade não o contactasse até 19.9.2011, como não contactou, com o subsequente início dos trabalhos pelo A. por sua conta, sem mais avisos, exigindo posteriormente ao R. o pagamento de todas as despesas que viesse a efectuar;

- quanto ao R., o seu calar de qualquer resposta ao aviso sério e impressivo dos AA, de 9.9.2011, com a concomitante inércia, equivale, depois de promessas não cumpridas de eliminação dos defeitos, a uma declaração tácita e inequívoca de não cumprimento (art. 217º, nº 1, 2ª parte do CC).

5. Dano moral grave, susceptível de indemnização, nos termos do art. 496º, nº 1, do CC, não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade”; um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação.

6. Com base neste entendimento deve ser atribuída indemnização, por danos morais, a casal que entre Agosto de 2008 a Setembro de 2011, sofre continuados transtornos, geradores naturalmente de irritação, desilusão, agastamento, ansiedade e falta de paz de espírito, em relação à sua habitação, lugar de intimidade privada onde deve reinar o sossego, a tranquilidade, o descanso, a comodidade, essenciais a uma vida de bem-estar, em virtude de aparecimento de defeitos graves na casa que construíram em regime de empreitada.

Decisão Texto Integral:




I – Relatório

1. J (…) e esposa, M (…), residentes em (...) , instauraram acção contra L (…), residente em (...) , pedindo, na sua procedência, que:

- se declare resolvido o contrato de empreitada celebrado entre os AA e o R., atento o incumprimento definitivo do R. e por culpa exclusiva deste;

- seja o R. condenado a pagar aos AA a quantia de 22.292,68 €, acrescida de juros vencidos à taxa de juro legal, desde a citação até integral pagamento;

- seja o R. condenado a pagar aos AA uma indemnização no valor de 2.000 € a título de danos não patrimoniais causados.

Para tanto alegaram, em suma, ter celebrado com o R. contrato de empreitada com vista à construção de uma moradia para habitação própria e permanente dos AA., tendo passado a residir na mesma quando esta ficou construída, em Junho de 2008. Devido a infiltrações graves que a moradia apresentava, denunciaram tal situação ao R., o qual procedeu a algumas obras na moradia com vista a solucionar os defeitos de construção que se verificavam. As obras realizadas pelo R., totalmente inadequadas, agravaram os problemas de infiltração da moradia e colocaram em risco a segurança de todo o edifício. Considerando o lapso de tempo decorrido desde o aparecimento dos defeitos, o facto de o R. não proceder à sua reparação, como estava legalmente obrigado, e atendendo à gravidade das infiltrações verificadas, de modo a evitar um novo inverno chuvoso, que causaria danos mais gravosos à moradia, os AA notificaram o R. para proceder à reparação dos defeitos até 19 de Setembro de 2011, sob pena de, não dando o R. início aos trabalhos de reparação até esta data, procederem os AA à reparação por sua iniciativa, exigindo, posteriormente, ao R. o pagamento integral do valor dessa reparação. Como o R. não deu início aos trabalhos de reparação no prazo fixado, os AA procederam à realização de todos os trabalhos de reparação a suas expensas, no que despenderam um total de 22.292,68 € em material e mão-de-obra, tendo interpelado o R. para proceder ao pagamento desta quantia. Até à reparação dos defeitos os AA sofreram incómodos graves pelo facto de terem a moradia acabada de construir num estado que a tornava inabitável, devendo ser ressarcidos com montante não inferior a 2.000 €.

O R. contestou, impugnando a matéria de facto alegada pelos AA, e invocou, em suma, que sempre se mostrou disponível para proceder à integral e atempada reparação dos defeitos, sendo certo que foram os AA que inviabilizaram o início dos trabalhos de reparação, porquanto não forneceram o material para o efeito, tal como haviam acordado com o R., e, por outro lado, não tendo pago o material inicialmente aplicado na moradia, como era sua obrigação, a única empresa que tinha material idêntico ao aplicado e, como tal, indispensável à reparação dos defeitos, recusou-se a fornecer ao R. o material necessário enquanto os AA não pagassem o valor ainda em dívida, sendo que os AA, conhecedores desta condição para o fornecimento do material nunca a cumpriram. Pugnou pela improcedência da acção.

Havendo recurso do R. de despacho intercalar foi o mesmo julgado procedente, o que implicou a reabertura da audiência de julgamento, a fim de ali ser levado em consideração o teor de um relatório técnico.

*

Foi, depois, proferida sentença que condenou o R. a pagar aos AA a quantia de 22.292,68 €, acrescida de juros de mora contados a partir do trânsito em julgado da presente decisão, a título de danos patrimoniais, bem como a pagar aos AA a quantia de 500 €, acrescida de juros de mora contados a partir do trânsito em julgado da presente decisão, a título de danos não patrimoniais, absolvendo o R. do demais peticionado.

