Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
505/13.3TBVIS.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: PRAZO RAZOÁVEL
PAGAMENTO DA COIMA EM PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 06/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA LOCAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 20.º DA CRP; ART. 6.º DA CEDH; ART. 47, DO CP; ART. 88.º DO RGCOC
Sumário: I - A determinação da razoabilidade do prazo requer o exame da situação concreta, designadamente a questão de facto e de direito.
II - A existência de um prazo máximo de 2 anos sobre a data do trânsito em julgado da condenação, visa impedir que o pagamento da coima (art.88.º, n.º 5 do RGCO), ou da multa (art.47.º, n.º 3 do Código Penal), se prolongue de tal modo no tempo que o efeito preventivo da sanção se perca.

III - O prazo de 2 anos é perentório, um limite máximo até ao qual todas as prestações têm de estar pagas, independentemente da data da decisão que defere o pagamento em prestações, pelo que, em face da letra e do espírito da lei, o condenado não pode ter qualquer expetativa jurídica de que tal prazo se conta a partir da data do deferimento.

IV - A interpretação do art.88.º, n.º 5 do RGCO realizada no douto despacho recorrido, no sentido de que no pagamento da coima em prestações, a última delas não pode ir além dos dois anos subsequentes ao carácter definitivo ou ao trânsito em julgado da decisão, respeita a letra e o espírito da norma e não viola os artigos 20.º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Decisão Texto Integral:




Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

     Relatório

            Por despacho de 1 de outubro de 2015, proferido pela Ex.ma Juíza da Comarca de Viseu – Instância Local de Viseu, Secção Criminal – J2, foi decidido deferir parcialmente o requerimento da arguida “A... , Lda” e autorizar o pagamento fracionado da coima no valor total de € 15.000,00 em 5 prestações iguais e sucessivas, no valor de €3.000,00, a pagar até ao dia 10 de cada mês a que disser respeito, por forma a não ultrapassar os 2 anos posteriores ao trânsito do acórdão do Tribunal da Relação transitado em julgado a 13/03/2014.

           

           Inconformada com o douto despacho dele interpôs recurso a arguida “ A... , Lda”, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

A) A recorrente, não se conforma com o decidido no despacho recorrido, na parte em que apenas defere parcialmente o requerido pagamento da coima em prestações.

B) Não sendo de admitir a interpretação acolhida na decisão recorrida, atenta a concreta, objectiva e objectivável marcha processual após, o trânsito em julgado do Douto Acórdão da Relação, segundo a qual pagamento da coima em prestações, a ultima delas, não pode ir além dos dois anos subsequentes ao caracter definitivo ou ao trânsito em julgado da decisão.

C) E, isto, por referência ao transito em julgado do Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação, que data de 13/03/2014 e ao momento em que proferida a decisão colocada em crise, nesta sede recursória.

D) Pois que, compulsando o processado, na parte relevante, facilmente se constata que, entre o momento em que foi requerido o pagamento a prestações da coima e o da prolação do despacho em crise, passaram, pasme-se, dezasseis meses.

E) In casu, o deferimento parcial do requerido pagamento em prestações da coima, designadamente em cinco prestações de 3.000,00€, conduzirá, sem que muito ou nada se force à insolvência da Recorrente, por lhe ser incomportável à míngua dos recursos disponíveis, suportar mensalmente tão grandes encargos.

F) O que seguramente implicará, a manter-se o decidido, o encerramento de portas e consequente despedimento dos 13 funcionários que tem ao seu serviço.

G) Com efeitos, fundamentação do despacho recorrido, não pode servir, ainda que por decorrência da letra da Lei, para justificar a redução do prazo prestacional requerido, para cinco meses ou cinco prestações, por questões de temporalidade de decisão, sendo seguro, até porque o contrário, não resulta da decisão recorrida, que se assim o não fosse, o Recorrente teria beneficiado do prazo de 24 meses ainda que reduzido a um ano.

H) Neste conspecto, o n.º 5 do art. 88.º, do RGCO, deve ser interpretado no sentido de que, o prazo de pagamento a prestações da coima, se deve iniciar com o despacho que decide a questão até a um máximo de dois anos seguintes a esta ultima decisão.

