Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
63725/20.8YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO
CORROBORAÇÃO
Data do Acordão: 04/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 466. °, N.º 3, E 607.º, N.º 5, AMBOS DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Sumário: I – A prova por declarações de parte deve merecer, em abstrato, a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis, sendo apreciada livremente pelo tribunal.

II – Porém, em concreto, normalmente é insuficiente para valer como prova convincente, se desacompanhada de prova corroborante que a sustente.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 63725/20.8YIPRT
(Juízo Local Cível da Guarda - Juiz 1)


Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. Relatório
1.1. “A... e B..., LDA.”, NIPC ..., com sede na Rua ..., ..., ..., apresentou requerimento de injunção contra B..., Unipessoal, Lda, NIPC ..., com sede no Largo ..., ..., ..., ..., e AA, NIF..., residente na Rua ..., ..., ..., pedindo o pagamento da quantia total de €12.248,53 (doze mil duzentos e quarenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos), sendo €10.834,84 (dez mil oitocentos e trinta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos) de capital, €311,69 (trezentos e onze euros e sessenta e nove cêntimos) de juros de mora, €1.000,00 (mil euros) a título de outras quantias e €102,00 (cento e dois euros) de taxa de justiça paga.
Alega para o efeito, em suma, que se dedica à actividade de venda e distribuição de bebidas e produtos alimentares tendo, no decurso da mesma, a pedido da legal representante da Requerida, fornecido os bens constantes em nove facturas que descrimina, mais uma de vasilhame, encontrando-se todas vencidas. A mercadoria foi aceite e não reclamada e as ditas facturas entregues, aceites e não reclamadas.
No entanto, a Requerida não procedeu ao pagamento das mesmas, nem o seu legal representante, aqui Requerido, pese embora tenha assumido pessoal e solidariamente, a título principal, o pagamento da quantia em dívida.
1.2. Tendo sido deduzida oposição por parte do Requerido AA, foram os presentes autos convertidos em acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias de transacções comerciais.
1.3. Na oposição apresentada, veio o agora Réu defender que as facturas cujo pagamento admite se encontrarem em falta, foram emitidas em nome da Ré e que esta empresa foi declarada insolvente a 1 de Setembro de 2020. Esclarece ainda o Réu que, por referência aos documentos aqui em causa, foram emitidas duas notas de crédito a favor da Ré. Impugna ainda o Réu que alguma vez tenha pessoalmente assumido o pagamento da quantia agora solicitada pela Autora, nunca o tendo feito com nenhum fornecedor. Perante isto, defende o Réu que é parte ilegítima nos presentes autos.
1.3. Face à declaração de insolvência da Ré, foram os autos extintos quanto à mesma, por inutilidade superveniente da lide.
1.4. Designada nada para realização da audiência de discussão e julgamento, foi no início da mesma, dada a palavra ao I. Mandatário da Autora para responder às excepções invocadas pelo Réu, o que fez.
Julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade passiva e remeteu-se para sentença a decisão quanto à excepção de pagamento, no que respeita às notas de crédito emitidas.

Julgada a causa, pelo Juízo Local Cível ... foi proferida a seguinte decisão final:  
“Por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno o Réu, AA, a pagar à Autora, “A... e B..., LDA.”:
a) a quantia de €10.554,58 (dez mil quinhentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora calculados às diferentes taxas supletivas desde a data de vencimento de cada uma das facturas, até efectivo e integral pagamento; e
b) o montante de €1.000,00 (mil euros) por danos patrimoniais.
*
Custas por Autora e Réu, na proporção do decaimento (artigo 527º, nº1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
Registe e notifique”.

O Réu, AA, não se conformando com tal decisão, interpõe o seu recurso para este Tribunal, alinhavando, assim, as suas conclusões:
I - Salvo melhor opinião e com o devido e merecido respeito, não pode o recorrente concordar com o vertido na sentença recorrida, que ditou a procedência do pedido formulado contra o recorrente, tendo o douto tribunal a quo, dado como provado que o recorrente tinha assumido pessoalmente a divida da ré B..., Unipessoal, Lda, condenando-o a pagar o valor total de €10.554,58, acrescido de juros de mora, bem como condenou o recorrente ao pagamento da quantia de €1.000,00 a título de danos patrimoniais, baseando-se a MMª Juíza a quo, para formar a sua convicção, apenas nas declarações de parte prestadas pelo legal representante da recorrida.
