Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
131/04.8TBCNT.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CONTAGEM DOS PRAZOS
TERMO
FÉRIAS JUDICIAIS
DECISÃO JUDICIAL
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Data do Acordão: 03/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA, CANTANHEDE, INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS N.º 2 DO ARTIGO 138.º E 281.º, N.º S 1 E 4, DO NCPC
Sumário: 1. Terminando o prazo de 6 meses, que a lei fixa no art. 281º, nº1, do NCPC para que se considere deserta a instância, no período de férias judiciais, o seu termo transfere-se para o 1.º dia útil seguinte, por efeito do n.º 2 do artigo 138.º, do NCPC.

2. No actual regime fixado no artigo 281.º n.ºs 1 e 4 do NCPC, a deserção da instância não se produz automaticamente, ope legis, ficando a sua declaração a depender de decisão judicial.

Decisão Texto Integral:

           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            No decurso da presente acção declarativa de condenação, inicialmente com processo sumário, que “ A... , L.da”, move a B... e mulher C... ; D... e marido E... , F... , L.da; G... e marido H... e I... , já todos identificados nos autos, foi, em 22 de Janeiro de 2014, proferido o despacho de fl.s 456, dos autos, com o seguinte teor:

            “Fl.s 409 a 455: Notifique, sem prejuízo do disposto no art. 281º do Código de Processo Civil.”.

            A autora foi notificada de tal despacho via Citius (Ref.ª 2297219), em 23 de Janeiro de 2014.

            Após o que, a autora deu entrada (em papel), no dia 03 de Setembro de 2014, na Secção Local de Cantanhede, de requerimento, com o seguinte teor:

            “ A... , L.da”, Autora nos autos à margem identificados, vem informar V. Exa. que se encontra com muitas dificuldades em indicar curador à chamada J... , assim solicita a V. Exa. que se digne notificar o réu I... para vir aos autos (indicar?) a pessoa que representa a sua mãe.”.

            Conclusos os autos, à M.ma Juiz a quo, em 01 de Dezembro de 2014, esta, em, 04 desse mês e ano, proferiu a seguinte decisão, cf. fl.s 459 e 460:

“Por despacho datado de 22/01/2014, determinou-se que a Autora fosse notificada do teor de fls. 409 a 405, sem prejuízo do decurso do prazo contido no artigo 281.º do Código de Processo Civil.

A Autora foi notificada de tal despacho a 23/01/2014 (ref.ª 2297219 do sistema informático).

Compulsados os autos, verifica-se que estes se encontraram a aguardar impulso processual desde tal data, ou seja, durante mais de seis meses.

Com efeito, só em 03/09/2014, é que a Autora apresentou requerimento aos presentes autos. Ou seja, pese embora tenha sido notificada nos termos acima referidos, alertando-a assim para o ónus que tinha em promover o andamento dos autos se quisesse obstar à extinção da instância por deserção, só após o decurso de tal prazo é que a Autora apresenta requerimento aos autos.

Nos termos do disposto no 281.º, n.º1 do Código de Processo Civil, “(…) considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.” E de acordo com o preceituado no n.º4 do mesmo preceito legal, a deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz.

Como anotam João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, in Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, 2013, págs. 38 e 39, “No código revogado (art. 291.º), além de esse tempo se mostrar excessivo (dois anos), o que levava a postergar o momento da extinção da instância, a situação era agravada pela circunstância de o prazo conducente à deserção apenas começar a correr depois da declarada interrupção da instância (…).

Agora, à luz do n.º1 do art. 281.º, a deserção da instância dá-se quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso há mais de seis meses, devendo notar-se que estamos perante um único prazo, não antecedido, pois, de qualquer outro, porquanto foi eliminada a figura da interrupção da instância.”

Acresce que nos termos do disposto no artigo 138.º, n.º1 do Código de Processo Civil, “O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.”

Por outro lado, o artigo 277.º do Código de Processo Civil, na sua alínea c) prevê, como causa de extinção da instância, a deserção.