*

2. O R. recorreu, tendo concluído que:

(…)

3. Os AA contra-alegaram, tendo formulado as seguintes (longas e em maior número do que o próprio recorrente !?) conclusões:

(…)

II - Factos Provados

 

1) - O prédio rústico, sito em (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , composto de terra com vinha, com a área total de 4.260 m2, a confrontar do norte com Estrada Nacional, do nascente e poente com (...) e do sul com regueiro, inscrito na respectiva matriz sob o artigo nº (...) , está descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº (...) /19980506 e aí registada a sua aquisição, por compra, através da Ap. nº (...) de 2003/10/10, a favor de J (…), casado com M (…) sob o regime da comunhão de adquiridos (doc. fls. 18) – A)

2) - O prédio urbano, afecto a habitação, com 2 pisos e 6 divisões, sito na freguesia de (...) , concelho de (...) , com a área total de 4.260 m2 e a área de implantação do edifício de 379,10 m2, a que corresponde a descrição predial referida em 1), está inscrito na matriz da dita freguesia sob o artigo nº 1692, nela constando o Autor como titular do rendimento (doc. fls. 16-17). – B)

3) - O Réu, L (…), exerce a atividade de construção civil como empresário em nome individual, de harmonia com o alvará do IMOPPI nº (...) /ICC (acordo). – C)

4) - Em meados de 2006, os Autores contactaram o Réu solicitando-lhe que efectuasse a construção de uma moradia unifamiliar no prédio descrito em 1) (acordo). – D)

5) - Por escrito datado de 16 de Dezembro de 2006, o Autor, na qualidade de primeiro outorgante e de dono da obra, adjudicou ao Réu, na qualidade de segundo outorgante e de empreiteiro, a realização dos trabalhos de construção da referida moradia e respetivos muros de vedação (acordo e doc. fls. 19-25). – E)

6) - Ajustando A. e R. que o preço dos trabalhos a realizar pelo segundo era de €100.000,00 (acrescidos de IVA), a efectuar “à data da fatura e após boa conferência” pelo primeiro, “consoante o desenvolvimento e grau de acabamento da obra”, depois da conclusão dos seguintes trabalhos: “i) Montagem do estaleiro e movimentação de terras/ Fundações e muros de betão armados e executados/ Enchimento 1ª e 2ª laje - €31.000,00; ii) Assentamento de alvenarias - €17.000,00; iii) Cantarias assentes, rebocos exteriores, impermeabilização com telas e térmicos - €26.000,00; iv) Restantes trabalhos da empreitada concluídos - €26.000,00”(acordo e doc. fls. 19-25). – F)

7) - Autor e Réu subscreveram o denominado “contrato de cedência de alvará”, datado de 16 de Dezembro de 2006, nos termos do qual o segundo cedeu ao primeiro o Alvará do IMOPPI nº (...) /ICC, de especialidade de Construção Civil e Obras Públicas, que o primeiro aceitou, para a execução da sua obra sita em (...) – (...) , para os seguintes efeitos: a) Levantamento do Alvará de Licença de Construção, a ser emitida pela Câmara Municipal de (...) ; b) Acompanhamento, fiscalização e apoio técnico por parte do Réu desde o início até ao final da obra do primeiro (acordo e doc. fls. 26/27) - G)

8) - O Réu iniciou a execução dos trabalhos ajustados em Janeiro de 2007 (acordo). – H)

9) - Após a conclusão dos trabalhos e a respetiva entrega, os Autores começaram a habitar a moradia (acordo). – I)

10) - Em Agosto de 2008, os AA. comunicaram verbalmente ao Réu que tinha ocorrido a rutura das águas pluviais através da tubagem de esgoto das águas pluviais do terraço (acordo). – J)

11) - Na sequência de tal comunicação, o Réu procedeu à retificação da tubagem, eliminando a rutura de águas (acordo). – K)

12) - Em Fevereiro de 2009, o Autor comunicou verbalmente ao Réu que estavam a entrar águas pluviais para a garagem, o que provocava humidades em várias divisões do edifício, penetrando nas placas do terraço e das varandas (acordo). – L)

13) - Na mesma ocasião, o Autor comunicou ao Réu que começavam a aparecer fissuras em várias paredes de várias divisões do edifício (acordo) – M)

14) - O Réu, na sequência de tal comunicação, procedeu à retirada da grade do terraço para pesquisa da entrada de águas; alterou e eliminou a tubagem de descarga do terraço para identificar uma eventual rutura das telas de impermeabilização; eliminou os candeeiros de piso do terraço e retificou os estragos nas paredes interiores; colou os rodapés de algumas paredes interiores que estavam descolados por virtude das humidades nelas existentes (acordo). – N)

15) - Em Abril de 2011, o Autor comunicou ao Réu que persistia a situação aludida no ponto 12) supra (acordo). – O)

16) - O Autor, em 30.05.2011, enviou ao Réu carta registada com aviso de receção, que este recebeu, com o seguinte teor: “No seguimento dos diversos contactos pessoais que mantivemos, venho confirmar formalmente as diversas reclamações verbais que lhe apresentei ao longo dos últimos dois anos, pelos defeitos de construção na minha moradia sita na (...) , nº (...) , em (...) , concelho de (...) , cuja responsabilidade lhe é totalmente imputável enquanto empreiteiro responsável pela construção da referida moradia, de acordo com o contrato subscrito em 16 de Dezembro de 2006.

Como sabe, os principais defeitos de construção provocam entrada de águas no piso de habitação e na garagem através da placa de separação dos pisos e apesar dos trabalhos que já mandou realizar a situação não só se mantém como se agravou de forma substancial.

