Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
848/14.9TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
FIM
DESISTÊNCIA
TRABALHADOR
PEDIDO
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – SECÇÃO DO TRABALHO.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 186º-L A 186º-O DO CPT (LEI Nº 63/2013, DE 27/08).
Sumário: I – A acção especial de reconhecimento de contrato de trabalho surgiu com o objectivo de instituir um mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços.

II – Trata-se de uma acção com natureza urgente e oficiosa, iniciando-se sem qualquer intervenção do trabalhador ou do empregador, bastando, para o efeito, uma participação da Autoridade para as Condições do Trabalho, que a desencadeia.

III – O julgamento da acção deverá traduzir a realidade e não ficar restrito ao peticionado pelo M.º P.º ou ao alegado no articulado do trabalhador, se o houver, devendo a sentença, mesmo que tal não seja indicado por qualquer deles, fixar a data do início da relação laboral – nº 8 do artº 186º-O do CPT.

IV – Se o trabalhador, tendo apresentado articulado próprio, veio a desistir do pedido, desistência essa homologada e à qual não se ofereçam dúvidas quanto à sua admissibilidade, face à cessação do contrato de trabalho entretanto ocorrida, que tornou disponíveis os seus direitos, nada impede o prosseguimento dessa acção, no que ao interesse e ordem pública diz respeito, dado que não são apenas os direitos de carácter privado do trabalhador que estão em causa nesse tipo de acção.

Decisão Texto Integral:
                                  
                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:                                                          

                        O Ministério público veio instaurar, na Comarca de Coimbra - Coimbra – Inst. Central – 1ª Sec. Trabalho - J1, a presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 26º, nº 1, al i), e 186º-K, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, ambos com as alterações introduzidas pela Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto,  contra A... , Ldª,  pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e o trabalhador B...., fixando-se a data do seu início em 1 de Abril de 1988.

                        Alegou, para tanto e síntese, que o referido B... sempre trabalhou de forma subordinada para a Ré, pelo que estamos na presença de um contrato de trabalho.

                        Contestou a Ré, dizendo que, no período compreendido entre 1985 a 1995, o B... foi seu trabalhador, mas naquele último ano  solicitou a sua desvinculação da Ré, para se tornar empresário em nome individual, tendo passado a trabalhar, por conta própria, na actividade de carpintaria.

                        Entre 2006 e 2012, o B... foi trabalhador da sociedade L... , Lda.

                        Alegou, ainda, que não obstante não considerar a existência de vínculo laboral com o B... , converteu já, e após a acção inspectiva da ACT, em 30/06/2014, o contrato de “Prestação de Serviços” que tinha, em “Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado” com efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2012.

                        O B... apresentou articulado próprio, pugnando pela procedência da presente acção e pelo reconhecimento da existência de contrato de trabalho com a Ré, desde 1 de Abril de 1988.

                        Em sede de julgamento, realizou-se a audiência de partes, tendo o trabalhador apresentado o seguinte requerimento:

                        “O trabalhador requer a desistência do pedido, por quanto foi logrado um acordo com a ré, que salvaguarda os interesses que este tinha na acção e que motivaram o articulado apresentado.

                        Mais, requer o desentranhamento da peça processual apresentada e respectivos articulados”.

                        Tendo a Srª Juíza proferido o seguinte despacho:

                        “Uma vez que, nos termos do artº 186-L, nº 4 do C.P.T, o trabalhador, para tanto notificado, pode aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário, cremos, com o devido respeito, por opinião contrária, que também poderia não o ter feito e, tendo-o feito, pode desistir do pedido formulado.

                        Assim, não tendo havido oposição por parte do empregador, aqui réu, e, nem do Ministério Público e ao abrigo dos artigos 283ºnº1, 285º, nº1 e 286º, nº2, todos do CPC, aceita-se essa desistência, ficando sem efeito o articulado do trabalhador, sendo embora certo que, em obediência ao princípio de aquisição processual, não se entende ser de deferir o desentranhamento, quer do articulado, quer dos documentos com ele juntos, o que nessa parte se indefere o requerido.

                        Não obstante, e como a ação em curso tem como o autor, nos termos legalmente impostos, o Ministério Público e, mantendo-se o peticionado inicialmente, vão os autos prosseguir e, na falta do acordo que a lei prevê no artº 186-O, nº 1, já que se frustrou a conciliação, nos termos em que ela é permitida, vamos iniciar de imediato o julgamento”.