I) Compulsando os autos, avulta à saciedade que se trata de uma decisão simplista e desprovida de incidentes, que torna o atraso em destaque injustificado em promover o seu adequado andamento, por parte do tribunal ou seus agentes.

J) Ou seja, a sua anormal tramitação, registou um atraso indesculpável imputável à máquina da justiça e por conseguinte ao Estado Português que por ela é responsável.

K) Existe, pois, ilicitude, se analisarmos o trâmite processual à luz do direito a uma decisão em tempo razoável, que em concreto pode ser qualificado como excessivamente demorado e, portanto, desadequado.

L) A decisão ao requerido, esteve indevidamente parada por, um enorme período de tempo, sem motivo justificado e aqui compreendido como excessivo e injustificadamente longo por culpa da "máquina da justiça".

M) O direito a uma decisão em prazo razoável tem consagração constitucional no art. 20.º, n.º 4 da Constituição e no art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10.

N) O direito à decisão em prazo razoável, também referido como direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, direito a uma decisão temporalmente adequada ou direito à tempestividade da tutela jurisdicional, aponta para uma tramitação processual adequada e para a razoabilidade do prazo da decisão, no sentido de a tutela jurisdicional ocorrer em tempo útil ou em prazo consentâneo.

O) A razoabilidade do prazo deverá ser aferida mediante critérios, como a complexidade do processo e das diversas autoridades envolvidas no processo, o modo de tratamento do caso pelas autoridades judiciais e administrativas e as consequências da delonga para as partes, entre outros.

P) Em concreto a delonga, e parafraseando o despacho recorrido, é justificativa do deferimento parcial da pretensão, reduzindo-a no essencial, ao prazo bastante para ultima das prestações, coincidir com o 24° mês após o trânsito em julgado do Douto Acórdão da Relação.

Q) O que equivale, na realidade incontornável da arguida e a manter-se a interpretação ínsita ao despacho recorrido, à sua insolvência.

R) O gizado incumprimento importa a violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.6.º, n.º 1), e do art.20.º, n.º 4 da Constituição, que mostra violado o direito a uma decisão em prazo razoável - ilicitude.

S) Desta sorte e considerando o atraso assinalável e imputável à máquina da justiça, a interpretação do n.º 5, do art.88.º RGCO, veiculada no despacho recorrido, é atentatória do direito à obtenção de uma decisão em tempo razoável e, assim, geradora de ilicitude.

T) O que legitima, a interpretação da referida norma, nos termos da qual o prazo de pagamento a prestações da coima, se deve iniciar com o despacho que decide a questão até a um máximo de dois anos seguintes a esta ultima decisão.

U) A interpretação plasmada na Douta decisão violou o disposto no artigo 88°, n.º 5 do R.GC.O por confronto com o preceituado no art. 20.º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa e no art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do direito a uma decisão em prazo razoável.

Nestes termos e nos demais de Direito, e sempre com o Mui Douto suprimento dos Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores, deve, o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que autorize o pagamento da coima nos termos requeridos ou quando assim não ser entenda e subsidiariamente, em 12 prestações, assim se fazendo Justiça.

O Ministério Público na Instãncia Local de Viseu respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.

            A Ex.ma Procuradora-geral adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer  no sentido de que o recurso não merece provimento.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, a recorrente nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            O despacho recorrido tem o seguinte teor:

«Quanto à possibilidade do pagamento das custas em prestações, cumprido o quanto consta do art. 33.° do Regulamento das Custas Processuais, defiro o requerido pagamento das custas em prestações, que se fixam em 6 (seis), vencendo-se tais prestações nos moldes do preceituado pelo n.° 3 daquela norma legal.

       Notifique, sendo o recorrente com a advertência de que o não pagamento de uma prestação implica o vencimento das demais.


**

Quanto ao mais pretendido pelo recorrente, e, assim, quanto ao pagamento prestacional da coima, compulsados os autos e a factualidade nos mesmos assentes, entendemos ser de o acolher, na medida em que se mostram efectivamente escassos os rendimentos de que dispõe. Considerámos, porém, não podermos permitir o fraccionamento do montante devido em parcelas demasiadamente reduzidas, dado que assim se retiraria a censura contra-ordenacional que a coima em si transmite, frustrando as finalidades que lhe são inerentes. Sendo certo não estarem em causa penas, facto é que as contra-ordenações consubstanciam o sancionamento de comportamentos desconformes ao Direito, pelo que cremos ser de primacial importância estabelecer prestações cujos termos não sejam tão suaves que não seja sentido o juízo de censura vindo de referir, posto que limitado a óbvios padrões de razoabilidade.

