Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2143/20.5T8SRE-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRAZO
SUPERVENIÊNCIA SUBJECTIVA
NEGLIGÊNCIA GRAVE DA PARTE
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 728.º, 2, DO CPC
Sumário: No âmbito do art. 728, nº 2, do Código de Processo Civil, a superveniência subjetiva não deve ser aceite quando o conhecimento da parte é indesculpavelmente tardio, assentando o seu desconhecimento anterior numa sua negligência grave, por nada ter feito, podendo fazê-lo, em momento oportuno (aquando dos embargos originários), para obter o conhecimento em causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            Está em causa a seguinte decisão:

A executada AA veio, através dos presentes embargos à execução, invocar que: - tendo remetido uma comunicação escrita, via e-mail, à co-executada A..., Lda., que se junta como DOC.1, dado por integralmente reproduzido, acompanhado de um documento intitulado de “CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA IMOBILIÁRIA” (cfr.DOC.1-A), na sequência da notificação que foi dirigida ao seu mandatário no apenso A pelo mandatário do exequente (cfr. ref.ª citius nº6816502), e tendo tomado conhecimento da resposta escrita, àquela comunicação, também via e-mail, da outra co-executada, alegada devedora principal, A..., Lda., que se junta como DOC. 2, dado por integralmente reproduzido, bem como toda a documentação que o acompanhava em anexo, vem apresentar Oposição à execução, movida por B..., S.A., o que faz nos termos do disposto no nº 2 do art.º 728.º do CPC, e no prazo previsto no n.º 1 do citado normativo, por a matéria da presente oposição ser superveniente, atendendo a que a co-executada avalista, ora embargante, só tomou conhecimento dos factos que constituem a comunicação escrita junta como DOC. 2, e dos factos constantes na documentação que vinha em anexo, com a receção de tal comunicação. (…)

No presente caso, o modo como se apresentam os embargos à execução, visto o “histórico do processo” e os documentos juntos nos apensos B e A, considera-se provado que:

1. Em 19 de Outubro de 2020, a exequente “B..., S.A.” instaurou a execução principal para pagamento de quantia certa contra os executados “A... Unipessoal, Ld.ª”, BB e a aqui embargante AA, com base em livrança.

2. A livrança possui o valor de € 28.204,97 euros, com data de vencimento em 14/11/2018, subscrita pela executada pessoa coletiva e avalizada pessoalmente pelos executados, entre eles a aqui embargante.

3. Na execução, a executada AA foi citada em 1 de fevereiro de 2021 (carta registada com aviso de receção assinada pela própria executada AA).

4. Em 15 de julho de 2021, a executada AA instaurou embargos à execução, que correm como apenso B.

5. Nesse apenso B, em 17-09-2021, foi proferido despacho que indeferiu liminarmente os embargos por intempestividade, tendo sido admitido recurso interposto pela embargante AA, remetido para o Tribunal da Relação de Coimbra em 29-04-2022.

6. Ainda nesses embargos B, a embargante AA juntou como Doc. 5 convenção de preenchimento de livrança em branco.

7. Tal livrança, junta na execução principal, teve subjacente a celebração de um contrato de locação financeira imobiliária n.º ...50, cuja LOCATÁRIA é a sociedade executada “A..., unipessoal, Ld.ª”, subscrito pelo locador e locatária em 28 de maio de 2008.

8. Esse contrato de locação financeira imobiliária teve as assinaturas reconhecidas

pelo notário, nos seguintes termos: (v. documento junto no apenso A em 02-11-2021)

9. Na convenção de preenchimento da livrança em branco, integralmente junta no apenso A, consta na última folha – página 40 do Doc. 1, junto em 02-11-2021 – ficou a constar, entre o mais, a assinatura da aqui embargante, como QUARTA outorgante (avalista)

10. Em 5 de dezembro de 2021, a embargante AA

 instaura novamente embargos à execução, alegando superveniência – o presente apenso E.