                        Aberta a audiência, pelo trabalhador foi requerido o seguinte:

                        “Tendo-se frustrado a tentativa de conciliação entre o trabalhador e o empregador, designadamente, pelo facto de o Tribunal não ter homologado a desistência do pedido do trabalhador e ter ordenado o prosseguimento dos autos, compulsados os mesmos, verifica-se, que, o trabalhador e a ré acordam em converter a prestação de serviços em contrato de trabalho por tempo indeterminado, com efeitos a partir de 01.01.2012.

                        Sucede que, por despedimento coletivo, foi o contrato de trabalho do Sr B... resolvido, com efeitos a 26.09.2014, data em que cessaram os efeitos daquele contrato de trabalho.

                        Assim, uma vez que o efeito útil da presente ação para reconhecimento de uma relação laboral e atendendo ao facto de os interesses, quer do trabalhador, quer do Estado, uma vez que aquele efetuou os pagamentos das respetivas retribuições junto da Segurança Social, quer do interesse da ré, estão devidamente acautelados e garantidos atendendo aos factos atrás expostos, não se pode alcançar o fim da presente ação, porquanto, o vínculo laboral foi por via do despedimento coletivo resolvido, verifica-se a inutilidade superveniente da lide, o que se requer para os devidos e legais efeitos”.

                        Que mereceu o seguinte despacho:

                        “Para além do mais, está em causa nestes autos o eventual reconhecimento da existência de contrato de trabalho entre, o trabalhador B... e a qui ré, desde 01.04.1988, com as legais consequências que daí possam advir.

                        É certo, que já resulta dos autos ter havido acordo entre empregador e trabalhador da conversão da prestação de serviços em contrato de trabalho em tempo indeterminado desde 01.01.2012, conforme documento junto a fls. 80 e seguintes. Também é certo, ou poderá ser certo que, mercê da junção dos documentos que ora se protestaram juntar, a relação laboral entre o empregador e o trabalhador em causa nestes autos terá cessado no âmbito do despedimento coletivo, com efeitos a partir do passado dia 26 de Setembro. Porém, tal não consome o objeto da presente ação, mantendo-se a utilidade do prosseguimento dos autos, pelo menos para verificar da eventual existência de contrato de trabalho no período que antecede o acordo já junto aos autos, isto é antes de 01.01.2012.

                        Não se verifica, assim, a alegada inutilidade superveniente da lide, prosseguindo-se com a realização do julgamento”.

                        Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, decidindo o seguinte:

                        “Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação procedente, por provada, e, em consequência, condeno a Ré, A... , Ldª, no pedido contra si deduzido pelo Autor, Ministério Público, ou seja, a reconhecer a existência de um contrato de trabalho, com B... , com início em Abril e 1988, sendo certo que após 01/01/2012, já se encontra reconhecido, por acordo das partes, nos autos.

                                                                       ***

                        Custas a cargo da Ré”.

                                                                       x
                        Inconformada, veio a Ré interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

[...]

                        O MºPº apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção do julgado.

                                                                       x

                        Definindo-se o âmbito do recurso  pelas suas conclusões, temos como questões a apreciar:

                        - se a desistência do pedido por parte do  trabalhador determina a absolvição da Ré do pedido;

                        - se tal desistência  acarretou a inutilidade superveniente da lide;

                        - a impugnação da matéria de facto;

                        - a qualificação do contrato que ligava o  trabalhador à Ré.
                                                                       x         
                        A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

[...]                       

                                                                       x

                        O direito:
                        - a desistência do pedido:

                        Entende a Ré- apelante que, tendo o trabalhador desistido do pedido formulado no seu articulado, e a mesma sido  homologada pelo Tribunal a quo, deveria ter sido declarado extinto o direito que se pretendia valer na presente acção e a Ré ser absolvida do pedido.

                        Importa transcrever aqui, para melhor compreensão do que se irá expor, os artºs 186º- L a 186-O do CPT, aditados pela Lei nº 63/2013, de 27/8:

                        “Artigo 186.º -L

                        Petição inicial e contestação

                        1 — Na petição inicial, o Ministério Público expõe sucintamente a pretensão e os respetivos fundamentos, devendo juntar todos os elementos de prova recolhidos até ao momento.

                        2 — O empregador é citado para contestar no prazo de 10 dias.

                        3 — A petição inicial e a contestação não carecem de forma articulada, devendo ser apresentados em duplicado, nos termos do n.º 1 do artigo 148.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

                        4 — O duplicado da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário.

