Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
847/10.0TBFIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMIDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
INDEMNIZAÇÃO
DANOS
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T. J. DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1223º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - O artigo 1223.º do Código Civil não dá cobertura à indemnização de todos os danos provenientes do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada.

II – Tal norma dá amparo apenas à indemnização dos danos cuja reparação não puder ser alcançada através dos outros direitos reconhecidos ao dono da obra (eliminação dos defeitos; nova construção, redução do preço ou resolução do contrato).

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A... , SA, com sede na rua (...) Lisboa, propôs a presente acção contra B... , SA, com sede em Figueira da Foz, pedindo:

1. A condenação da ré no pagamento de € 182 376,96, acrescidos dos juros e custos do financiamento respeitante ao lote V do loteamento da Quinta x(...) , Figueira da Foz, que a autora seja obrigada a suportar desde a propositura da acção até à conclusão da reparação do lote V;

2. A condenação da ré no pagamento de € 263 500,96, acrescidos do valor de 8 500 euros, a multiplicar pelo número de meses durante os quais a ré permanecer, desde a data da propositura da presente acção, em situação de incumprimento em relação ao lote (...) da (...) , na Figueira da Foz.

Fundamentos dos pedidos:

1. No âmbito da sua actividade, a autora e a ré celebraram um contrato, através do qual a ré se obrigou a construir um edifício de habitação e comércio, situado no lote V do loteamento da Quinta x(...) , na Figueira da Foz;

2. A empreitada estava sujeita ao preço global de € 1255 847,55, acrescido de IVA;

3. A ré não concluiu a obra no prazo estipulado e a obra que realizou apresenta defeitos;

4. Tais circunstâncias causam prejuízos à autora, porquanto a comercialização das fracções que compõem o edifício construída no lote V foi atrasada e dificultada pela forma como a ré executou os trabalhos;

5. Para a execução da empreitada, a autora realizou um contrato de financiamento cujos custos esperava legitimamente amortizar e deixar de suportar a partir da conclusão da empreitada;

6. O incumprimento da ré impediu-a de atingir esse objectivo, pelo que os prejuízos que decorrem de a autora ter de suportar, para além do prazo estipulado para a execução dos trabalhos, juros e custos do financiamento contraído para a execução da empreitada, devem ser imputados à ré;

7. Esses juros e custos, contados desde Janeiro de 2009 até à presente data são no valor de € 182 376,96.

8. A estes juros deverão acrescer os juros e custos que venham a ser suportados pela autora até à reparação das conclusões das anomalias cima alegadas;

9. A autora e a ré celebraram um contrato de empreitada de construção e um pavilhão industrial, situado no (...) , na Figueira da Foz;

10.A obra deveria estar concluída em 12 de Julho de 2007, o que não aconteceu;

11.A obra tem defeitos e as chaves interiores e exteriores estão na posse da ré, o que impossibilita a autora comercializar o edifício devido a defeitos e à não entrega das chaves, o que corresponde a um prejuízo mensal de € 8 500, que é a renda mensal de um armazém, com as características daquele que foi construído pela ré. 

A ré contestou, concluindo pela improcedência da acção. Na sua defesa impugnou as alegações de facto que sustentavam a pretensão da autora, alegou que, após a constatação das anomalias, a ré procedeu á sua reparação, que a autora entrou na posse exclusiva do prédio urbano construído no lote V em 24 de Março de 2009, que alguns dos alegados defeitos não lhe são imputáveis ou que nunca lhe foram comunicados, que os defeitos do prédio não impediram nem impedem a comercialização normal do prédio; que a empreitada não foi concluída no prazo previsto inicialmente porque, após o contrato de empreitada, a autora introduziu alterações ao projecto aprovado e solicitou à ré a execução de inúmeros trabalhos não previstos no projecto aprovado; que as anomalias não impediam a obtenção da licença de utilização nem a comercialização do prédio; que a autora teve a possibilidade de obter a licença de utilização a partir de 14 de Janeiro de 2009 e ter iniciado a comercialização do mesmo; que a ré obteve a licença de utilização em Agosto de 2009; que não há qualquer nexo de causalidade entre o modo e o tempo em que a ré executou o contrato e os alegados prejuízos;

Quanto à empreitada do lote (...) alegou, em, síntese, que a ré reparou todas as anomalias reconhecidas por ambas as partes e que a autora tinha acesso à obra; que os defeitos apontados permitiam que a autora utilizasse a obra, a arrendasse e comercializado; que a autora tinha chave do portão principal, que tinha as chaves dos 4 portões elevatórios que davam acesso ao interior da obra; que as portas interiores estavam abertas e a ré tem apenas as chaves das portas exteriores de alumínio; que a autora tem utilizado a obra; que a autora tem acesso a todos os compartimentos, divisões e espaços interiores da obra, podendo mostrá-los a que quiser          

A autora respondeu. Na réplica ampliou o pedido, com novo pedido de condenação da ré no pagamento à autora da quantia de € 157 500.

A ampliação fundamentou-se, em síntese, no seguinte: que a autora foi obrigada a celebrar um acordo de revogação do contrato-promessa de compra e venda da fracção L do prédio em causa nos autos, porquanto a promitente vendedora exigiu a referida revogação com base na existência de anomalias e na sua falta de reparação, e em resultado da conduta da ré, a autora deixou de receber € 157 500 e foi obrigado a devolver o sinal pago pela promitente compradora, no valor de € 50 000.

A ré respondeu à ampliação do pedido, pugnando pela sua improcedência.

Na audiência preliminar foi admitida a ampliação do pedido.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu a ré dos pedidos.

A autora não se conformou com a sentença e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a procedência do recurso, com as demais consequências legais.

Os fundamentos do recurso, melhor desenvolvidos à frente, consistiram, em síntese, no seguinte:

1. Na alegação de que a sentença encontrava-se ferida da nulidade prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

2. Na impugnação da decisão relativa à matéria de facto

A ré respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

Considerando que a resolução das questões de facto tem precedência lógica sobre a resolução das questões de direito, começaremos o julgamento pela resolução daquelas questões.

A recorrente impugna, em primeiro lugar, a decisão de julgar não provada a alegação de que, para a execução da empreitada dos autos, a autora pediu um financiamento, tendo pago, desde Janeiro de 2009 até à data da instauração da acção, juros e custos a ele associados no valor de € 182 376,96.

