Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
464/09.7TBMLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MARINHO
Descritores: INTERVENÇÃO PROVOCADA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 323, 326, 478 CPC, 498 CC
Sumário: 1.O incidente de intervenção principal provocada tem como fim último gerar o aparecimento, no seio do processo, na qualidade de associado de uma das partes, de uma pessoa singular ou colectiva que nela não tinha intervenção inicial.
2. A citação do chamado obedece a um processo prévio e específico que compreende a obrigatória audição prévia da parte contrária e a prolação de um despacho incidente sobre a respectiva admissibilidade, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 326.º do Código de Processo Civil.
3. Cabe ao requerente deste incidente promover a interrupção do prazo prescricional, nos termos do disposto no Artigo 323.º do Código Civil.
4. A interrupção mencionada neste preceito faz-se através de contacto com o potencial beneficiário da interrupção que tem que ser: a) formal; b) realizado por um Tribunal; c) orientado para a transmissão directa de conteúdos processuais; d) dirigido a tornar claramente patente a intenção do titular do direito de o exercer.
5. Quando o mecanismo processual não envolva a citação em acto contínuo e antes dependa de processado viabilizador, cumpre ao sujeito incumbido de promover a interrupção tomar as medidas admitidas pelo Direito adjectivo que garantam que o beneficiário do curso do prazo de prescrição seja destinatário do acto judicial formal de transmissão de conhecimento relativamente à intenção de realizar a tutela jurisdicional do direito, ainda dentro do aludido prazo.
6. Para tal efeito, a sua actuação passará por requerer o contacto judicial formal com o alegado devedor dentro do prazo de exercício do direito, designadamente recorrendo à citação prévia regulada no art. 478.º do Código de Processo Civil.
7. Tal citação constitui, neste caso, um primeiro momento de transmissão de noções relativas à existência da acção, ao chamamento deduzido e aos respectivos conteúdos, sendo, posteriormente, a citação mencionada no n.º 1 do art. 327.º do Código de Processo Civil, substituída por notificação com finalidades coincidentes com as indicadas no preceito, visando, designadamente, veicular informação sobre a admissão do incidente e o início do prazo de apresentação de articulado próprio ou de adesão.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
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I. RELATÓRIO

REDE FERROVIÁRIA NACIONAL – REFER E.P.E., com os elementos identificativos constantes dos autos, instaurou acção declarativa de condenação com processo ordinário contra R (…), CP – CAMINHOS DE FERRO PORTUGUESES E.P. e TRANSFESA – TRANSPORTES FERROVIARIOS ESPECIALES, S.A., todos neles melhor identificados, por intermédio da qual solicitou a condenação dos Demandados a pagarem-lhe quantia pecuniária acrescida de juros legais a contar desde a data da citação até integral pagamento.

Alegou, para o efeito, que:

