Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
257058/11.5YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
CONTESTAÇÃO
EFEITOS
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
Data do Acordão: 10/07/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 484º E 485º DO CPC; DECRETO-LEI Nº 269/98, DE 1/09.
Sumário: I – Em processo de injunção basta a oposição de um dos Requeridos para obstar à aposição da fórmula executória e determinar a remessa dos autos à distribuição, não estando no âmbito dos poderes do secretário verificar se, pelo respectivo teor, a defesa constante da oposição oferecida por um dos requeridos aproveita ou não os restantes. Essa competência cabe apenas ao juiz, na fase contenciosa.

II - De harmonia com o artº 484º, nº 1, do CPC, “se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.

III - Excepcionado deste regime está, entre outras hipóteses contempladas no artº 485º do CPC, aquela que na alínea a) do mesmo artigo se consigna e que preceitua que não se aplica o disposto no artigo anterior, quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugne, excepção esta que comtempla “…todos os casos de pluralidade de réus, seja ela de litisconsórcio necessário (art. 28), seja de litisconsórcio voluntário (art. 27) ou coligação (art. 30)”.

IV - Em caso de pluralidade de réus, contestando um dos demandados a ineficácia da revelia relativamente aos factos por este impugnados deverá subsistir, ainda que a instância venha a extinguir-se, relativamente ao único réu contestante, em consequência da homologação de desistência do pedido por parte do autor.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) – A… com residência no …, instaurou em 12/10/2011, contra J…, R…, L…, S…, e contra a sociedade “R…, Lda.”, procedimento de injunção, com fundamento em obrigação pecuniária emergente de transacção comercial (DL n.º 32/2003, de 17/02), pedindo a condenação dos Requeridos a pagarem-lhe a importância de € 5.617,29, respeitando, dessa quantia, € 3.273,78, ao montante do capital em dívida, € 2.241,51 a juros de mora vencidos e € 102,00 a taxa de justiça paga.

Quanto à proveniência do peticionado montante de capital peticionado referiu no seu requerimento (o que ora se faz em síntese), respeitar o mesmo ao preço dos materiais de construção que comercializa e que, a solicitação dos Requeridos, vendeu, a que corresponderam as facturas que juntou, facturas essas - que entregou e cujo respectivo preço não foi liquidado -, que foram emitidas à ordem da requerida “R…, Lda.”, advindo a responsabilidade dos restantes Requeridos da circunstância de se terem comprometido e obrigado, pessoal e solidariamente, a liquidar o valor devido.

2) - Na oposição que deduziu, o Requerido J… sustentou, em síntese, que:

- Sendo Técnico Oficial de Contas e desenvolvendo a actividade de TOC, jamais se obrigou a pagar o quer que fosse, relacionado com as facturas que se identificam na p.i, nunca com ele tendo negociado com o Requerente;

- A sociedade Requerida foi dissolvida em 28 de Abril de 2006;

Afirmou que, por serem “falsos e contrários à verdade”, impugnava os factos alegados nos pontos 2º, 3º, 4º, 5°, 6º, 7°, 9°, 10°, 13° 14° e 15° do requerimento de injunção e que, por desconhecimento, impugnava os factos alegados nos pontos 8º e 11° desse requerimento;

Terminou pugnando pela sua absolvição do pedido, bem como pela condenação do Requerente, como litigante de má-fé, em multa a favor dos cofres do tribunais e numa indemnização, nunca inferior a 2.000€.

3) - Os restantes Requeridos não deduziram Oposição;

4) - Prosseguindo a acção os seus ulteriores termos no Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, aí veio o Requerente:

- Aperfeiçoar o requerimento inicial, oferecendo requerimento com conteúdo semelhante a esse, embora que mais pormenorizado, designadamente, quanto aos termos do negócio, vindo, ainda, responder à excepção e à matéria da litigância de má fé, assim correspondendo a convite que, nos termos do 17.º, n.º3 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9, lhe fora endereçado;

- Desistir do pedido formulado contra o Réu contestante J...