II - Dos autos ressaltam elementos mais do que suficientes que conduzem a uma nova apreciação da prova, diversa daquela que foi produzida pelo tribunal a quo.
III - Da impugnação da matéria de facto dada como provada:
- Dos factos dados como provados por falta de impugnação do recorrente (pontos 1 a 4 e 6 da sentença): dir-se-á que a posição assumida pelo recorrente na oposição apresentada, invocando que o mesmo seria parte ilegítima nos autos, leva a que, nos termos do art.º 574, nº 2 do Código de Processo Civil, os factos/quesitos aí alegados estão em oposição à posição assumida pelo mesmo, pelo que não poderão ser dados como confessados.
Mais se refere que, no ponto 14º da oposição junta pelo recorrente, concluiu-se da seguinte forma: “Face ao supra exposto e razões invocadas, não é devido qualquer quantia pelo requerido”.
- A MMª juíza a quo deu como provado que a recorrida se “dedica em exclusivo à atividade de venda e distribuição de bebidas e produtos alimentares, fazendo disso a sua única atividade lucrativa e para tal à sua única fonte”, enquanto que não foi junto qualquer documento comprovativo, nomeadamente Certidão do Registo Comercial, único documento fidedigno, nos termos do art.º 75º e seguintes do Código do Registo Comercial, sendo o meio de prova adequado, uma vez que a certidão tem força probatória idêntica ao documento autêntico.
- Deu-se como provado que “(...) e em início do ano de 2020 a autora foi contratada pelo legal representante da B..., Unipessoal, Lda, dando a entender de nova contratação se tratasse. Ora decorre das declarações de partes e da testemunha arrolado pela recorrida, que as relações comerciais entre a recorrida e a empresa B..., Unipessoal, Lda, cujo legal representante é o recorrente, iniciaram-se logo no momento da criação da empresa, sem qualquer interrupção, sendo os funcionários da recorrida que contatavam com a empresa do recorrente (Declarações de parte do representante da recorrida BB depoimento gravado em suporte magnético - 20211027100104_926698_2870898, minutos 00:48 até 01:03/minutos 02:02 até 03:17)( Declarações da testemunha CC depoimento gravado em suporte magnético -20211027110931_926698_2870898, minutos 02:46 até minutos 02:50 e minutos 03:27 até 04:00) (Declarações de parte do recorrente AA depoimento gravado em suporte magnético -20211027103812_926698_2870898, minutos 17:02 até 18:17).
Ainda neste ponto 2 dado como provado, descreve-se todas as faturas em crise nos presentes autos dando-se como provado que as mesmas tinham como data de vencimento no dia imediatamente subsequente à sua emissão.
Ora das declarações de parte prestadas pela recorrida, bem como da testemunha arrolada pela recorrida, a posição é outra (Declarações de parte do representante da recorrida BB depoimento gravado em suporte magnético -20211027100104_926698_2870898, minutos 12:56 até 13:30/minutos 13:50 até 14:00)( Declarações da testemunha CC depoimento gravado em suporte magnético -20211027110931_926698_2870898, minutos 07:46 até minutos 08:33).
- Do ponto 4: A MMª Juíza a quo dá como provado que, por diversas vezes o recorrente foi interpelado, tantos por funcionários da recorrida, como pelo seu próprio gerente, para proceder ao pagamento do valor em causa e em dívida.
Após análise das declarações prestadas pelo recorrente e pela testemunha CC, este quesito devia ser dado como não provado (Declarações de parte do recorrente AA depoimento gravado em suporte magnético -20211027103812_926698_2870898, minutos 29:32 até 30:18) (Declarações da testemunha CC depoimento gravado em suporte magnético -20211027110931_926698_2870898, minutos 02:01 até 02:17 e minutos 03:27 até 04:18, minutos 5:02 até 5:05 )
- Do ponto 5: O tribunal a quo dá como provado que o recorrente assumiu perante o legal representante da recorrida, a divida da B..., Unipessoal, Lda, pessoal e solidariamente.