      Importa, no entanto, tomar em consideração que o n°5 do art. 88° do RGCO preconiza a possibilidade de pagar em prestações a coima, não podendo, porém, a última delas ir além dos dois anos subsequentes ao carácter definitivo ou ao trânsito em julgado da decisão. Ora, o douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação transitou em julgado a 13/03/2014.

       Desta forma, julgamos deferir parcialmente o requerido, autorizando o pagamento fraccionado da coima, cujo total ascende a € 15.000,00 (quinze mil euros) em 5 (cinco) prestações iguais e sucessivas, no valor de €3.000,00, a pagar até ao dia 10 de cada mês a que disser respeito, por forma a não ultrapassar os 2 anos posteriores ao trânsito do aludido Douto Acórdão. Advirta-se, desde já, que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das demais.

         DN.».

                                                                        *

                                                  

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente arguido a  questão a decidir é a seguinte:

- se o n.º5 do art.88.°, do RGCO, deve ser interpretado no sentido de que o prazo de pagamento a prestações da coima se deve iniciar com o despacho que decide a questão e até  um máximo de dois anos seguintes a esta ultima decisão.


-

            Passemos ao conhecimento da questão

            Resulta dos autos que por decisão de 7 de Setembro de 2012, da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, foi a arguida “ A... , Lda”, condenada pela prática de uma contraordenação grave, na coima de € 15.000,00.

Inconformada com a decisão administrativa, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial, mas o Tribunal, por sentença proferida a 7 de Outubro de 2013, julgou o mesmo improcedente e manteve a decisão administrativa.

A arguida recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas este Tribunal, por acórdão de 19 de Fevereiro de 2014 negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

O acórdão do Tribunal da Relação transitou em julgado a 13/03/2014 e a secretaria judicial,  notificou a arguida por via postal com data de 9 de junho de 2014 para proceder ao pagamento voluntário das custas e da coima.

Por requerimento de 27 de Junho de 2014, a arguida “ A... , Lda”, veio requerer “a liquidação da multa em 24 prestações mensais de € 625,00 cada,” ao abrigo do disposto no art.47.º, n.º 3 do Código Penal, que estatui que « Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.», invocando não ter capacidade económica momentânea e imediata para proceder ao seu pagamento total.

Dada vista ao Ministério Público, este promoveu, em 30 de Junho de 2014, que o requerimento do arguido fosse deferido, mas em 18 prestações mensais e sucessivas de modo a não ultrapassar o prazo máximo de 2 anos legalmente previsto, dado que a primeira prestação previsivelmente apenas será liquidada em setembro e a decisão proferida transitou em março desse ano.

O requerimento da arguida, datado de 27 de Junho de 2014, foi objeto de decisão pelo despacho ora recorrido, datado de 1 de outubro de 2015.

A arguida não se conforma com o douto despacho recorrido na parte em que lhe defere parcialmente o requerimento, autorizando o pagamento da coima em cinco prestações iguais e sucessivas, no valor de €3.000,00, a pagar até ao dia 10 de cada mês a que disser respeito, por forma a não ultrapassar os 2 anos posteriores ao trânsito do acórdão do Tribunal da Relação ocorrido a 13/03/2014.

Alega para o efeito, e em síntese, o seguinte:

- Entre o momento em que foi requerido o pagamento da coima em prestações e o despacho recorrido que sobre ele se pronunciou, decorreram 16 meses, sem que tenham ocorrido nesse período quaisquer incidentes, pelo que o atraso no conhecimento do requerimento é injustificado e apenas imputável ao Tribunal e seus agentes;

- O deferimento parcial do requerido, com pagamento em cinco prestações iguais de €3.000,00, levará à iminente insolvência, ou mesmo à insolvência da arguida;