No dia 20 de Dezembro de 2006, entre a Mealhada e Mogofores, na linha férrea do norte, um vagão do comboio de mercadorias descarrilou; tal comboio iniciou o seu percurso em Souselas, carregado com cimento destinado ao Ramal da Cimpor da Maia, sendo conduzido pelo 1.º R., sob ordens e instruções da sua entidade patronal, a 2.ª R., proprietária das locomotivas que faziam a tracção do comboio; o vagão que descarrilou era propriedade da 3.ª R. encontrando-se carregado com 57,7 toneladas de cimento; tal vagão ficou a ocupar, devido ao descarrilamento, as 2 vias de circulação; o referido descarrilamento deveu-se à fractura da roda direita – frente do «bogie» traseiro do referido vagão – verificando-se, então, que rodado tinha deficiências; o comboio deveria circular à velocidade máxima de 90 km/h, em virtude de insuficiência de frenagem; porém, ao km 232,557, atingiu os 95 km/h, actuando o alarme de velocidade excessiva; foi actuado o freio para manter a velocidade; à passagem pelo km 237,895 verificou-se uma quebra de pressão na conduta geral do comboio, quando este circulava a 93 km/h; à passagem pelo km 238,338, verificou-se nova quebra de pressão na conduta geral do comboio, quando circulava a 43,5 km/h; quando o comboio circulava a 6 km/h, ocorreu nova quebra de pressão na conduta geral; antes de se imobilizar ao km 238,412; tal quebra de pressão ficou a dever-se ao descarrilamento; este provocou danos na via férrea e sinalização, cuja reparação ascendeu a 881.910,52 Eur; o 1.º R., maquinista do comboio, permitiu que o mesmo circulasse com um vagão descarrilado numa extensão de 3,084 km, mesmo verificando-se quebras de pressão na conduta geral e quebras de velocidade sucessivas nesse trajecto e não obstante o comboio dever circular com velocidade máxima de 90 km/h por insuficiência de freios; recai no 1.º R., enquanto comissário, a presunção de culpa do acidente e a obrigação de pagamento dos danos causados; a 2.ª R. é, também, responsável pelos danos causados, enquanto comitente e proprietária das locomotivas que faziam a tracção do comboio; também a 3.ª R., como proprietária do vagão cujo rodado fracturou e descarrilou na via férrea e a quem cabia zelar pela sua compatibilidade técnica e adequada manutenção, conservação e funcionamento, é responsável pelos danos causados.

Foi admitida, por despacho reproduzido a fls. 80 e 81 deste processo, a «intervenção, a título principal e como ré nos presentes autos», da sociedade CIMPOR – INDÚSTRIA DE CIMENTOS, S.A.

Na sua contestação, esta sociedade veio arguir a «excepção peremptória extintiva de prescrição».
O Tribunal «a quo» avaliou tal pretensão decidindo nos seguintes termos: «julga-se procedente a excepção peremptória de prescrição invocada, e, ao abrigo do disposto no art. 498.º n.º 1 e 303.º do Código Civil, absolve-se a Ré – “Cimpor - Indústria de Cimentos, S.A.” do pedido contra si formulado».
É desta decisão que vem o presente recurso interposto por pela Autora, que alegou e apresentou as seguintes conclusões:

«1ª Está em causa nos autos um acidente ferroviário caracterizado pelo descarrilamento de um vagão de mercadorias que provocou os danos relatados na P.I., tendo a A. imputado a responsabilidade do mesmo aos intervenientes por si conhecidos, ou sejam, maquinista, CP – como empresa responsável pela locomotiva que fazia a tracção do vagão e Transfesa – como proprietária do vagão cujo rodado foi causa do descarrilamento.

2ª Com a contestação da R. Transfesa SA, em 23.11.2009, veio esta R. alegar, além do mais, que tinha alugado o vagão à Cimpor - indústria de Cimentos SA, a quem incumbia a verificação do mesmo, tendo, consequentemente, a A. requerido a intervenção principal da Cimpor em 9.12.2006.

3ª A decisão sob censura julgou procedente a excepção da prescrição do artgº 498 nº 1 do C.Civil, invocada pela interveniente principal Cimpor - Indústria de Cimentos I S.A., na sua contestação, considerando que tendo o acidente, em causa nos autos, ocorrido em 20.12.2006, só foi requerida a intervenção principal desta interveniente em 9.12.2006 e,

4ª não se tendo a citação realizado até 20.12.2006, por motivo imputável à A., deve julgar-se procedente a excepção da prescrição.

5ª Ora, afigura-se que não foi feito o correcto enquadramento legal.

6ª Em primeiro lugar, tendo sido deduzida a intervenção principal da interveniente com mais de 5 dias relativamente ao termo do prazo de 3 anos, não tinha a recorrente necessidade de requerer a citação urgente ou alertar o tribunal para esse facto, nos termos do artgº 323 nº 2 do C.Civil.

7ª Aliás, estando em questão um incidente de intervenção principal, a citação prévia configuraria um violação da lei, dado que só pode ser ordenada a citação após a resposta das contra partes e se o tribunal admitir a intervenção, artgsº 324 e 327 do CPC.