Essa convicção foi fundada apenas nas declarações de parte do legal representante da recorrida, porque outra prova não foi produzida. Face às declarações de parte do recorrente e principalmente da testemunha DD, ficou provado que o recorrente nunca usou, as contas da empresa para fins pessoais e nem usou as suas contas pessoais a favor da empresa. ( Declarações da testemunha EE depoimento gravado em suporte magnético -20211027113402_926698_2870898, minutos 3:52 até 04:07 e minutos 04:17 até 04:47, minutos 5:17 até 5:30).
Das declarações de parte do recorrente depreende-se que nunca precisou acautelar os fornecimentos dos bens pela recorrida e que a B..., Unipessoal, Lda sempre cumpriu com o pagamento das faturas que eram de montantes muito mais elevado de que os valores constantes das faturas em crise. (Declarações de parte do representante da recorrida BB depoimento gravado em suporte magnético -20211027100104_926698_2870898, minutos 03:29 até 03:3:41/ minutos 05:11 até 05:26/ minutos 06:18 até 06:33/minutos 10:32 até 10:57/ minutos 15:31 até 15:45) (Declarações de parte do recorrente AA depoimento gravado em suporte magnético -20211027103812_926698_2870898, minutos 27:01 até 27:15)
- Do ponto 6: condenou-se o recorrente a pagar a quantia de €1.000,00 a título de danos patrimoniais, por se ter provado que a recorrida suportou despesas com os honorários do advogado, deslocações do gerente e funcionário à sede da empresa e domicilio do recorrente, desgastes de veículos e despesas com chamadas telefónicas.
Quanto a este quesito, dir-se-á que nenhuma prova foi trazida nos autos, nem prova documental que viesse a comprovar as despesas referidas, nem quem e quanto vezes se deslocaram. Persistindo sérias dúvidas se o próprio representante da recorrida se tivesse deslocado à sede da empresa, visto que, no decorrer das suas declarações demonstrou não conhecer a sede da B..., Unipessoal, Lda (declarações de parte do legal representante da recorrida BB gravado em suporte magnético -20211027100104_926698_2870898, minutos 34:17 até 34:37) em oposição aos. depoimento da testemunha EE gravado em suporte magnético -20211027113402_926698_2870898, minutos 08:15 até 08:30; declarações de parte do recorrente AA gravado em suporte magnético - 20211027103812_926698_2870898, minutos 28:28 até 28:48/minutos 29:16 até 29:26)
Quanto às alegadas deslocações ao domicilio do recorrente, nada foi mencionado, nem pelo legal representante da recorrida, nem pela testemunha indicada pela recorrida.
IV – Quanto à motivação do tribunal a quo face à prova produzida, o mesmo deu prevalência às declarações de parte do legal representante da recorrida, por entender que as mesmas eram mais consentâneas com as regras da experiência comum, desvalorizando e descreditando, por sua vez, as declarações de parte do recorrente por entender que as mesmas tinham sido prestadas de forma calculada e ponderada. Tendo referido, quanto aos restantes depoimentos, que seja da testemunha CC, (que nada provou) e da testemunha EE que apenas referiu generalidades, que nenhuma prova foi feita podendo esclarecer a presente lide.
Por não concordar com essa posição assumida pela MMª Juíza a quo e por existir, ao nosso ver, prova suficiente para interpretação diferente, as presentes alegações de recurso demonstraram que outra interpretação deverá ser feita, apoiando-nos nas declarações prestadas, tanto pelo legal representante da recorrida que pelo recorrente e pelas testemunhas inquiridas, analisando as mesmas com todo o rigor devido e necessário para uma justa decisão da causa, que será, sem qualquer duvida favorável ao recorrente.
V – Quanto à fundamentação de direito:
1 – Do ónus da prova: importa salientar que incumbia à recorrida o ónus da prova do direito que se arrogava, ou seja, devia a recorrida fazer prova que tinha o direito em reclamar o pagamento da divida da B..., Unipessoal, Lda ao seu legal representante, por ter o mesmo assumido, pessoal e solidariamente a referida dívida, nos termos e ao abrigo do art.º 342º, nº 1 do Código Civil.
Ora, e como resulta da sentença proferida nos presentes autos, a prova que fundamentou a convicção da MMª Juíza a quo, em condenar o recorrente, foram apenas as declarações de parte prestadas pelo legal representante da recorrida; considerando essas declarações de parte como insuficiente como adiante se fundamentará.
Assim, a recorrida não logrou provar o direito de que se arrogava, devendo o Tribunal a quo julgar a presente ação e o pedido formulado improcedente, Vide Ac. da Relação do Porto, de 30.11.2010, proc.3157/07.6TBPNF.P1, in www.dgsi.pt:
2 - Da valorização das declarações de parte: A prova por declarações de parte não tem suporte no direito substantivo probatório enunciado nos art.º 341 a 396º do Código Civil.
Segundo Lebre de Freitas “A apreciação que o Juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas (...)”. (sublinhado nosso)
Ora, decorre dos presentes autos que, apesar da recorrida ter indicado uma testemunha para corroborar o direito que a mesma se arrogava, este mesmo depoimento não produziu o efeito pretendido.  As declarações de parte, não vieram clarificar nada, visto que nenhuma prova foi produzida em sede de julgamento.
Numa visão mais negativa do valor probatório das declarações de parte, citaremos Teixeira de Sousa que declarou: “As declarações de parte não devem ter nenhuma relevância probatória, nem mesmo para corroborar outros meios de prova.
Este é, aliás, a melhor forma de combater a natural tendência das partes para só deporem sobre factos que lhes são favoráveis.”
Como refere Carolina Henriques Martins, in Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, p. 58: “É que não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto do litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos, que inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.”
Ou ainda,
Maria dos Prazeres Beleza (Conselheira) que afirma por sua vez: “(...) esta proveniência (da parte) implicará que, como regra, as declarações de parte não sejam aptas, por si só, a fundamentar um juízo de prova, salvo eventualmente nos casos em que a natureza dos factos a provar torne inviável outra prova” in Op. Cit. P.21 (sublinhado nosso)
Ou seja, as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova. Neste sentido, citaremos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.6.2014, António José Ramos, 216/11, posição reiterada no Acórdão da mesma Relação de 30.6.2014, António Ramos, 46/13,www.colectaneadejurisprudencia.com., bem como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.12.2014, Pinto dos Santos, 8181/11.
3 - Da livre apreciação da prova: da redação do art.º 607 do Código de Processo Civil encontramos consagrado o critério da prudente convicção. No que toca à valorização da prova no âmbito de um processo judicial, este estado não pode ser um estado de fé, por outra palavras, a convicção exteriorizável pela decisão não pode ser uma “íntima convicção” compreendida como um feeling. O imperativo da decisão é ser acompanhada por um discurso que certifica que essa decisão seja fruto de critérios racionais e não de quaisquer palpites, intuições ou árbitros.
Ora, força é de concluir que, na decisão proferida nos presentes autos, persistam muitas dúvidas quanto aos critérios racionais que levaram a MMª Juíza a quo a proferir tal decisão.
Muito menos houve por parte do julgador o seu dever de conseguir justificar a suficiência ou insuficiência dos meios de prova produzidos e estabelecer um nexo entre a sua convicção e as provas, visto que, nos presentes autos, não existiram.
4 - Do Principio inquisitório: Todas as provas relevantes devem ser carreadas para o processo, mesmo que seja por iniciativa do juiz. Decorre do depoimento de CC que existia outro funcionário da recorrida, que supostamente terá ouvido, numa conversa em alta voz estabelecida entre o legal representante da recorrida e o recorrente, onde este último teria assumido a dívida da B..., Unipessoal, Lda e que saberia que estava em alta voz. (depoimento da testemunha CC gravado em suporte magnético -20211027110931_926698_2870898, minutos até 22:46 até 23:36).
Ou seja, e ao ser verdade, o que refutamos, visto que o recorrente nunca se comprometeu pessoalmente em pagar a dívida da empresa, a recorrida teria a prova para confirmar e justificar a decisão proferida pela MMª Juíza a quo. Essa testemunha nunca foi ouvida, uma vez que a MMª Juíza a quo, não diligenciou neste sentido.
5 - A figura da assunção cumulativa de dívida: A assunção de dívida consiste num negócio jurídico por meio do qual um terceiro (assuntor) assume perante o credor, a obrigação da prestação sobre a qual alguém está adstrito. Dois tipos de figuras existem no nosso ordenamento jurídico: a assunção interna que consiste num contrato entre o devedor e o assuntor, com a ratificação do credor; a assunção externa que é um contrato entre o assuntor e o credor, com ou sem consentimento do devedor. Nos dois tipos de assunção de dívida, esta apenas decorre perante a celebração de um negócio jurídico bilateral.
Não está sujeita a forma especial, tratando-se de uma declaração negocial, essa pode ser expressa ou tácita – vide art.º 217º do Código Civil.
Da prova testemunhal produzida, nada ficou provado quanto à vontade negocial do recorrente em assumir a dívida da B..., Unipessoal, Lda (devedora), não havendo uma declaração expressa emitida por este em querer assumir, pessoal e solidariamente a dívida da B..., Unipessoal, Lda.
Também não existiu uma vontade negocial tácita, visto que, o recorrente, enquanto gerente e sócio da B..., Unipessoal, Lda, sempre distinguiu o património da empresa e o património pessoal. (vide depoimento da testemunha EE).
Como refere o art.º 197º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais, das dividas da empresa responde o património social da mesma.
VI – Tendo-se assim provado que o recorrente atestou e provou a matéria de facto e de direito ora mencionada que levará a absolvição do mesmo.
Termos pelos quais, e nos demais que V.Exas. tão doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se, assim a sentença recorrida, fazendo-se devida JUSTIÇA!

A... E B..., LDA., Autora nos autos à margem indicados, apresenta as suas contra-alegações, assim concluindo:
(…)

2. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções da apelante, cumpre apreciar o seguinte:
1.Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Como é sabido, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova - consagrado no artigo 607.º nº 5 do CPC - que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.
A lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador - artigo 607.º, nº 4 do CPC.
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal da Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.2012 - Processo nº 5797/04.2TVLSB.L1-7, l1-7, www.dgsi.pt. -,“…a verdade judicial traduz-se na correspondência entre as afirmações de facto controvertidas, relevantes e pertinentes, aduzidas pelas partes no processo e a realidade empírica, extraprocessual, que tais afirmações contemplam, revelada pelos meios de prova produzidos, de forma a lograr uma decisão oportuna do litígio(...) Por isso mesmo, a “reconstrução” cognitiva da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia ter, a finalidade exclusiva de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do acontecido, como sucede, de certo modo, nos domínios da verdade história ou da verdade científica, muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e íntima do julgador. Diversamente, tem como objectivo conseguir uma compreensão altamente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso.”
Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos, por isso, quem invoca a violação do valor tabelado de um meio de prova tem de tornar claro o sentido da sua alegação, por referência aos elementos do processo.
É certo que, como princípio genérico, inscrevendo-se a atividade de valoração das declarações de parte no âmbito da livre apreciação da prova, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente. Mas a vida tem excepções, tal como nos casos em que, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, seja a única forma processual de convencer o julgador.
Aí, o juiz terá de ponderar a coerência das declarações de parte e a afirmação do detalhe. Acresce a isto, o facto de as declarações de parte serem confirmadas (ou não) por outros dados que, indiretamente, demonstrem a veracidade da declaração.
Ou seja, a prova por declarações deve merecer a mesma credibilidade das demais provas legalmente admissíveis e deverá ser valorada conforme se estabelece no art.º 466. °, n.º 3 do Código do Processo Civil, isto é, deverá ser apreciada livremente pelo tribunal. A credibilidade das declarações da parte tem de ser apreciada em concreto, numa perspectiva crítica, com vista à descoberta da verdade material, bem podendo suceder que as respectivas declarações, em concreto, possam merecer muita, pouca ou, mesmo, nenhuma credibilidade.
Significa que a prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção, desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie.
Com efeito, e apesar de o tribunal apreciar livremente as declarações das partes como meio de prova, não podemos ignorar que elas serão produzidas por quem tem um manifesto e direto interesse na acção, no processo, razão pela qual poderão ser declarações interessadas, parciais ou não isentas.
Logo, essas declarações, como princípio, não podem ser consideradas sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, já que se trata da versão da parte interessada - quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova - artigo 342º do Código Civil -  é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. Não o fazendo, incorrem nas desvantajosas consequências de se ter, como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.
O Juízo Local Cível da Guarda assentou, assim, a sua matéria de facto:
Resultaram provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
1) A Autora dedica-se em exclusivo à actividade de venda e distribuição de bebidas e produtos alimentares, fazendo disso a sua única actividade lucrativa e por tal a sua única fonte de rendimento.
2) No decurso dessa actividade e em início do ano de 2020, a Autora foi contratada pelo legal representante da “B..., Unipessoal, Lda” para proceder ao fornecimento dos bens constantes nas facturas nº35518; 35788; 35973; 36214; 36992; 37325; 37693; 37947; 38773 e factura de vasilhame nº4413, emitidas em 20.02.2020; 03.03.2020; 05.03.2020; 12.03.2020; 09.04.2020; 24.04.2020; 07.05.2020; 15.05.2020; 09.06.2020 e 09.06.2020 respectivamente e todas com data de vencimento no dia imediatamente subsequente à sua emissão, no valor global de €10.834,84 (dez mil oitocentos e trinta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos).
3) A mercadoria foi entregue, foi aceite, não reclamada, bem como as facturas foram entregues, aceites e não reclamadas.
4) Por diversas vezes o Réu foi interpelado, tanto por funcionários da Autora, como pelo seu próprio gerente, para proceder ao pagamento do valor em causa e em dívida.
5) O Réu é gerente da “B..., Unipessoal, Lda” e assumiu perante o legal representante da Autora, pessoal e solidariamente, a título principal, o pagamento da quantia em dívida.
6) A Autora suportou uma despesa de €1.000,00 (mil euros) decorrente do incumprimento do Réu, nomeadamente lucros cessantes, despesas com Advogado, deslocações dos gerentes da Autora ao Advogado, gastos com diversas deslocações de funcionários da Autora e do próprio gerente da Autora ao domicilio da “B..., Unipessoal, Lda” e do Réu para solicitar o pagamento da quantia em dívida (tempo perdido; desgaste de veículos e chamadas telefónicas).
7) Da factura n.º...14, de 12.03.2020, não foi entregue o papel higiénico, pelo que foi emitida a nota de crédito n.º42/2016 de 13.03.2020, no valor de €18,38 (dezoito euros e trinta e oito cêntimos).
8) Por correspondência à factura n.º...13, de 09.05.2020, foi emitida a nota de crédito n.º45/3770, de 16.06.2020, no valor de €724,80 (setecentos e vinte e quatro euros e oitenta cêntimos).
5.2. Factos não provados
Não resultaram provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
A) A “B..., Unipessoal, Lda” ou o Réu procederam ao pagamento das facturas descrita em 1).
B) O Réu assumiu perante o funcionário da Autora, pessoal e solidariamente, a título principal, o pagamento da quantia em dívida.
Esmiuçados que estão os princípios que regem a prova e a sua aquisição para a instância, mergulhemos nos autos, sendo certo que é o Ponto 5) dos factos dados como provados, pela 1.ª instância - o Réu é gerente da “B..., Unipessoal, Lda” e assumiu perante o legal representante da Autora, pessoal e solidariamente, a título principal, o pagamento da quantia em dívida-, que marcam a sorte desta acção.
A 1.ª instância foi buscar a sua existência, tão só, às declarações do legal representante da autora - No que respeita às declarações de parte, as mesmas foram antagónicas, tendo o legal representante da Autora defendido que o Réu sempre disse “para ter calma”, que “não fugiria”, que “estaria cá para pagar” e que “se a B..., Unipessoal, Lda não pagasse, ele cumpriria”, pedindo àquele que não o deixasse de fornecer. Por sua vez, o Réu nega ter assumido qualquer responsabilidade a nível pessoal, não o tendo feito com a Autora, nem com qualquer outro fornecedor. Ora, analisando estas duas declarações, entende-se que as prestadas pelo legal representante da Autora, BB, foram as mais consentâneas com as regras da experiência comum e da lógica, mesmo que não se tenha valorado a parte referente à alegada conversa telefónica, mantida em alta voz com o Réu, na presença da Testemunha CC.
Já as declarações do Réu foram prestadas de forma calculada e ponderada, bem sabendo este que bastaria negar a questão essencial destes autos. Sucede que tamanha negação determinou que descrevesse a relação comercial com a Autora (assim como todos os seus fornecedores) como se estivesse numa posição de vantagem, mesmo nos últimos meses de exploração da actividade da agora Insolvente, “B..., Unipessoal, Lda” (…) Dito isto, para prova de que o Réu assumiu que pagaria as dívidas da “B..., Unipessoal, Lda”, bastou as declarações de parte do legal representante da Autora, BB”.
Com todo o respeito pela ilustre julgadora e pelo próprio legal representante da Autora, tais declarações não chegam. Sendo as declarações de parte, por si só, uma prova muito frágil – ver as razões acima indicadas -, juntando-lhe, do outro lado, a total negação por parte do réu de tais factos interessados, resta concluir, de acordo com o “onus probandi” que os mesmos não se verificaram. Até, porque, facilmente a autora poderia ter exigido uma declaração escrita de assunção da divida por parte do réu. Não o fazendo, assumiu o risco de não fazer tal prova - de que o Réu assumiu que pagaria as dívidas da “B..., Unipessoal, Lda”,
É que, mesmo que se considerasse como prova válida “o telefonema em sistema alta voz”, o depoimento do legal representante da Autora e as declarações da testemunha CC não foram coincidentes quanto ao número de conversas que este terá escutado ou quando é que as mesmas ocorreram.
Tem, pois, de proceder a apelação, dando-se como não provado, que o Réu assumiu perante o legal representante da Autora, pessoal e solidariamente, a título principal, o pagamento da quantia em dívida da, agora insolvente, “B..., Unipessoal, Lda”, ficando, assim, prejudicado o conhecimento da restante impugnação da matéria de facto.
2.Do Direito
Como escreve o apelante, “importa salientar que incumbia à recorrida o ónus da prova do direito que se arrogava, ou seja, devia a recorrida fazer prova que tinha o direito em reclamar o pagamento da divida da B..., Unipessoal, Lda ao seu legal representante, por ter o mesmo assumido, pessoal e solidariamente a referida dívida, nos termos e ao abrigo do art.º342º, nº 1 do Código Civil.
Ora, e como resulta da sentença proferida nos presentes autos, a prova que fundamentou a convicção da MMª Juíza a quo, em condenar o recorrente, foram apenas as declarações de parte prestadas pelo legal representante da recorrida; considerando essas declarações de parte como insuficiente como adiante se fundamentará. Assim, a recorrida não logrou provar o direito de que se arrogava, devendo o Tribunal a quo julgar a presente ação e o pedido formulado improcedente, Vide Ac. da Relação do Porto, de 30.11.2010, proc.3157/07.6TBPNF.P1, in www.dgsi.pt.”

Apenas esta nota final:

Nos autos de insolvência de pessoa coletiva (...), 1015/20...., em que é insolvente B..., Unipessoal, Lda, encontra – se reconhecido e graduado, por sentença já transitada em julgado, um crédito de natureza comum reclamado por A... e B..., LDA. no valor de €10 572.96, que corresponde, grosso modo, à condenação, nestes autos, da 1.ª instância - a) a quantia de €10.554,58 (dez mil quinhentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora calculados às diferentes taxas supletivas desde a data de vencimento de cada uma das facturas, até efectivo e integral pagamento.
As conclusões (sumário):
(…)
3.Decisão
Na procedência do recurso, revogamos a decisão proferida pelo Juízo Local Cível da Guarda – Juiz 1, absolvendo o réu, AA, do pedido.

Custas a cargo da apelante.

Coimbra,26 de Abril de 2022

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Arlindo Oliveira - 1.º adjunto)

(Emidio Francisco Santos– 2.º adjunto)