In casu, pese embora não tenha sido proferido, até ao momento, despacho a declarar a deserção da instância, a verdade é que, constituindo esta factor de extinção da instância, não necessita de despacho judicial a declará-la, operando automaticamente com o decurso do prazo (pois opera de direito, ope legis e não ope judicis), e verifica-se quando tenham decorrido seis meses desde a falta de impulso processual.

Com efeito, extinta a instância por deserção, findou a relação processual, o que significa que, após a extinção da instância não há mais actos processuais que se possam praticar porque não há relação processual juridicamente existente.

Daí que, no caso em apreço, ocorrida a extinção da instância por deserção em 27 de Julho de 2014, o acto praticado pela Autora a 03 de Setembro de 2014 seja inexistente porque não tem nenhuma relação processual subjacente a ele e que o legitime.

*

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas, verifico a deserção da instância e, em decorrência, declaro-a extinta, e determino o desentranhamento do requerimento apresentado pela Autora a fls.458, devolvendo-se a mesma ao apresentante, dela deixando cópia nos autos.”.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a autora, na sequência do que, cf. Acórdão proferido neste Tribunal da Relação e constante de fl.s 505 a 508 v.º, se revogou a decisão que antecede, tendo-se ordenado a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de ser proferida nova decisão acerca da deserção da instância, que apreciasse a existência de negligência da autora na falta de impulso processual.

Recebidos os autos no Tribunal recorrido e dada a possibilidade às partes de se pronunciarem sobre a verificação dos pressupostos da deserção da instância (cf. despacho de fl.s 521), apenas a autora se veio pronunciar (cf. requerimento de fl.s 526), defendendo que não se encontram verificados os pressupostos da deserção da instância e reiterando o pedido já formulado em 03 de Setembro de 2014 (fl.s 458) de que se procedesse à notificação do réu, I... , para que viesse aos autos informar a pessoa que representa a sua mãe.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, cf. despacho de fl.s 528/529, foi, por esta, proferida a seguinte decisão (agora, recorrida):

“Por despacho datado de 22/01/2014, determinou-se que a Autora fosse notificada do teor de fls. 409 a 455, sem prejuízo do decurso do prazo contido no artigo 281.º do Código de Processo Civil.

A fls. 409 a 455 consta a carta precatória devolvida sem cumprimento dos solicitados juramento e citação da curadora provisória nomeada à chamada J... , que declarou rejeitar o cargo por não conhecer a referida interveniente.

A Autora foi notificada de tal despacho a 23/01/2014 (ref.ª 2297219 do sistema informático), nada tendo feito chegar aos autos no prazo legal de 10 dias.

Em 03/09/14 a autora apresentou um juízo o requerimento de fls. 458 onde vem informar que se encontra com muitas dificuldades em indicar curador à chamada J... , solicitando ao Tribunal que se digne notificar o réu I... para vir aos autos indicar a pessoa que representa a sua mãe.

Em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 281º do CPC, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses, sendo que por força do art. 138º, nº 1 do CPC não se suspende nas férias judiciais.

Estatui o nº 4 do referido art. 281º do CPC que a deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.

O DL nº 150/2014 de 13 de Outubro, na sequência dos constrangimentos técnicos que afectaram o acesso e utilização do sistema Citius no decurso da implementação da reforma do sistema judiciário, veio considerar suspensos apenas os prazos que se tenham iniciado após o dia 26.08.14 inclusive, ou terminem após essa data, desde o referido dia 26.08.14 até ao dia 14.10.14.

No caso em apreço, o prazo de deserção iniciou-se no dia 24/01/14 e esgotou-se no dia 24/07/14, pelo que não é abrangido pela suspensão criada por aquele diploma.