Considerando que tinha assumido o compromisso de iniciar as obras para corrigir os defeitos de construção já mencionados, no início do corrente mês e como até esta data não estabeleceu qualquer contacto, levo ao seu conhecimento que estarei disponível para discutir e inventariar um plano de execução para a execução dos trabalhos até ao próximo dia 15 de Junho de 2011.

Terminado este prazo, serei forçado a contratar os serviços técnicos especializados que se ocupem da análise e orçamentação de todos os erros de construção que estão na origem das anomalias identificadas, pois como compreenderá não é possível manter esta situação que se tem vindo a agravar com o tempo” (docs. fls. 31- 33) - P.

17) - O Autor, em 09.09.2011, enviou ao Réu carta registada com aviso de recepção, que este recebeu, com o seguinte teor:

“Confirmando o meu email desta data, venho formalizar a notificação que lhe apresentei. Depois dos diversos contactos que mantivemos no sentido de V. Exa. Iniciar os trabalhos de reparação na minha moradia dos danos resultantes de defeito de construção e apesar de ter assumido em várias ocasiões a responsabilidade da reparação, esta nunca foi iniciada.

Assim, face ao seu desinteresse em iniciar os trabalhos, tomei a iniciativa de consultar o mercado e recolher orçamentos para a realização dos referidos trabalhos. Levo ao seu conhecimento o orçamento que considero mais ajustado à execução dos trabalhos, no montante de € 45.444,00, acrescido de IVA em vigor.

No sentido de lhe dar uma última oportunidade, fica por mim notificado que irei aguardar o seu contacto até ao próximo dia 19 de Setembro de 2011. Na eventualidade de não assumir as suas responsabilidades, mandarei iniciar os trabalhos por minha conta e ordem sem aviso prévio.

Posteriormente irei reclamar-lhe todos os prejuízos e danos directos e indirectos incluindo os danos que se venham a manifestar irreparáveis no decurso dos trabalhos (…)” (docs. fls. 64-66). – Q)

18) - O Autor, por carta registada com aviso de recepção, datada de 10.12.2011 e recepcionada pelo Réu em 12.12.2011, reclamou deste o pagamento da quantia de € 21.116,60, correspondente ao valor despendido nas tarefas executadas pela empresa A (…) LDA na moradia dos Autores (docs. fls. 76 e 77). – R)

19) - O Réu terminou a execução dos trabalhos ajustados em 5) em data não concretamente apurada mas pelo menos até Junho de 2008. – 1)

20) - Após o referido em 12), o Réu, por sua conta:

- procedeu à abertura de um canal de escoamento das águas pluviais no terraço. – 2)

- (…) - cortou as telas de impermeabilização da placa. – 3)

- (…) - provocando, com tal conduta, a entrada de água (quando chove) para as paredes o piso inferior. – 4)

21) - Em Junho de 2011, na moradia dos AA:

- tinha sido executada uma vala drenante “canalete” junto ao capeamento do terraço e diversas bicas no próprio capeamento. – 6)

- (…) - que não estava impermeabilizada. – 7)

- (…) - provocando infiltração de água por baixo do revestimento cerâmico e o aparecimento de água nos topos da laje e fachadas abaixo desta cota. – 8)

- (…) - faltava betume entre as soleiras, originando infiltração para o seu interior. – 9)

- (…) - o tecto falso (do piso 1) apresentava vestígios de humidade (situação por baixo do terraço). – 10)

- (…) - existia uma fissura por cima da caixa de estore, pela qual se infiltra a água das chuvas que batem na parede bem como a água proveniente do terraço. – 11)

- (…) - o topo da laje da varanda apresentava infiltrações superiores, derivada da fixação das guardas e/ou da iluminação encastrada no pavimento. – 12)

- (…) - ocorriam infiltrações no interior, provenientes do exterior, dos pavimentos ou dos vãos. – 13)

- (…) - existia condensação ao nível do piso -1 (cave) junto ao teto e vãos. – 14)

- (…) - havia pouca ventilação e espaços preenchidos quase por completo com móveis e máquinas. – 15)

22) - Após o dia 15 de Junho de 2011, o A comunicou ao R que caso o mesmo nada fizesse (para solucionar o referido em 21) teria que contratar serviços técnicos especializados para procederem à análise e orçamentação das anomalias detectadas- 16)

23) - O Réu, na sequência do referido em 22), prontificou-se a resolver tais anomalias (docs. fls. 55-63). – 17)

24) - Após rececionar a carta aludida em 17), o Réu nada disse. -18)

25) - Os AA, perante a atitude do Réu, solicitaram a reparação das anomalias referidas em 21) à empresa “A (…) LDA”. – 19)

26) - A “A (…) LDA” iniciou a execução das tarefas solicitadas pelos AA. em 17 de Outubro de 2011. – 20)

27) - (…) - tendo-as concluído no dia 2 de Dezembro de 2011. – 21)

28) - Na execução dos trabalhos referidos em 26), os AA. despenderam a quantia de €22.292,68 (docs. fls. 67 a 76). – 22)

29) - Os AA., entre Agosto de 2008 e Setembro de 2011, suportaram o referido em 21) – 23)

