Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
684/07.9TTAVR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
DECISÃO JUDICIAL
EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
ACORDO
Data do Acordão: 06/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA, JUÍZO DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTº 435º CT/2003
Sumário: I – A declaração judicial da ilicitude do despedimento implica o reconhecimento da nulidade dessa causa de cessação do contrato, ou seja, que o efeito extintivo do contrato, típico do despedimento, não se produz, tudo se passando como se o contrato sempre se tivesse mantido em vigor.

II – Todavia, a nulidade do despedimento não apaga o seu efeito extintivo enquanto não houver declaração judicial da sua ilicitude (o artº 435º do CT/2003 estabelece que a ilicitude do despedimento só pode ser declarada pelo tribunal em acção intentada pelo trabalhador).

III – Ou seja, enquanto não houver essa declaração judicial não pode considerar-se que o contrato está em vigor.

IV – E não estado em vigor, não é possível operar a sua extinção por vontade de alguma de ambas as partes, antes da sua “ressuscitação” pela referida declaração judicial.

V – Após um despedimento ilícito, estando os respectivos efeitos dependentes de declaração judicial, não é possível operar outro efeito extintivo do contrato que dependa da vontade das partes.

VI – Apenas depois do trânsito em julgado da decisão que declarou ilícito o despedimento e ordenou a reintegração do trabalhador pode operar outro efeito extintivo do contrato dependente da vontade das partes.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Na pendência de execução para prestação de facto, a recorrida – ali executada – deduziu oposição à execução, pretendendo a sua extinção.

Na execução, a exequente pede a execução de sentença que condenou a executada na sua reintegração, na sequência de despedimento ilícito.

Na oposição, a executada alega, em síntese, que em 28.01.2008 comunicou à exequente a extinção do contrato de trabalho por abandono do trabalho, pois após prolação de decisão judicial a ordenar a reintegração da trabalhadora a mesma não se apresentou ao serviço antes de 29.01.2008, pelo que se verifica a prescrição, mas mesmo que assim não se entenda o contrato de trabalho cessou em 12.03.2009 porquanto em 17.02.2009 a exequente informou que se encontrava de baixa médica e a oponente respondeu-lhe por escrito que o contrato havia cessado em 28.01.2008, e então igualmente se verifica a prescrição.

Conclui que quando o STJ proferiu decisão que confirmou a sentença que ordenou a reintegração já o contrato havia cessado, devendo a execução ser julgada extinta.

A exequente contestou, alegando essencialmente que é falso que o contrato de trabalho tenha cessado por sua iniciativa e que não ocorreu a prescrição invocada.
Prosseguindo o processo, o Ex.mo juiz da 1ª instância proferiu despacho julgando do mérito da oposição, decidindo pela sua procedência e julgando extinta a execução.

É deste despacho que a exequente vem agora apelar apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:

[…]

A executada apresentou contra-alegações, defendendo a improcedência do recurso.

Por sua vez, recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto, defendendo que o recurso deve ser julgado improcedente.

Não houve respostas a este parecer.


*

II.  As conclusões da apelação delimitam o objecto do recurso (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber se ocorreu uma causa de cessação do contrato de trabalho posterior à condenação na reintegração, circunstância que se traduziria em facto extintivo da obrigação exequenda, fundamento da oposição nos termos do disposto na al. g) do art. 814.º do CPCivil.

Vejamos:

