Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
94/14.1GATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
PRISÃO POR DIAS LIVRES
Data do Acordão: 01/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 45.º, N.º 1, 50.º, N.º 1, 58.º, N.º 1, 60.º, N.º 2, E 70.º, DO CP
Sumário: I - O passado criminal do arguido, pelo número e variedade das condenações, revela uma personalidade mal formada, firmemente avessa ao direito, completamente indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas e à ameaça das respectivas sanções, de resto, evidenciada pelo seu completo alheamento do processo e consequente ausência de qualquer conduta demonstrativa de ter interiorizado a sua culpa e necessidade de censura penal.

II - São razões de prevenção geral, de defesa do ordenamento jurídico, e razões de prevenção especial que impedem a substituição da pena de prisão imposta pela pena de PTFC, mostrando-se esta incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

III - No que concerne à adequação e suficiência do regime de permanência na habitação à realização das finalidades da punição, cumpre dizer que não só a personalidade mal formada do arguido e os seus antecedentes criminais afastam esta forma de cumprimento da pena, como tão pouco se mostram provadas circunstâncias, sejam de ordem familiar, sejam de ordem social, que minimamente a sustentassem.

IV - São também razões de prevenção geral, de defesa do ordenamento jurídico, e razões de prevenção especial, que impedem a substituição da pena de prisão imposta, mostrando-se o regime de permanência na habitação incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

V - A personalidade do arguido e a sua completa indiferença face ao sistema de justiça, de que são reflexo os seus vastos antecedentes criminais, elevam, e muito, a fasquia das necessidades de prevenção especial positiva, na medida em que a socialização do arguido se revela meta muito difícil de alcançar, e não permitem ignorar as de prevenção especial negativa, pela necessária advertência individual.

VI - São as exigências de prevenção especial que in casu se fazem sentir que impedem, em nosso entender, a substituição da pena de prisão imposta por prisão por dias livres.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

            No [já extinto] Tribunal Judicial da comarca de Tábua o Ministério Público requereu o julgamento, em processo especial sumário, do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2 do Dec. Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro.

Por sentença de 29 de Maio de 2014, foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de um ano de prisão.


*

            Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            a) O arguido não se conformando com a sentença do Tribunal a quo que determinou a escolha da pena de um ano de prisão, pela prática em autoria e com dolo directo, de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo artº 3º/1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98 de 03.01, vem dela interpor recurso quanto à matéria de direito;

b) O arguido foi condenado anteriormente por crimes de condução sem habilitação legal, porém da última condenação por este tipo legal crime em relação à presente sentença da qual agora se recorre já passaram mais de três anos e meio;

c) Pelo que, deveria ter prosseguido o Tribunal a quo noutro sentido, no que respeita às determinações das exigências de prevenção geral e especial, visto que a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade realizará de forma adequada e suficiente as finalidades de punição;

d) Com efeito, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo considerando o que vem disposto no artigo 70º do Código Penal e artigo 18º da CRP, devia pois ter feito interpretação diversa, optando pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, ou de outras penas não privativas da liberdade, ao não ter feito violou os aludidos normativos;

e) Para a sentença proferida terá sido decisivo as condenações que o arguido teve anteriormente pela prática do mesmo tipo legal de crime, contudo deveria o Tribunal ter atendido que a ultima condenação foi já há mais de três anos e meio, e como tal levando a outra interpretação no que respeita à determinação das exigências de prevenção especial e geral;

f) Não obstante essas condenações, a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre possibilitará o cumprimento pelo arguido de uma medida não institucional que para além de ser penalizadora da sua conduta ao mesmo tempo o consciencialize da necessidade de adequar os seus actos às normas legais em vigor.

g) Dispõe o nº 1 do artigo 58º "Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição", trata-se de um poder-dever que vincula o Tribunal a avaliar os pressupostos legais para aplicação dessa medida (Ac. do STJ de 21.06.2007 – procº 07P2059);

h) São conhecidos e pacíficos os efeitos perniciosos que resultam das penas curtas de prisão, apontando a pena de prisão para criminalidade mais grave, e da necessidade da flexibilização da execução das penas, designadamente a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade bem como de outras penas e medidas não privativas da liberdade, nesse sentido "Relatório Final da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional" Ministério da Justiça, http://www.dgpj.mj.pt/sections/política-legislativa/anexos/legislacaoavulsa/comissaodeestudoe/downloadFile/attachedFilef0/RelatorioCEDERSP.pdf?nocache=1205856345.98,;

i) A prestação de trabalho a favor da comunidade constituirá um meio para expiar a ação praticada pelo arguido e de se assumir como pessoa útil a comunidade em que se insere, e isto considerando a idade do arguido, a necessidade de não ver as suas relações familiares cortadas, a possibilidade de continuar a procurar trabalho, evitando-se ainda para a sociedade encargos económicos caso o mesmo venha a cumprir a pena de prisão, neste sentido (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18.03.2009, proc 0846097).