30) - (…) - em virtude de o Réu, durante tal período, ter assumido e prometido aos AA. que iria solucionar tais problemas. – 24)

31) - (…) - o que lhes causou transtornos. – 25)

32) - Na ocasião referida em 15), o Réu comunicou aos Autores que na parte respeitante aos trabalhos ajustados no contrato referido em 5) procederia à execução de todas as tarefas necessárias para resolver as desconformidades neles detetadas. – 31)

33) - Considerava o R. que tais tarefas incluíam a reposição do chão/ retificação nos pontos com anomalias e a vedação das soleiras das sacadas com acesso ao terraço. – 32)

34) - Em 12 de Julho de 2011 o Réu reiterou ao Autor a sua disponibilidade para iniciar os trabalhos propostos [referidos em 32)]. – 34)

35) - Solicitando-lhe (o Réu ao Autor), que disponibilizasse “a referência do pavimento para reposição (dado que esta aquisição foi executada por vós, portanto desconheço a referência do mesmo)”. – 35)

36) - O Autor forneceu ao Réu todas as indicações para este obter os materiais necessários à execução das tarefas. – 36)

37) - O Réu, perante tal indicação, diligenciou no sentido de obter o material cerâmico para a execução das tarefas. – 37)

38) - Tendo encontrado tal material apenas na empresa “J (…) Lda.” (que era igual ao já aí adquirido pelos AA). – 38)

39) - A referida empresa aceitou fornecer tal material após o pagamento, pelos AA, da quantia que reclamava que estes lhe deviam. – 39)

40) - Em 23 de Julho de 2011 o Réu solicitou aos AA. que o contactassem para concluir os trabalhos assim que tivessem o pavimento disponível para reposição. – 40)

41) - Os AA. jamais disponibilizaram tal material ao Réu, tendo remetido aos mesmos a comunicação de 09.09.2011, junta a fls. 66. – 41)

*

Factos Não Provados:

(…)  

G) - Ajustando, Autor e Réu, que para o segundo realizar tais trabalhos, o primeiro colocaria à sua disposição o material para assentamento (revestimento cerâmico). – 33)

H) - Com a conduta descrita em 41) os AA. impediram, dessa forma, o R. de executar as tarefas a que se propôs, para eliminar as desconformidades detetadas nos trabalhos por si executados. – 42)

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Incumprimento definitivo do R. quanto à reparação dos defeitos.

- Transtornos sofridos pelos AA na sequência desses defeitos.

2. O R. impugna a decisão da matéria de facto, pugnando para que o facto não provado H) passe a provado, com base em prova testemunhal e documental (cfr. conclusão de recurso IV.).

Os AA na sua contra-alegação defendem que tal impugnação deve ser rejeitada, por não ter sido dado cumprimento ao art. 640º, nº 1, do NCPC (cfr. a sua conclusão 16.).

Na verdade a impugnação tem de ser rejeitada, mas por outro motivo prévio a esse. É sabido que a lei manda considerar na elaboração da sentença que se seleccionem apenas factos substantivos, materiais, específicos ou concretos, como dimana do estatuído no art. 607º, nº 3 e 4º, 1ª parte do NCPC, e ainda art. 410º do mesmo código.

No nosso caso, tal matéria é conclusiva, pois a afirmação de que “Com a conduta descrita em 41) os AA. impediram, dessa forma, o R. de executar as tarefas a que se propôs, para eliminar as desconformidades detetadas nos trabalhos por si executados” (o sublinhado é nosso)  só pode ser aceite como um juízo de valor a extrair dos pertinentes factos que a ela conduzam, designadamente do próprio facto 41). Ou seja, deste facto é que se pode tirar eventualmente a conclusão que os AA impediram o R. de levar a cabo a eliminação dos defeitos detectados.   

Por isso, o correspondente artigo 42) da base instrutória não devia ter sido formulado e ainda menos respondido, pelo que deve ser expurgado do elenco da factualidade não provada (ficando em letra minúscula). Tendo em conta, então, que a impugnação de facto deduzida pela recorrente visa facto conclusivo, e não concreto ou material, a mesma tem de ser indeferida.

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Prevê o art.º 1027º do C. Civ. que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.”.

Por outro lado, prevê o art.º 1225º do C. Civ. que:

1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.

(…)

Da matéria de facto provada resulta que a obra apresentava as deficiências elencadas no artigo 29º da petição inicial.

Nos termos do contrato de empreitada o R. comprometeu-se a construir aos AA. a morada em perfeito estado de utilização, pelo que, não apresentando a moradia as características que o R. se comprometeu a assegurar, estamos aqui perante um incumprimento do acordado, prevendo a lei, nos artigos 798º e 799º do C. Civ., por presunção, não ilididas nestes autos, que tais deficiências resultam de culpa do R..

(…)

Prevê o art.º 1221º do C. Civ. que:

1. Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.

2. Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito.

Por seu turno, prevê o art.º 1222º do C.C. que:

1. Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.

2. A redução do preço é feita nos termos do artigo 884.º.

Considerando estas normas legais, não temos dúvida de que o R. estava obrigado a proceder à reparação das descritas deficiências.