- O direito a uma decisão em prazo razoável, também referido como direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, direito a uma decisão temporalmente adequada ou direito à tempestividade da tutela jurisdicional, tem consagração constitucional no art.20°, n° 4 da Constituição e no art.6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, apontando para uma tramitação processual adequada e para a razoabilidade do prazo da decisão, no sentido de a tutela jurisdicional ocorrer em tempo útil ou em prazo consentâneo;

- Considerando o atraso assinalável de 16 meses, imputável à máquina da justiça, a interpretação do n.º 5, do art.88.º RGCO, veiculada no despacho recorrido, é atentatória do direito à obtenção de uma decisão em tempo razoável e, assim, geradora de ilicitude, o que legitima, a interpretação daquela norma, no sentido de que o prazo de pagamento a prestações da coima se deve iniciar com o despacho que decide a questão até a um máximo de dois anos seguintes a esta ultima decisão.

- A interpretação plasmada na douta decisão recorrida violou o disposto no artigo 88°, n.º 5 do R.GC.O., por confronto com o preceituado no art. 20.º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa e no art. 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem - direito a uma decisão em prazo razoável – pelo que deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que autorize o pagamento da coima nos termos requeridos ou, quando assim não ser entenda e subsidiariamente, em 12 prestações.

Vejamos.

O art.20.º da Constituição da Republica Portuguesa, sob a epígrafe « acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», estabelece, no seu n.º 4, que « todos têm direito a que uma causa  em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».

A previsão deste n.º 4 do art.20.º da Constituição identifica-se, em geral, com a formulação constante do art.6.°, n.º1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, onde se estabelece, nomeadamente e na parte em que aqui interessa: « qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente , num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial (…).».

Incumbe ao Estado organizar o sistema judicial de modo a que as suas jurisdições possam garantir a cada um o direito de obter uma decisão definitiva sobre a “acusação”, designadamente contraordenacional em prazo razoável.

Em matéria contraordenacional, em regra, o prazo razoável termina com a decisão que fixa definitivamente o destino do processo, seja com a absolvição, seja com a condenação.

No entanto, o prazo razoável cobre todo o processo, pelo que prosseguindo este após a decisão final, designadamente com o pagamento voluntário ou execução da coima aplicada, todos os requerimentos e incidentes que nele têm lugar, devem respeitar o direito do arguido a obter uma decisão em prazo razoável. 

A determinação da razoabilidade do prazo requer o exame da situação concreta, designadamente a questão de facto e de direito.

O atraso na decisão, com violação do direito a obter uma decisão em prazo razoável, é um facto ilícito, gerador de responsabilidade civil do Estado, que deverá ressarcir os danos comprovadamente sofridos pelo lesado com a morosidade.

O art.88.º, n.º 5 do RGCO, com a redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 244/95, de 14 de Setembro, alegadamente violado na douta decisão recorrida, estatui o seguinte:

«Pode ainda a autoridade administrativa ou o tribunal autorizar o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes ao carácter definitivo ou ao trânsito em julgado da decisão e implicando a falta de pagamento de uma prestação o vencimento de todas as outras.».

O diferimento no tempo da coima em prestações tem a sua correspondência no art.47.º, n.º3, do Código Penal – invocado pela arguida no seu requerimento de datado de 27 de Junho de 2014, que estabelece: «Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.».

A existência de um prazo máximo de 2 anos sobre a data do trânsito em julgado da condenação, visa impedir que o pagamento da coima (art.88.º, n.º5 do RGCO), ou da multa ( art.47.º, n.º 3 do Código Penal), se prolongue de tal modo no tempo que o efeito preventivo da sanção se perca. 

Em face do disposto no art.88.º, n.º5 do RGCO, como no art.47.º, n.º 3, do Código Penal, o condenado sabe, por tal constar da lei, que caso lhe seja deferido o pagamento da coima em prestações, o mesmo terá de ser efetuado num prazo máximo de 2 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão.

O prazo de 2 anos é perentório, um limite máximo até ao qual todas as prestações têm de estar pagas, independentemente da data da decisão que defere o pagamento em prestações, pelo que, em face da letra e do espírito da lei, o condenado não pode ter qualquer expetativa jurídica de que tal prazo se conta a partir da data do deferimento.