8ª Sem prejuízo do exposto, considerando que a recorrente só tomou conhecimento do contrato de aluguer do vagão referido celebrado entre a R. Transfesa SA e a interveniente com a dedução da contestação da Transfesa SA de 23.11.2009, não lhe era exigível que demandasse anteriormente a Cimpor,

9ª efectivamente, neste caso, a prescrição suspende-se quando o lesado desconhecer, sem culpa ou por motivo alheio, o responsável, no decurso dos últimos 3 meses do prazo, artgº 321 nº 1 do C.Civil,

10ª como sucede no caso concreto, em que só teve conhecimento do aluguer à Cimpor quando foi notificada da contestação da R. Transfesa, por envio postal de 26.11.2006.

11ª Tendo, assim, desde logo, a decisão recorrida ao considerar verificada a prescrição violado o disposto nos artgsº 321 nº 1 e 323 nº 2 do C.Civil.

12ª Além do exposto, vindo imputado na P.1. aos RR. a violação de dever de evitar a quebra do rodado do vagão e evitar a circulação do comboio com este descarrilado, tais factos, são suscetíveis, em abstracto, de constituírem a prática de um crime de dano, que mesmo na forma mais leve tem um prazo de prescrição de 5 anos, artgº 118 nº 1 alínea C) do C. Penal.

13ª Pelo que, o prazo de prescrição a considerar, no caso concreto, seria de 5 anos, artgº 498 nº 3 do C.Civil, tendo, também, a decisão recorrida violado esta norma legal ao considerar aplicável o prazo do artgº 498 nº 1 do C.Civil.»

Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida.

A CIMPOR (…) respondeu a estas alegações não presentando conclusões e pedindo a confirmação da «decisão recorrida».

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões a avaliar:

1. Tendo sido deduzida a intervenção principal da interveniente com mais de 5 dias de antecedência relativamente ao termo do prazo de 3 anos, não tinha a Recorrente necessidade de requerer a citação urgente ou alertar o tribunal para esse facto, sendo que a citação prévia configuraria um violação da lei, dado que a citação só pode ser ordenada após a resposta das contra-partes e se o tribunal admitir a intervenção?
2. Considerando que a Recorrente só tomou conhecimento do contrato de aluguer do vagão celebrado entre a R. TRANSFESA S.A. e a Interveniente com a notificação da contestação daquela, por envio postal de 26.11.2009, não lhe era exigível que demandasse anteriormente a CIMPOR?
3. Vindo imputada aos Réus a violação de dever de evitar a quebra do rodado do vagão e evitar a circulação do comboio, tais factos são susceptíveis, em abstracto, de constituir a prática de um crime de dano que, mesmo na forma mais leve, tem um prazo de prescrição de 5 anos, pelo que seria este o prazo a considerar?

II. FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto

Ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 713.º do Código de Processo Civil, remete-se, aqui, no que respeita à matéria de facto, para os termos da decisão da 1.ª instância que a avaliou.

Fundamentação de Direito

1. Tendo sido deduzida a intervenção principal da interveniente com mais de 5 dias de antecedência relativamente ao termo do prazo de 3 anos, não tinha a Recorrente necessidade de requerer a citação urgente ou alertar o tribunal para esse facto, sendo que a citação prévia configuraria um violação da lei, dado que a citação só pode ser ordenada após a resposta das contra-partes e se o tribunal admitir a intervenção?

Foram fixados em termos que não se mostram colocados em crise neste recurso e, logo, encontram-se cristalizados, os seguintes elementos fácticos relativos às ocorrências processuais relevantes para a presente decisão e contagem do prazo de prescrição:

1. «- 09.12.2009 – Requerimento de intervenção principal.
(...)
- 11.01.2010 – Despacho judicial a ordenar o contraditório nos termos do art. 326 n.º 2 do Código de Processo Civil.
- 22.04.2010 – Despacho judicial a admitir a intervenção.
- 22.12.2010 – Citação da “Cimpor, S.A.”.»(Decisão impugnada);

2. «No dia 20 de Dezembro de 2006, entre Mealhada e Mogofores, na linha ferra do norte, o vagão de mercadorias n.º 64311, descarrilou entre os km 235,140 e 238,224 da referida linha» (alínea «B)» da «Matéria Assente»).