(…)

No que concerne à responsabilização pelo incumprimento definitivo, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a enveredar por esta solução jurídica, lançando mão do regime geral do incumprimento definitivo, permitindo que, nos casos de incumprimento definitivo pelo empreiteiro relativamente à reparação das deficiências, quer seja incumprimento expresso, por declarado, quer seja por incumprimento tácito, o dono da obra, no exercício dos seus direitos de administração enquanto proprietário do imóvel, tem o direito de proceder às reparações necessárias, exigindo ao empreiteiro o posterior pagamento de todas as despesas realizadas e que só àquele são imputáveis.

Neste sentido vejam-se os seguintes acórdãos (todos com texto integral disponível em www.dgsi.pt):

- 18.12.2013, do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 48/11.0T2AVT.C1;

- 26.05.2015, do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 87958/11.9YIPRT.P1;

- 08.05.2014, do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 298/11.0TBPFR.P1;

- 28.03.2011, do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 444/08.0TBLSD.P1.

No caso dos autos temos provado que surgiu entre AA. e R. um impasse pois o R. aceitava proceder à reparação da parte do terraço que entendia necessária, por entender que tal era suficiente, dispondo-se a adquirir o material para o efeito, não tendo, contudo, adquirido material idêntico porquanto o fornecedor alegava dívida dos AA. relativamente ao fornecimento do material inicial, apenas aceitando fornecer o material em falta se posse pago integralmente o material inicialmente fornecido.

Os AA., por seu turno, entendiam que era necessária a reparação com substituição de todo o terraço, por tal se mostrar indispensável, recusando-se a suportar novamente o custo do material, pago por eles na aplicação inicial, por entenderem não ser da sua responsabilidade as deficiências verificadas.

Saliente-se, em primeiro lugar, que, ao contrário do alegado pelo R., o não pagamento integral pelos AA. do material inicialmente fornecido não pode servir para justificar o seu não cumprimento, pois os AA. têm o direito de resolver as suas questões relativas àquele fornecimento, judicialmente que seja, não sendo legítimo ao R. interferir na resolução de tal questão, pressionando os AA. ao cumprimento para que lhe fosse fornecido material para reparação parcial do terraço.

Assim sendo, é o próprio R. que justifica a razão dos AA. quando exigem a reparação do terraço com substituição de todo o material em causa. De facto, se o R. não conseguia material para reparação parcial do terraço, pretendendo que tal circunstância justifique o seu incumprimento, por maioria de razão está justificado que os AA. tenham substituído todo o terraço, seja pelo facto de quererem fazê-lo para uma reparação correta, seja pelo facto de não terem encontrado material adequado a uma reparação parcial, já que o próprio R. provou que tal material não se encontrava disponível.

Daqui concluímos, portanto, que, tendo o R. dado causa às deficiências que inutilizou o material inicialmente adquirido pelos AA. e aplicado na obra, cabe a ele e só a ele o pagamento de todo o pavimento do terraço necessário à reparação, sendo tal substituição claramente integral sempre que não seja possível sequer adquirir pavimento compatível com aquele que já está aplicado, como era o caso (provado pelo próprio R.).

Saliente-se, aliás, que sempre o R. podia ter pago o pavimento ainda em dívida ao fornecedor, com vista a adquirir o pavimento necessário à reparação que pretendia executar, sendo certo que o fornecedor não podia recusar esse cumprimento por parte do R..

Deste modo, também por aqui não se mostra justificado o incumprimento do R..

Perante o que fica exposto, considerando a comunicação feita pelos AA. ao R. expedida em 09 de setembro de 2011, fixando ao R. um prazo definitivo para cumprimento, não se verifica a necessidade de qualquer posterior notificação admonitória pois, com o “ultimato” dado pelos AA. ao R., ficou este devidamente esclarecido de que os AA. perderiam definitivamente o interesse na prestação do R., tanto mais que ali referem expressamente que, caso o R. não desse início aos trabalhos de reparação no prazo fixado, procederiam à inventariação das deficiências verificadas e das obras necessárias à sua reparação, solicitando a terceiros a imediata reparação das mesmas, exigindo posteriormente ao R. o pagamento de todas as despesas que viessem a efetuar.

Concluímos, portanto, por força do previsto no art.º 808º do C. Civ., que é definitivo o incumprimento do R. e, como tal, é legítimo o pedido dos AA. de que seja declarado resolvido o contrato celebrado entre AA. e R., o que aqui se declara, desde já.

No que concerne à reparação dos prejuízos, por força do previsto nos art.os 798º, 799º e 808º do C.Civ., é o R. responsável pelo ressarcimento de todos os prejuízos advenientes para os AA. do seu incumprimento.

No caso, entendemos que as obras realizadas pelos AA., descritas a fls. 262, e considerando as deficiências descritas no relatório de patologias de fls. 184 a 197, foram adequadas e necessárias à reparação de tais deficiências.

Saliente-se, no que concerne às obras de impermeabilização em redor das fundações da moradia, que o relatório refere humidades nas paredes, cuja proveniência importa definir e atuar em conformidade, motivo pelo qual entendemos estarem justificadas as obras de impermeabilização com vista a eliminar a causa dessas humidades.