Segundo a recorrente, os documentos de fls. 997 a 1022 e o depoimento de K... impõe se julgue provada esta alegação.  

Reexaminada a prova, a convicção deste tribunal é a seguinte:

1. Há indícios credíveis de que a autora pediu dinheiro emprestado para executar a empreitada dos autos;

2. Não há prova de que a autora tenha pago, em relação a tal financiamento, juros e custos, desde Janeiro de 2009 até à data da instauração da acção, no montante de € 182 376,96;

3. Não há indícios credíveis da veracidade da alegação da autora de que as deficiências do prédio impediram ou dificultaram a comercialização das fracções ou que a autora tenha suportado juros e custos a partir de Janeiro devido aos defeitos do prédio.

Vejamos.

Os indícios de que a autora recorreu a financiamento bancário para levar a cabo a empreitada em questão nos autos têm como fonte essencialmente o depoimento de K... e a informação do registo predial de fls. 945 e seguintes.

K... , director financeiro da sociedade Imoholding, a única sócia da autora, afirmou que a autora recorreu à banca para financiar a construção dos edifícios em causa nos autos. Respondendo a uma questão da mandatária do réu, disse que, se a memória lhe não falhava, financiou-se com 1 400 000,00 euros para o lote V e com 600 000,00 euros para a construção do armazém. Este depoimento é concordante com o seguinte facto que resulta da informação da Conservatória do Registo Predial: em 26 de Outubro de 2005 foi registada uma hipoteca voluntária sobre o lote V, situado em Quinta x(...) , para garantir todas e quaisquer responsabilidades assumidas ou a assumir pela autora, provenientes de abertura de crédito até ao montante de € 1 400 000,00.

Embora a prova apropriada para demonstrar que a autora recorreu à Banca para financiar a construção do edifício no lote V seria a constituída por prova documental relativa à formalização do contrato de financiamento – e dizemos que seria a prova apropriada pois a nossa experiência profissional mostra-nos que os contratos de financiamento bancário são reduzidos a escrito -, a verdade é que este tribunal não tem razões para pôr em causa nem a afirmação feita pela testemunha nem a informação que resulta do registo predial. Daí que entenda que há prova bastante de que, “para a execução da empreitada, a autora realizou um contrato de financiamento”.

Do que não há prova é de que a autora tenha pago desde Janeiro de 2009 até à data da instauração da acção, juros e custos relativos a tal financiamento no valor de € 182 376,96. Vejamos.

A testemunha K... nem foi instada sobre o montante dos juros e custos que a autora pagou desde Janeiro de 2009 até à data da instauração da acção, nem se pronunciou espontaneamente sobre tal questão. O seu depoimento não trouxe pois qualquer contributo para o esclarecimento desta questão.

Dos documentos que a autora juntou em 9 de Maio de 2016 [fls. 997 a 1022] – e em relação ao qual o tribunal a quo não se pronunciou – também não resulta que a autora pagou, em juros e outros custos, relativos ao financiamento da construção no lote V o montante de € 182 376,96. Vejamos.

Os documentos em causa são documentos particulares.

O primeiro (fls. 997) foi elaborado pela própria autora e tem como título: “despesas financeiras do lote V”. Os restantes são da autoria do F ... .

Enquanto documentos particulares, cuja autoria está reconhecida, eles provam apenas que os seus autores fizeram as declarações que lhes são atribuídas [n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil].

Quanto aos factos compreendidos em tais declarações, eles não estão provados plenamente, pois resulta do n.º 2 do artigo 376.º do Código Civil que os factos compreendidos nas declarações consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (embora a declaração seja indivisível, nos termos prescritos para a confissão), situação que não é a destes autos.

Segue-se do exposto que o documento elaborado pela autora com o título despesas financeiras, lote V, não prova que a autora suportou as despesas financeiras aí mencionadas.

Quanto aos restantes documentos [da autoria, como se escreveu, do F ... ], eles compreendem “extractos integrados” do activo e dos passivos da autora e comunicações do Banco também à autora, informando-a sobre débitos na sua conta à ordem, provenientes de juros de conta caucionada, de juros de crédito imobiliário, de comissões de adenda sobre contas caucionadas, de imposto de selo, de despesas de avaliação e vistoria e despesas de “valor de transacção”.

Centrando a nossa atenção nas comunicações relativas a débitos de juros e imposto de selo, vemos que apenas parte delas abrange débitos relativos ao período compreendido entre Janeiro de 2009 e a data da instauração da acção [25 de Março de 2010]. São os casos dos documentos de fls. 999, 1010 a 1022. Tais documentos mostram que, em tal período, foram debitados juros e outros custos (designadamente imposto de selo). Juros, todos eles, provenientes de uma conta caucionada. Sucede que não encontramos na prova produzida nenhum elemento que nos diga que os juros e os custos dizem respeito ao financiamento obtido para a construção do lote V.

Em síntese, não há prova de que autora pagou, desde Janeiro de 2009 até à data da instauração da acção juros e custos associados ao financiamento da empreitada no valor de € 182 376,96.

Como não há indícios credíveis de que a comercialização das fracções pela autora sofreu atrasos devido aos alegados defeitos na execução da obra.

Sabe-se, por informação da Câmara Municipal da Figueira da Foz (fls. 554), que, em 4 de Agosto de 2009, foi emitida licença de utilização do edifício. E sabe-se pelas escrituras juntas aos autos e pelas informações do registo predial [fls. 571 a 691] que as fracções do prédio foram vendidas pela autora no ano de 2010, entre 9 de Junho de 2010 e 28 de Setembro de 2010. Ora, não encontramos na prova produzida quaisquer elementos que apontem no sentido de que as fracções não foram vendidas mais cedo por apresentarem defeitos.

Observe-se que resulta do auto de recepção provisória de fls. 42 a 44, que tem data de 24 de Março de 2009, que a autora e a ré combinaram o seguinte: com excepção do soalho da fracção D do 1.º piso, que devia ser reparado de imediato, as anomalias das restantes fracções, assinaladas em tal auto de recepção, a intervenção a fazer só seria efectuada pelo empreiteiro (ré) casa houvesse reclamação por parte do cliente final.