                        Artigo 186.º -M

                        Falta de contestação

                        Se o empregador não contestar, o juiz profere, no prazo de 10 dias, decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.

                        Artigo 186.º -N

                        Termos posteriores aos articulados

                        1 — Se a ação tiver de prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma exceção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa.

                        2 — A audiência de julgamento realiza -se dentro de 30 dias, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 1 a 3 do artigo 151.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

                        3 — As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas.

                        Artigo 186.º -O

                        Audiência de partes e julgamento

                        1 — Se o empregador e o trabalhador estiverem presentes ou representados, o juiz realiza a audiência de partes, procurando conciliá-los.

                        2 — Frustrando -se a conciliação, inicia -se imediatamente o julgamento, produzindo -se as provas que ao caso couberem.

                        3 — Não é motivo de adiamento a falta, ainda que justificada, de qualquer das partes ou dos seus mandatários.

                        4 — Quando as partes não tenham constituído mandatário judicial ou este não comparecer, a inquirição das testemunhas é efetuada pelo juiz.

                        5 — Se ao juiz parecer indispensável, para boa decisão da causa, que se proceda a alguma diligência suspende a audiência na altura que reputar mais conveniente conveniente e marca logo dia para a sua continuação, devendo o julgamento concluir -se dentro de 30 dias.

                        6 — Finda a produção de prova, pode cada um dos mandatários fazer uma breve alegação oral.

                        7 — A sentença, sucintamente fundamentada, é logo ditada para a ata.

                        8 — A sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral.

                        9 — A decisão proferida pelo tribunal é comunicada à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I. P.

                        Sobre a acção especial de reconhecimento de contrato de trabalho teve esta Relação e secção social oportunidade de se pronunciar nos  acórdãos de 26/9/2014, de 13/11/2014 (estes com o mesmo relator e adjuntos e disponíveis in www.dgsi.pt), de 20/11/2014, proc. 325/14.8TTRLA.C1 (relatado pelo aqui 1º adjunto) e de 20/11/2014, proc. 363/14TTLRA.C1 (relatado pelo aqui 2º adjunto), nos seguintes termos:

                        São duas as novidades trazidas pela Lei 63/2013:

                        - a criação de um procedimento próprio para utilização pela ACT, quando esta considere estar na presença de “falsos” contratos de prestação de serviço;
                        - a instituição de um novo tipo de processo judicial com natureza urgente, denominado acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

                        Esta nova acção especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho surgiu com o objectivo de instituir um mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços. Trata-se de uma acção com natureza urgente e oficiosa, iniciando-se sem qualquer intervenção do trabalhador ou do empregador, bastando, para o efeito, uma participação da Autoridade para as Condições do Trabalho, que a desencadeia. Institui-se um regime de celeridade e oficiosidade, a petição inicial e a contestação não têm de revestir forma articulada e a realização da audiência de julgamento não fica dependente do acordo das partes, nem pode ser adiada devido à falta destas, e dos respectivos mandatários, mesmo que justificada.

                         A Lei nº 63/2103, que expressa e significativamente veio consagrar a “Instituição de mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado”- artº 1º, contém normas de interesse e ordem pública, designada, mas não exclusivamente, no que respeita à introdução da acção  de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, aditando os artºs 186.º -K a 186.º -R ao CPT.

                        Teve-se em vista combater uma realidade que se vem prolongando ao longo do tempo, de verdadeiros contratos de trabalho subordinado encobertos sob a designação de contratos de prestação de serviços, ou, para usar uma expressão da gíria, os “falsos recibos verdes,” os quais, para além de afectarem o trabalhador subordinado em alguns dos seus direitos, prejudicam, igualmente, interesses do Estado, de natureza fiscal e de segurança social.

                        O que também foi salientado no Ac. da Rel. de Lisboa de 10/9/2014, citado no Ac. da mesma Relação de 8/10/2014, ambos disponíveis em www.dgsi.pt:

                        “Analisando o regime legal condensado na Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que veio alterar a Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro e o Cód. Proc. Trab., observamos que o escopo, essencial e exclusivo, intencionalmente querido pelo legislador e por ele explicitado no art.º 1.º foi o de instituir mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado.

                       Em causa está a sempre atual problemática dos designados “falsos recibos verdes”, isto é, o enquadramento de colaboradores como independentes quando as características da atividade por eles exercida, confrontada com a moldura legal aplicável, impõe antes a sua qualificação como trabalhadores subordinados”.

                        E porque se trata de um interesse de ordem pública, estamos perante uma acção oficiosa,  instaurada na sequência da intervenção da ACT - nº 1 do artº 186-K, ou por conhecimento e por iniciativa do MºPº- nº 2, que dispensa a intervenção do próprio trabalhador em causa, que é meramente facultativa - nº 4 do artº 168º-L. Ou seja, na instauração da acção, dispensa-se, expressamente, a iniciativa e até o consentimento do trabalhador, ao qual é conferida apenas a possibilidade de apresentar articulado próprio e constituir mandatário.

                        Assim sendo, o julgamento da acção deverá traduzir a realidade e não ficar restrito ao peticionado pelo MºPº ou ao alegado no articulado do trabalhador, se o houver, devendo a sentença, mesmo que tal não seja indicado por qualquer daqueles, “fixar a data do início da relação laboral”- nº 8 do artº 186º-O. Esta norma, tal como todas as outras referidas, apresenta-se como imperativa, estando em causa, como já se aludiu, valores que o legislador considera fundamentais, impondo-se, portanto, à vontade das partes e diminuindo a sua liberdade de estipulação. Funciona aqui o princípio do inquisitório, aparecendo o princípio do dispositivo como claramente mitigado.

                        Sobre a problemática de estarmos perante normas de interesse e ordem pública se pronunciou, igual e positivamente, o citado Ac. da Rel. de Lisboa de 8/10/2014:

                        “Afigura-se-nos importante – como aliás faz o Aresto anteriormente transcrito – e antes de cruzarmos as considerações jurídicas que reproduzimos com os factos emergentes da presente ação, definirmos, ainda que de forma sintética, a natureza e principais características da presente ação de reconhecimento do contrato de trabalho que, como ficou antes afirmado, se reconduz a uma ação declarativa de mera apreciação positiva.

                        Ressalta desde logo do inerente regime legal que a mesma tem uma tramitação não somente especial como particular, com alguns pontos de contacto com as ações emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais (artigos 26.º, n.ºs 1, alínea e), 3 e 4 e 99.º a 155.º do C.P.T.) e de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (artigos 26.º, n.ºs 1, alínea a), e 5 e 98.-B.º a 98.º-P do C.P.T.), dado que estas últimas não só possuem natureza urgente como têm por base uma participação ou um formulário, iniciando-se a sua instância com a apresentação/recebimento dos mesmos.

                        A diferença entre a fase conciliatória dos autos de acidentes de trabalho e aquela que tem inicialmente lugar, em termos latos e pouco rigorosos, no âmbito desta ação, é que aquela se integra, de pleno direito, na correspondente instância, ao passo que tal não acontece aqui, havendo uma fase prévia que decorre na ACT, que, ao invés do que com aquela fase conciliatória ocorre, não possui cariz judicial, muito embora uma e outra possam esgotar, por si e em si, o objeto do correspondente procedimento (cfr. n.º 2 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14/9 e 109.º, 111.º e 114.º do C.P.T.).

                        O ato despoletador de um processo como este, à imagem do que se verifica com a ação especial de despedimento, é apenas um e de índole formal, radicando-se, nesta última, num formulário-tipo e naquele na participação da ACT.

                        Importa referir que a ACT é a única entidade competente para levantar o auto a que alude o número 1 do artigo 15.º-A do RPCOLSS e desenvolver as diligências preliminares igualmente aí elencadas (cfr., muito significativamente, o n.º 2 do artigo 186.º-K do Código do Processo do Trabalho) e que, com a participação ao Ministério Público do Tribunal do Trabalho, se «suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada», ou seja, os autos de contraordenação ou de execução relativos à dita infração (falso trabalho autónomo) ficam parados, a aguardar o julgamento definitivo na ação laboral.

                        O Ministério Público, por outro lado, recebe no tribunal do trabalho tal participação da ACT e tem o prazo de 20 dias para apresentar a petição inicial, desde que entenda haver elementos suficientes para o efeito, fazendo-o em representação do Estado e para defesa, em primeira linha, dos interesses públicos pelo mesmo prosseguidos (cfr. artigos 1.º, 2.º e 3.º, al. a) do EMP) e não (apenas) do interesse privado “trabalhador” que, convirá dizê-lo, pode nem sequer ter qualquer intervenção nos autos, conforme decorre da falta de contestação do empregador e do disposto no artigo 186.º-M do C.P.T. e nunca é (pode ser) patrocinado pelo Ministério Público mas apenas por advogado nomeado ou constituído.

                        Tal interesse público acha-se descrito por Pedro Petrucci de Freitas (No texto intitulado «DA ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO: BREVES COMENTÁRIOS», datado de 9/1/2014 e publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73 - Vol. IV - Out./Dez -2013, páginas 1423 e seguintes e que pode ser consultado no sítio da Ordem dos Advogados, em “Publicações”) nos seguintes moldes:

                        «A Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, instituiu mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado através de um procedimento administrativo da competência da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e de um novo tipo de ação judicial, a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, passando esta última a constar no elenco do art.º 26.º do Código de Processo do Trabalho.

                        O objetivo indicado no art.º 1.º desta Lei, ou seja, a instituição dos referidos mecanismos, corresponde a uma intervenção marcadamente política de resposta a um grave problema social, e, quanto a nós, a um culminar de anteriores alterações legislativas (com o propósito de se atingir um nível de “decent work”, — tal como propugnado por instâncias internacionais -, e de se eliminar o fenómeno da precariedade laboral.

                        A utilização indevida da figura do contrato de prestação de serviços em relação de trabalho subordinado não é um fenómeno novo, e conduz, inclusivamente, à concorrência desleal entre empresas. Conforme se refere no relatório elaborado pelo Grupo de Ação Interdepartamental da organização Internacional do Trabalho: “ (...) para a empresa empregadora, a possibilidade de subcontratar tarefas ao trabalhador por conta própria “dependente” constitui uma oportunidade de poupar custos e de -no fundo - partilhar o risco empresarial. A empresa empregadora não se vê obrigada a pagar contribuições para a segurança social, seguros ou direitos relativos a férias e dias feriados; as transações relacionadas com a gestão de recursos humanos estão reduzidas ao mínimo e não há lugar a procedimentos e pagamentos com o fim da relação negocial entre as partes”.

                        De acordo com este relatório, os trabalhadores por conta própria representam 17,1% do emprego total, dos quais 11,6% são trabalhadores por conta própria como isolados (sem empregados a cargo), sendo que na Eu-27, a percentagem média do trabalho por conta própria relativamente ao emprego total é de 15,8%, sendo 10,2% os trabalhadores por conta própria como isolados ([12]). Por seu turno, uma análise dos dados divulgados pela ACT, no que respeita à ação inspetiva no âmbito do trabalho declarado e do trabalho irregular permite identificar 326 casos de regularização de contratos de trabalho dissimulados em 2009, 436 casos em 2010, 1144 casos em 2011 e 396 casos em 2012, tendo, neste último ano, sido efetuadas 64 advertências e registadas 219 infrações.

                        Independentemente da leitura que se possa fazer destes dados, não pode naturalmente a ordem jurídica deixar de criar mecanismos de combate e penalização de situações inequivocamente violadoras da lei com efeitos nocivos transversais, e com um impacto mais abrangente do que aquele que se possa identificar à partida, se incluirmos neste raciocínio a problemática da sustentabilidade dos sistemas de pensões em face da entrada tardia dos jovens no mercado de trabalho propriamente dito, e pela menor entrada de contribuições que o trabalho dissimulado (e também o trabalho não declarado) representam.»

                        Julgamos este excerto doutrinário assaz expressivo dos interesses de cariz não privado ou particular que se visam acautelar através da consagração deste novo tipo de ação (convindo ainda realçar a origem popular desse regime legal) e que moldam inequivocamente a interpretação das correspondentes normas jurídicas e a tramitação adjetiva que delas deriva”.

                        Assim sendo, e se é certo que o trabalhador, tendo apresentado, tal como lhe permite o nº 4 do artº 186º-L, articulado próprio, veio a desistir do pedido, desistência essa homologada e à qual não se ofereciam dúvidas de maior quanto à sua admissibilidade, face à cessação do contrato de trabalho entretanto ocorrida, que tornou disponíveis os seus direitos, de natureza privada, também o é que, em face do exposto no que ao interesse e ordem pública diz respeito, a acção deveria prosseguir, como prosseguiu, dado que não são só os direitos de carácter privado do trabalhador que estão em causa.

                        Improcedendo, como tal a argumentação da recorrente.

                        - a inutilidade superveniente da lide:

                        Valem aqui as considerações que acabámos de expender quanto à natureza das normas citadas do CPT.

                        Acresce que, como resulta do facto 18 e do documento de fls. 34-36 a Ré reconheceu que apenas a partir de 1/1/2012 é que o B... a ela estava vinculado por contrato de trabalho. Contudo, o MºP peticionou que o inicio desse contrato se deveria fixar em 1 de Abril de 1988.

                        Como tal, facilmente se depreende que a acção mantém toda a utilidade, no sentido de averiguar do ocorrido antes dessa data de 1/1/2012, em termos de se poder eventualmente qualificar a relação contratual como de trabalho.

                        Pelo que também aqui improcedem as conclusões do recurso.
                        - a impugnação da matéria de facto:

                        A recorrente veio propor a eliminação ou a alteração dos pontos 4, 6, 7, 8, 9, 10, 14, 15, 19, 21 e o aditamento da matéria de facto contida na conclusão 95.

                        Deu cumprimentos aos ditames do artº 640º do CPC, já que indicou quais os factos que concretamente impugna, os meios probatórios respectivos e as concretas passagens das gravações.

                        Todavia, é inútil a reapreciação dos pontos 4 a 10 da matéria de facto, pelo seguinte:

                        Como já se disse, está apenas em causa a indagação dos específicos termos, da natureza factual, em decorreu a relação contratual entre o B... e a Ré  no período anterior a 1/1/2012, data esta a partir da qual é pacífica a qualificação como contrato de trabalho.

                        Acontece, porém, que os factos contidos nos pontos 2 a 12 se referem exclusivamente (baseando-se no que a este propósito o MºPº alegou) às específicas condições em que o B... prestou a sua actividade na construção do Lar de Idosos (...), na (...) , tendo a acção inspectiva da ACT ocorrido em 28/4/2014.

                        Ora, conforme resulta do “horário de trabalho” de fls. 5 e 6, datado de 14/8/2012, e do “organograma funcional do empreendimento” de fls. 7, datado de 6/9/2012, a inicio dessa obre ateve lugar em momento posterior a 1/1/2012.

                        No que ao período temporal anterior, apenas temos, de relevantes, os pontos 13, 14 e 21 da matéria dada como provada na 1ª instância.

                        Os mesmos, nos termos em que estão redigidos, apresentam-se como claramente contendo matéria de direito, não podendo, por isso, ser tomados em conta para a questão da qualificação do contrato como de trabalho antes de 1/1/2012.

                        Senão vejamos:
                        A distinção entre aquilo que conforma matéria de facto e aquilo que corresponde a matéria de direito é uma questão deveras complexa e delicada. A linha divisória não tem carácter fixo, dependendo muito dos termos da causa, bem como da estrutura das normas aplicáveis.

                        Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pags. 206-207 refere: “a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior. b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”. Mas, como o ilustre professor advertia, se é fácil enunciar critérios gerais de orientação, abundam as dificuldades de ordem prática.

                        Efectivamente, se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas.

                        As dificuldades de delimitação verificam-se, também, no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos.

                        Antunes Varela (no comentário ao acórdão do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e segs.) considera que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haverá que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei.

                        Assim, entendeu-se no acórdão do STJ de 3 de Maio de 2000, publicado no BMJ nº 497, pag. 315:

                        “São factos «os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido que seja de uso corrente na linguagem comum, sendo, ainda, factos “as relações jurídicas que sejam elementos da própria hipótese de facto da norma...”

                        Os juízos de valor continuam, pois, a ser matéria de facto, quando baseados em critérios do homem comum ou mesmo técnico especializado, (não ligado ao mundo do direito)...».

                        E no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 8/11/95, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano III, tomo 3, pag. 293 foi entendido que como critério geral de distinção «pode dizer-se que é questão de facto tudo o que vise apurar ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, bem como o estado, a qualidade ou a situação real das pessoas ou das coisas»”.

                        No Ac. da Relação de Lisboa de 7/11/07- proc. 8.624/07-4, disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte:

                        “Se em determinadas situações, de imediato podemos integrar uma determinada afirmação no campo da matéria de direito (v.g. má fé, abuso de direito, culpa, justa causa, imprevidência, diligência do bom pai de família) ou no campo da matéria de facto (v.g. carta postal, edifício, trabalho, actividade), já, com alguma frequência, se suscitam sérias dúvidas quanto ao estabelecimento de uma linha de demarcação entre os dois terrenos nos casos em que as expressões têm, simultaneamente, um sentido técnico-jurídico, de onde o legislador retira determinados efeitos, e um significado vulgar e corrente, facilmente captado pelas pessoas comuns (v.g. consentimento; pagar; despedido; trabalhar por conta, sob as ordens e instruções; foi admitido ao serviço; trabalho extraordinário, etc.).