No caso em apreço estamos colocados perante um incidente de intervenção de terceiros – intervenção principal provocada – que tem como fim último gerar o aparecimento, no seio do processo, na qualidade de associado de uma das partes, de uma pessoa singular ou colectiva que nela não tinha intervenção inicial.

A citação do chamado obedece, neste caso, a um processado prévio e específico que contém a obrigatória audição prévia da parte contrária e a prolação de um despacho incidente sobre a respectiva admissibilidade, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 326.º do Código de Processo Civil.

Quid juris se o requerimento visando o chamamento é apresentado sem qualquer menção à questão da prescrição e sem conter pedido específico de transmissão urgente de conhecimento sobre o curso da acção e pretensões deduzidas, alegadamente em virtude de faltarem mais de 5 dias para o termo final do prazo de prescrição?

Verificamos, em concreto, que o pedido de intervenção principal foi deduzido a 9 de Dezembro de 2009 e que o prazo de prescrição terminava a 20 do mesmo mês por força do disposto no n.º 1 do art. 498.º do Código Civil, directamente aplicável à responsabilidade aquiliana e, no que tange à responsabilidade pelo risco, aplicável «ex vi» do disposto no art. 499.º do mesmo Código.

Corridos os trâmites legais, a sociedade chamada só viria a ser citada mais de um ano depois do pedido.

A pretensão que introduziu o incidente não conteve referência à questão da prescrição.

Cabia ao requerente do incidente promover a interrupção da prescrição, conforme resulta do disposto no Artigo 323.º do Código Civil, não estando em causa a existência de compromisso arbitral ou o reconhecimento do direito contemplados nos dois artigos seguintes.

A própria epígrafe desse preceito é esclarecedora, neste domínio: «Interrupção promovida pelo titular».

Esta interrupção faz-se, sempre e apenas, através de «citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente» – cf o respectivo n.º 1. Esta comunicação judicial com o beneficiário da prazo de prescrição pode, ainda, fazer-se, nos termos do disposto no n.º 4 do mesmo artigo, através de «qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido».

Daqui se extrai que o contacto com tal beneficiário tem que ser:

a) Formal;
b) Realizado por um Tribunal;
c) Orientado para a transmissão directa de conteúdos processuais;
d) Dirigido a tornar claramente patente a intenção do titular do direito de o exercer.
O n.º 2 do artigo sob referência visou obviar à penalização deste titular pelas dificuldades de concretização da citação, estabelecendo um momento ficcionado a partir do qual se dá tal acto como realizado ou, noutra perspectiva, um prazo de normalidade. Estabeleceu-se, assim, que «se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».

Extraímos daqui que a parte que despolete o mecanismo processual de exercício de direito no quadro de uma acção caracterizada por ao requerimento inicial se seguir automaticamente a citação, não tem que se preocupar se o seu pedido for apresentado até ao quinto dia anterior ao termo do prazo de prescrição.

Situação distinta é que emerge quando o mecanismo processual não envolva a citação em acto contínuo e antes dependa de processado viabilizador, já que não é de presumir que a mesma ocorra em cinco dias por se saber de antemão, com segurança, que não se verificará antes de se ter realizado um determinado encadeado de actos de natureza adjectiva e que a demora não ocorrerá por meras vicissitudes de concretização, de distinta etiologia mas sempre associadas à materialização do contacto com o citando.

Neste contexto específico, cumpre ao sujeito incumbido de promover a interrupção tomar as medidas admitidas pelo Direito adjectivo que garantam que o beneficiário do curso do prazo de prescrição seja destinatário do acto judicial formal de transmissão de conhecimento relativamente à intenção de realizar a tutela jurisdicional do direito, ainda dentro do aludido prazo. Cabe-lhe, pois, adequar a sua conduta às exigências e estratégia de manutenção e salvaguarda do Direito brandido.