Este acordo constitui um sinal de que a ré considerava que as anomalias das fracções não impediam a sua venda. Na verdade, se não fosse este o seu entendimento, não faria sentido que tivesse combinado com a ré que, em relação a tais anomalias, o empreiteiro só interviria caso houvesse reclamação por parte do cliente final.

Não ignoramos que a testemunha M... [arquitecto que exerceu funções, como trabalhador numa empresa do mesmo grupo da autora até Julho de 2014], instada a dizer se os defeitos nas fracções tinham impacto na comercialização dos apartamentos, respondeu que achava que todo o clima que se havia gerado com os moradores devido a defeitos da obra transparecia para a parte comercial e num meio prejudicava a venda.

Este depoimento não tem o alcance que lhe foi dado pela recorrente. Para bem se perceber o sentido deste depoimento importa dizer que a testemunha referiu que fez a gestão das reclamações dos adquirentes das fracções. Sabe-se, pelo que disse a testemunha, que fez esta gestão durante cerca de um ano e meio a dois anos. E sabe-se também pelo que disse a testemunha que este período se situa entre aproximadamente Julho de 2012 e Julho 2014 [altura em que a testemunha deixou de exercer funções na empresa do grupo da autora].

Sucede que, nos anos em que a testemunha fez a gestão das reclamações, a autora já havia vendido todas fracções, como o atestam os documentos de fls. 943 a 986. Assim, a ter existido dificuldade na comercialização das fracções, no período em que fez a gestão das reclamações, tais dificuldades não eram da autora. Presume-se, com base na escritura de fls. 984 a 986, que as dificuldades, a terem existido, seriam da sociedade C.V.U. Compra e Venda de Propriedades e Urbanização, Limitada.

Por último, também não há quaisquer indícios de que a autora só suportou juros e custos a partir de Janeiro de 2009 porque, devidos aos defeitos existentes nas fracções, não as conseguiu vender.

Como é bom de ver, para se estabelecer alguma relação entre a não comercialização das fracções e o pagamento dos juros a partir de Janeiro de 2009 seria necessário conhecer, antes de mais, o prazo de reembolso do financiamento, o que se ignora. 

Pelo exposto, julga-se provado apenas que “para a execução da empreitada dos autos, a autora realizou um contrato de financiamento”.

A recorrente impugnou, em segundo lugar, a decisão de julgar não provadas as seguintes alegações de facto:

1. Que a ré nunca entregou as chaves das portas exteriores e interiores do pavilhão à autora, encontrando-se as mesmas na posse da ré;

2. Que a construção referida em N) – pavilhão industrial situado no lote (...) da (...) - destinou-se a venda ou arrendamento;

3. Que a autora, nas vistas efectuadas ao pavilhão para potenciais interessados na aquisição/arrendamento, os seus representantes tiveram que entrar pelo portão de serviço e não pelo portão da entrada principal;

4. Que os representantes da autora não puderam mostrar os escritórios por não disporem das chaves das respectivas portas;

5. Que a renda mensal de um armazém, com as mesmas características, ascende a um valor nunca inferior a € 8500.

Segundo a recorrente, a alteração desta matéria é imposta pelo depoimento de K... .

Reexaminada a prova, devemos começar por dizer que há indícios contraditórios sobre a mesma.

De um lado, temos o depoimento de K... [administrador financeiro da empresa Imoholding, sócia da autora] a afirmar que as chaves do pavilhão não foram entregues à autora, que durante muito tempo não tiveram as chaves do armazém do lote 26 B; que não conseguia entrar pela porta principal, que não tinham acesso aos escritórios e que tal dificultou a comercialização do pavilhão.

Em sentido contrário, temos o depoimento de J...., engenheiro civil, empregado da ré, e que desempenhou as funções de director da construção do pavilhão. Esta testemunha afirmou que a autora teve sempre a chave do portão principal (portão que é visível na fotografia de fls. 409 e que, na explicação da testemunha, dá acesso ao terreno, ao lote] e que teve sempre as chaves dos portões que são visíveis nas fotografias de fls. 408 [portões que, segundo a testemunha, foram montados pela própria autora e que permitiam o acesso ao interior do armazém]. Ainda segundo a testemunha, a autora apenas não tinha as chaves da porta do escritório – e as chaves não foram entregues porque a autora recusava-se a receber a obra com a alegação de que ela tinha defeitos –, mas que ainda assim era possível aceder pelo interior do pavilhão e aos escritórios, pois as portas no interior encontravam-se abertas.

Atendendo à forma como esta testemunha depôs, à razão de ciência que apresentou (falou sobre os factos por ser o director da obra), este tribunal deu crédito ao que disse.

A convicção deste tribunal é, pois, a de que a autora tinha acesso ao pavilhão e que não estava impossibilitada de o mostrar a quem estivesse interessado na sua compra ou arrendamento.

De resto, não foi trazido ao conhecimento do tribunal qualquer facto que corroborasse a veracidade da alegação da autora, segundo o qual nas visitas efectuadas ao pavilhão tiveram de entrar pelo portão de serviço e não pela porta principal e que os representantes da autora não puderam mostrar os escritórios por não disporem das chaves das respectivas portas.

Se tal tivesse sucedido, seria de esperar que a autora trouxesse ao conhecimento do tribunal quem foram os interessados com quem tal sucedeu.     

Mantém-se, pois, a decisão de julgar não provada a matéria dos pontos n.ºs 40.º, 42º e 43.º.

Quanto à matéria do ponto n.º 41 – a de que a construção referida em N (pavilhão industrial situado no lote 26 B) – destinou-se à venda ou arrendamento, ela foi corroborada pelo depoimento de K... , não tendo este tribunal razões para por e causa tal afirmação, pelo que irá ser julgada provada.

Quanto à matéria do ponto n.º 48.º, é exacto que a testemunha K... estimou em cerca de 8 000,00/8500 euros o valor da renda de tal pavilhão, tendo em conta a circunstâncias de se estar em 2008/2009 e de ainda não se fazer sentir a crise e a circunstância de terem um outro armazém na mesma zona industrial com uma área menor (cerca de 1200 metros, ao passo que o armazém em causa tinha 1900/2000) e estar arrendado pelo valor de 5000 euros.