j) Por outro lado, ainda que o Tribunal a quo entendesse que prestação de trabalho a favor da comunidade não se mostrava adequada em face do quadro circunstancial, deveria ainda assim em alternativa ter considerado a aplicação do regime de permanência na habitação artigo 44º do CP ou a substituição da pena por prisão por dias livres artigo 45º do CP, esta última tem presente o "predomínio absoluto de considerações de prevenção e socialização, eventualmente limitadas por exigências irrenunciáveis de tutela do ordenamento jurídico (estas em principio, sempre satisfeitas pelo facto de a pena agora em exame ser ainda, em todo o caso, uma pena de prisão) – cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, as Consequências do Crime, pg 391.";

k) A prisão por dias livres do arguido (artigo 45º do CP) sendo uma reação criminal que contendo o carácter penoso da prisão, facultará a possibilidade do arguido manter as ligações familiares e a esperança de integração numa atividade profissional, o que já com o avançar da sua idade cada vez se tornará mais difícil caso venha a ter de cumprir a pena de prisão nos termos da sentença de que se recorre, neste sentido (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11-03-2009, proc 287/08.0GTVIS.Cl).

l) Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida ser substituída por outra, acolhendo os argumentos que se deixaram invocados, e por consequência ser aplicada uma pena adequada ao crime praticado, tudo com as legais consequências.


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            A. O Tribunal a quo efetuou uma correta apreciação na escolha da pena e na sua determinação concreta, atendendo à situação concreta do arguido e dos autos, revelando-se, assim, a pena de 01 ano de prisão ajustada, e não se revelando a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade, por cumprimento em regime de permanência na habitação, ou por dias livres, suficiente e adequada para garantir as finalidades da punição e de prevenção sentidas no caso;

B. O Tribunal a quo andou bem na determinação da pena concreta, tendo efetivado uma correta e adequada aplicação dos critérios legalmente estabelecidos, nomeadamente nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal revelando-se a mesma adequada e conforme à culpa do arguido, o qual já tem vastos anteriores condenações por factos da mesma natureza, num curto espaço temporal, e às necessidades de prevenção geral e especial que o caso suscita, tendo sido atendidas, consideradas na fixação daquelas todas as circunstâncias atenuantes e agravantes;

C. A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não padecendo de qualquer vício ou nulidade, nem violou qualquer preceito legal, tendo-se pronunciado pela possibilidade de substituição da pena de prisão;

D. O Tribunal a quo não ultrapassou a medida da culpa do arguido/recorrente, a qual se considera grave, mostrando-se a pena aplicada adequada às finalidades que se pretendem garantir.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Doutamente se suprirão, não se deverá dar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se integralmente a Douta Decisão recorrida, por tal corresponder, in casu, a um ato conforme à Justiça.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, acompanhando a contramotivação do Ministério Público, realçando os antecedentes criminais do arguido, e a observância dos critérios legais de escolha e determinação da pena, e concluiu pela improcedência do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal, tendo respondido o arguido, dando por reproduzidas as alegações do recurso.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que,a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A substituição da pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade;

- A substituição da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação;

- A substituição da pena de prisão por prisão por dias livres.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

1. No dia 17.05.2014, pelas 10h20, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula (...)FM pela Rua Augusta Soares de Albergaria, concelho de Tábua, sem que fosse titular de carta de condução ou de outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo;

2. A...sabia que não podia conduzir veículos sem para tal estar legalmente habilitado, agiu livre, voluntária e conscientemente, conhecendo a proibição e punição criminal da conduta acima descrita;

3. A...não aufere subsídio social público e não foi declarada ao Instituto de Segurança Social, IP o exercício de actividade profissional, tendo por encargos, pelo menos, os necessários à sua subsistência individual;

4. Em 20.03.1971, A...foi condenado pelo 6.º juízo correccional de Lisboa pela prática de um crime, p. p. pelos arts. 427.º/1 e 1.426.º/7 e 421.º/2 e 3 do CP, na pena de 4 meses de prisão e 1 mês de multa, à taxa diária de 30$00, suspensa por três anos; fls. 19

5. Em 20.05.1971, A...foi condenado pelo 7.º juízo correccional de Lisboa pela prática de um crime, p. p. pelo art. 421.º/2 do CP e, em cúmulo jurídico com a pena referida em 4.), foi-lhe aplicada pena única de sete meses de prisão e 52 dias de multa, à taxa diária de 30$00, suspensa por quatro anos;

6. Em 14.11.1971, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Porto de Mós pela prática de um crime p. p. pelos arts. 1.º/1, al. a) e 421.º/4 do CP e um crime p. p. pelos arts. 426.º/7, 427.º, 421.º/2 e 442.º, todos do CP, na pena única, em cúmulo jurídico, de 10 meses de prisão e 140 dias de multa, à taxa diária de 30$00;

7. Em 29.04.1972, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Beja pela prática de um crime continuado de furto de uso, p. p. pelos arts. 2.º e 1.º/1, al. b) do Decreto-Lei n.º 44 939 de 27.03.1963, na pena de 240 dias de prisão e 60 dias de multa à taxa diária de 15$00 e nas multas contravencionais de 350$00, para um total de 1.250$00;