Para tal efeito, a sua actuação passará por requerer o contacto judicial formal com o alegado devedor dentro do prazo de exercício do direito, designadamente recorrendo à citação prévia regulada no art. 478.º do Código de Processo Civil.

Nesta norma, não são taxativos nem unívocos os motivos invocáveis, exigindo-se expresso requerimento de parte carreando tais razões e a prévia avaliação, pelo julgador, da justificabilidade dos fundamentos de precedência.

No caso em apreço, é manifesto que se verificava situação de urgência que justificava e impunha o pedido de citação urgente. Os factos demonstraram-no com clareza. O processado específico do incidente era de jaez a fazer esperar que, onze dias depois, a citação não estivesse realizada, já que havia que actuar o contraditório, respeitar prazo de resposta – cf. n.º 1 do art. 153.º do Código de Processo Civil – proferir despacho e só depois transmitir conhecimento. Ocorria, assim, quadro de premência que justificava a activação do mecanismo descrito.

Porém, aqui chegados, uma questão se impõe: não sendo a citação automática mas precedida de processado autónomo e despacho de admissão, é aceitável, em termos de Direito adjectivo, que se peça a sua realização prévia, sabendo-se que o Tribunal poderá vir a não aceitar algo inelutavelmente materializado à data da decisão, com aparente desprestígio próprio?

Bom, dir-se-á que este desprestígio não surge porquanto a citação, nestes casos, não ocorre automaticamente, antes resulta da prévia análise e ponderação por parte do titular do órgão jurisdicional: o juiz. Tal resulta, expressamente, do disposto na al. f) do n.º 3 do art. 234.º do mesmo encadeado normativo.

O que se perde então?

Dir-se-á: bem pouco. Perde-se o funcionamento linear do n.º 2 do art. 326.º do Código de Processo Civil (mas não o seu respeito). Porém, até neste domínio, nada de particularmente preocupante emerge. O processado sempre sofre desvios quando há citação prévia urgente. Desde logo, o que resulta da exigência de precedência de despacho.

Mesmo no âmbito do processado não incidental, a admissão da citação prévia não é um compromisso com a procedência, não representa o afastamento das questões de excepção. Constitui mera admissão liminar do processo e reconhecimento da necessidade de transmitir conteúdos processuais.

Em concreto, a citação urgente, neste incidente, não obstava ao processado ulterior e à decisão judicial relativa ao chamamento. Na pior das hipóteses, o juiz viria a decidir não ser admissível o incidente e ter-se-iam perdido os esforços e dispêndios da citação – bem pouco, diga-se, face à dimensão dos inconvenientes associados a qualquer outra solução. Aliás, o mesmo ocorre quando, no contexto da citação urgente para a acção, se gera um processado que vem a ser encerrado prematuramente com a procedência de alguma excepção dilatória em sede de saneamento dos autos.

Claro está que a citação, no nosso caso, constituiria um primeiro momento de transmissão de noções relativas à existência da acção, ao chamamento deduzido e aos respectivos conteúdos, sendo, posteriormente, a citação mencionada no n.º 1 do art. 327.º do Código de Processo Civil, substituída por notificação com finalidades coincidentes com as indicadas no preceito, visando, designamente, veicular informação sobre a admissão do incidente e o início do prazo de apresentação de articulado próprio ou de adesão.

De outra forma, estaríamos a pactuar, como ocorreria no caso vertido, com o alargamento por mais de um ano de um prazo de prescrição curto – de apenas 3 anos - por mera via do uso milimétrico do silêncio e de mecanismos processuais orientados para distintas finalidades. Tal geraria grande prejuízo para as partes atingidas por uma tal descolagem entre a data de citação presumida e a real que produziria insuportável incerteza relativa ao exercício dos direitos e frustraria as finalidades associadas ao mecanismo da prescrição.