                        Não é despicienda a opção que o juiz tiver que tomar quanto à integração de determinada expressão ou afirmação no campo da matéria de facto ou na matéria de direito, já que dela pode depender o sucesso ou insucesso da pretensão deduzida pelo autor.

                        (…) a inclusão daquelas expressões numa ou noutra das categorias dependerá fundamentalmente do objecto da acção

                        Se o thema decidendum da acção, no todo ou em parte, estiver precisamente dependente e localizado no significado real daquelas expressões, tem de considerar-se que estamos perante matéria de direito, insusceptível de ser incluída no despacho de condensação, na matéria de facto assente, ou de fazer parte da base instrutória e de ser objecto de instrução (arts. 508º, n.º 1, al. e), 511º, n.º 1. 513º, 522º, n.º 2, 577º, n.º 1, 623º, n.º 1 e 638º, n.º 1 do CPC) ou de integrar a decisão sobre a matéria de facto (arts. 646º, n.º 4 e 653º, n.º 2 do CPC).

                        Se pelo contrário, o objecto da acção não girar à volta da resposta exacta que se dê às afirmações feitas pela parte, parece-nos que as referidas expressões (pagar, despedido; trabalhar por conta, sob as ordens e instruções, foi admitido ao serviço, trabalho extraordinário, etc.) e outras de cariz semelhante, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção de meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efectua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se dos textos legais”.

                        Assim, numa acção, como a presente, em que se cuida de qualificar o contrato, como de trabalho ou prestação de serviços, a expressão  “O B... , no período compreendido entre 1982 e 1988, foi trabalhador por conta de outrem, da Ré e recebia ordens do seu sócio gerente A... ”, contida no ponto 13, e todo o conteúdo dos pontos 14 e 21 não podem ser atendidos, contendo matéria exclusivamente de direito.

                        Assim, eliminam-se tais pontos 14 e 21 e altera-se a redacção do ponto 13 para a seguinte:

                        - 13- O B... , no período compreendido entre 1982 e 1988, comunicava as suas faltas  ao sócio-gerente da Ré A... .

                        Quanto ao ponto 19, ela traduz o conteúdo do doc. de fls. 200, o qual, contrariamente ao defendido pela recorrente, pode e deve ser tido em conta, ao abrigo do princípio da aquisição processual e porque o mesmo não está revestido de irrelevância para decisão da causa.

                        Quanto aos restantes pontos impugnados pela recorrente, que se referem ao período temporal posterior a 1/1/2012, verifica-se, pelos motivos que descrevemos, a inutilidade da sua reapreciação, que se estende, por inerência, ao facto que pretende aditar.

                        E o artº 130º do CPC consagra a proibição genérica da prática de actos inúteis.

                        A matéria de facto deve ser alterada pela Relação “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa- artº 662º, nº 1, do CPC.

                        Com a alteração da matéria de facto prevista em tal disposição legal pretende-se habilitar o tribunal de recurso a devidamente apreciar as questões de direito levantadas no recurso e para a qual sejam relevantes os concretos pontos de facto alvo dessa impugnação.

                        Quer isto dizer que só deve ser objecto de reapreciação pela 2ª instância a matéria de facto que interesse, revestindo influência decisiva, para a decisão de direito.

                        - a qualificação do contrato antes de 1/1/2012:

                        Como já vimos, a Ré não aceita a existência do contrato de trabalho antes de tal data.

                        Comece-se por se dizer que, para tal qualificação, a sentença recorrida se socorreu da presunção de laboralidade estabelecida no artº 12º do CT de 2009, presunção essa que considerou não elidida.

                        Contudo, temos que o início da execução da relação contratual entre o B... a e a Ré terá ocorrido em Abril de 1988.

      A presunção de laboralidade traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, pelo que só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o inicio da sua vigência ou que tenham merecido substancial alteração desde então - cfr. os acórdãos do STJ de 2/5/2007  e de 22/04/2009, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

      No Ac. do STJ de 10/11/2010, disponível no mesmo sítio, escreveu-se o seguinte: “com efeito, estando a qualificação jurídica do contrato dependente da vontade real das partes, aquando da celebração do mesmo, é obvio que a qualificação não pode deixar de ser considerada como um efeito daquela vontade. E, constituindo esta um facto totalmente passado (…), torna-se evidente (…) que o regime aplicável à qualificação do contrato (…) é o que estava em vigor aquando da celebração do contrato. Só assim não seria relativamente aos factos ocorridos posteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho, se deles resultasse que o relacionamento entre as partes tinha passado a ser substancialmente diferente do que tinha sido anteriormente, caso em que seria necessário indagar se essa alteração correspondia a uma modificação da natureza do vínculo que até aí se tinha existido.”