A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
1- A exequente A... instaurou contra a executada “ B...” a acção apensa, com processo comum, pedindo, entre o mais, que fossem declarados ilícitos o despedimento e a cessação do contrato de trabalho por iniciativa da ré, por inexistência de justa causa, e fosse, em consequência, a ré condenada a reintegrar a autora, nos termos legais.
2- Em 04.01.2008 foi proferida sentença a reconhecer como ilícito o despedimento da autora A..., porque improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, condenando a ré “ B...” a reintegrar a autora no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
3- Em 28.01.2008 a ré “ B...” apresentou recurso da sentença, o qual foi admitido por despacho de 03.03.2008, como de apelação com efeito devolutivo, despacho que foi notificado às partes nessa mesma data.
4- Em 19.06.2008 foi proferido Acórdão no Tribunal da Relação de Coimbra a revogar a sentença proferida em 1ª instância, notificado às partes em 23.06.2008.
5- Depois de interposto e admitido recurso para o Supremo Tribunal de justiça, em 12 de Fevereiro de 2009 foi proferido Acórdão a repristinar a decisão de 1ª instância, notificado às partes em 13.02.2009.
6- Em 28.01.2008 a executada “ B...” enviou à exequente A... carta com o teor de fls. 10 – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido –, recebida pela mesma em 31.01.2008, comunicando que se verificava abandono de trabalho.
7- Em 29.01.2008, cerca das 10 horas, a exequente A... apresentou-se, acompanhada de duas testemunhas, nas instalações da executada para trabalhar, tendo sido impedida de o fazer pela Drª C... que lhe comunicou que estava impedida de pegar ao serviço em virtude de estar a decorrer um processo disciplinar.
8- Nesse mesmo dia 29.01.2008, a exequente A... enviou à executada fax com o teor de fls. 48 do processo de execução (apenso com a letra “A”) – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9- No dia seguinte, 30.01.2008, a exequente A... voltou a apresentar-se nas instalações da executada para trabalhar, tendo sido novamente impedida de o fazer pela Drª C....
10- Em 17.02.2009 a exequente A... remeteu carta à executada a informar que se encontrava de baixa médica desde 03.02.2009 até 14.02.2009 com prolongamento a 16.03.2009.
11- Em 11.03.2009 a executada “ B...” respondeu à carta referida no ponto anterior, enviando à exequente carta com o teor de fls. 16 – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido –, recebida em 13.03.2009, informando que o contrato cessou em 28.01.2008.
12- Em 20.04.2009 a exequente A... voltou a apresentar-se nas instalações da executada para trabalhar, tendo sido novamente impedida de o fazer pela Drª C... comunicando-lhe que estava despedida desde 28.01.2008.
13- Em 07.10.2010 a exequente A... apresentou requerimento executivo que originou o apenso com a letra “A”, impulsionando execução para prestação de facto, alegando que a executada não a reintegrou como determinado pelo tribunal e serem suficientes 8 dias para ser cumprida essa obrigação.

Prosseguindo:

Importa começar por apresentar a linha de raciocínio subjacente à decisão da 1ª instância.

Começou na consideração que - traduzindo-se a questão em saber se o contrato de trabalho, com base no qual a decisão judicial de reintegração era exequível, cessou de modo a que aquela decisão não possa ser executada - a questão não se colocava em primeira linha em termos de prescrição, pois o direito à reintegração estava em discussão até transitar em julgado a decisão que o declarou e, mesmo que assim não fosse, a situação não se enquadraria no prazo de prescrição de um ano previsto para os créditos laborais.

Considerou que a invocação da extinção do contrato por abandono do trabalho, na data em que ocorreu, não podia ter sucesso, pois estava em aberto a possibilidade de recurso da decisão que determinou a reintegração com efeito suspensivo, na medida em que não havia qualquer despacho a admitir o recurso, nem está demonstrado que tivesse sido transmitido à trabalhadora que não iria ser interposto recurso, ou que a sê-lo seria pretendido o efeito suspensivo. E que de todo o modo, sempre competiria ao empregadora a obrigação, em consequência da ordem de reintegração, de solicitar a prestação de trabalho à trabalhadora (citando o Ac. do STJ de 10.03.2004, in www.dgsi.pt, processo nº 03S3571, segundo o qual “o efeito devolutivo atribuído ao recurso de uma decisão que condenou na reintegração significa a mera faculdade, e não a obrigação, de promover a execução do decidido; não tendo o empregador solicitado ao trabalhador a efectivação da sua prestação de trabalho, nem o trabalhador a tendo oferecido, não incorre este em faltas injustificadas”).

Mas, dito isto, considerou que, em 11.03.2009 foi comunicado à autora/exequente pela ré/executada por escrito (depois reafirmado verbalmente em 20.04.2009) que estava despedida.

E perante isso, importaria considerar que houve uma manifestação inequívoca da vontade da entidade empregadora no sentido do despedimento, o que determinou o fim da relação laboral, sendo que, independentemente da sua licitude, face ao tempo decorrido, a exequente já não podia impugnar esse despedimento, ante o disposto no art. 435.º do Código do Trabalho de 2003 e art. 387.º do Código do Trabalho de 2009.