Certamente que o arrendamento de um tal armazém proporcionaria uma renda a autora. Consideramos, no entanto, que o mero depoimento da testemunha desacompanhado de outra prova é manifestamente insuficiente para afirmar, com um forte grau de probabilidade, que a renda mensal de um armazém com as mesmas características ascenderia a um valor nunca inferior a € 8 500,00. Com efeito, da prova produzida não resulta o nome de um único interessado no arrendamento do pavilhão. 

Observe-se ainda que resulta da informação da Conservatória do Registo Predial (fls. 988 a 991) que, em 14 de Julho de 2009, foi registado um arresto sobre o pavilhão, o que constitui, à luz das regras da experiência comum, uma circunstância capaz de afastar interessados na compra ou arrendamento do pavilhão.    

Em síntese:

1. Mantém-se a decisão de julgar não provada a matéria dos pontos n.ºs 40.º, 42.º,43.º e 48.º,

2. Altera-se a decisão de julgar não provado que a construção referida em N) destinou-se a venda ou arrendamento, julgando-se provada esta alegação.

Por fim, a recorrente impugnou a decisão de julgar não provadas as seguintes alegações:

1. Que a autora e S... declararam respectivamente prometer vender e prometer comprar, em 26/01/2010, a fracção autónoma designada pela letra L, do lote V, pelo preço de € 157 500, nos termos que resultam do documento de fls. 387 e 389;

2. Que a autora e S... , em 31 de Maio de 2010, declararam revogar o contrato-promessa referido, tendo a autora devolvido à segunda a quantia de € 5000,00 que lhe havia sido entregue a título de sinal, nos termos que resultam do documento de fls. 379 a 380 dos autos;

3. Que S... exigiu a revogação, alegando existirem anomalias na referida fracção e a sua não reparação.

Segundo a recorrente, impõe-se a alteração da decisão, no sentido de se julgarem provadas estas alegações, com base nos documentos de fls. 379 e 380 e 387 a 389 e no depoimento de K... .

Reexaminados os documentos, este tribunal não encontra razões para os pôr em causa. E assim sendo, considera que eles provam a celebração do contrato-promessa e a revogação de tal contrato.

Os documentos já não provam que S... exigiu a revogação, alegando existirem anomalias na referida fracção que prometera comprar e a sua não reparação. Com efeito, as partes declararam apenas que revogavam o contrato-promessa celebrado, sem mencionarem as razões da revogação. Foi a testemunha K... que afirmou que, por a fracção não estava concluída e por um conjunto de anomalias que não foi sanado, a cliente perdeu interesse no negócio passados uns meses, falou com a autora, que compreendeu a situação e decidiu devolver o sinal e revogar o contrato.

Este depoimento suscita-nos reservas.

Em primeiro lugar, o depoimento foi impreciso, pois a testemunha não especificou quais as anomalias que estavam em causa.

Em segundo lugar, o depoimento não foi corroborado por qualquer outro meio de prova.

Pelo exposto, julga-se provada a celebração do contrato-promessa e a revogação de tal contrato, mas mantém-se a decisão de julgar não provada a alegação de que “ S... exigiu a revogação do contrato alegando existirem anomalias na referida fracção e a sua não reparação”.


*

Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos:

1. A autora é uma sociedade que tem por objecto a indústria de construção civil, compra e venda de propriedades e revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamento de imóveis próprios.

2. A ré é uma sociedade anónima que tem por objecto a construção civil e obras públicas; compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; construção para venda; comércio de materiais de construção; oficina de reparação de viaturas automóveis; comercialização de peças e acessórios para viaturas automóveis; revenda de combustíveis; compra e venda de máquinas, viaturas e equipamentos; aluguer de máquinas e equipamentos.

3. No âmbito das respectivas actividades, a autora e a ré, por documento escrito, datado de 30/01/2006, denominado “Contrato de Empreitada”, declararam, a primeira, adjudicar à segunda e esta tomar, os trabalhos necessários à construção do edifício de habitação e comércio situado no lote V do Loteamento da Quinta x(...) , na Figueira da Foz, conforme o Mapa de Trabalhos/Preços que constituía o Anexo 1 (junto a fls. 24 a 34 dos autos) e tendo por base o projecto aprovado.

4. Mais declararam que tais trabalhos seriam realizados em regime de preço global a que corresponde o valor de € 1.255.847,55 acrescido de IVA à taxa em vigor e que o prazo de execução dos trabalhos seria de 18 meses contados 30 dias após assinatura do contrato ou após o levantamento da licença de obras se este ocorresse em data posterior.

5. Para a execução da empreitada, a autora pediu um financiamento.

6. Em 14 de Janeiro de 2009, representantes da autora e da ré realizaram uma vistoria para efeitos de recepção provisória da empreitada e concluída a vistoria às 14 fracções para verificação dos trabalhos, declararam, em documento escrito denominado de “Auto de Recepção Provisória”, verificar a existência dos defeitos que constam do documento de fls. 36 a 40 dos autos.

7. No documento referido em 6) foi declarado que os defeitos constatados seriam corrigidos até 31 de Janeiro de 2009.

8. Apenas em 24 de Março de 2009, foi possível levar a cabo uma segunda vistoria para efeitos de recepção provisória da obra, tendo representantes da autora e da ré declarado o que consta do documento junto a fls. 42 a 44 dos autos, denominado “Auto de Recepção Provisória”.

9. No documento referido em 7) foi declarado que, “Relativamente ao soalho, só a fracção D do 1º piso deverá ser reparada de imediato. Quanto às restantes fracções ficou acordado entre as partes que a intervenção a fazer só será efectuada pelo empreiteiro, caso haja reclamação por parte do cliente final”.

10.Na ocasião referida em 7) as chaves foram entregues ao encarregado da obra para reparação do constatado.

11.Na ocasião referida em 6) não foi possível vistoriar os rodapés e o soalho por os mesmos estarem sujos.

12.A ré substituiu o pavimento de um quarto da fracção L com 11,5 m2, devido a infiltrações de água.

13.O projecto de segurança contra o risco de incêndio prevê a colocação de portas corta-fogo na ligação das circulações horizontais comuns à caixa de escadas.