A parte onerada com o impulso processual, a autora, apenas apresentou em juízo requerimento destinado a promover os termos do processo em 03/09/14, sem que, de resto, alegasse e demonstrasse qualquer evento que não lhe fosse imputável e a impossibilidade absoluta provocada por tal evento de praticar acto de que dependia o prosseguimento dos autos no decurso do prazo de deserção. Acresce que a alegada dificuldade em encontrar pessoa que pudesse ser nomeada curadora à chamada, ao que, aliás, a autora já havia feito referência em 02.09.13, depois de notificada duas vezes, a última delas com cominação de condenação em multa por falta de colaboração (cfr. fls. 398 e 399), não justifica o abandono da lide por mais de 7 meses, ainda para mais numa acção que intentou há mais de 10 anos. Ao invés, mantendo-se tal dificuldade, impunha-se-lhe que diligenciasse o quanto antes por ultrapassá-la e, não conseguindo, fazer uso atempado do disposto no art. 7º, nº 4 do CPC que prevê que a parte possa recorrer ao tribunal para a auxiliar na obtenção da informação necessária ao cumprimento de ónus ou dever processual.

Considera-se, por conseguinte, negligente a omissão da autora em promover os termos do processo, e preenchida a previsão constante do art. 281º, nº 1 do CPC.

Diferentemente do que ocorria no direito anterior em que depois de interrompida a instância por dois anos a instância extinguia-se por deserção sem necessidade de qualquer despacho a declará-lo, com o novo CPC, o juiz do Tribunal onde se verifique a falta tem de proferir despacho a julgar a deserção.

Como se referem Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Novo Código de processo Civil”, Vol. I, Almedina 2014, 2ª Ed., pág. 272, tal decisão é meramente declarativa, e “até ser proferida não pode, pois, a instância ser considerada deserta, designadamente pela secretaria judicial”.

Pretendeu-se com esta exigência que o arquivamento do processo por deserção ficasse dependente do controlo jurisdicional, designadamente no que toca à verificação da negligência da parte em promover os seus termos.

Pelo exposto, julga-se verificada a deserção em 24.07.2014 e, consequentemente, extinta a instância nos termos do art. 277º, al. c) do CPC.

Fixa-se o valor da acção em 3.750,00 € (art. 306º, nº 2 do CPC).

Custas a cargo da autora (art. 527º do CPC).

Registe e notifique.

*

Fls. 458: Considerando que o acto foi praticado após a extinção da instância por deserção conforme acima declarado, indefere-se o requerido.”.

De novo, inconformada com a mesma, recorreu a autora, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 557), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1 - Por despacho datado de 22/01/2014, determinou-se que a autora fosse notificada do teor de fls. 409 a 455, sem prejuízo do decurso do prazo contido no artigo 281º do Código do Processo Civil. A autora foi notificada de tal despacho a 23/01/2014 (referência 2297219 do sistema informático). Em 02/09/2014, via fax, a autora apresenta um requerimento aos presentes autos.

2 - Foi proferida decisão em 04/12/2014, que julgou a deserção da instância e, em decorrência, declarou-a extinta, e foi determinado o desentranhamento do requerimento apresentado a 02/09/2014 pela autora a folhas 458, devolvendo-se a mesma ao apresentante, dela deixando cópia nos autos.

3 - Refere a douta sentença que nos termos do disposto no artigo 281 n.º 1 do Código do Processo Civil, “… considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”. E, de acordo com o preceituado no n.º 4 do mesmo preceito legal, a deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta por simples despacho do juiz. Refere-se ainda na douta sentença que o artigo 277º do Código Processo Civil, na sua alínea c) prevê como causa de extinção da instância, a deserção. Continuando a referir que In casu, pese embora não tenha sido proferido, até ao momento, despacho a declarar a deserção da instância, a verdade é que, constituindo este fator de extinção da instância, não necessita de despacho judicial a declará-la, operando automaticamente com o decurso do prazo, e verificando-se quando tenham decorridos mais de seis meses desde a falta de impulso processual.