Aqui chegada, o raciocínio exposto conduziu à consideração fundamentada que existe um facto superveniente que extingue o direito à reintegração (“o contrato de trabalho cessou por outra via”), demonstrado por documento, que se enquadra na al. g) do art. 814.º do CPC.

Analisados os factos, vejamos então se assim é.
Como julgamos ser concepção pacífica na doutrina e na jurisprudência, a declaração judicial da ilicitude do despedimento implica o reconhecimento da nulidade dessa causa de cessação do contrato, ou seja que o efeito extintivo do contrato, típico do despedimento, não se produz, tudo se passando como se o contrato sempre se tivesse mantido em vigor.
Todavia, a nulidade do despedimento não apaga o seu efeito extintivo enquanto não houver declaração judicial da sua ilicitude (o artigo 435.º do CT/2003 estabelece que a ilicitude do despedimento só pode ser declarada pelo tribunal em acção intentada pelo trabalhador).
Ou seja, enquanto não houver essa declaração judicial não pode considerar-se que o contrato está em vigor.
E não estando em vigor, não é possível operar a sua extinção por vontade de alguma ou de ambas as partes, antes da sua “ressuscitação” pela referida declaração judicial.
Neste sentido, fazemos valer-nos da fundamentação do Ac. do STJ de 9-10-2002 (in www.dgsi.pt, proc. 01S3448), acolhida pelo Acórdão uniformizador de jurisprudência nº 1/2004, de 20-11-2003, in DR, Série I-A, de 9-1-2004. Ali se escreveu, designadamente, a propósito da vigência do contrato após um despedimento ilícito (com sublinhados nossos):
Essa vigência do contrato mantém-se para o futuro, sem soluções de continuidade, se a sentença condenar na reintegração.
Se, porém, a sentença, de acordo com opção feita pelo trabalhador, condenar em indemnização de antiguidade, considera-se que o contrato cessa na data dessa decisão judicial: é que a opção do trabalhador pela indemnização de antiguidade representa uma manifestação de vontade do trabalhador no sentido de pôr termo ao contrato, a qual, porém, fica dependente da superveniência de uma decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento. Neste ponto, esta "rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador" se diferencia das comuns formas de manifestação desta causa de cessação do contrato: nos casos comuns, a rescisão é feita relativamente a um contrato que está em vigor e determina sempre a cessação do contrato, só influindo o reconhecimento, ou não, da existência de justa causa pelo tribunal para efeitos de determinação da compensação a que o trabalhador terá, ou não, direito (podendo mesmo, no caso de inexistência de justa causa e desrespeito do prazo de aviso prévio, originar dever de indemnizar a entidade patronal); no caso de opção por indemnização de antiguidade em acção de impugnação de despedimento, a "rescisão" é feita em momento em que o contrato não está em vigor e só terá eficácia rescisória da relação laboral se o despedimento vier a ser declarado ilícito.” (…) “Em suma: a relação laboral interrompida pelo despedimento só pode ser "morta" pela rescisão por iniciativa do trabalhador depois de "ressuscitada" pela declaração judicial da ilicitude daquele despedimento.
Ou seja, entendemos que, após um despedimento ilícito, estando os respectivos efeitos dependentes de declaração judicial, não é possível operar outro efeito extintivo do contrato que dependa da vontade das partes pelas formas comuns elencadas do Código do Trabalho. Daí que não seja possível, nesse tempo, proceder a uma denúncia por parte do trabalhador (designadamente por abandono do trabalho) ou a um novo despedimento pelo empregador.
É certo que a sentença da 1ª instância, no processo declarativo de impugnação de despedimento, ordenou a reintegração, declarando ilícito o despedimento.
Dessa sentença foi interposto recurso pela ré empregadora.
Todavia, não se prova que a mesma empregadora (agora opoente à execução) tenha cumprido o seu dever de solicitar à trabalhadora a efectivação da sua prestação de trabalho, dever que lhe assistia como se sublinha no Ac. do STJ acima referido, citado pela 1ª instância. Também não se prova que a mesma trabalhadora, depois da sentença e antes da interposição do recurso, se tenha apresentado ao trabalho.
Assim sendo, entendemos que a cessação do contrato por via da figura do “abandono do trabalho” não podia ter tido lugar.
Como se refere no Acórdão uniformizador de jurisprudência nº 1/2004, acima referido, “se, porém, for interposto recurso da decisão da 1.ª instância sem que o trabalhador seja logo reintegrado no seu posto de trabalho, a situação da ilicitude mantém-se, diferindo-se os seus efeitos para a data de decisão final que, confirmando a ilicitude declarada em decisão anterior, ou reconhecendo pela primeira vez a ilicitude do acto de despedimento, transite em julgado”.
Ou seja, a nosso ver, apenas depois do trânsito em julgado da decisão que declarou ilícito o despedimento e ordenou a reintegração podia operar outro efeito extintivo do contrato dependente da vontade das partes pelas formas comuns elencadas do Código do Trabalho.
Foi isso que ocorreu, no caso dos autos?
Provou-se que a decisão do Supremo Tribunal de justiça teve lugar em 12 de Fevereiro de 2009, notificada às partes em 13.02.2009.
E que em 17.02.2009 a exequente A... remeteu carta à executada a informar que se encontrava de baixa médica desde 03.02.2009 até 14.02.2009 com prolongamento a 16.03.2009.
Perante essa comunicação – que demonstra que a exequente pretendia reatar a vida normal do contrato - em 11.03.2009 a executada respondeu enviando à exequente carta informando que o contrato tinha cessado em 28.01.2008, por abandono do trabalho.
Em 20.04.2009 a exequente A... voltou a apresentar-se nas instalações da executada para trabalhar, tendo sido novamente impedida de o fazer pela Drª C... comunicando-lhe que estava despedida desde 28.01.2008.
Ora, assim sendo, ao contrário do que foi defendido na sentença recorrida, afigura-se-nos que a executada apenas recusou a prestação de trabalho que lhe era oferecida por entender que o contrato cessara em 28.01.2008.
Mas como já dissemos, o contrato não podia ter cessado naquela data.
Ao contrário do que se defendeu na sentença, não encontramos uma declaração inequívoca de despedimento actual, em condições de operar como tal na ocasião da resposta escrita de 11.03.2009, mas apenas uma declaração de recusa de aceitação de trabalho justificada com um motivo de anterior extinção do contrato, efeito que não podia ter tido lugar na data em que ocorreu.
Por outro lado, como referimos já, a relação jurídica laboral decorrente do contrato de trabalho depois de judicialmente reconhecida e declarada impunha que a empregadora cumprisse o dever que lhe foi imposto: o de reintegrar a trabalhadora. Para tanto, deveria ter previamente “solicitado ao trabalhador a efectivação da sua prestação de trabalho” (v. Ac. do STJ já citado acima)..
Não tendo cumprido esse dever, a situação de facto “continuou desfeita” e assim continuou, para utilizar expressões do Ac. do STJ de 26-2-1997 (in CJ/STJ, t. I/1007, disponível em CJ-on-line, refª 1716/1997), numa situação muito semelhante à dos autos.
Justificando a pergunta, também formulada naquele aresto: “como poderia, então, ter havido um outro despedimento ilícito, puramente de facto - se esta situação era já a que existia?”.
Ou seja, ainda nas palavras do mesmo Acórdão, a trabalhadora encontrava-se, mesmo após as decisões judiciais que lhe deram razão, na situação de despedido de facto, enquanto não fosse reintegrada - o que nunca aconteceu. Não podia, por isso, ser despedida de facto novamente.

De outra forma estaria encontrada uma fórmula mágica para qualquer entidade patronal se subtrair ao cumprimento das decisões judiciais. Bastar-lhe-ia ir despedindo de facto, ilicitamente, o trabalhador...” – como se escreve nesse Acórdão.
Entendemos, assim, que não se verifica uma causa de cessação do contrato de trabalho posterior à condenação na reintegração, circunstância que se poderia traduzir em facto extintivo da obrigação exequenda

Assim sendo, por tudo o exposto, o recurso procederá.  


*

III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição à execução, devendo esta prosseguir os seus termos.

Custas pela apelada.


Azevedo Mendes (Relator)
Felizardo Paiva
José Eusébio Almeida