   Daqui resulta que é aplicável ao caso a legislação que vigorava antes da entrada em vigor do Cód. do Trabalho 2003 ou seja, o regime decorrente da LCT (Dec-Lei nº 49.408, de 24/11/1969).

                        Assim, não se pode fazer apelo a qualquer presunção de laboralidade, quer a do CT de 2003 quer a do CT de 2009.

                        Sem necessidade de recorrer a grande argumentação teórica, porque o caso em concreto não o justifica, temos que decisivo para a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço acaba por ser o elemento "subordinação jurídica", que consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua actividade sob a autoridade e  direcção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da respectiva prestação. A prestação de trabalho nesses casos é heterodeterminada (pelo empregador), contrapondo-se ao trabalho autodeterminado em que, em princípio, cabe apenas ao próprio trabalhador a definição do modo, tempo e lugar da prestação. No trabalho heterodeterminado o grau de dependência do prestador do trabalho da autoridade e direcção do empregador pode ser maior ou menor, sobretudo no que se refere ao modo da prestação, diminuindo, sensivelmente à medida que aumenta a especificidade técnica exigida para o desempenho da actividade. O contrato de trabalho não é incompatível com a salvaguarda da autonomia técnica do trabalhador, sendo possível o desempenho de funções de elevada craveira técnica e intelectual em regime de subordinação jurídica.

                        A nossa jurisprudência acolheu o chamado método indiciário para alcançar a qualificação do contrato atendendo, nomeada mas não exclusivamente, o local da actividade pertencer ao beneficiário da mesma, ou ser por ele determinado; a existência de um horário de trabalho; a utilização de bens ou de utensílios fornecidos pelo beneficiário da actividade; a existência de uma remuneração certa, com aumento periódico; o pagamento de subsídio de férias e de Natal; a integração na organização produtiva, a submissão do prestador ao poder disciplinar - e externos - p. ex., a sindicalização do prestador da actividade, a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem e a exclusividade da actividade a favor do beneficiário.

                        Sendo a subordinação jurídica um conceito integrado por um conjunto de características reveladoras dos poderes de autoridade e direcção atribuídos à entidade patronal, a sua determinação há-de fazer-se através de uma maior ou menor correspondência entre aquelas características e as da situação concreta.

                        Não esquecendo, todavia, que o valor de qualquer desses índices de subordinação não pode deixar de considerar-se relativo, quer pela insuficiência de cada um deles, isoladamente considerado, quer porque podem assumir significado muito diverso de caso para caso.

                        Assim, para a determinação da subordinação jurídica deve ter-se como decisivo um juízo de apreciação global sobre os elementos indiciários fornecidos pela sua situação concreta em correspondência com aquelas características do conceito-tipo.

                        No caso em análise, deparamos com a total ausência, por não ter sido efectuada a devida prova, de qualquer desses índices.

                        Do documento de fls. 200, na qual se baseou o facto 19, nada se retira de decisivo, dado que a Ré aí não reconheceu que o contrato de trabalho se tinha iniciado em 1 de Abril de 1988, mas tão só admitiu a possibilidade de tal vir a ser entendido pelo Tribunal.

                        E, da forma como esta acção especial de reconhecimento de contrato de trabalho está estruturada e dos objectivos que visa, não podem restar dúvidas de que o ónus da prova de da factualidade correspondente impendia sobre o MºP- artº 342º, nº 1, do Cod. Civil.

                        Com a procedência, nesta parte, das conclusões do recurso.
                                                                       x

                        Decisão:

                        Nestes termos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida no sentido de considerar que o contrato de trabalho teve o seu início em 1 de Janeiro de 2012.

                        Suportará a Ré- apelante metade das custas em ambas as instâncias, sendo que a outra parte estaria a cargo do MºPº, se delas não estivesse isento.

                                                                       x

                        Transitado o presente acórdão, dê cumprimento ao disposto no nº 9 do artº 186º-O do CPT.

                                  

                                                                       Coimbra, 26/03/2015

                                                          

                                                               (Ramalho Pinto - Relator)

                       (Azevedo Mendes)                                 

                                                         (Joaquim José Felizardo Paiva)