4 - Precisa ainda que no caso em apreço, ocorreu a extinção da instância por deserção em 27 de Julho de 2014, que o ato praticado pela autora em 03 de Setembro de 2014 seja inexistente porque não tem nenhuma relação processual subjacente a ele e que o legitime. Em suma e pelo exposto, decidiu-se, ao abrigo das disposições legais citadas, a deserção da instância e, em decorrência, foi a mesma declarada extinta e finda a relação processual.

5 - Não se conformado a recorrente com a douta sentença dela interpôs recurso para o tribunal da Relação de Coimbra, tendo este tribunal proferido acórdão que decidiu revogar a decisão recorrida, baixando os autos á 1ª instância, onde, após o exercício do contraditório, deverá proferir decisão em que se apreciem os supra referidos fundamentos exigidos para a deserção da instância, após o que os autos prosseguirão em conformidade, em função do que procede o presente recurso.

6 - O processo baixou ao tribunal da comarca de Coimbra, instância Local de Cantanhede, tendo a Meritíssima Juiz que após o exercício do contraditório, julgou verificada a deserção em 24/07/2014 e, consequentemente extinta a instância nos termos do artigo 277º alínea c) do CPC. Refere ainda que considerando que o acto foi praticado após a extinção da instância por deserção, indefere-se o requerido.

7 - Salvo o devido respeito, que é muito, trata-se todavia, de uma decisão inaceitável, com a qual a apelante não se pode conformar.

8- Não se pode conformar pelo que foi decidido no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 07/05/2015, no qual se verificou que inexiste nos autos qualquer decisão a apreciar esta questão e a declarar a deserção da instância, em violação do disposto no artigo 281º n.º 1 e 4 do NCPC, o que por si só, já basta para que se tenha de julgar procedente o presente recurso, pois que, como vimos, a deserção da instância tem de ser declarada mediante decisão judicial, não ocorrendo de forma automática.

9- Assim, decidiu revogar a decisão recorrida, baixando os autos à 1ª instância, onde após o exercício do contraditório, deverá proferir decisão em que se apreciem os supra referidos fundamentos exigidos para a deserção da instância, após o que os autos prosseguirão, em conformidade, em função do que procede o presente recurso.

10-Ora salvo o devido respeito e melhor entendimento o douto Acórdão é bem elucidativo, uma vez que o mesmo diz expressamente que a recorrente tem razão porque a declaração de deserção não opera automaticamente, necessitando de decisão judicial que tal aprecie e declare. Ora, aquando do requerimento apresentado pela autora, via fax em 02/09/2014 e em papel a 3/09/2015, tal decisão não constava do processo.

11-Foi decido pelo douto acórdão que os autos poderão prosseguir os ulteriores termos, logo, nunca podia ter sido proferido despacho pela Meritíssima Juiz a considerar “novamente” deserta a instância, uma vez a mesma não se encontra deserta, até porque quando a autora impulsionou os autos em 02/09/2014, via fax e em 03/09/2014, em papel, no mesmo ainda não se encontrava qualquer despacho a julgar extinta a instancia por deserção.

12- No caso vertente a questão fundamental em análise traduz-se em saber se, no caso dos presentes autos, a decisão que julgou deserta a instância nos termos do artigo 281º do CPC foi adequada e oportuna. Mais, temos de ver nos presentes autos quando é que efetivamente se operou a deserção da instância.

13 - Debruçando-nos então sobre a cronologia dos atos decorre que por despacho de 22/01/2014, determinou-se que a autora fosse notificada do teor de folhas 409 a 455, sem prejuízo do decurso do prazo contido no artigo 281 do Código do Processo Civil.

14 - A autora foi notificada de tal despacho a 23/01/2014, via CITIUS, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao da elaboração, nos termos do artigo 248º do CPC. Assim, presumiu-se a autora notificada no dia 26/01/2014, sendo que este ocorreu a um domingo, considera-se notificada a 27/01/2014.

15 - No dia 02/09/2014, via fax, enviou um requerimento a mandar impulsionar os autos.