8. Em 04.11.1975 A...foi condenado pelo tribunal da comarca da Guarda pela prática de um crime de furto de veículo e homicídio voluntário, p. p. pelos arts. 1.º/1, al. c) do Decreto-Lei n.º 44 939 e arts. 349.º e 107.º do CP, na pena de 12 anos e 10 meses de prisão maior e 4 meses de multa;

9. Em 28.04.1976, A...foi condenado pelo tribunal da comarca da Covilhã pela prática de um crime de furto de veículo, p. p. pelo art. 1.º/1, al. d) do Decreto-Lei n.º 44 939, na pena unitária de 13 anos e 4 meses de prisão maior e sete meses de multa, à taxa diária de 60$00:

10. Em 20.12.1978, A...foi condenado pelo 1.º juízo criminal do Porto pela prática de um crime de furto de uso de veículo por convolação, p. p. pelos arts. 2.º e 1.º/1, al. d) do Decreto-Lei n.º 44 939 de 27.03.1963 e 46.º/1 do CE, na pena de 6 anos, oito meses e três dias de prisão maior e 10 meses de multa, à taxa diária de 60$00, traduzindo uma multa global de 24.000$00, ou, em alternativa, em 240 dias de prisão;

11. Em 13.06.1979, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Coimbra pela prática de um crime de injúria, p. p. pelos arts. 181.º, 411.º, 102.º/2 do CP e arts. 1.º/1, al. f) e 4.º/1 do Decreto-Lei n.º 207-A/75, na pena única, em cúmulo jurídico com as penas referidas em 10.), de 6 anos e 10 meses de prisão maior, 15 dias de multa à taxa diária de 20$00, 10 meses de multa à taxa diária de 60$00 e 6.000$00 de multa, ou, em alternativa, em 10, 200 ou 40 dias de prisão, respectivamente;

12. Em 23.06.1986, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Coimbra pela prática de dois crimes de injúria e um crime de detenção de arma proibida, p. p. pelos arts. 181.º, 407.º e 411.º do CP e arts. 3.º/1, al. f) e 4.º do Decreto-Lei n.º 207-A/85 de 17.04, na pena de 6 anos e 9 meses de prisão e 10 meses de multa à taxa diária de 60$00, ou 200 dias de prisão, em alternativa;

13. Em 11.03.1987, A...foi condenado pelo tribunal criminal de Lisboa pela prática de furto qualificado, p. p. pelo art. 78.º do CP na pena de três anos de prisão;

14. Em 26.05.1993, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Arganil pela prática de um crime continuado de furto, p. p. pelos arts. 296.º, 297.º/1, al. e) e 2, als. c), d), e) e h) e 231.º/1, todos do CP, na pena única, em cúmulo jurídico, de 4 anos de prisão e 90 dias de multa, à taxa diária de 200$00 ou, em alternativa, na pena de 60 dias de prisão;

15. Em 17.11.1994, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Arganil pela prática de um crime de furto qualificado e de subtracção, p. p. pelos arts. 296.º, 297.º/1, al. e) e 2, als. c), d), e) e h), 298.º, 231.º e 228.º/1, al. a), todos do CP, na pena única, em cúmulo jurídico, de 3 anos e nove meses de prisão e 90 dias de multa à taxa diária de 200$00, a que em alternativa correspondem 60 dias de prisão;

16. Em 15.04.1998, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Coimbra pela prática de um crime de falsificação de documento e um crime de furto qualificado, p. p. pelos arts. 124.º/1 e 3, 151.º/3 do CE, 256.º/1, al. a) e 3, 79.º, 217.º, 203.º/1 e 204.º/2, al. e), todos do CP, na pena única, em cúmulo jurídico, de 4 anos e 10 meses de prisão, na coima de 70.000$00 e interdição de concessão de carta ou licença de condução de veículos pelo período de dois anos;

17. Em 25.05.1998, A...foi condenado pelo tribunal da comarca da Covilhã pela prática de um crime de evasão, p. p. pelo art. 352.º/1 do CP, na pena de 9 meses de prisão;

18. Em 20.04.1999, A...foi condenado pelo tribunal da comarca da Covilhã pela prática de um crime de falsificação de documento, um crime de burla continuado e um crime de furto qualificado, p. p. pelos arts. 256.º/1, al. a) e 3, 30.º, 79.º e 217.º, 202.º, al. d), 203.º/1 e 204.º/2, al. c), todos do CP, na pena única, em cúmulo jurídico, de 5 anos e 3 meses de prisão, 70.000$00 de coima e interdição de concessão de carta ou licença de condução de veículos pelo período de 2 anos;

19. Em 20.10.1999, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Tábua pela prática de um crime de furto qualificado e um crime de falsificação de documento, p. p. pelos arts. 203.º, 204.º/2, al. e), 255.º, al. c) e 256.º/1, al. a) e 3, todos do CP, na pena única, em cúmulo jurídico, de 5 anos e 6 meses de prisão;

20. Em 06.07.2001, A...foi condenado pelo tribunal da comarca da Covilhã pela prática de um crime de furto, p. p. pelo art. 203.º do CP, na pena de doze meses de prisão;