Por último, no que concerne ao facto de os AA. não terem comunicado diretamente ao R. a realização das obras de acordo com o orçamento que vieram a aceitar, tal mostra-se irrelevante para efeitos de fixação do montante a pagar pelas obras, já que o orçamento inicialmente comunicado, de €45.444,00, não foi suficiente para impelir o R. a cumprir. Logo, não era exigível aos AA. considerar muito provável que o R. optaria pelo cumprimento da obrigação em falta com um orçamento de valor inferior a metade do valor do orçamento inicialmente comunicado ao R..

Consequentemente, e salvo melhor entendimento, consideramos justificadas todas as obras realizadas pelos AA., bem como o respetivo valor, pelo que vai o R. condenado ao seu pagamento, no montante global de €22.292,68.”.

Em tese geral concorda-se com este discurso jurídico, que se mostra acertado, citando as normas jurídicas pertinentes e invocando adequada jurisprudência.

O R. objecta a esta fundamentação jurídica (conclusões de recurso XI. a XXI.), essencialmente que esteve sempre disponível para efectuar eliminação dos defeitos da obra, os AA é que não colaboraram para esse efeito, pelo que entraram em mora accipiendi, e por isso o seu incumprimento não é definitivo. Este argumentário não resiste, porém, à análise da matéria apurada. Vejamos então.

Em Agosto de 2008 apareceram os primeiros defeitos na casa construída pelo R., que o R. rectificou - factos 10) e 11). Em Fevereiro de 2009 novos defeitos apareceram, o que levou o R. a nova intervenção correctiva – factos 12) a 14) e 20). Em Abril de 2011 o A. comunicou ao R. que persistia a situação de defeitos de construção, o que levou o R. a prometer que procederia à execução de todas as tarefas necessárias para resolver as desconformidades detectadas, considerando o R. que tais tarefas incluíam designadamente a reposição do chão/rectificação nos pontos com anomalias – factos 15), 32) e 33). O A., em final de Maio de 2011, alegando que o R. não tinha respeitado o seu compromisso de iniciar as obras, no início desse Maio, para corrigir os defeitos de construção, comunicou ao R. que estava disposto a combinar com o mesmo um plano até 15 de Junho para execução dos necessários trabalhos correctivos, sob pena de envidar pela sua análise e orçamentação por terceiros especializados – facto 16). No mês de Junho de 2011 constatava-se que subsistiam vários defeitos – facto 21). Então, após 15 de Junho de 2011, o A. comunica ao R. que caso o mesmo nada fizesse teria que contratar os tais terceiros especializados na sequência da qual o R. se prontificou, em 12 de Julho de 2011, a resolver as anomalias existentes – factos 22), 23) e 34). Solicitou então ao A. que disponibilizasse a referência do pavimento para reposição, indicação que o A. forneceu, tendo o R. diligenciado e encontrado o material cerâmico indicado, sem que a empresa fornecedora o facultasse porque o A. tinha uma dívida perante a mesma – factos 35) a 39). Então em Julho de 2011 solicita aos AA que o contactem para concluir os trabalhos assim que tivessem o pavimento disponível para reposição, o que os AA não fizeram – factos 40) e 41). Então o A. comunicou ao R. em 9.9.2011 que apesar de o R. ter assumido a responsabilidade da reparação a mesma nunca foi iniciada, pelo que face ao desinteresse do R. em iniciar os trabalhos tomou a iniciativa de consultar o mercado para recolher orçamentos para a realização dos mesmos, dando uma última oportunidade ao R. para o contactar até 19.9.2011, sob pena de o A. iniciar os trabalhos por sua conta sem mais avisos, missiva a que o R. não respondeu – factos 17) e 24).

Deste quadro global evidencia-se que o R. assumiu a obrigação de reparar os defeitos da construção da casa dos AA que levou a cabo, que era, aliás, uma sua obrigação legal, prometeu mais do que uma vez que o fazia, mas o tempo foi passando, entre Abril e Setembro de 2011, e contudo nada fez.

Para justificar a sua inércia e uma invocada mora accipiendi dos AA alega o R. dois motivos.

Por um lado que estes não lhe forneceram o material cerâmico necessário à reposição do pavimento apesar de os ter avisado (cfr. os aludidos factos 40. e 41.). Não colhe tal justificação, porquanto a obrigação legal de eliminação dos defeitos era do R./empreiteiro devendo ser ele a providenciar por adquirir e aplicar tal material cerâmico. Só assim não seria, se houvesse acordo em sentido diferente celebrado com os AA, o que como facto excepcionante competia ao R. provar nos termos do art. 342º, nº 2, do CC. Ora esse facto-excepção o A. não o provou, apesar de o ter alegado, como decorre do facto não provado G).      

De outra parte considera o R. que apenas estava obrigado a reparar a parte do pavimento onde havia anomalias, tal como tinha alegado na sua contestação e consta do artigo 32. da base instrutória. Seria correcto tal entendimento se o R. tivesse provado que efectivamente assim era, que a mera reposição parcial da pavimentação solucionaria técnica, adequada e completamente o defeito, que este seria eliminado de modo satisfatório e seguro. Só que não provou tal facto – o mais aproximado que se provou é o que consta do facto provado 33) -, certo que lhe cabia aqui neste circunstancialismo, mais uma vez, o ónus da prova como facto excepcionante (apontado art. 342º, nº 2).

Desta sorte, não só se verifica que os AA não entraram em mora, como se constata que o R. é que entrou em incumprimento em relação à sua obrigação de eliminação dos defeitos que a obra por si construída.  