A partir do momento em que o condenado no pagamento de uma coima sabe que tem de a pagar, e que se lhe for autorizado o pagamento em prestações a última delas não pode ir além dos 2 anos a contar da decisão transitada em julgado, deve o mesmo fazer as correspondentes provisões para assegurar o pagamento até ao fim daquele prazo. Se não fizer as correspondentes provisões e contra o que resulta da lei, interpreta o art.88.º, n.º5 do RGCO, no sentido de que “o prazo de pagamento a prestações da coima, se deve iniciar com o despacho que decide a questão até a um máximo de dois anos seguintes a esta ultima decisão”, só da sua negligência se pode queixar se não conseguir pagar voluntariamente as prestações da coima nos termos que objetivamente constam da letra e espírito da norma legal ou se para as pagar , por não ter efetuado as oportunas provisões, vier a entrar em insolvência.

Retomando o caso concreto, e aplicando o ora exposto, diremos, antes do mais, que o prazo para decisão sobre o requerimento apresentado pela condenada/recorrente, não respeitou o direito desta em obter uma decisão em prazo razoável, uma vez que decorreram entre aquela peça processual e o despacho recorrido, mais de 15 meses, sem que à requerente possa ser assacada qualquer responsabilidade nesse excessivo atraso em ser proferida decisão judicial.

Se o recorrente entende que sofreu danos com a morosidade na resposta ao seu requerimento proporá a correspondente ação de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.

O Tribunal da Relação não vislumbra porém que do conhecimento do requerimento no douto despacho recorrido, para além da violação do prazo razoável em que deveria ter sido conhecido, resultou qualquer perda ou retirada de direitos à condenada A... em face do disposto no art.88.º, n.º5 do RCCO, pois bem sabia que, caso lhe fosse deferido o pagamento da coima em prestações, a última delas não poderia ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.

Embora tenha invocado no seu requerimento o art.47.º, n.º 3 do Código Penal, é a própria condenada que ao solicitar “o pagamento da multa em 24 prestações mensais de € 625,00€”, menciona que a última prestação não pode ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação.

O Tribunal a quo considerou no despacho recorrido, e bem, em face do fim visado pelo art. art.88.º, n.º5 do RCCO, «… não podermos permitir o fraccionamento do montante devido em parcelas demasiadamente reduzidas, dado que assim se retiraria a censura contra-ordenacional que a coima em si transmite, frustrando as finalidades que lhe são inerentes (…)» e, assim, «… ser de primacial importância estabelecer prestações cujos termos não sejam tão suaves que não seja sentido o juízo de censura vindo de referir, posto que limitado a óbvios padrões de razoabilidade.».

Foi em consideração, conjunta, das razões de censura contra-ordenacional que a coima em si transmite e as finalidades inerentes, por um lado, e do prazo máximo de 2 anos imposto na lei, por outro, que no despacho recorrido se deferiu parcialmente o requerimento da condenada, autorizando o pagamento fraccionado da coima, cujo total ascende a € 15.000,00 em 5 prestações iguais e sucessivas, no valor de €3.000,00, a pagar até ao dia 10 de cada mês a que disser respeito, por forma a não ultrapassar os 2 anos posteriores ao trânsito do acórdão proferido pela Relação de Coimbra.

Assim, ao contrário do referido pela recorrente, nada aponta no despacho recorrido que o deferimento parcial resultou apenas da lei exigir que a última prestação não pode ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação, nem do mesmo despacho resulta que “o Recorrente teria beneficiado do prazo de 24 meses ainda que reduzido a um ano” se o seu requerimento tivesse sido deferido dentro de um prazo mais curto.

Em suma, a interpretação do art.88°, n.º5 do R.GC.O. realizada no douto despacho recorrido, no sentido de que no pagamento da coima em prestações, a última delas não pode ir além dos dois anos subsequentes ao caracter definitivo ou ao trânsito em julgado da decisão, respeita a letra e o espírito da norma e não viola os artigos 20.º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa e 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Assim, o presente recurso, por meio do qual consegue a recorrente ficar mais alguns meses sem pagar a coima devida pela prática de uma contraordenação grave, não pode deixar de improceder.

 

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela arguida “ A... , Lda” e manter o douto despacho recorrido.

             Custas pela recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                        *

Coimbra, 1 de junho de 2016

(Orlando Gonçalves – relator)

(Inácio Monteiro - adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.