Terminou requerendo, relativamente ao Réu J…, a absolvição do pedido, e quanto aos demais RR. a respectiva condenação no pedido, “atenta a prova agora junta e, bem assim, a falta de contestação daqueles.”

5) - Por despacho de 16/04/2012 foi homologada a referida desistência;

6) - Em 04/05/2012 veio o Autor requerer a prolação de sentença que condenasse no pedido, “atenta a confissão dos factos, na sequência da falta de oposição”, os requeridos R…, L… e S...

7) - Por despacho de 26/06/2012 decidiu-se que, sem prejuízo do que se iria determinar quanto à sociedade Requerida, os autos haveriam de prosseguir, porquanto a contestação do R. J…, não obstante a posterior a desistência do Requerente, aproveitava os restantes RR não contestantes, não sendo, assim, atento o disposto no artº 485º, a) do CPC, caso de revelia operante.

Mais se decidiu, nesse despacho - que veio a ser notificado ao Requerente através de carta que foi enviada ao seu ilustre Mandatário em 27-06-2012 - em virtude de se ter constatado que a sociedade demandada se encontrava extinta aquando da instauração da acção, declarar suspensa a instância até que se mostrassem habilitados os sócios dessa Ré, representados pelos respectivos liquidatários.

8) - Tendo, por decisão de 15 de Abril de 2013, sido habilitados os requeridos R…, L… e S…, para prosseguir nos autos de acção apensa em substituição (processual) da sociedade Ré “R…, Lda..”, veio o Autor, em 20/05/2013, requerer tal prosseguimento.

9) - Realizada que foi a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença (em 13-12-2013), onde, na respectiva parte dispositiva, se consignou o que ora se transcreve:

 «…julga-se parcialmente procedente por provada a presente acção e consequentemente:

Condeno R…, L… e S…, na qualidade de sucessores da extinta sociedade R…, Lda, a pagar ao Autor A…, o montante de €3.273,78 (três mil, duzentos e setenta e três euros e setenta e oito cêntimos) relativo ao capital em dívida; acrescido do montante de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de vencimento das facturas até efectivo e integral pagamento à taxa supletiva de juros de mora relativamente a créditos de que são titulares empresas comerciais, nos termos supra determinados;

No mais, decido absolver os Réus R…, L… e S… do pedido.

Custas a cargo do Autor as quais se fixam em 50% e a cargo dos Réus …, na qualidade de sucessores da extinta sociedade R…, Lda, as quais se fixam em 50%.».

C) - Inconformado com tal sentença, veio o Autor apresentar requerimento de interposição de recurso e as alegações respectivas, oferecendo, a finalizar estas últimas, as seguintes conclusões:

...

II - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil (NCPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586[2]).

Assim, as questões a solucionar consistem em saber:

- Se é de proceder à alteração da matéria de facto, o que se passa por decidir se ocorreu revelia operante relativamente aos RR não contestantes, R…, L… e S…;

- Se a acção procede, nos termos ora defendidos pelo Apelante, com a consequente alteração da decisão sobre custas.

III - Na sentença recorrida consideraram-se:

A) - Como provados, os seguintes factos:

IV - Pretende o Apelante que esta Relação altere a matéria de facto, nos termos que acima se assinalaram.

Parece não sofrer dúvida de que nos poderes da Relação, em sede de matéria de facto, está o de declarar provados os factos pertinentes à boa decisão da causa, relativamente aos quais - não obstante estarem assentes, v.g., por documento, confissão reduzida a escrito ou por acordo das partes - na sentença não se haja observado o disposto no nº 5 do artº 607º do NCPC (n.º 3 do art.º 659º do CPC).

Preliminarmente, porém, à abordagem da questão da impugnação dos factos que o ora Apelante pretende que sejam considerados como confessados pelos Requeridos importa considerar o que imediatamente se segue.

De acordo com o artº 14º, nº 1, do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, “se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a seguinte fórmula: 'Este documento tem força executiva.'”.

Por sua vez, para o caso de ser deduzida oposição, de acordo com o que estatuem os artºs 16, nº 1, e 17º, nº 1, do referido Anexo, o secretário apresenta os autos à distribuição, seguindo-se o que está prescrito no nº 3 desse artº 17º e, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artigo 1º e nos artigos 3º e 4º desse Anexo.