Tratando-se de um incumprimento definitivo, pois o A. comunicou ao R. em 9.9.2011 que apesar de o mesmo ter assumido a responsabilidade da reparação a mesma nunca foi iniciada, pelo que face ao desinteresse do R. em iniciar os trabalhos tomou a iniciativa de consultar o mercado para recolher orçamentos para a realização dos mesmos, dando uma última oportunidade ao R. para o contactar até 19.9.2011, sob pena de o A. iniciar os trabalhos por sua conta sem mais avisos, missiva a que o R. não respondeu (apontados factos provados 17. e 24.). Quadro factual este que tem dois significados, um da parte dos AA, outro da parte do R.:

- quanto àqueles, como bem salienta a sentença recorrida, o A. fez uma espécie de “ultimato” ao R., do qual resulta que este ficou devidamente ciente que os AA perderiam definitivamente o interesse na prestação subjectiva do R. - a que corresponde um incumprimento definitivo, nos termos do art. 808º do CC -, pois lhe deram a conhecer, em 9.9.2011, com toda a clareza, que apesar de o mesmo ter assumido a responsabilidade da reparação, a mesma nunca foi iniciada, pelo que face ao desinteresse do R. em iniciar os trabalhos iria tomar a iniciativa de consultar o mercado para recolher orçamentos para a realização dos mesmos, dando uma última oportunidade ao R. para o contactar até 19.9.2011, como não contactou, sob pena de o A. iniciar os trabalhos por sua conta sem mais avisos, exigindo posteriormente ao R. o pagamento de todas as despesas que viesse a efectuar. O que efectivamente os AA fizeram, já que de seguida contrataram entidade terceira que iniciou os trabalhos logo em Outubro de 2011 – factos 25) e 26).

- quanto a este, a sua não resposta à missiva de 9.9.2011, o seu calar de qualquer resposta ao aviso sério e impressivo dos AA, com a concomitante inércia, só pode equivaler, depois de promessas não cumpridas de eliminação dos defeitos, a uma declaração tácita e inequívoca de não cumprimento (art. 217º, nº 1, 2ª parte do CC).

Como assim, os AA ficaram perfeitamente legitimados para efectuar a reparação por terceiros e exigir o valor ao R./empreiteiro, nos termos do art. 798º do CC (neste sentido ver mais desenvolvidamente J. Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4ª Ed., págs. 101 e 123/126 e inúmeros acórdãos do STJ e Relações aí indicados, e Pedro de Albuquerque, Contratos em Especial, Vol. II, 2ª Ed., Empreitada, págs. 425 e 441, 443/444).

4. Na mesma sentença escreveu-se que:

“Pedem os AA. uma indemnização o valor de €2.000,00 pelos danos que têm sofrido a título não patrimonial pelo facto de viverem na vivenda com as mencionadas deficiências construtivas, o que tem afetado a sua vida e bem-estar pessoal.

Nesta matéria prevê o art.º 1223º do C. Civ. que a reparação dos defeitos e a indemnização pelos defeitos não reparáveis não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais.

(…)

Por seu turno, o art.º 496º do C. Civ. dispõe que:

1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

(…)

No que toca …..- verificação de um dano - importa referir que decorre da matéria dada como provada que, com a conduta adotada, o R. levou a que os AA. se sintam irritados, andam desiludidos com o estado da casa em que viviam, tinham problemas de descanso, etc.

Ora, tais sentimentos, na sequência da conduta do R., consubstanciam danos sofridos pelos AA..

Há, contudo, que aquilatar se, perante a lei, merecem estes danos protecção jurídica.

A norma que impera em tal matéria é o supra transcrito art.º 496º do C.C..

Dado que não está em causa qualquer prejuízo económico mas sim a violação de um direito sem conversão pecuniária, configuram tais danos verdadeiros danos não patrimoniais.

Assim, resta saber se os danos aqui em causa, o sossega e a serenidade dos AA., revestem dignidade suficiente para merecerem tutela jurídica, conforme previsto no art.º 496º, n.º 1 do C.C..

No entender deste Tribunal, não pode tal questão deixar de obter resposta positiva.

Efetivamente, todos têm direito ao sossego, ao descanso, essenciais a uma vida com bem-estar, bem como a poder desfrutar das comodidades que uma habitação deve proporcionar ao seu proprietário e à sua família.

É do conhecimento geral que as famílias privam-se de certas coisas para poderem adquirir habitação própria e, assim, poderem desfrutar das comodidades e privacidade que uma habitação proporciona.

Logo, é legítimo concluir que estes direitos têm dignidade suficiente para merecer a tutela em sede de indemnização civil.

Neste sentido veja-se o acórdão proferido pelo STJ em 24.01.2012, no âmbito do processo n.º 540/2001.P1.S1, com texto integral disponível em www.dgsi.pt.

(…)

Na verdade, decorre daquela referida matéria que, devido à deficiente construção da moradia, imputável ao R., aquela apresentava as deficiências elencadas no artigo 29º da petição inicial, o que provocava nos AA. a falta de descanso, a irritação e o desapontamento por não poderem fruir a sua habitação própria como haviam projetado.