Esta situação não parece preocupar a Recorrente, cuja tese, aparentemente, contém a possibilidade de esse prazo ser dilatado anos, neste tipo de chamamento (podendo até admitir-se, ao menos «ad terrorem», que, por vicissitudes processuais diversas, o aludido lapso temporal viesse a ser mais extenso nesta fase de «dilação» do que quando indicado na previsão legal).

Não se pode aceitar solução que não contem resposta para este tipo de problemas e que deixa a administração da Justiça, o exercício de direitos e respectivas preclusões meramente sujeitos à «alea».

Não merece resposta afirmativa a questão sob avaliação.


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2. Considerando que a Recorrente só tomou conhecimento do contrato de aluguer do vagão celebrado entre a R. TRANSFESA S.A. e a Interveniente com a notificação da contestação daquela, por envio postal de 26.11.2009, não lhe era exigível que demandasse anteriormente a CIMPOR?

Esta questão assenta numa alegação da Recorrente que não corresponde à verdade.

Como bem se patenteou na resposta às alegações de recurso, o documento com o n.º 12 junto pela própria Recorrente à petição inicial entrada em juízo em 15.09.2009, recebido pela Impugnante a 27.02.2008, invocado no art. 25.º da aludida petição e reproduzido a fl. 38, contém expressa referência ao mencionado aluguer pela TRANSFESA à CIMPOR pelo que, à data da entrada em juízo desse articulado, a mesma tinha a noção muito anterior do facto que disse desconhecer e só ter colhido em 26.11.2009. O mais, era matéria de averiguação pré-judicial e confirmação, que lhe cumpria realizar.

Não merece ulteriores considerações esta censurável vertente do recurso, que só pode improceder.


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3. Vindo imputada aos Réus a violação de dever de evitar a quebra do rodado do vagão e evitar a circulação do comboio, tais factos são susceptíveis, em abstracto, de constituir a prática de um crime de dano que, mesmo na forma mais leve, tem um prazo de prescrição de 5 anos, pelo que seria este o prazo a considerar?

Não foram alegados, na petição inicial, factos que apontem para a existência de dolo, em qualquer das suas formas, da parte dos alegados responsáveis pelos danos invocados.

Sem este elemento subjectivo, não pode falar-se, sequer em abstracto, na prática de crime de dano já que as previsões dos artigos 212.º a 214.º do Código Penal não contêm referência à punição da actuação negligente.

Não possui, pois, qualquer base de sustentação esta vertente do recurso que, assim, improcede flagrantemente e dispensa dilatadas referências técnicas, atenta a sua simplicidade.

SUMÁRIO:

I. O incidente de intervenção principal provocada tem como fim último gerar o aparecimento, no seio do processo, na qualidade de associado de uma das partes, de uma pessoa singular ou colectiva que nela não tinha intervenção inicial;
II. A citação do chamado obedece a um processo prévio e específico que compreende a obrigatória audição prévia da parte contrária e a prolação de um despacho incidente sobre a respectiva admissibilidade, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 326.º do Código de Processo Civil;
III. Cabe ao requerente deste incidente promover a interrupção do prazo prescricional, nos termos do disposto no Artigo 323.º do Código Civil;
IV. A interrupção mencionada neste preceito faz-se através de contacto com o potencial beneficiário da interrupção que tem que ser: a) formal; b) realizado por um Tribunal; c) orientado para a transmissão directa de conteúdos processuais; d) dirigido a tornar claramente patente a intenção do titular do direito de o exercer.
V. Quando o mecanismo processual não envolva a citação em acto contínuo e antes dependa de processado viabilizador, cumpre ao sujeito incumbido de promover a interrupção tomar as medidas admitidas pelo Direito adjectivo que garantam que o beneficiário do curso do prazo de prescrição seja destinatário do acto judicial formal de transmissão de conhecimento relativamente à intenção de realizar a tutela jurisdicional do direito, ainda dentro do aludido prazo.
VI. Para tal efeito, a sua actuação passará por requerer o contacto judicial formal com o alegado devedor dentro do prazo de exercício do direito, designadamente recorrendo à citação prévia regulada no art. 478.º do Código de Processo Civil.
VII. Tal citação constitui, neste caso, um primeiro momento de transmissão de noções relativas à existência da acção, ao chamamento deduzido e aos respectivos conteúdos, sendo, posteriormente, a citação mencionada no n.º 1 do art. 327.º do Código de Processo Civil, substituída por notificação com finalidades coincidentes com as indicadas no preceito, visando, designamente, veicular informação sobre a admissão do incidente e o início do prazo de apresentação de articulado próprio ou de adesão.
III. DECISÃO