16 - Conclusos os autos, foi, em 01/12/2014, proferida sentença, com o seguinte teor:

“…ao abrigo das disposições legais citadas, verifico a deserção da instância e, em decorrência declaro-a extinta…”

17 - Da douta decisão foi proferido acórdão pelo tribunal da Relação de Coimbra, tendo este tribunal julgado procedente o recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida, baixando os autos à 1ª instância, onde deverá ser proferida decisão, em conformidade com o ora decidido, após o que os autos poderão prosseguir os seus ulteriores termos.

18 - O processo baixou ao tribunal da comarca de Coimbra, instância Local de Cantanhede, tendo a Meritíssima Juiz julgado verificada a deserção em 24/07/2014 e, consequentemente extinta a instância nos termos do artigo 277º alínea c) do CPC. Refere ainda que considerando que o ato foi praticado após a extinção da instância por deserção, indefere-se o requerido.

19 - Face ao atual CPC, que assim readotou a filosofia do CPC de 1939 (v. o respectivo artigo 291), a extinção da instância na acção declarativa por deserção exige decisão judicial nesse sentido (artigo 281º n.º 4). Ou seja, diferentemente do que ocorria no âmbito do anterior CPC (o de 1961), agora a deserção não se produz de direito, mas sim ope judicis. Nesta medida, a decisão de extinção tem alcance constitutivo e não simplesmente declarativo, e daqui que enquanto não for proferida será lícito à parte onerada com ónus do impulso processual promover utilmente o seguimento do processo.

20 - Era este, aliás o ensinamento de Alberto dos Reis, no domínio do CPC de 1939, entendimento esse que se ajusta perfeitamente ao direito processual atual. O grande mestre expendia a propósito que se admitia que as partes promovessem o andamento do processo mesmo depois de transcorrido o tempo estabelecido na lei para a deserção, contando que esta não estivesse ainda declarava: segundo ensinava:

“ A deserção não se produz automaticamente, ope legis; depende de acto do juiz, produz-se ope judicis, visto que demanda uma sentença de declaração. Suponhamos então que, tendo passado o lapso de tempo marcado no artigo 296º, uma das partes dá impulso ao processo antes de o juiz ter declarado a deserção; deverá o tribunal considerar deserta a instância, não obstante o impulso referido, ou ficará, pelo contrário, inutilizado o efeito da inércia durante o período legalmente necessário para operar a deserção?

Entendemos que a inércia fica sem efeito e que deve admitir-se o seguimento do processo.

Atenda-se (…) a que o efeito da inactividade das partes não se produz ipso jure (…) não basta o facto da inércia, é necessária uma sentença de extinção. (…) Enquanto a instância não for declarada extinta, as partes podem dar impulso ao processo, pouco importando que tenha estado parado durante mais de seis anos. (…) A sentença de deserção tem, pois, alcance constitutivo. Enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo”. Neste sentido (e embora se trate de uma decisão de bondade duvidosa no domínio da lei em que foi produzida, ou seja, no domínio do anterior CPC), cite-se o acórdão desta RG de 14-12-2010 (www.dgsi.pt), onde se pondera que “não obstante a verificação da deserção da instância, enquanto não houver despacho judicial a declarar extinta a instância, por deserção, as partes podem dar impulso ao processo, devendo em tais circunstâncias admitir-se o andamento do processo. Só a sentença de declaração da extinção da instância, por deserção, tem efeito constitutivo.

Enquanto ela não for proferida, é lícito às partes promoverem utilmente o seguimento do processo”. Veja-se neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 30/04/2015- Processo 230/11.0TBBBRG.G1.

21 - Ora a extinção da instância, ainda que com base na deserção, não se produz automaticamente, pelo simples facto de ter ocorrido o lapso de tempo marcado no citado art. 281º, n.º1: “Para que ocorra a extinção da instância, com base na deserção, necessário se torna a prolação de sentença a julgar extinta a instância, por deserção, nos termos das disposições conjugados dos art. 281º, nº1 e 4 e art. 277º, alínea c), ambos do C. P. Civil. Aliás, já assim o entendia o Prof. José Alberto dos Reis.