21. Em 25.06.2003, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Oliveira do Hospital pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292.º do CP, um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01 e um crime de desobediência qualificada, p. p. pelo art. 348.º/2 do CP na pena de um ano e quatro meses de prisão;

22. Em 11.10.2004, A...foi condenado pelo tribunal da comarca da Covilhã pela prática de um crime de furto simples, p. p. pelo art. 203.º do CP e um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01 na pena de dois anos de prisão;

23. Em 14.07.2008, A...foi condenado pelo tribunal da comarca do Fundão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01, na pena de 10 meses de prisão;

24. Em 12.09.2008, A...foi condenado pelo 2.º juízo do tribunal da comarca da Covilhã pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01, na pena de 7 meses de prisão, suspensa por um ano;

25. Em 04.11.2008, A...foi condenado pelo 2.º juízo do tribunal da comarca do Fundão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01, na pena de um ano de prisão;

26. Em 15.12.2008, A...foi condenado pelo 1.º juízo do tribunal de Santa Comba Dão pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292.º do CPe um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01, na pena de 22 meses de prisão;

27. Em 17.03.2009, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Arganil pela prática de um crime de furto qualificado, p. p. pelos arts. 203.º e 204.º/2, al. e) do CP, na pena de 3 anos de prisão;

28. Em 19.06.2009, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Oliveira do Hospital pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292.º do CP e um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01 na pena única, em cúmulo jurídico, de 20 meses de prisão e na pena acessória de 18 meses de proibição de condução;

29. Em 21.10.2010, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Tábua pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo art. 292.º do CP e um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01 na pena única, em cúmulo jurídico, de 17 meses de prisão e na pena acessória de 10 meses de proibição de condução;

30. Em 26.10.2010, A...foi condenado pelo tribunal da comarca de Santa Comba Dão pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01 na pena de 22 meses de prisão;

(…)”.

B) Dela consta a seguinte fundamentação quanto à escolha e determinação da pena:

“ (…).

5. Da Pena

5.1. Dos Critérios Legais para Determinação

5.1.1. Na modulação das Consequências Jurídicas do Crime e na consecução dos seus objectivos programáticos, a Lei Criminal estabelece, nos arts. 41.º a 69.º do CP, um elenco de penas (principais, acessórias e de substituição) diversificado e plástico, tendo por escopo oferecer adaptabilidade à reacção criminal quando em face dos circunstancialismos específicos do caso concreto e por forma a maximizar os efeitos da punição com o mínimo de sacrifício possível para o arguido, evitando desproporções ou insuficiências.

A pena deverá ser escolhida em função da sua aptidão para o desempenho das finalidades a que se propõe: de reposição e reforço das expectativas da comunidade na vigência da norma violada pelo contra-factual que decorre da sua execução sobre o agente que feriu o comando normativo (protecção de bens jurídicos que gozem de tutela penal) e, outrossim, pela reconformação do arguido ao comportamento de direito, eliminando o foco criminógeno por via da sua ressocialização (cfr. art. 40.º/1 do CP).

No plano dos princípios – atendendo ao Princípio da Proporcionalidade na intrusão em direitos, liberdades e garantias (art. 18.º/3 da CRP) e ao objectivo de ressocialização que viemos de indicar, considerando o efeito potencialmente criminógeno que o encarceramento consigo transporta –, a Pena que importe privação da liberdade sempre ficará relegada para um plano secundário (cfr. art. 70.º do CP), compartimentando-se aos casos em que se demonstre que a prisão é indispensável para a realização dos fins próprios da Acção Criminal e quando de outra forma não sejam passíveis de serem obtidos, pura e simplesmente, os efeitos que pela Pena se pretendem obter.

Assim, no processo judicativo de escolha e aplicação de Pena, o Tribunal sempre oferecerá primazia às penas não-privativas, equacionando ainda a substituição ou suspensão da Pena de Prisão (quando aí se chegue), revelando-se a sua aplicação com carácter de efectividade o resultado de um processo decisório depurativo e excludente (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.05.2008 in www.dgsi.pt).

5.1.2. O crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. p. pelo art. 3.º/1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01 prevê pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dias.

5.1.3. Já quanto à medida da Pena, será de convocar o contexto de interesses acima enunciado, pois que os propósitos de Prevenção Geral e Especial também aqui constituem o húmus essencial da Pena a determinar, convocando-se a ideia de Culpa (como juízo ético-jurídico de censura, perante a actuação do arguido, livre mas descomprometida com os valores axiológico-normativos estruturantes do ordenamento) como seu limite inultrapassável (cfr. art. 71.º/1 do CP).

Neste domínio, o facto penal deverá ser observado como uma estrutura de conjunto cuja decomposição permitirá definir, no interior da moldura penal estabelecida pelo tatbetsand e respeitando aquele «limiar de culpa», um ponto óptimo de prevenção geral (em que da forma mais eficiente se obtém a reposição da Paz Social) e um seu ponto mínimo (ponto último em que a reposição das expectativas comunitárias é ainda possível), assim se desenhando uma moldura de prevenção geral que servirá de quadro ao julgador.

Será no interior desta moldura que se convocará a conceptualização de prevenção especial de ressocialização, para concretamente se definir um ponto de optimização das finalidades da pena e realizando a convergência dos seus diversos factores (cfr. FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, Coimbra, pp. 227-230).

Os factos que aqui cumprirá avaliar serão todos os que, no âmbito do fenómeno criminal que conforma o “thema decidendum” envolvam os citados interesses e princípios, exemplificativamente elencados no art. 71.º/2 do CP, devendo ser convocados como referentes comprovativos da ressonância social transportada no facto (i), da censurabilidade do comportamento do agente (ii) e do grau de desconformidade da sua personalidade com os comandos normativos promanados pela Ordem Jurídica (iii).

De fora do raciocínio que aqui explanamos ficarão, porém, todos os factos que o Legislador haja tomado de antemão para a definição da moldura penal do crime, conquanto a sua dupla consideração importaria o sancionamento do mesmo evento por duas vezes, o que confronta a Proibição de Bis in Idem, o que o Ordenamento Jurídico-Penal não outorga (cfr. FIGUEIREDO DIAS, op. loc. cit., pp. 232 e ss).

5.2. Determinação Concreta da Pena (Escolha e Medida)

5.2.1. Desde logo entendemos a culpa por mediana, in casu, uma vez que não se identificam caracteres especiais que impusessem considerações sobre particular gravidade ou menor acentuação do juízo de censurabilidade: o trânsito em arruamento público, em plena luz do dia, não denota insidiosidade ou astúcia, mas demonstra atrevimento, irreverência, existindo aqui uma ubiquidade que localiza o grau de censura num nível médio.

O grau de ilicitude (medida de lesão do bem jurídico tutelado), por sua parte, revela alguma estaticidade no crime em observação, já que não existem graus variados de falta de habilitação administrativa, ao passo que a circunstância de se tratar apenas de um veículo ligeiro de passageiros (e não uma viatura de menor cilindrada ou estruturalmente menos robusta e, por isso, menos perigosa) é já considerada no tipo (art. 3.º/1, por confronto com o respectivo n.º 2), razão por que não será mobilizada para justificar uma majoração da amplitude do ilícito.

Por sua parte, no plano da prevenção geral, é também certo que o fenómeno criminal em observação não é deflagrador de especialmente significativo alarme social quando em si considerado, já que se encontra localizado nas proximidades de meros comandos de ordenação e verificando-se alguma dificuldade numa justificação ético-social efectiva e axiológicamente fundada do relevo ético da conduta (expresso na flutuabilidade do sancionamento da desobediência ao comando de obter habilitação para conduzir viaturas automóveis, que transita do ilícito de ordenação para o ilícito criminal sem que ocorressem mudanças marcantes da sensibilidade ética comunitária).

Isto é assim, mas no plano das necessidades de prevenção especial, frisamos que o registo de antecedentes criminais do arguido denota uma personalidade delinquencial com um dimensionamento invulgar, arrastando-se praticamente por todo o seu curso de vida adulta, com o recurso a vários períodos de encarceramento, prolongados e sucessivos, que de forma nenhuma o dissuadiram a incorrer em novas infracções penais ou lograram realizar um apelo reconformador à forma como observa (e despreza) comandos normativos envoltos em eticidade.

Em especial quanto ao tipo-de-crime em observação, de 25.06.2003 e até esta data, o arguido foi condenado nada menos que nove vezes por crime de condução sem habilitação legal (cfr. Factos Provados 21.) a 30.)), tendo esses tribunais feito uso da extrema ratio do direito penal sem lograrem evitar a evidente recidiva a que se entregou o acusado e de que aqui cuidamos, in casu mesmo se verificando no domínio típico a condução de um veículo mais perigoso (ligeiro de passageiros – cfr. Factos Provados 1.) – assim despoletando a norma punitiva do art. 3.º/2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 03.01, com uma moldura significativamente mais grave que o n.º 1, por que foi condenado o arguido anteriormente por nove ocasiões, como se imprime nos citados Itens da decisão de facto).

Também correlacionado com o bem jurídico violado pelo delito cometido, a segurança de comunicações e a multiplicidade de interesses em que se desdobra, o arguido foi já condenado em crime de condução de estado de embriaguez (p. p. pelo art. 292.º do CP) por três ocasiões entre 25.06.2003 e 21.10.2010 (Factos Provados 21.), 28.) e 29.)), tendo nessa altura sido definidas penas de prisão que, de forma idêntica, projectaram insucesso na realização de uma função ressocializadora.

Em face do exposto, no domínio das necessidades de prevenção especial, considerando ainda um desajustamento social que envolve o arguido num ambiente de marginalidade que se patenteia, à saciedade, pelo vasto rol de prévias condenações (cfr. Factos Provados 3.)), dificilmente se divisaria um caso em que aquelas pudessem mostrar-se mais elevadas, o que necessariamente depõe no sentido da severidade da pena a aplicar.

5.2.2. Com base no exposto, temos por si mesmo apresentado que a pena de multa não constitui uma medida suficientemente intrusiva para obter o pretendido efeito reconformador mas, manteremos presente, convocando a mediana gravidade do ilícito, da culpa e das necessidades de prevenção geral, não existe também fundamento para conduzir o período de prisão a um período excessivamente prolongado, na lógia fixada no articulado penal.

As carências de ressocialização do arguido, em segundo contraponto, não deixam espaço para que se não atinja o patamar médio da moldura legal, uma vez que a irreverência aos comandos normativos aqui tocados é francamente dimensionada.

Sopesando todos os elementos supra explicitados, considero justa, necessária e adequada a Pena de DOZE MESES DE PRISÃO.

5.2.3. Será agora de considerar, por tributo ao princípio de exaurimento do thema decidendum, o elenco de medidas penais de substituição e regimes de execução constante dos arts. 43.º-46.º e 50.º-59.º do CP quanto à pena aplicada ao arguido, tendo em vista perceber se será possível realizar os objectivos punitivos com base em medidas penais que exprimam menor grau de intrusão na esfera do acusado.

A viabilidade da substituição nestes termos, porém, ficaria dependente que se pudesse concluir que as ditas finalidades preventivas (com especial acentuação na ressocialização do delinquente, maxime quanto ao regime-regra de substituição por pena de multa – cfr. art. 43.º/1 do CP), poderiam ser obtidas pela sua convocação à substituição da já alcançada pena principal (cfr. art. 45.º/1, in fine, 50.º/1, in fine e 58.º/1, in fine, todos do CP).

Ora, foi precisamente por nos confrontarmos com a forte resistência do arguido ao reposicionamento do seu comportamento, expresso na vacuidade de efeitos que obtiveram as anteriores condenações em encarceramento, que nos vimos conduzidos à pena de prisão, mostrando-se incontornável a sua execução efectiva como forma de obter algum (esperado) efeito útil.

Mesmo a suspensão, baseada num arquétipo de censura do facto e de mera ameaça de execução, ainda que se conjecturasse um regime de prova ou condições adjuvantes dos seus efeitos, se projecta como uma medida sancionatória francamente desadequada (porque insuficientemente intrusiva) para materializar um efeito ressocializante, colocando inteiramente em causa a existência de um real efeito dissuasor ao incurso em novos comportamentos delituais congéneres (sobre este assunto, vide FIGUEIREDO DIAS, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pp.342-354).

Os sinais de propensão delinquencial são evidentes no caso subiudicio, sendo evidente da inidoneidade de medidas não-privativas da liberdade para obter uma desejada recomposição da forma como o condenado observa campos de proibição, bem como para realizar uma função modificativa da alteração do seu processo de decisão e de execução dessas decisões.

Assim, não se vê outra forma de obter uma positiva ressocialização do condenado que não com a efectiva execução da pena de prisão por que é condenado, como se não vê que se possa restituir ao ordenamento as expectativas de vigência e integridade das normas violadas, que não com o cumprimento da mesma, o que adiante se determinará.

(…)”.


*

Da substituição da pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade

1. Pretende o arguido – conclusões a) a i) – que, apesar de ter anteriores condenações pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, porque a última delas remonta há mais de três anos e meio, as exigências de prevenção, geral e especial, seriam asseguradas com a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, tendo sido, em consequência, violados os arts. 70º do C. Penal e 18º da Constituição da República Portuguesa. 

Entendimento diferente tem a Digna Magistrada do Ministério Público para quem a aplicação da pretendida pena de substituição não asseguraria adequada e suficientemente as finalidades da punição, face aos antecedentes criminais do recorrente.

Vejamos a quem, em nosso entender, assiste razão.

A prestação de trabalho a favor da comunidade [doravante, PTFC] é uma pena de substituição da pena de prisão em sentido próprio, na medida em que o seu cumprimento é feito extramuros e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão.

São pressupostos da sua aplicação (art. 58º, nºs 1 e 5 do C. Penal):

- A aplicação ao agente de pena de prisão até dois anos;

- O consentimento do condenado;

- A sua adequação e suficiência para satisfazer as finalidades da punição.

O tribunal a quo aplicou ao arguido a pena de 1 ano de prisão, pelo que verificado está o pressuposto formal enunciado. 

Relativamente ao consentimento do condenado, cumpre dizer que o mesmo não se mostra dado pessoalmente pelo arguido, podendo apenas considerar-se subentendido no conteúdo da motivação do recurso, na medida em que a sua pretensão passa pela aplicação desta pena de substituição, sendo certo que esta peça processual não se mostra subscrita por ele.

 Não desconhecendo a divergência de entendimento quanto a esta matéria, entendemos que o consentimento do condenado deve ser dado pessoalmente por este ou por mandatário com poderes especiais, dada a natureza pessoalíssima da declaração, que pura e simplesmente envolve a aceitação de uma determinada pena criminal. Ora, o Ilustre Defensor do arguido, subscritor do recurso, foi nomeado através do SINOA (cfr. fls. 17 e 18) e não existe nos autos instrumento que lhe confira poderes especiais para o efeito.

Não obstante, o tribunal de recurso poderá sempre determinar que o arguido venha aos autos declarar pessoalmente o consentimento pelo que este escolho formal só assumirá verdadeiro relevo, se e quando verificados os demais pressupostos de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade.

Atentemos agora no pressuposto material, na adequação e suficiência da PTFC à realização das finalidades da punição.

2. O critério geral de escolha da pena que se extrai das disposições conjugadas dos arts. 45º, nº 1, 50º, nº 1, 58º, nº 1, 60º, nº 2 e 70º, todos do C. Penal, é o de que o tribunal dará preferência à pena não privativa da liberdade, verificados que estejam os pressupostos formais da sua aplicação, sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 331 e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª Edição, 2013, pág. 70).

E as finalidades da punição são, como decorre do art. 40º, nº 1 do C. Penal, finalidades preventivas, sejam de prevenção geral, sejam de prevenção especial pelo que, no campo da escolha da pena, não há lugar a consideração de finalidades de compensação da culpa.

Por outro lado, entre as exigências de prevenção geral e as exigências de prevenção especial devem prevalecer estas últimas – prevenção especial de socialização – funcionando a prevenção geral como forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigência de prevenção especial de socialização (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 333). Daqui resulta que, quando à luz das exigências de prevenção especial seja recomendável a aplicação de uma pena de substituição, ela só não deverá ser decretada quando a execução da pena de prisão se revele indispensável para que não sejam postas absolutamente em causa, quer a tutela dos bens jurídicos, quer a estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na validade da norma violada.

Assim, segundo este critério geral, haverá lugar à aplicação da pena PTFC sempre que ela se revele capaz de facilitar a ressocialização do condenado, e seja compatível com as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico.

Posto isto.

O arguido discorda da valoração dada pelo tribunal a quo aos seus antecedentes criminais, alegando que na sua ponderação não levou em linha de conta que, não obstante as suas várias condenações pela prática do mesmo crime, a última ocorreu há mais de três anos e meio pelo que outra, em seu entendimento, interpretação deveria ter sido dada às exigências de prevenção, invocando depois a sua idade, a necessidade de não serem cortadas as suas relações familiares e sociais e a manutenção da possibilidade de continuar a procurar trabalho, para concluir pela substituição da pena de prisão.

Pois bem.

Consta do Relatório da sentença recorrida que o arguido nasceu em 2 de Junho de 1952 pelo que, tendo o crime objecto dos autos sido praticado em 17 de Maio de 2014, tinha nesta data, 61 anos de idade. Consta do mesmo Relatório que o arguido não tem ocupação profissional, e no ponto 3 dos factos provados como tal se considerou que « A...não aufere subsídio social público e não foi declarada ao Instituto de Segurança Social, IP, o exercício de actividade profissional, tendo por encargos, pelo menos, os necessários à sua subsistência individual.».

Por outro lado, resulta dos factos provados da sentença que o arguido, no período compreendido entre Março de 1971 e Outubro de 2010, sofreu já vinte e sete condenações, pela prática de crimes de furto, furto de uso, homicídio, injúria, detenção de arma proibida, falsificação de documento, evasão, burla, condução de veículo sem habilitação legal, desobediência e condução de veículo em estado de embriaguez [pontos 4 a 30 dos factos provados].

No que respeita ao crime de condução de veículo sem habilitação legal, por cuja prática foi o arguido condenado nestes autos, o mesmo sofreu já nove anteriores condenações [em 25 de Junho de 2003, 11 de Outubro de 2004, 14 de Julho, 12 de Setembro, 4 de Novembro e 15 de Dezembro, todos de 2008, 19 de Junho de 2009, 21 e 26 de Outubro de 2010], a que corresponderam penas de prisão [oito] e prisão suspensa na respectiva execução [uma].    

Acresce que o arguido não compareceu na audiência de julgamento, apesar de regularmente notificado para o efeito (cfr. fls. 68 e verso), não justificou a falta (cfr. acta da audiência de julgamento de fls. 73 a 75) e deixou de residir na morada indicada no TIR sem comunicar a nova residência (cfr. fls. 9 a 10 e 88 a 89).  

O passado criminal do arguido, pelo número e variedade das condenações, revela uma personalidade mal formada, firmemente avessa ao direito, completamente indiferente aos valores tutelados pelas normas penais violadas tutelam e à ameaça das respectivas sanções, de resto, evidenciada pelo seu completo alheamento do processo e consequente ausência de qualquer conduta demonstrativa de ter interiorizado a sua culpa e necessidade de censura penal. Diante disto, e ressalvado sempre o devido respeito, não se vê que relevo possa ter a circunstância de a mais recente condenação sofrida pela prática do mesmo crime ter acontecido há mais de três anos e meio.

Quanto ao mais, o arguido é já sexagenário, portanto, um homem maduro, a quem o percurso de vida podia e devia já ter ensinado que a vida em sociedade pressupõe a observância das regras comunitárias de convivência pelo que, se daí não logrou retirar qualquer ensinamento, sibiimputet. E no que ao corte das relações familiares e sociais e a manutenção da possibilidade de continuar a procurar trabalho, respeita, deve dizer-se que nada se apurou nos autos quanto à natureza e intensidade daquelas relações, nem quanto ao seu propósito de procurar trabalho.

Deste modo, tendo em conta a cada vez mais frequente condução inabilitada de veículos automóveis feita por todo o país, potenciadora das negras estatísticas estradais, a personalidade mal formada do arguido que, de forma contumaz, vem particularmente desrespeitando a norma que pune aquele condução, sem revelar sinais de interiorização do desvalor da conduta, antes patenteando uma absoluta indiferença pelo juízo de censura que, inevitavelmente, sobre si terá que ser exercido, entendemos que a comunidade não consideraria reposta a confiança na validade da norma violada com o seu sancionamento através da pretendida pena de substituição.

São pois, razões de prevenção geral, de defesa do ordenamento jurídico, e razões de prevenção especial que impedem, em nosso entender, a substituição da pena de prisão imposta pela pena de PTFC, mostrando-se esta incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Em conclusão, não estando verificados todos os pressupostos de que depende a aplicação da pena de PTFC, não pode ser aplicada ao arguido.


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Da substituição da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação ou por prisão por dias livres

3. Pretende o arguido – conclusões j) e k) – que, caso se entenda não ser adequada a pena de PTFC, deveria ser aplicado o regime de permanência na habitação ou a prisão por dias livres, sendo que esta última, contendo o carácter penoso da prisão, possibilita a manutenção das ligações familiares e a esperança de integração numa actividade profissional. Vejamos.

3.1. Dispõe o art. 44º. nº1, a) do C. Penal que, se o condenado consentir, podem ser executados em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano.

Não sendo pacífico que o regime de permanência na habitação, na modalidade em referência, seja uma verdadeira e própria pena de substituição (cfr. Maria João Antunes, ob. cit., pág. 33), são no entanto seus pressupostos:

- A aplicação ao agente de pena de prisão até um ano;

- O consentimento do condenado;

- A sua adequação e suficiência para satisfazer as finalidades da punição.

O tribunal a quo aplicou ao arguido a pena de 1 ano de prisão, pelo que está verificado pressuposto formal enunciado. 

Relativamente ao consentimento do condenado, remetemos para o que, quanto a este concreto aspecto, se deixou dito em 1. que antecede.  

No que concerne à verificação do pressuposto material, isto é, à adequação e suficiência do regime de permanência na habitação à realização das finalidades da punição, cumpre dizer que não só a personalidade mal formada do arguido e os seus antecedentes criminais afastam esta forma de cumprimento da pena, como tão pouco se mostram provadas circunstâncias, sejam de ordem familiar, sejam de ordem social, que minimamente a sustentassem.

Assim, são também razões de prevenção geral, de defesa do ordenamento jurídico, e razões de prevenção especial, que impedem, em nosso entender, a substituição da pena de prisão imposta, mostrando-se o regime de permanência na habitação incapaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

3.2. A prisão por dias livres é uma pena de substituição detentiva, correspondendo à privação da liberdade em instituição prisional por períodos correspondentes a fins-de-semana [esta sua característica leva Cavaleiro de Ferreira, ainda que sem maior desenvolvimento, a considerá-la uma modificação da execução da pena de prisão – Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo 1989, pág. 185].

            Fruto, como todas as penas de substituição, do combate às penas curtas de prisão contínua e o seu efeito criminógeno, a prisão por dias livres, se não evita totalmente este efeito, uma vez que pressupõe o contacto com o meio prisional, atenua-o de forma muito considerável. Tem, por outro lado, a vantagem de permitir a manutenção dos laços laborais, familiares e sociais do condenado, assegurando que este se mantém inserido no meio e portanto, potenciando a manutenção da sua socialização.

            São seus pressupostos:

- A aplicação ao agente de pena de prisão até um ano;

- A sua adequação e suficiência para satisfazer as finalidades da punição.

A pena de um ano de prisão decretada pelo tribunal a quo determina a verificação do pressuposto formal enunciado. 

Relativamente ao pressuposto material, deve reconhecer-se que as exigências de prevenção positiva isto é, a medida mínima da moldura de prevenção exigida pela tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma, estarão asseguradas com a pena de substituição em análise, uma vez que se trata de uma pena de prisão (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 391).

Mas a personalidade do arguido e a sua completa indiferença face ao sistema de justiça, de que são reflexo os seus vastos antecedentes criminais, elevam, e muito, a fasquia das necessidades de prevenção especial positiva, na medida em que a socialização do arguido se revela meta muito difícil de alcançar, e não permitem ignorar as de prevenção especial negativa, pela necessária advertência individual.   

Assim, são as exigências de prevenção especial que in casu se fazem sentir que impedem, em nosso entender, a substituição da pena de prisão imposta por prisão por dias livres.


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            Com a improcedência das conclusões do recurso, impõe-se a manutenção da decisão recorrida.

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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (arts. 513º, nº 1 do C. Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III do R. das Custas Processuais).


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Coimbra, 28 de Janeiro de 2015


(Vasques Osório - relator)


(Fernando Chaves - adjunto)