14.A autora, em 25/02/2010, remeteu à ré, o fax, que esta recebeu, com o teor que consta de fls. 46 a 47 dos autos, declarando, entre o mais, notificar a segunda para proceder à reparação dos defeitos ali descritos, no prazo de 8 dias úteis.

15.A Autora e a Ré declararam ainda que a última procederia à construção de um pavilhão industrial situado no Lote (...) da (...) , na Figueira da Foz, no interesse da primeira contra o pagamento por esta de determinada quantia à Ré.

16.A construção do pavilhão destinou-se a venda ou arrendamento.

17.Em 22 de Julho de 2008, representantes da autora e da ré realizaram uma vistoria para verificação dos trabalhos, declarando, em documento escrito, denominado de “Auto de Recepção Provisória”, verificar a existência dos defeitos que constam do documento junto a fls. 50 a 51 dos autos e ali foi declarado que os defeitos seriam corrigidos até 31 de Agosto de 2008.

18.Em 22 de Outubro de 2008, a Autora enviou um fax à ré com o teor que resulta de fls. 53 dos autos.

19.Em 17 de Maio de 2009, a autora enviou um fax à ré com o teor que resulta de fls. 55 a 56 dos autos.

20.Em resposta, a Ré enviou um fax à autora com o teor que resulta de fls. 58 dos autos.

21.Em 19 de Maio de 2009, em resposta, a autora enviou novo fax à Ré com o teor que resulta de fls. 60 dos autos.

22.Em resposta a este último fax, 19 de Maio de 2009, a Ré remeteu à Autora o fax com o teor de fls. 63 dos autos.

23.Em 9 de Junho de 2009, a autora enviou um fax à Ré com o teor que resulta de fls. 65 dos autos.

24.Em 29 de Junho de 2009, a autora enviou um fax à Ré com o teor que resulta de fls. 67 dos autos.

25.Em 3 de Julho de 2009, a Ré enviou um fax à Autora com o teor que resulta de fls. 69 dos autos.

26.Foi emitida pelo técnico responsável pelo projecto de ventilação e desenfumagem das circulações horizontais comuns do prédio uma declaração para efeitos de emissão da licença de habitação, de conformidade das instalações de ventilação e desenfumagem.

27.A autora procedeu à venda de pelo menos sete apartamentos.

28.Por sentença, transitada em julgado, proferida na acção declarativa de condenação com processo ordinário que correu termos sob o nº 2018/09.9TBFIG do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, a sociedade A... , S.A. foi condenada a pagar à sociedade B... , Lda. a quantia de € 1.140.493,03, acrescida de juros de mora, quantia essa devida pela execução das obras referidas em 3) e 14).

29.A ré procedeu à eliminação da tinta empolada tanto nas paredes dos apartamentos como nas paredes das zonas comuns do edifício construído no Lote C.

30.Na ocasião referida em 6) foi declarado acordar que a reparação do soalho da fracção D) do 1º piso se iniciaria imediatamente.

31.As fachadas do lote V têm: a) infiltrações apenas numa fracção localizada na fachada a noroeste; b) Fungos predominantemente na fachada virada a noroeste; c) precipitação de sais predominantemente na fachada virada a noroeste; d) Acumulação de sujidades predominantemente na fachada virada a noroeste.

32.Na planta da cave existem fissuras pequenas de retracção que normalmente surgem com a solução construtiva adoptada.

33.A casa de máquinas do lote V não tem isolamento acústico.

34.Nas ligações das circulações horizontais comuns à caixa de escadas e aos pisos de cave do Lote V: O espaçamento entre a base de duas portas corta-fogo e o pavimento encontra-se bastante superior ao limite previsto pelo fornecedor que é de 7mm +-2mm; as portas do corta-fogo não têm batente (ou “piton”); as portas corta-fogo apresentam folgas apenas na base.

35.Nas fracções C, D, E, B, G e K: a) O deck está justo às paredes e muretes; b) Nas fracções B, G e K, as peças em madeira encontram-se em pressão, existindo tábuas a enfolar e alguns esmagamentos localizados; c) O deck da Fracção B tem uma tábua partida que fissurou após dilatação

36.O deck não é desmontável, não sendo possível limpar o ralo de drenagem sem se desmontar todo o deck.

37.Existe um apartamento com vestígios de empoçamento fundamentalmente numa varanda.

38.Nos decks existem ligações longitudinais entre tábuas fora dos barrotes de assentamento e pouco alinhadas.

39.E foram utilizadas madeiras falhadas (esgalhadas).

40.O aparafusamento é evidente na fracção E.

41.A ré aplicou os respiros das paredes duplas nas paredes exteriores do Lote V sem ser de forma uniforme.

42.Nos respiros das paredes duplas colocados nas paredes exteriores do Lote V: existem alguns respiros com dimensão e projecção adequada e outros em que não se detecta a tubagem do respiro.

43.Os armários dos contadores da água localizados nos patamares de distribuição aos pisos de habitação: a) partes não pintadas ou rebocadas; b) apresentam pintura nas tubagens; c) apresentam sujidade no fundo; d) Apresentam ferragens que não funcionam.

44.No acesso vertical (caixa de escadas) de todo o prédio e em todas as varandas das fracções, as guardas metálicas das escadas e gradeamentos das varandas apresentam: Ligações entre tubos de direcção diferente bastante imperfeitas; Os pateres de fixação ao pavimento estão afastados do mesmo (com folgas) ou não horizontais.

45.Em alguns casos as guardas metálicas das varandas encontram-se salientes da parede nos pontos de fixação horizontal.

46.Em algumas guardas a ré procedeu ao enchimento desses espaços, mas não em todas.

47.Em alguns casos falta impermeabilização da fixação com mástique.

48.O revestimento antiderrapante da rampa de acesso para deficientes motores apresenta 5 fissuras com cerca de 50 cm de extensão no seu revestimento,

49.E cinco focos onde a pintura antiderrapante se apresenta descascada.

50.A guarda em inox, colocada para protecção da rampa de acesso para deficientes motores, encontra-se oxidada.

51.Parte dos muretes de protecção virados a noroeste e nordeste nos terraços do último piso encontram-se fissurados, apresentando buracos com reboco solto.

52.Em algumas fracções do lote V entra-se directamente para a sala, não havendo separação entre o hall de entrada e a sala comum e noutras fracções há separação entre as referidas divisões, sendo esta em vidro fosco que corre numa calha em inox.

53.As carpintarias nas várias fracções do lote V encontram-se no estado descrito a fls. 168 a 174 dos autos.

54.No pavilhão industrial situado no lote (...) da (...) , Figueira da Foz, desde 22/07/2008: a) a água entra pelas portas de acesso aos escritórios do r/c, por falta de pingadeira na soleira; o portão principal existente no muro de vedação e o respectivo puxador estão oxidados.

55.A ré procedeu às correcções descritas nos documentos de fls. 36 a 40 e 42 a 44, exceptuando as anomalias assinaladas nos pontos anteriores.

56.No edifício de habitação e comércio situado no lote V do loteamento da Quinta x(...) na Figueira da Foz não foi colocado “soalho” mas sim “piso flutuante, sendo composto por réguas em estratificado de madeira, revestidas a folha maciça de sucupira, estando este colado ao pavimento.

57.O piso (não a planta) da cave é de betão à vista.

58.E nem o projecto aprovado administrativamente para o prédio e nem o contrato de empreitada (fls. 24 a 34 dos autos) previam a colocação de batentes;

59.Não sendo também prática construtiva colocar batentes para porta corta-fogo.

60.Nem o projecto aprovado administrativamente para o prédio, nem o contrato de empreitada previam a colocação de respiros.

61.Existem pelo menos 5 fracções autónomas já habitadas por compradores no lote V.

62.A obra não tem portão de acesso pedonal do exterior do lote para o seu interior (no muro de vedação frontal).

63.A distância entre os portões elevatórios e os corredores que deitam para as portas de alumínio, é de cerca de 2 metros, havendo imediata comunicação interna entre os respectivos espaços interiores.

64. Os pisos encontram-se acabados de forma uniforme.

65.Num dos quartos do edifício verifica-se a existência de betume com descontinuidade na ligação flutuante rodapé.

66.O isolamento acústico na casa das máquinas não foi executado de acordo com a peça desenhada n.º 3 do projecto de comportamento acústico licenciado.

67.A planta de projecto previa a colocação da porta corta-fogo na ligação da caixa de escadas com a casa das máquinas dos elevadores.

68.No que respeita à divisória do hall da entrada das salas comuns, no projecto de licenciamento inicial previa-se a colocação de parede interior de alvenaria e porta de duas folhas tendo posteriormente dado entrada na Câmara Municipal uma junção de elementos ao processo com alteração à arquitectura (data: 4/5/2007) prevendo já a divisória em vidro fosco.

69.A autora e S... declararam respectivamente prometer vender e prometer comprar, em 26/01/2010, a fracção autónoma designada pela letra L, do lote V, pelo preço de € 157 500, nos termos que resultam do documento de fls. 387 e 389.

70.A autora e S... , em 31 de Maio de 2010, declararam revogar o contrato-promessa referido, tendo a autora devolvido à segunda a quantia de € 5000,00 que lhe havia sido entregue a título de sinal, nos termos que resultam do documento de fls. 379 a 380 dos autos.


*

Descritos os factos, passemos à resolução das restantes questões.

Nulidade da sentença

Como se escreveu acima, a recorrente acusa a sentença de incorrer na causa de nulidade prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Segundo a recorrente, a sentença incorreu nesta causa de nulidade porque o Meritíssimo juiz não procedeu à análise crítica de todas as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; que o Meritíssimo juiz se havia limitado a concluir que a autora não logrou fazer prova dos factos constitutivos do seu direito; que descreveu os factos que considerava provados e os que considerava não provados, sumariou algumas declarações prestadas pelas testemunhas inquiridas e julgamento, mas excepto quanto a K... e J... , não há uma apreciação crítica da prova produzida; que faltava a explicação da relevância probatória atribuído a cada meio de prova enunciado e das razões da sua credibilização, impedindo a total e efectiva compreensão do raciocínio lógico que conduziu à decisão de facto.

Pelas razões a seguir expostas, é de julgar improcedente a arguição de nulidade da sentença.

A causa de nulidade imputada à sentença consiste na não especificação dos fundamentos de facto e/ou de direito que justifiquem a decisão.

Na interpretação desta causa de nulidade, a jurisprudência tem afirmado de modo constante que ela ocorre apenas quando o julgador omite, por completo, os factos e/ou as razões de direito que justificam a decisão. Fora do alcance da norma estão os casos de justificação errada, as justificações insuficientes, bem como os erros ou os vícios da decisão relativa à matéria de facto.

Interpretando a alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, é de afirmar que ela não dá guarida à pretensão da recorrente pois o que esta denuncia são vícios da decisão relativa à matéria de facto. Com efeito, é em sede de fundamentação da decisão relativa à matéria de facto que o n.º 4 do artigo 607.º do CPC impõe ao juiz o dever de analisar criticamente as provas e o dever de indicar as ilações tiradas dos factos instrumentais e de especificar os fundamentos que foram decisivas para a sua convicção.

Se o juiz não observar estes deveres, é a fundamentação da decisão relativa à matéria de facto que fica afectada. Nesta hipótese, e quando a fundamentação deficiente atingir algum facto essencial para o julgamento da causa, o que Relação pode determinar, a requerimento do recorrente ou oficiosamente, é que o tribunal da 1.ª instância fundamente devidamente a decisão proferida sobre tal facto. É o que resulta da alínea d), do n.º 2 do artigo 662.º do CPC.

Pelo exposto, improcede a arguição de nulidade da sentença.

Em segundo lugar, a recorrente contesta a decisão de julgar improcedente a acção.

Uma vez que o que constitui objecto do recurso é a decisão recorrida [n.º 1 do artigo 627.º do CPC] e não a questão por ela resolvida, vejamos, antes de mais, as razões que levaram a sentença a julgar improcedente a acção.

Segundo a sentença, a questão suscitada pela acção era de determinar se “a ré incumpriu as obrigações para si emergentes dos contratos de empreitada celebrados com a autora e se, por isso, a autora sofreu prejuízos que a ré deva indemnizar”.

A esta questão deu resposta negativa.

Em sede de fundamentação de direito, o percurso da sentença foi o seguinte.

Partindo dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos estabelecidos no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil (facto, ilicitude, imputação do facto ao lesante, dano e nexo de causalidade entre o facto e do dano), considerou as seguintes alegações da autora para responder à questão de saber se se encontravam preenchidos os mencionados pressupostos:

1. A alegação de que sofreu prejuízos que decorrem de a Autora ter tido que suportar, para além do período estipulado para a execução dos trabalhos, juros e custos do financiamento contraído para a execução da empreitada, que deviam ser, por isso, imputados à Ré e que esses juros e custos, contados desde Janeiro de 2009 até à presente data, são no valor de € 182.376,96.

2. A alegação de que nas visitas efectuadas ao mencionado pavilhão com potenciais interessados na sua aquisição/arrendamento, a Autora viu-se obrigada a entrar pelo portão de serviço e não pelo portão da entrada principal e viu-se impossibilitada de mostrar os escritórios, porque não dispõe das chaves que permitam abrir as respectivas portas e que a obra teve início em 12 de Fevereiro de 2007, pelo que deveria ter-se concluído em 12 de Julho de 2007.

3. A alegação de que que sofreu e sofre, consequentemente, danos causados pela impossibilidade de comercialização do edifício, traduzidos na perda de oportunidade de negócio e que considerando que a renda mensal de um armazém, com aquelas características, tem o valor de € 8.500, a Ré tem causado à Autora um prejuízo correspondente àquele valor mensal.

De seguida, transcrevendo o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil afirmou que “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” e que “a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado cabe àquele contra quem a invocação é feita”.

Rematou a fundamentação de direito, dizendo que “a autora não logrou fazer prova dos factos constitutivos do seu direito”, pois “… ficou indemonstrada toda a matéria em que a autora estribava a sua pretensão”.

A recorrente, sem se pronunciar sobre a fundamentação de direito, contesta a decisão com base no seguinte percurso argumentativo.

Em primeiro lugar, parte das respostas à matéria de facto (pontos números 2, 8, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 38, 49, 50, 51, 56, 57, 59, 100, 101, 103, 104, 105.º e 106.º da base instrutória) e dos depoimentos de algumas testemunhas [casos de M... , de N... ], para concluir que “a ré incumpriu as obrigações para si emergentes dos contratos de empreitada celebrados com a autora”.

Em segundo lugar, laborando no pressuposto da alteração da matéria de facto, concluiu que a autora sofreu prejuízos que a ré está obrigada a indemnizar. Quanto à matéria que serve de base a esta conclusão ela é a seguinte:

1. Que para a execução da empreitada dos autos, a autora pediu um financiamento, tendo pago, desde Janeiro de 2009 até á data da instauração da acção, juros e custos a ele associados no valor de € 182 376,96;

2. Que a ré nunca entregou as chaves das portas exteriores e interiores do pavilhão à autora, encontrando-se as mesmas na posse da ré;

3. Que a construção do pavilhão industrial situado no lote (...) da (...) , Figueira da Foz, destinou-se a venda ou arrendamento;

4. Que os representantes da autora não puderam mostrar os escritórios por não disporem das chaves das respectivas portas;

5. Que a renda mensal de um armazém, com as mesmas características, ascende a um valor nunca inferior a € 8500;

6. Que a autora e S.... declararam respectivamente prometer vender e prometer comprar, em 26/01/2010, a fracção autónoma designada pela letra L, do lote V, pelo preço de € 157 500, nos termos que resultam do documento de fls. 387 e 389;

7. Que a autora e S... , em 31 de Maio de 2010, declararam revogar o contrato-promessa referido, tendo a autora devolvido à segunda a quantia de € 5000,00 que lhe havia sido entregue a título de sinal, nos termos que resultam do documento de fls. 379 a 380 dos autos.

8. Que S... exigiu a revogação, alegando existirem anomalias na referida fracção e a sua não reparação.

Pelas razões a seguir expostas, o recurso é de julgar improcedente.

Em primeiro lugar, deve dizer-se que este tribunal alterou apenas parte da matéria acabada de descrever. Assim, julgou provado apenas:

1. Que para a execução da empreitada dos autos, a autora pediu um financiamento;

2. Que a construção do pavilhão industrial situado no lote (...) da (...) , na Figueira da Foz, destinou-se a venda ou arrendamento;

3. Que a autora e S... declararam respectivamente prometer vender e prometer comprar, em 26/01/2010, a fracção autónoma designada pela letra L, do lote V, pelo preço de € 157 500, nos termos que resultam do documento de fls. 387 e 389.

4. Que a autora e S... , em 31 de Maio de 2010, declararam revogar o contrato-promessa referido, tendo a autora devolvido à segunda a quantia de € 5000,00 que lhe havia sido entregue a título de sinal, nos termos que resultam do documento de fls. 379 a 380 dos autos.

Quanto à matéria restante, a decisão de a julgar não provada manteve-se. Segue-se daqui que a pretensão da recorrente no sentido de ser revogada a sentença labora com base em pressupostos de facto que não estão demonstrados. Ora, resulta do n.º 3 do artigo 607.º do CPC – aplicável ao acórdão proferido em sede de apelação por remissão do n.º 2 do artigo 663.º do CPC – que o direito é aplicável apenas aos factos considerados provados.

Tomando em consideração os factos julgados provados, é seguro afirmar-se que está votada ao fracasso a pretensão da recorrente no sentido de ser revogada a sentença e de, em substituição dela, ser proferida decisão que julgue procedente a acção. E está votada ao fracasso porque a autora não provou os factos constitutivos do seu direito.

Importa, no entanto dizer que, apesar de a autora não ter indicado a norma ou normas que serviam de fundamento à sua pretensão – e não fez esta indicação nem na petição nem agora em sede de recurso - pode afirmar-se que tal norma não é a do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, como pressupôs a sentença.

Esta norma enuncia o princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Ora, é isento de dúvida que a autora imputou à ré responsabilidade pelo não cumprimento do contrato de empreitada relativo ao lote V e pelo não cumprimento do contrato relativo ao pavilhão industrial do lote (...) da (...) , Figueira da Foz; isto é, o litígio situa-se no domínio da responsabilidade contratual, mais concretamente no âmbito da responsabilidade do empreiteiro, perante o dono da obra, pela execução defeituosa desta.