22 - Daqui decorre que, após a ocorrência da deserção, a secretaria tem o dever de fazer o processo concluso ao juiz para este julgar deserta a instância e que, não obstante a verificação da deserção da instância, enquanto não houver despacho judicial (art. 281º, nº4) a declarar extinta a instância, por deserção, as partes podem dar impulso ao processo, devendo em tais circunstâncias admitir-se o andamento do processo.

23 - Só o despacho de declaração da extinção da instância, por deserção, tem efeito constitutivo. Enquanto ela não for proferida, é lícito às partes promoverem utilmente o seguimento do processo.

24 - Ora, aplicando, agora, todos estes ensinamentos ao caso dos autos, diremos que, sendo a deserção da instância uma sequência da manutenção da instância interrompida durante, pelo menos, durante seis meses e um dia e atendendo que a autora veio impulsionar os autos, com a entrada do requerimento a 02/09/2014, ainda não havia qualquer despacho a declarar deserta a instância pelo que assiste-lhe razão no prosseguimento da presente ação.

25 - Daí carecer de fundamento o despacho recorrido que declarou deserta a instância, devendo, antes, ser dado andamento à presente ação.

26 - Como supra se referiu com o Novo CPC, o prazo de deserção da instância foi encurtado para seis meses.

27 - Ora os seis meses, para a deserção da instância, terminariam em 27/07/2014, data em que os tribunais se encontravam em período de férias judiciais.

28 - Efetivamente, o aludido prazo de deserção é contínuo, não se suspendendo durante as férias judiciais uma vez que a sua duração é igual ou superior a seis meses mas o nº 2 do artº 138º CPC dispõe que “Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte”.

29 - Assim, e dado que os seis meses após o despacho datado de 22/01/2014, terminaram a 27/07/2014, data que os tribunais se encontravam encerrados em virtude das férias judiciais (16/07/2014 a 01/09/2014) o último dia para que a autora pudesse tempestivamente impulsionar os autos, evitando a deserção da instância era, nos termos do referido n.º 2 do artigo 138 do CPC, o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 01.09.2014.

30 - A autora tentou impulsionar os presentes autos no primeiro dia útil após as férias judiciais, ou seja, 01/09/2014, mas o sistema informático de suporte às actividades do tribunal não se encontrava a funcionar.

31 - A confirmar este facto veio o Decreto-lei n.º150/2014 de 13 de Outubro, clarificar o regime aplicável à prática de atos processuais enquanto se mantivesse a situação de exceção provocada pelos constrangimentos técnicos ao acesso e utilização do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (CITIUS), estabelecendo um regime de justo impedimento e de suspensão de prazos processuais.

32 - De acordo com este diploma, considerou-se que, desde o dia 26 de Agosto de 2014, inclusive, o CITIUS apresentava constrangimentos ao acesso e utilização que muito dificultaram ou impossibilitaram a prática de qualquer ato no mesmo sistema informático.

33 - Constrangimentos que foram considerados justo impedimento à prática de atos processuais que devessem ser praticados por via eletrónica no sistema CITIUS, e nos casos em que a secretaria do tribunal judicial confirmasse a impossibilidade de acesso ao processo ou a parte dele, quer em suporte eletrónico quer em suporte físico, o justo impedimento estendeu-se à prática de atos neste último suporte.

34 - Os prazos previstos para a prática de qualquer ato nos processos relativamente aos quais não foi emitida a referida declaração do IGFEJ, I.P., que se tenham iniciado após o dia 26 de Agosto de 2014 inclusive ou, tendo-se iniciado anteriormente terminem após esta data consideraram-se suspensos a partir do referido dia 26 de Agosto de 2014, retomando-se a sua contagem a partir da entrada em vigor do presente diploma.

35 - A autora fez cessar o prazo de deserção em 02 de Setembro 2014 através da apresentação em Juízo de um requerimento.