Já se sabe que de todos os Requeridos só o J… deduziu Oposição.

Subsequentemente, por via dessa Oposição e não obstante a falta de Oposição dos restantes Requeridos, não foi aposta a fórmula executória, antes tendo os autos sido remetidos a juízo.

Ora, o Apelante, para além do mais, defende agora, que seria (relativamente aos não opoentes, subentende-se) “de apor a fórmula executória no requerimento, facultando-se ao requerente a possibilidade de instaurar acção executiva.”.

Se assim entendia o Apelante, parece que cumpriria, desde logo, ter reclamado dessa recusa de aposição da fórmula executória, nos termos dos artºs 14º, nº 4 e 11º, nº 2, do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro.

Porém, afigura-se-nos que bastaria a oposição de um dos Requeridos para obstar à aposição da fórmula executória e determinar a remessa dos autos à distribuição, não estando, obviamente, no âmbito dos poderes do secretário verificar se, pelo respectivo teor, a defesa constante da Oposição oferecida por um dos Requeridos, aproveita ou não os restantes. Essa competência caberia ao juiz, na fase subsequente e, aí, transmutado o procedimento de injunção na acção declarativa com o processo especial prescrito nos artºs 17º, nº 3, 1º, nº 4, 3º e 4º do Anexo ao DL nº 269/98, deixa, naturalmente, de ter qualquer cabimento, discutir a aposição da fórmula executória prevista no citado artº 14º, nº 1.

O Requerente, já depois de distribuídos os autos no Tribunal de Santa Comba Dão, além de ter vindo desistir do pedido relativamente ao Réu Opoente, veio, excedendo o convite que lhe fora endereçado, invocar a falta de contestação dos restantes Requeridos, para, com esse fundamento (conjugado com a prova documental que então juntou) pedir a condenação destes.

Esse pedido de condenação, fundado na alegada confissão, foi reiterado pelo A. no requerimento de 04/05/2012, tendo sido claramente negado por despacho de 26/06/2012, como melhor se narra acima.

Ora, assim sendo, querendo por em causa a decidida inoperância da revelia dos demais RR, parece que o Autor deveria ter interposto recurso desse despacho - que nas alegações ora em análise se não refere - embora que tal impugnação só devesse ocorrer no recurso que viesse a ser interposto da decisão final (n.º 3 do art.º 691º, do CPC e 644º, nº 3 e nº 1, a), do NCPC).

Sem embargo do exposto, o entendimento que temos é o de que foi acertado considerar como inoperante a revelia dos RR. não contestantes, R…, L… e S...

Vejamos.

De harmonia com o artº 484º, nº 1, do CPC, “se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.

Excepcionado deste regime está, entre outras hipóteses contempladas no artº 485º do CPC, aquela que na alínea a) do mesmo artigo se consigna e que preceitua que não se aplica o disposto no artigo anterior, quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugne, excepção esta que comtempla “…todos os casos de pluralidade de réus, seja ela de litisconsórcio necessário (art. 28), seja de litisconsórcio voluntário (art. 27) ou coligação (art. 30)”[3].

Ora, atenuado que foi, pela reforma de 95/96, com alteração introduzida ao artº 490º do CPC, o ónus do réu de impugnação dos factos, importa notar, “in casu”, que o R. J…, na Oposição que apresentou, para além da impugnação motivada que ofereceu, não deixou de afirmar, expressamente, que, por serem “falsos e contrários à verdade”, impugnava os factos alegados nos pontos 2º, 3º, 4º, 5°, 6º, 7°, 9°, 10°, 13° 14° e 15° do requerimento de injunção, pelo que, assim procedendo, dizemos nós, impugnou o que o A. alegara a respeito da vinculação, pessoal e solidária dos Requeridos R…, L… e S… a pagarem os materiais fornecidos pelo A. e facturados em nome da sociedade Requerida.