Observe-se que no litígio não estava em causa nenhum dos seguintes direitos que a lei reconhece ao dono da obra em caso de execução defeituosa desta:

1. O direito de exigir a eliminação dos defeitos (1.ª parte do n.º 1 do artigo 1221.º do CC);

2. O direito de exigir nova construção, se os defeitos não puderem ser eliminados (2.ª parte do n.º 1 do artigo 1221.º do Código Civil);

3. O direito de exigir a redução do preço (1.ª parte do n.º 1 do artigo 122.º do Código Civil);

4. O direito de resolução do contrato (2.ª parte do n.º 1 do artigo 122.º do Código Civil).

Estava em causa o direito de indemnização previsto no artigo 1223.º do mesmo diploma nos seguintes termos: “o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito de ser indemnizado nos termos gerais”. Os termos gerais para que remete são os dos artigos 562.º e seguintes, relativos à obrigação de indemnização.

Segue-se do exposto que a procedência do pedido da autora, por aplicação combinada do n.º 1 do artigo 342.º, e dos artigos 1223.º e 563.º, ambos do Código Civil, pressupunha a prova de factos que significassem o cumprimento defeituoso dos contratos de empreitada, de factos que traduzissem danos na esfera jurídica da autora e a prova de factos de onde resultasse um nexo de causalidade entre o cumprimento defeituoso e os danos.

Precise-se, no entanto, que o artigo 1223.º do Código Civil não dá cobertura à indemnização de todos os danos provenientes do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada.

Socorrendo-nos das palavras de João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, página 103, “este direito de indemnização é residual relativamente aos direitos de eliminação dos defeitos, de realização de nova obra, de redução do preço e de resolução do contrato. O dono da obra só tem direito de indemnização, nos termos do artigo 1223.º do C. C., relativamente aos prejuízos que não obtiverem reparação através do exercício daqueles outros direitos, pelo que pode ser exercido cumulativamente com o exercício desses direitos, ou isoladamente, nas hipóteses em que se revela o único meio de reparação do prejuízo resultante da existência do defeito.

No mesmo sentido se pronuncia Pedro Romano Martinez “Cumprimento Defeituoso, Em Especial na Compra e venda, colecção teses, Almedina, página 347, ao escrever: “… em matéria de cumprimento defeituoso, nos contratos de compra e venda e empreitada, vigora o princípio de que a indemnização é subsidiária relativamente aos pedidos de eliminação dos defeitos, de substituição da prestação e de redução do preço (…). Tem, pois, uma função complementar.” 

Tendo presente este regime jurídico da indemnização, é seguro afirmar-se que a autora não está em condições de beneficiar dele. Vejamos.

A autora pretende obter indemnização para os seguintes factos que classifica como prejuízos:

1. Despesas com juros e com outros custos, desde Janeiro de 2009 até à instauração da acção, no montante de € 182 376,99, suportados pela autora com o contrato de financiamento que realizou para execução da empreitada do lote V, acrescidos dos juros e custos desde a propositura da acção até à conclusão da reparação do lote V;

2. Impossibilidade, desde Agosto de 2007, de arrendar o pavilhão do lote (...) da (...) pela renda mensal de € 8500,00;

3. Não recebimento do preço de € 157 500,00 pela venda da fracção “L” do lote V.    

Segundo a recorrente, todos estes prejuízos têm como causa o incumprimento contratual. Assim:

1. Os juros e outros custos com o financiamento bancário suportados pela autora a partir de Janeiro de 2009 têm como causa o facto de a ré não ter concluído a obra no prazo convencionado e o facto de ter executado a obra do lote V com defeitos, o que afastou potenciais interessados na aquisição de uma fracção.    

2. A impossibilitada de arrendar o pavilhão teve como causa o facto de a ré não reparar os defeitos que ele apresenta e o facto de lhe não entregar as chaves que permitem o acesso à totalidade do pavilhão. 

3. O não recebimento do preço ficou a dever-se à revogação do contrato-promessa que, por sua vez, ficou a dever-se ao facto de a fracção prometida vender ter tinha anomalias, que não foram reparadas.

Em matéria de prejuízos, a autora não provou que suportou juros e outros custos com o financiamento, a partir de Janeiro de 2009 até à instauração da acção, no montante de € 182 376,99. De resto, não há na matéria assenta qualquer facto que aponte no sentido de que os defeitos que as fracções apresentavam fizeram com que a autora suportasse juros e outros custos que não teria suportado se a obra fosse executada sem quaisquer defeitos.

Ainda em matéria de prejuízos, também não há prova de que a autora ficou impossibilidade de arrendar o pavilhão desde Agosto de 2007, como não há prova de que o arrendamento proporcionaria à autora uma renda mensal de € 8 500.    

Quanto ao não recebimento do preço, em relação à fracção L do lote V, resulta é certo da matéria assente que a autora não celebrou o contrato definitivo com a promitente compradora, contrato definitivo que constituiria a fonte da obrigação de pagamento do preço (alínea c), do artigo 879.º do Código Civil).

Não se provou, no entanto, que o contrato-promessa foi revogado devido à não reparação dos defeitos.

Observe-se que, mesmo que a autora provasse que o contrato-promessa havia sido revogado devido ao facto de a fracção prometida vender ter defeitos que não foram reparados, ainda assim o não recebimento do preço não era de imputar à ré. É que, como resulta do contrato-promessa, quem se obrigou, perante a promitente compradora, a eliminar os defeitos foi a autora, ora recorrente (2.ª parte da cláusula quarta).

Mais: se é verdade que com a não celebração do contrato definitivo a autora não recebeu o preço, também é verdade que a fracção prometida vender não saiu da sua esfera patrimonial. Daí que, do ponto de vista patrimonial, a situação da autora não sofreu qualquer prejuízo.                   

Assim, embora com fundamentos jurídicos não inteiramente coincidentes com os da decisão recorrida, é de manter a decisão de julgar improcedente a acção. 

Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. 

As custas do recurso serão suportadas pela recorrente.   

Relator:

Emidio Francisco Santos

Adjuntos:

1º - Catarina Gonçalves

2º - Nunes Ribeiro