36 - Assim, quando a autora deu entrada do requerimento a impulsionar os autos ainda não se tinha operado a extinção da instância por deserção, uma vez que os prazos até estavam suspensos nos termos do Decreto-lei 150/2014.

37 - A douta decisão proferida violou as disposições legais contidas nos artigos 277º e 281º do CPC, e o Decreto-lei 150/2014.

Termos em que se deve dar provimento ao recurso, e por via dele ser revogado o douto despacho recorrido.

Como é de elementar justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

           

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica a extinção da instância por deserção.

 

A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é a que consta do relatório que antecede.

            Se se verifica a extinção da instância por deserção da instância.

            Como resulta do relatório acima elaborado, a autora foi notificada através de carta enviada em 23 de Janeiro de 2014, do despacho de fl.s 456, para que viesse dar impulso processual aos autos, o que veio a fazer em 03 de Setembro desse ano, com a junção do requerimento, em papel, a que acima já se aludiu.

Na decisão recorrida considerou-se que, nesta altura, a instância já estava deserta, em função do que não se considerou tal requerimento, com o fundamento em que, nesta data, já havia decorrido o prazo de 6 meses, que a lei, agora, fixa para que se considere deserta a instância, independentemente de decisão judicial que o declare, por se entender que a deserção da instância opera automaticamente, pelo simples decurso do prazo.

Como acima já se referiu, esta decisão veio a ser revogada, com o fundamento em ser necessária a prolação de decisão judicial que apreciasse os pressupostos exigidos no artigo 281.º, do CPC, o que não tinha sucedido.

No seguimento do que veio a ser proferida a decisão de fl.s 528/529, que considerou, pelos motivos acima transcritos, que se verificava a deserção da instância desde 24 de Julho de 2014.

Contrapõe a recorrida que assim não é porque, ainda antes de ser proferida qualquer decisão a declarar a deserção, impulsionou os autos, através do requerimento de fl.s 458, em que, alegando dificuldades em indicar curador à chamada J... , requereu a notificação de um dos réus para indicar pessoa para tal, para além de que, tal requerimento foi junto aos autos, ainda antes de decorrido o prazo de 6 meses em causa, porque o mesmo terminou em 24 de Julho de 2014 (férias judiciais), pelo que se transferiu para o 1.º dia útil (01 de Setembro), beneficiando da suspensão dos prazos prevista no DL 150/2014, de 13 de Outubro.

Conforme se dispõe no artigo 281.º, do NCPC:

“1. Sem prejuízo do disposto no n.º 5 (que se aplica ao processo de execução), considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”

4. A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.”.

            Pelo que, como já se escreveu no Acórdão anteriormente proferido: “enquanto que no anterior regime a deserção da instância (que se seguia à interrupção, cf. artigo 285.º do CPC), se completava logo que decorridos dois anos desde a interrupção, independentemente de qualquer decisão judicial, no actual regime fixado no artigo 281.º, n.º 1, do NCPC, para além do encurtamento do prazo ali previsto, afastou-se o seu carácter automático, ficando a sua declaração a depender de decisão judicial que aprecie a conduta da parte, já que a deserção é condicionada pela negligência da parte em promover os termos do processo, questão, esta, naturalmente, sujeita ao contraditório, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do NCPC”.

            Assim, nesta sede, em consonância com o objecto do recurso, tal como delimitado pelas alegações da recorrente, importa averiguar se a mesma deu, validamente, impulso aos autos antes de decorrido o prazo de seis meses a que se alude no n.º 1 do artigo 281.º do NCPC e se é aplicável ao caso sub judice a suspensão do prazo em curso, nos termos do citado DL 150/2014.

            Está assente que a recorrente foi presumivelmente notificada do despacho de fl.s 456 (que ordenou a notificação da autora, para que se pronunciasse acerca do expediente que o antecede, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º CPC), em 27 de Janeiro de 2014.

Pelo que os seis meses previstos neste preceito se completaram em 27 de Julho de 2014, ou seja em férias judiciais.