Pelo exposto, julgamos a apelação totalmente improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada.

Custas pela Apelante.


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Coimbra, 11 de Setembro de 2012

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)

Alberto Ruço (1.º Adjunto)

Judite Pires (2.ª Adjunta)

VOTO DE VENCIDO:


*

Teria concedido provimento ao recurso com base nas razões que se indicam de seguida.

1 - O acidente descrito na petição inicial ocorreu em 20 de Dezembro de 2006.

A Ré Transfesa, S. A., alegou na sua contestação, apresentada em 23 de Novembro de 2009, que tinha alugado o vagão gerador do acidente à empresa Cimpor, S. A., a quem incumbia mantê-lo em boas condições de circulação.

A autora requereu a intervenção principal da Cimpor em 9 de Dezembro de 2009, mas a citação desta interveniente apenas se realizou meses mais tarde, já depois de terem decorrido mais de três anos após a data do evento.

A decisão sob recurso, ao abrigo do disposto no artigo 498, n.º 1, do Código Civil, julgou procedente a excepção da prescrição invocada pela Cimpor.

2 – Afigura-se que o caso cabe na previsão do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, onde se dispõe:

«Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».

Pelas seguintes razões:

a) O instituto da prescrição baseia-se, por um lado, na recusa de protecção do comportamento negligente assumido pelo credor, que ocorre quando este demora a exercer o seu direito e, por outro, na protecção concedida ao devedor contra a dificuldade de prova que se vai acentuando para este à medida que o tempo passa.

b) Porém, a lei procura equilibrar os interesses antagónicos de credor e devedor e a previsão do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, acima transcrita é disso um exemplo.

Permite que a prescrição não ocorra quando o credor deduza a sua pretensão contra o devedor dentro dos três anos mencionados no artigo 498.º, n.º 1, do Código Civil e este não seja citado dentro deste prazo por razões alheias ao credor.

c) No caso dos autos o pedido de citação da interveniente foi formulado 10 dias antes de se completarem os três anos.

d) A citação só não ocorreu antes de se ter completado o prazo de três anos, porque a lei processual não admite a citação automática do interveniente, nem permite a sua antecipação (artigo 478.º do Código de Processo Civil).

Ao invés, sujeita a citação do interveniente a prévia decisão do tribunal, a qual, em caso de indeferimento e de recurso de tal despacho, pode demorar, em caso de provimento do recurso, meses ou mesmo mais de um ano a ser proferida.

Por conseguinte, devido a esta opção do legislador, salvo se o credor beneficiar do regime prescrito no n.º 2 do artigo 323.º, do Código Civil, o credor que pretenda demandar um interveniente, cuja existência desconhecia até lhe ser revelada pela contestação do Réu, pode confrontar-se com a prescrição do seu direito por força do decurso do prazo de três anos estabelecido no citado artigo 498.º do Código Civil, mesmo quando seja pedida a intervenção com meses ou mesmo mais de um ano de antecedência.

e) Afigura-se, por isso, que a situação relatada nos autos, tal como outras similares, preenche a previsão do n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, pois a citação pedida só não ocorre por razões processuais, isto é, porque a lei entendeu, e bem, sujeitar a intervenção ao contraditório das partes e à fiscalização do tribunal.

3. Esta conclusão implica a procedência do recurso.

Alberto Ruço (1.º Adjunto)