Efectivamente, o Autor alegara no requerimento de injunção:

- “…os fornecimentos, cujo preço se encontra em dívida, e aqui se reclama, só aconteceram na medida em que os requeridos se comprometeram e obrigaram, pessoal e solidariamente, a liquidar o valor devido.(artº 9º);

- “Os demais requeridos, assumiram, assim, o pagamento pessoal e solidário, das quantias em dívida.” (artº 10º).

Ora, tal matéria, alegada nos artºs 9º e 10º do requerimento injuntivo - a que depois, no essencial, veio a corresponder a dos artº 11º e 12º do requerimento apresentado para aperfeiçoamento daquele - foi expressamente impugnada na oposição apresentada pelo Requerido J… (artº 13º), nos termos que acima se expuseram, pelo que, por via da excepção que se comtempla no artº 485, alínea a), do CPC, não se podem considerar tais factos como confessados, nos termos do artº 484º, nº 1, do CPC, em consequência da falta de oposição dos aludidos Requeridos.

Defende o Autor, porém, que a impugnação constante da oposição oferecida pelo Requerido J… não pode valer, designadamente, para o efeito de evitar a operância da revelia dos mencionados RR. e, assim, obstar à confissão dos factos que refere, porque desistiu do pedido relativamente a esse Requerido, tendo tal desistência sido homologada por decisão transitada em julgado. A referida desistência e a respectiva homologação, porém, não exercem influência sobre os efeitos validamente produzidos pela Oposição apresentada pelo R. a que respeitaram, designadamente, os atinentes à (in)operância da revelia dos litisconsortes não contestantes.

É o que se retira, por exemplo, daquilo que, há muitos anos, a propósito dos preceitos que então correspondiam aos ora em análise, escreveu o Prof. Anselmo de Castro e que ora se transcreve[4]:

“Se posteriormente a causa vier a findar quanto ao contestante ou ao réu incapaz ou pessoa moral por confissão, desistência ou transacção, ou por qualquer motivo de absolvição da instância, envolverão esses factos a cessação do regime prescrito? Deve entender-se que não.

A posição processual dos réus não constantes fixou-se; desde logo passaram a ficar investidos, como se disse já, em todos os poderes processuais, nomeadamente no de requerer e produzir todas as provas. E não pode, por isso, essa posição ser atingida por actos posteriores em que não intervenham ou que a eles não respeitem.

O contrário, seria reduzir o litisconsorte não contestante a uma posição meramente reflexa do contestante: em rigor deixaria de ser um litisconsorte para passar à posição de mero assistente do réu contestante, incapaz ou pessoa moral.

Aliás, essa é a única solução conforme com a lei, cujos termos (art.ºs 485.° e 484.°), se mostram incompatíveis com o julgamento ulterior da causa por outra forma que não seja com produção de prova. Para que fosse condição necessária da aplicação do regime legal a subsistência da acção, quanto ao réu contestante ou incapaz ou pessoa moral, teria a lei de o dizer.

A solução exposta, aliás, é a única que eliminará os riscos de fraudes ao direito dos réus não contestantes por conluios do contestante com o autor (1).”.

Em sintonia com este entendimento decidiu-se no Acórdão da Relação do Porto, de 21/09/2010 (Apelação nº 474/04.0TBOAZ-I.P1):”…a situação de revelia e os efeitos da mesma aferem-se à ocasião da contestação e perduram até à decisão final do processo. Por exemplo, numa situação de pluralidade de réus, em litisconsórcio voluntário, apenas um deles contesta, mas impugna todos os factos articulados pelo autor, quer os que lhe são imputados que os que são imputados ao seu co-réu. A contestação do réu contestante aproveita ao réu não contestante, por força da citada al. a) do art.º 485.º do C.P.Civil. Se posteriormente o autor desiste do pedido que formulou contra o réu contestante, e ele é, por isso, absolvido do pedido, a situação de revelia não operante do réu não contestante perdura nos autos, tendo o autor de provar, em sede de audiência de julgamento, os factos que lhe imputa.”.

E a respeito de idêntica questão escreveu-se no recente Acórdão desta Relação de Coimbra, de 16/09/2014 (Apelação nº 3495/10.0TBLRA.C1)[5], Relatado pelo Exmo. Desembargador Manuel Capelo e subscrito, enquanto 2º Adjunto, pelo aqui relator, o seguinte[6]:

“…a doutrina defende que esta excepção à revelia operante não é prejudicada pela posterior desistência do pedido pelo autor relativamente ao réu contestante[7].