 Trata-se de um prazo que não se suspende durante as férias judiciais (por ser de 6 meses), cf. artigo 138.º, n.º 1, do NCPC mas cujo termo, por efeito do seu n.º 2, se transfere para o 1.º dia útil seguinte.

Assim, poderia a autora requerer o que houvesse por conveniente, até ao dia 01 de Setembro de 2014.

Fê-lo, como vimos, em 03 desse mês e ano.

Todavia, nos termos dos artigos 2.º, 5.º e 6.º do DL 150/2014, de 13 de Outubro, pelas conhecidas razões de constrangimentos no Citius, todos os prazos que se tenham iniciado antes de 26 de Agosto de 2014, que terminassem depois desta data, foram considerados suspensos a partir de tal data e até 14 de Outubro de 2014.

Ora, in casu, o prazo iniciou-se em 27 de Janeiro de 2014 mas só terminava, nos termos expostos, em 01 de Setembro de 2014.

Consequentemente, beneficia a recorrente da suspensão prevista no DL em referência, pelo que o requerimento de fl.s 458 foi atempadamente deduzido e, como tal, antes de decorrido o prazo de seis meses a que se alude no artigo 281.º, n.º 1, do NCPC, o que só por si, bastaria para a procedência do recurso, por consubstanciar impulso processual.

Mas, ainda que assim não fosse, sufragando-se a solução acolhida no Acórdão da Relação de Guimarães, de 30/04/2015, citado pela recorrente nas suas alegações, (Processo 230/11.0TBBRG.G1, disponível no respectivo sítio da dgsi), uma vez que a deserção da instância se produz ope judicis e porque em 03 de Setembro de 2014 ainda não havia sido proferida qualquer decisão de deserção da instância (que veio a ser proferida em 04 de Dezembro de 2014), era lícito à autora, parte onerada com o impulso processual, promover os termos do processo, ainda que decorrido o prazo para tal (o que in casu, como antes se disse, não se verificava).

No que à deserção da instância concerne, com o NCPC “repristinou-se” o regime do Código de Processo Civil de 1939, no âmbito do qual, ensinou o Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, pág.s 439 e 440 que “A deserção não se produz automaticamente, ope legis; depende de acto do juiz, produz-se ope judicis, visto que demanda uma sentença de declaração. Suponhamos então que, tendo passado o lapso de tempo marcado no artigo 296.º, uma das partes dá impulso ao processo antes de o juiz ter declarado a deserção; deverá o tribunal considerar deserta a instância, não obstante o impulso referido, ou ficará, pelo contrário, inutilizado o efeito da inércia durante o período legalmente necessário para se operar a deserção?

Entendemos que a inércia fica sem efeito e que deve admitir-se o seguimento do processo.

Atenda-se, por um lado, a que o efeito da inactividade das partes não se produz ipso jure. A nossa lei não declara, (…) que a deserção opera de direito os seus efeitos; pelo contrário, segundo o artigo 296.º, não basta o facto da inércia, é necessário uma sentença de extinção.

(…)

Enquanto a instância não for declarada extinta, as partes podem dar impulso ao processo, pouco importando que tenha estado parado durante mais de seis anos”.

Acrescentando a fl.s 444 que:

“A deserção não se produz de direito, posto que deva ser declarada oficiosamente; depende de acto do juiz, produz-se ope judicis. A sentença de deserção tem, pois, alcance constitutivo. Enquanto não for proferida, é lícito às partes promover utilmente o seguimento do processo.”.

            Reitera-se que a decisão de deserção apenas foi proferida em 04 de Dezembro de 2014 e o requerimento apresentado pela autora, deu entrada em juízo no dia 03 de Setembro de 2014; ou seja, antes de ser declarada a deserção, o que implicava a sua análise e decisão, ficando, sem efeito, nos termos expostos, a inércia da autora.

            O que acarreta a procedência do recurso, não podendo, por isso, subsistir a decisão recorrida.

            Assim, procede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.

Custas a fixar a final.

            Coimbra, 16 de Março de 2016.

           

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves