Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
104605/12.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: INSOLVÊNCIA
COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 02/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 90, 99, 146 CIRE
Sumário: 1.- Da al. c) do n.° 4 do art. 99º CIRE (compensação) resulta a inadmissibilidade de compensação quando ela viesse a operar em relação a dívidas do insolvente por que a massa insolvente não seja responsável. Resulta assim esclarecido que as dívidas aqui envolvidas não são, nem as da massa insolvente qua tale, nem as que correspondem a crédito sobre a insolvência.

2.- Do mesmo modo, a configurar-se como elemento de sistemática relevante a circunstância vinculadora no alcance do art. 90º CIRE (exercício dos créditos sobre a insolvência), ao clangorar que “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.

3.- Por conseguinte, a estatuição deste art. 90º enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



I - A Causa:


“Massa Insolvente da Sociedade J (…), Lda.”, com domicílio na Rua (...), em Tomar, intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato contra “B (…)S.A.”, com sede na (...) Oeiras, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de € 14.661,92 (catorze mil, seiscentos e sessenta e um euros e noventa e dois cêntimos), composta pelos montantes de € 11.977,01 (onze mil, novecentos e setenta e sete euros e um cêntimo), a título de capital e € 2.684,91 (dois mil, seiscentos e oitenta e quatro euros e noventa e um cêntimos), a título de juros de mora vencidos à taxa legal. Para tanto, alegou, em síntese, que, no âmbito da sua actividade, antes, portanto, da sua declaração de insolvência ocorrida a 19.08.2009, a pedido da ré, procedeu ao fornecimento de bens constantes da facturas emitidas as respeito, cujos valores, contudo, não foram pagos por aquela, não obstante a interpelação da ré nesse sentido.

Regularmente citada, a ré apresentou oposição, através da qual alegou, em síntese apertada, não dever qualquer quantia à autora, uma vez que, tendo a referida dívida, com a aceitação da autora, sido transmitida a favor da sociedade “C (…), S.A.”, fundida na ré, e sendo essa sociedade credora desta, extinguiu-se a mesma por compensação. Entende, assim, a ré ter ocorrido uma transmissão de dívida e posterior extinção por compensação, plenamente válidas e eficazes e, assim, oponíveis à autora.
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Oportunamente foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de facto e de Direito invocados, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, em consequência do que, condeno a ré “B(…), S.A.” no pagamento à autora “Massa Insolvente da Sociedade J (…), Lda.” da quantia de € 11.977,01 (onze mil, novecentos e setenta e sete euros e um cêntimos), acrescida dos juros de mora, às taxas legais em vigor, vencidos e vincendos desde a data da citação da ré para a presente acção, e até efectivo e integral pagamento.
Custas pela autora e pela ré, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que aquela primeira beneficia (artigo 446.º/1 do CPC, artigo 4.º/1, u) do RCP e artigos 6.º/1 e 4 e 7.º/4, ambos do RCP)”.

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B (…), S.A., Ré nos autos de acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de supra identificados, tendo sido notificada da Sentença, dela veio recorrer, alegando e concluindo que:
(…)

A Autora/Apelada Massa Insolvente da Sociedade J (…) Lda, notificada das alegações dos recorrentes, veio apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto, por sua vez concluindo que:

(…)



II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

1. A sociedade “J (…), S.A.”, por decisão proferida a 19.08.2009, no âmbito do processo n.º 920/09.7TBTMR que corre termos no 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar, foi declarada insolvente.
2. Até essa data, a referida sociedade dedicava-se à construção civil, bem como ao fornecimento de diversas matérias-primas, materiais e equipamentos de construção, bem como prestava serviços técnicos, logísticos e de apoio administrativo a obras, entre outros correlacionados.
3. No âmbito da sua actividade, a referida sociedade forneceu à ré diversas quantidades de areia da sua comercialização, a que respeitam as seguintes facturas:
- n.º 33753, datada de 22.07.2009, com vencimento a 21.08.2009, no valor de € 1.618,25;
- n.º 33784, datada de 24.07.2009, com vencimento a 23.08.2009, ,no valor de € 1.021,56;
- n.º 33785, datada de 24.07.2009, com vencimento a 23.08.2009, no valor de € 1.051,66;
- n.º 33786, datada de 24.07.2009, com vencimento a 23.08.2009, no valor de € 1.081,20;
- n.º 33787, datada de 24.07.2009, com vencimento a 23.08.2009, no valor de € 782,87;
- n.º 33871, datada de 13.08.2009, com vencimento a 12.09.2009, no valor de € 1.042,93;
- n.º 33908, datada de 18.08.2009, com vencimento a 17.09.2009, no valor de € 1.244,93;
- n.º 33970, datada de 24.08.2009, com, vencimento a 23.09.2009, no valor de € 1.899,80:
- n.º 33996, datada de 25.08.2009, com vencimento a 24.09.2009, no valor de € 502,85;
- n.º 34064, datada de 01.09.2009, com vencimento a 01.10.2009, no valor de € 1.616,20;
- n.º 34076, datada de 01.09.2009, com vencimento a 01.10.2009, no valor de € 114,76.
4. A ré não pagou os referidos valores.
*
5. A sociedade “J (…), Lda.” no âmbito da relação comercial havida com a sociedade “C (…), S.A.”, adquiriu a esta diversos produtos do seu comércio, entre os quais, os respeitantes às seguintes facturas:
- n.º 3030247828, datada de 20.07.2008, com vencimento a 19.08.2008, no valor de € 18.933,16;
- n.º 3030249738, datada de 17.08.2008, com vencimento a 16.09.2008, no valor de € 1.048,18;
- n.º 3030250490, datada de 31.08.2008, com vencimento a 30.09.2008, no valor de € 9.177,53;
- n.º 3030250887, datada de 07.09.2008, com vencimento a 07.10.2008, no valor de € 5.247,90;
- n.º 3030251777, datada de 21.09.2008, com vencimento a 21.10.2008, no valor de € 11.677,14;
- n.º 3030252291, datada de 30.09.2008, com vencimento a 30.10.2008, no valor de € 5.836,50;
- n.º 3030252844, datada de 12.10.2008, com vencimento a 11.11.2008, no valor de € 336,86;
- n.º 3030253872, datada de 26.10.2008, com, vencimento a 25.11.2008, no valor de € 301,51.
6. A sociedade “João Salvador, Lda.” entregou à referida “Cimpor Betão”, para pagamento parcial da factura n.º 3030247828, a quantia de € 15.889,67.
7. Por seu turno, a ré dedica-se ao fabrico e comércio de betão, de artefactos de betão e materiais de construção, tendo, através da operação de fusão de empresas, iniciada no ano de 2009, procedido à transferência global do património, entre outra, da sociedade “C (…) S.A.”, esta na qualidade de sociedade incorporada.
8. Para pagamento do valor em falta, resultante dos fornecimentos referidos em 5., no montante global de € 36.669,18, ajustou-se com a sociedade “J (…), Lda.”, o fornecimento de areia até àquele valor à ora ré, a quem a “C (…) S.A.” transmitiu o referido crédito, na decorrência do início a operação de fusão de sociedades.
9. No âmbito desse ajuste, a sociedade “J (…), Lda.” forneceu à ré, para além das referidas nas facturas descritas no precedente ponto 3., outras quantidades de areia constantes das seguintes duas facturas:
- n.º 33473, datada de 30.06.2009, com vencimento a 30.07.2009, no valor de € 1.058,27;
- n.º 33474, datada de 30.06.2009, com vencimento a 30.07.2009, no valor de € 1.141,90.
10. Por escrito, redigido em papel timbrado da sociedade “JJ (…)Lda.”, datado de 09.07.2009, com a referência a “Assunto: Encontro de contas com J (…) Lda. e a C (…), S.A.”, dirigido à ré e por esta recepcionado, escreveu-se o seguinte: “Exm.ºs Senhores, Vimos pela presente informar que concedemos autorização de forma permanente para que a vossa empresa proceda ao pagamento directamente à empresa C (…), S.A. ou via encontro de contas, dos valores que a B (…) tem a pagar junto da nossa empresa.” (sic).
11. No referido escrito encontra-se aposta rubrica da sócia da sociedade “J (…), Lda.” de nome (…).
12. A ré subscreveu, entre outros, o cheque n.º 1653606567, sacado sobre a sua conta sediada no “Millennium-bcp”, no valor de € 12.446,22, datado de 2009.09.29, à ordem de “J (…), Lda.” para pagamento de parte do valor das facturas referidas em 3. e 9.
13. O referido cheque, entregue à ré, por sua vez, destinava-se a ser transmitido à sociedade “C (…), S.A.”, para pagamento de parte do valor referido em 8.
14. … O que, contudo, não se verificou.
15. Por escrito, datado de 24.11.2009, dirigido ao Administrador da Insolvência da sociedade “J (…), Lda.”, a sociedade “C (…) S.A.” disse, entre o mais, o seguinte: “Exm.º Senhor, Vimos, pela presente, em resposta à v. missiva datada de 09.11.2009, enviar os elementos solicitados. Aproveitamos para esclarecer que esta empresa recebeu da “B (…)”, por conta da insolvente, a Tribunal Judicial de Tomar quantia de € 14.177,18 (catorze mil, cento e setenta e sete euros e dezoito cêntimos), conforme reflectido na documentação anexa. (sic).
16. No âmbito do processo de insolvência da sociedade “J (…) Lda.”, foi reconhecido um crédito a favor da sociedade “C (…), S.A.” no valor de € 36.268,29, composto pelo capital de € 34.468,94 e pelos juros de mora de € 1.799,35.
17. Por escrito remetido pelo Administrador da Insolvência da autora, sob o assunto:
“Aviso no âmbito do n.º 4 do artigo 129.º do CIRE”, datado de 24.09.2010, dirigido ao Dr. (…) na qualidade de advogado da sociedade “C (…)S.A.”, e por este recepcionado, comunicou-se, entre o mais, o seguinte: “Uma vez que o vosso representado C (…), S.A. integra aquelas relações de créditos mais de informa que tal crédito encontra-se inscrito nos termos cuja cópia em anexo reproduz. Adverte-se ainda que nos termos do n.º 2 do artigo 130.º do CIRE e no prazo de 10 dias, contados a partir do 3.º dia útil posterior à data da presente expedição postal, aquelas listas poderão ser objecto de impugnação, a qual deverá ser efectuada através de requerimento dirigido ao Juiz titular do processo, fundamentando a inclusão, incorrecção ou qualificação dos créditos inscritos.” (sic).
18. O crédito referido em 16. não foi objecto de impugnação.
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Não resultou demonstrado que a ré tenha sido interpelada para pagamento do valor das facturas referidas em 3. dos factos provados.
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Com interesse para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados nos articulados, que não estejam em oposição ou que não tenham ficado prejudicados pelos que ficaram demonstrados, sendo que outros houve que não relevaram por consubstanciarem matéria conclusiva ou de direito.


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Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660°, do mesmo Código.



Das conclusões, ressaltam as seguintes questões:



I.
D. A DÍVIDA DA APELANTE À J (…), LDA, CONSTITUI-SE NO ÂMBITO DESSE ACORDO DE ENCONTRO DE CONTAS E CESSÃO DE CRÉDITOS QUE OCORREU ANTES DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA;

E. O CONCEITO DE “CONSTITUIÇÃO DE DÍVIDA” PREVISTO NA AL. A) DO N.º 4 DO ARTIGO 99.º DO CIRE DEVE SER INTERPRETADO EM SENTIDO AMPLO E NÃO NO SENTIDO ESTRITO RELACIONADO COM O MOMENTO DE VENCIMENTO DAS FATURAS QUE SUPORTAM O CORRESPONDENTE CRÉDITO;

II.
F. A APELANTE É PARTE LEGÍTIMA NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS PREVISTOS NO ARTIGO 90.º DO CIRE PORQUANTO SUCEDEU, POR FUSÃO, OU SEJA A TÍTULO UNIVERSAL E SEM NECESSIDADE DE CONSENTIMENTO DE TERCEIROS, NOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DA ENTIDADE CUJOS CRÉDITOS FORAM RECONHECIDOS NO ÂMBITO DA INSOLVÊNCIA – A CIMPOR BETÃO – INDÚSTRIA DE BETÃO PRONTO, S.A.

G. OS CRÉDITOS DA MASSA INSOLVENTE PERANTE A APELANTE FORAM, ASSIM, EXTINTOS POR COMPENSAÇÃO.



Apreciando, dizer que se configura como incontroverso e incontrovertível e, por isso inarredavelmente condicionador da inferência decisória, o resultar assente, por explícito, a pretexto de mera observação e consideração factual directa, maxime “que

- a ré não reclamou o crédito que pretende compensar, nos termos e no prazo estabelecidos no mencionado artigo 128.º;
- tendo o mesmo sido reclamado, contudo, pela alegada titular originária, “C (…), S.A.”,
- que, notificada da extensão em que o mesmo foi aceite, não foi este impugnado ou objecto de qualquer reparo nessa sede;
- nem mesmo a ora ré impugnou a lista de credores.

Tão pouco, reclamou o seu crédito em conformidade e no arrimo ao disposto  no artigo 146.º do CIRE.

Deste modo, colhe, assim, inteiro sufrágio o que se determinou em decisório, a saber:

“(…) não reclamado o crédito em crise, nem este reconhecido pelo administrador, não pode ele ser compensado com a dívida à massa, não se mostrando, assim, reconhecido em conformidade com os preceitos do CIRE – neste sentido, entre outros, leia-se o Ac. Rel. Coimbra, datado de 12.01.2010, consultado em www.dgsi.pt. O que, ademais, se compagina com o entendimento, jurisprudencialmente unânime, que logo que transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, deve ser declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide [artigo 287.º e) do CPC], no âmbito do processo em que se visa o reconhecimento de um direito de crédito sobre a insolvente”.

Inevitável, pois, como suporte, em referencial de tratadistas, pois que, desde logo,

“o art.° 99.° CIRE (compensação) estabelece o regime geral dos efeitos da declaração de insolvência na compensação de créditos sobre a insolvência com dívidas à massa insolvente. Diz-se regime geral, uma vez que o seu n.° 1 começa por ressalvar regimes contidos noutras disposições do CIRE.
Em geral, a compensação de créditos sobre a insolvência com contra-créditos da massa insolvente só é admitida quando se verificam certos requisitos enumerados nas alíneas do n.° 1 deste artigo. Mas há ainda que atender ao disposto no n.° 4, que exclui a compensação em certos casos.
(…).
O regime de admissibilidade da compensação previsto no n.° 1 do art.° 99.° sofre, porém, restrições que decorrem do seu n.° 4, onde se exclui a compensação em várias situações.
Por força da al. a) deste número, a compensação não é admissível se a dívida à massa insolvente se constituir após a declaração da insolvência. Cabem aqui, por previsão expressa do preceito, as dívidas que resultem da resolução de actos do insolvente em benefício da massa, por força dos art.ºs 120.° e seguintes.
Mas também cabem outras, como resulta da utilização, no texto da lei, do advérbio de modo designadamente. Será o caso, por um lado, de dívidas que nasçam já após a declaração de insolvência e que sejam resultantes das operações de administração; mas será também o de dívidas que, tendo nascido antes da declaração de insolvência, só se vencem após ela, por virtude de prazo legitimador convencionado, que aproveite ao devedor.

Não é admitida também a compensação, quando o titular do crédito sobre a insolvência não seja o seu titular originário, mas o tenha adquirido de outrem após a data da declaração de insolvência [al.b) do n.° 4]. A justificação deste regime reside em, por via dele, se pretender evitar a frustração de limites à compensação que se verificarem quanto ao anterior titular.
Da al. c) do n.° 4 resulta a inadmissibilidade de compensação quando ela viesse a operar em relação a dívidas do insolvente por que a massa insolvente não seja responsável. Resulta assim esclarecido que as dívidas aqui envolvidas não são, nem as da massa insolvente qua tale, nem as que correspondem a crédito sobre a insolvência” (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO - REIMPRESSÃO, 2009, pp. 381-383).

Do mesmo modo, a configurar-se como elemento de sistemática relevante a circunstância vinculadora no alcance do art. 90º CIRE (exercício dos créditos sobre a insolvência), ao clangorar que “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”.

Tal, em enquadramento segundo o qual “este preceito regula o exercício dos direitos dos credores contra o devedor no período de pendência do processo de insolvência.
A solução nele consagrada é a que manifestamente se impõe, pelo que, apesar da sua novidade formal, não significa, no plano substancial, um regime diferente do que não podia deixar de ser sustentado na vigência da lei anterior.
Na verdade, o art.° 90º limita-se a determinar que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos «em conformidade com os preceitos do presente Código». Daqui resulta que têm de os exercer no processo de insolvência e segundo os meios processuais regulados no CIRE.
É esta a solução que se harmoniza com a natureza e a função do processo de insolvência, como execução universal, tal como o caracteriza o art. 1º do Código.
Um corolário fundamental do que fica determinado é o de que, para poderem beneficiar do processo de insolvência e aí obterem, na medida do possível, a satisfação dos seus interesses, os credores têm de neles exercer os direitos que lhes assistem, procedendo, nomeadamente, à reclamação dos créditos de que sejam titulares, ainda que eles se encontrem já reconhecidos em outro processo (cfr. art.° 98.°, n.° 3; vd., também, o n.° 2 do art.° 87.°) (sendo que, neste ponto, o CIRE diverge do que, a propósito, se acolhia no art.° 188.°, n.° 3, do CPEREF).
Por conseguinte, a estatuição deste art.° 90.° enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores (cf. Gonçalo Andrade e Castro, Efeitos da Declaração de Insolvência Sobre os Créditos, in Direito e Justiça. vol. XIX, T. II, 2005, págs. 263 e segs.); (LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, JOÃO LABAREDA, CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ANOTADO - REIMPRESSÃO, 2009, p. 364).  A consistir - na referência do art. 342°,1, do Código Civil, exactamente, na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um beneficio antes adquirido (Antunes Varela, Obrigações, 35); traduz se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como liquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184).
O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac. RC, 17-11-1987: CJ 1987, 50-80).
Assim, pois que todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, pela recorrente, foram levados em devida conta, na decisão proferida.


Sem que, do mesmo modo, se possa deixar de configurar como inultrapassável o firmado no art. 112º CSC (efeitos do registo), pois que, com a inscrição da fusão no registo comercial: (a) Extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade; (b)com os sócios das sociedades extintas a tornarem-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade (cf. ARMANDO MANUEL TRIUNFANTE, CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS ANOTADO, 2007, p. 125). E, neste condicionalismo, o facto - assinalado - de não poder, nesta conformidade,

 “a Apelante pretender ter ou poder exercer mais direitos sobre o crédito que invoca que a sua originária titular não detivesse.
Tendo em conta - exactamente - que o registo da fusão apenas se mostra inscrito em 31 de Maio de 2011, data a partir da qual se consideram, nos termos do art. 112º do CSC, extintas as sociedades incorporadas e transmitidos os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante.
Assim, só em 31 de Maio de 2011 a Apelante assume, em razão a fusão, o crédito do Cimpor Betão, SA, nos seus exactos termos e conteúdo e não mais” (cf. fls 13, 28-36 dos Autos).

O que, conjugadamente, configura como de sistemática relevante, tudo visto, que a divida a que se reporta a al. a) do n° 4 do art. 99º do CIRE é o momento do vencimento e exigibilidade da quantia em causa que se consubstancia na constituição a divida”, também com o alcance articulado do que, inicialmente, se expôs.

Em consequência, permanece como elemento tabulador haver-se por firmado que “inexistindo um crédito sobre a insolvência, falece o pressuposto essencial da compensação de créditos, que, por isso, nunca estaria em condições de proceder”.

O que atribui resposta negativa às questões em I e II.


Podendo, desta forma, concluir-se, sumariando, que:

1.
Da al. c) do n.° 4 do art. 99º CIRE (compensação) resulta a inadmissibilidade de compensação quando ela viesse a operar em relação a dívidas do insolvente por que a massa insolvente não seja responsável. Resulta assim esclarecido que as dívidas aqui envolvidas não são, nem as da massa insolvente qua tale, nem as que correspondem a crédito sobre a insolvência”.
2.
Do mesmo modo, a configurar-se como elemento de sistemática relevante a circunstância vinculadora no alcance do art. 90º CIRE (exercício dos créditos sobre a insolvência), ao clangorar que “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”.
3.
Por conseguinte, a estatuição deste art.° 90.° enquadra um verdadeiro ónus posto a cargo dos credores.

4.
Sem que, do mesmo modo, se possa deixar de configurar como inultrapassável o firmado no art. 112º CSC (efeitos do registo), pois que, com a inscrição da fusão no registo comercial: (a) Extinguem-se as sociedades incorporadas ou, no caso de constituição de nova sociedade, todas as sociedades fundidas, transmitindo-se os seus direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade; (b)com os sócios das sociedades extintas a tornarem-se sócios da sociedade incorporante ou da nova sociedade.
5.
O que, conjugadamente, configura como de sistemática relevante, tudo visto, que a divida a que se reporta a al. a) do n° 4 do art. 99º do CIRE é o momento do vencimento e exigibilidade da quantia em causa que se consubstancia na constituição a divida”, também com o alcance articulado exposto.
6.
Em consequência, permanece como elemento tabulador haver-se por firmado que “inexistindo um crédito sobre a insolvência, falece o pressuposto essencial da compensação de créditos, que, por isso, nunca estaria em condições de proceder”.

 


III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão proferida.

Sem Custas.


António Carvalho Martins - Relator
Carlos Moreira - 1º Adjunto
Anabela Luna de Carvalho - 2º  Adjunto