De resto, também a jurisprudência se tem manifestado neste sentido. Para além do acórdão da Relação do Porto de 21/09/2010 mencionado no enunciado, também a Relação de Évora, em 29/04/2004, a Relação de Coimbra, a 10/03/2009 e a Relação de Guimarães, a 05/02/2012 - bem como a de Lisboa, já em 06/10/1994[8] - consideraram que a revelia, de inoperante, não regride para operante se, por uma qualquer razão - designadamente pela desistência do pedido.

A jurisprudência em análise faz apelo à ratio legis de tal excepção ao regime-regra da revelia operante, apontada por ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA e a que se fez referência, louvando-se, ainda, no princípio da segurança jurídica.

A desistência do pedido é, na definição de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, o negócio unilateral através do qual o autor reconhece a falta de fundamento do pedido formulado. Ao contrário da desistência da instância, a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer (artigo 285.º do Código de Processo Civil). A sua homologação tem, pois, força de caso julgado material, ficando o litígio definitivamente resolvido com o trânsito em julgado da decisão de homologação.

É tendo em conta tal efeito preclusivo do direito do autor que a lei não faz depender a desistência do pedido de aceitação por parte do réu (cfr. número 2 do artigo 296.º do Código de Processo Civil).

Ora, considerando que a lei prevê a inoperância da revelia, no caso de pluralidade de partes, relativamente aos factos que um dos co-réus impugnar, resultaria contrária a uma leitura integrada do regime legal a possibilidade de o autor determinar a superveniente conversão da revelia em operante, através da desistência do pedido. Tanto mais que a lei não prevê que tal desistência fique condicionada à aceitação por parte dos co-réus, quando os efeitos que dela derivam - a eficácia da revelia com a consequente admissão dos factos alegados pelo autor - se revelam gravosos (ainda que não fatalmente gravosos, atento o efeito cominatório semi-pleno da revelia) para os co-réus não contestantes.

Acresce que, admitir a modificação superveniente da eficácia probatória da revelia em tais casos, abriria a porta a que os demandantes lançassem mão da desistência do pedido, não com o fito de solucionar definitivamente o litígio quanto ao réu contestante, mas com o propósito de precipitar a admissão dos factos por parte do(s) co-réu(s) revel(éis). No limite, e em tese que o caso em estudo não exige tratar, poderia até configurar-se uma eventual actuação lesiva da lei, a vir a ser certificado que se havia prosseguido um resultado não legalmente permitido “mediante uma conjugação de actos ou formas em si lícitas mas praticadas intencionalmente com o fim de obter tal resultado”[9].

Por outro lado, é este o entendimento que respeita integralmente o princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a protecção da confiança), de acordo com o qual “os indivíduos têm o direito de poder confiar que aos seus actos (…) se ligam os efeitos jurídicos previstos no ordenamento jurídico”,[10] in casu a ineficácia da sua revelia.

Na verdade, os réus têm a legítima expectativa de que a sua revelia seja inoperante, podendo ter estado, por detrás da sua omissão em contestar, uma miríade de razões - nomeadamente, de estratégia processual ou de racionalização de meios -, que não poderá ser desconsiderada.

Finalmente, e mobilizando o já aludido juízo de ponderação concreta de interesses conflituantes, considera-se que da manutenção da inoperância da revelia quanto aos réus não contestantes não resulta para o autor qualquer agravamento sensível da sua posição processual, continuando a recair sobre si o ónus da prova dos factos alegados e impugnados pelo réu contestante, relativamente a quem desistiu do pedido.

Pelas razões expostas merece adesão o entendimento segundo o qual, em caso de pluralidade de réus, contestando um dos demandados, a ineficácia da revelia relativamente aos factos por este impugnados deverá subsistir, ainda que a instância venha a extinguir-se, relativamente ao único réu contestante, em consequência da homologação de desistência do pedido por parte do autor.