(…)

Assim, há que atentar nos sentimentos que a conduta do R. provocou nos AA. e o lapso de tempo pelo qual se perpetuou.”

O R. contesta tal discurso jurídico (conclusões de recurso XXIII. a XXXII.), dizendo essencialmente que “quem celebra um contrato como é um contrato de empreitada para a construção de uma habitação, dificilmente passará, sem incómodos, quase diários, aborrecimentos e riscos de diversa ordem. Parece-nos, pois, que os incómodos e aborrecimentos eventualmente vividos pelos AA. são decorrência normal da tarefa a que se propuseram (construção de uma habitação), compensados, com certeza, com momentos de muita alegria vividos.”, sendo que “no caso concreto, não existem danos morais que registem gravidade e dimensão que mereçam a tutela do direito”. Esta argumentação não procede.

Em primeiro lugar, os danos que emergiram para os AA não ocorreram durante a construção da moradia, como o R. parece pressupor, mas sim depois, na fase em que foram detectados vários defeitos e no período em que o R. os tentou eliminar, pelo que os danos dos AA derivam dessa defeituosa construção e num período de tempo largo em que já viviam na sua habitação – cfr. factos provados 10) a 17), 21), 29) a 31).

Como se escreveu no Ac. do STJ de 24.05.2007, Proc.07A1187 (em www.dgsi), dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade”. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação.

Ora, os transtornos apurados não são de somenos, dada a gravidade dos mesmos, a sua perpetuação no tempo, e as implicações que necessariamente produziram, geradores naturalmente de irritação, desilusão, agastamento, ansiedade e falta de paz de espírito, em relação a um lugar privilegiado como é a nossa habitação, lugar de intimidade privada onde deve reinar o sossego, a tranquilidade, o descanso, a comodidade, essenciais a uma vida de bem-estar.  

Violaria as regras do sentir social e do bom senso comum ao homem médio que os transtornos causados aos AA durante tanto tempo não fossem considerados graves, antes apenas configurados como meros e pequenos incómodos, como banalidades.

Como tal justificava-se plenamente a condenação do A. como causador de danos morais aos AA, nos termos do aludido art. 496º, nº 1, do CC, e como tal indemnizáveis. 

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Se a reapreciação da decisão da matéria de facto visa meras conclusões de facto, a mesma não pode ser objecto de consideração já que a lei manda seleccionar na elaboração da sentença apenas factos substantivos, materiais, específicos ou concretos (art. 607º, nº 3 e 4º, 1ª parte do NCPC);

ii) Incorrendo o empreiteiro em incumprimento definitivo em relação à sua obrigação de eliminação dos defeitos, o dono da obra pode mandar efectivar por sua conta tais trabalhos e depois reclamar a devida quantia ao empreiteiro;

iii) Se o A./dono da obra comunicou ao R./empreiteiro em 9.9.2011 que apesar de o mesmo ter assumido a responsabilidade da reparação a mesma nunca foi iniciada, pelo que face ao desinteresse do R. em iniciar os trabalhos tomou a iniciativa de consultar o mercado para recolher orçamentos para a realização dos mesmos, dando uma última oportunidade ao R. para o contactar até 19.9.2011, sob pena de o A. iniciar os trabalhos por sua conta sem mais avisos, missiva a que o R. não respondeu, verifica-se incumprimento definitivo deste último;

iv) Tal quadro factual tem dois significados, um da parte dos A., outro da parte do R.:

- quanto ao A. tal “ultimato” ao R., implica que este ficou devidamente ciente que aquele perderia definitivamente o interesse na prestação subjectiva do R. (nos termos do art. 808º do CC), já que o desinteresse do R. em iniciar os trabalhos iria desencadear a iniciativa do A. de consultar o mercado para recolher orçamentos para a realização dos mesmos, se o R., em última oportunidade não o contactasse até 19.9.2011, como não contactou, com o subsequente início dos trabalhos pelo A. por sua conta, sem mais avisos, exigindo posteriormente ao R. o pagamento de todas as despesas que viesse a efectuar;  

- quanto ao R., o seu calar de qualquer resposta ao aviso sério e impressivo dos AA, de 9.9.2011, com a concomitante inércia, equivale, depois de promessas não cumpridas de eliminação dos defeitos, a uma declaração tácita e inequívoca de não cumprimento (art. 217º, nº 1, 2ª parte do CC);

v) Dano moral grave, susceptível de indemnização, nos termos do art. 496º, nº 1, do CC, não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade”; um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação.

v) Com base neste entendimento deve ser atribuída indemnização, por danos morais, a casal que entre Agosto de 2008 a Setembro de 2011, sofre continuados transtornos, geradores naturalmente de irritação, desilusão, agastamento, ansiedade e falta de paz de espírito, em relação à sua habitação, lugar de intimidade privada onde deve reinar o sossego, a tranquilidade, o descanso, a comodidade, essenciais a uma vida de bem-estar, em virtude de aparecimento de defeitos graves na casa que construíram em regime de empreitada.

 

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso do R., assim se confirmando a decisão recorrida.

*

Custas pelo R.

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                                                                                Coimbra, 29.1.2019

                                                                                 Moreira do Carmo ( Relator )

                                                                                 Fonte Ramos

                                                                                 Maria João Areias