E julgamos que a tal entendimento não obsta a circunstância de se pretender distinguir no significado do vocábulo “impugnar” um segmento de inoperância quando o réu contestante tenha realizado essa impugnação dos factos articulados pelo autor com a invocação do seu desconhecimento, uma vez que o art. 490º, nº 2 do Código de Processo Civil determina que seja considerada precisamente como impugnação (e portanto com os mesmos efeitos da impugnação) essa defesa por alegação de desconhecimento, sendo questão diversa se o facto que o contestante diz desconhecer por não lhe ser pessoal, poderá ou não ser pessoal ao réu não contestante (e a quem a contestação daquele outro aproveita).”.

Posto isto, cumpre evidenciar que para a condenação dos aludidos Requeridos, que o Apelante pretendia obter mediante o presente recurso (sendo despicienda, sem ela, a dos restantes factos que o Apelante pretendia ver alterados ou aditados) era essencial a prova da matéria dos artº 9 e 10º do requerimento de injunção - ou, melhor, da matéria correspondente a essa, dos artºs 11º e 12º do requerimento de aperfeiçoamento -, matéria essa, porém, que já se viu, não se poder ter como confessada em resultado da situação de revelia dos referidos RR..

O Tribunal “a quo”, sem que desacerto se lhe possa apontar, designadamente, como se expôs, no entendimento que teve quanto aos efeitos da revelia de tais RR., deu como não provado, entre o mais, após a prova produzida em julgamento (que o Apelante não atacou), que os Réus R…, L… e S…, se comprometeram e obrigaram, pessoal e solidariamente, a liquidar o valor devido pelo fornecimento dos materiais descritos nas facturas referidas no ponto 2 dos factos dados como provados.

Sendo, assim, em face do exposto, de permanecer inalterada a matéria de facto fixada pelo Tribunal “a quo”, importa salientar que a vinculação, pessoal e solidária, dos referidos RR, à obrigação do pagamento do preço dos materiais a que se reportam as facturas ajuizadas, integrava matéria constitutiva do direito do Autor sobre aqueles, pelo que era ele o onerado com a prova dos factos respectivos (artº 342º, nº 1, do CC).

Não tendo o Autor logrado fazer tal prova não pode proceder a sua pretensão quanto aos mencionados RR., que, assim, foram correctamente absolvidos na decisão recorrida que, consequentemente, também na questão da condenação das custas que fez recair sobre o Autor, foi acertada.

Do exposto resulta, pois, que bem se decidiu na sentença sob recurso que, assim, é de confirmar, improcedendo, consequentemente, a Apelação.

V - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a Apelação improcedente, confirmar a decisão da 1ª Instância.

Custas pelo Apelante.

Coimbra, 07/10/2014

(Luís José Falcão de Magalhães- Relator)

(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Henrique Antunes)


[1] Não obstante ao processado que lhe foi posterior, designadamente, ao regime de recurso, seja aplicável este Novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6), a que se passará a referir como NCPC, o processado anterior a 1/9/2013, teve, como é óbvio, na ocasião própria, de se reger pelo anterior Código de Processo Civil (doravante CPC).
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”, tal como todos os Acórdãos do STJ que adiante se citarem sem referência de publicação.
[3] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, no Código de Processo Civil Anotado, 2.º volume, em nota ao artº 485º. 
[4] Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, pág.ªs 236 e 237.
[5] Ao que julgamos, ainda não publicado.
[6] Pelo seu interesse também se reproduzem as notas do texto original, embora que, por razões evidentes, sem a mesma numeração.

[7] JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. II, Lisboa, AAFDL, 1987, p. 591, MANUEL GONÇALVES SALVADOR, “Efeitos da contestação quanto ao réu revel”, O Direito, 94, pp. 274-291 e JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa… cit., p. 90.

[8] Procs 2853/03-2; 517/08.9TBCBR.C1; 534/10.9TBVLN.G; JTRL00021431, in www.dgsi.pt.

[9] JOÃO DE CASTRO MENDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, Lisboa, AAFDL, reimp., 1999, pp. 160 e 168.

[10] J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, Almedina, 2003, p. 257.