Dos fundamentos dos EMBARGOS

A embargante alega que a matéria da presente oposição é superveniente, atendendo a que a co-executada avalista, ora embargante, só tomou conhecimento dos factos que constituem a comunicação escrita junta como DOC. 2 e dos factos constantes na documentação que vinha em anexo, com a receção de tal comunicação, e sendo tais factos (extintivos, constitutivos e modificativos do direito, invocado pelo banco exequente no processo principal) supervenientes, por a co-executada avalista assim só deles ter tido conhecimento muito depois de findar o prazo previsto no art.º 728.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

A defesa mediante oposição à execução está prevista e definida nos artigos 728º a 734º do CPC e «visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo, ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da ação executiva» - cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed. p.171.

A executada avalista, ora embargante, citada para os termos da execução e do requerimento executivo, apresentou oposição à execução, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 728º do CPC, que constitui o apenso B do processo executivo, que foi remetido para o Tribunal da Relação de Coimbra em 29-04-2022 devido ao recurso da recorrente AA do despacho de indeferimento liminar por intempestividade desses embargos – Apenso B.

Apreciando.

O art.º 728º, n.º 2, do C. P. Civil, estabelece a possibilidade de instauração de “embargos supervenientes” nos seguintes casos: a) quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da citação do executado (superveniência objetiva); b) quando este tiver conhecimento do facto depois da sua citação (superveniência subjetiva).

Não foi alegada a superveniência objetiva, mas subjetiva.

A embargante alega que informação, respeitante ao contrato, na génese do preenchimento da livrança dada à execução deve ser julgada superveniente, para efeitos de admissibilidade da dedução de nova oposição à execução (cfr.art.728º, nº2 do CPC) pela aqui embargante, avalista, que dela só teve conhecimento através do DOC.2, emanado da A..., Lda.

Ora, como resulta do próprio pacto de preenchimento da livrança subsequente ao aludido contrato, junto pela própria embargante AA nos seus Embargos B como Doc. 5,

Deste modo, a executada, aqui embargante, não pode referir, sob pena de entrar em abuso de direito na figura de “venire contra factum proprium”, não conhecer o aludido pacto que concerne ao acima referido contrato, nem este último.

Acresce que, aquando da citação é que a executada AA deveria ter questionado a outra co-executada “A...” e o avalista BB, enviando-lhes cópia

da livrança e do pacto de preenchimento da mesma, de modo a obter todas as informações pertinentes que pudesse não ser detentora, com a finalidade de deduzir os embargos à execução, como efetivamente fez (Apenso B).

Fazê-lo (pedir informações à co-executada “A...) somente depois de deduzida a contestação, afigura-se-nos ser uma atitude pouco prudente e que viola o princípio da cooperação e da boa fé processual.

Ao não recolher as informações necessárias para poder embargar, esgotando todos os seus argumentos de defesa no Apenso B (princípio da concentração da defesa e da preclusão), a embargante AA violou o princípio da preclusão, que impõe que todos os fundamentos da ação, quer todos fundamentos da defesa sejam alegados de uma vez, cabendo alegar logo mesmo todos os que afigurem essenciais e relevantes, para o reconhecimento do direito que se pretenda fazer valer, e os que pareçam secundários, na eventualidade de serem também relevantes. E este princípio tem a ver com exigência de lealdade dos diversos sujeitos processuais e visa impedir que algum deles use a tática de reservar algum argumento apenas para quando o achar mais oportuno.

Deste modo, os novos embargos deduzidos com este Apenso E são manifestamente intempestivos, pois deveria ter sido matéria a arguir na fase inicial, ou seja, nos embargos do Apenso B, uma vez que a própria embargante AA subscreve o pacto de preenchimento da livrança como quarta outorgante, ou seja, como avalista no título de crédito dado à execução, não podendo fazer-se valer em informações prestadas pela co-executada “A...” neste momento e que só a própria poderia aduzir em fase de embargos – mas a “A...” não deduziu embargos, não tendo, assim, alegado ter efetuado vários pagamentos, que só esta executada poderia alegar e demonstrar em sede de embargos de executado.

Deste modo, inexiste superveniência objetiva e também subjetiva.

O que significa que os fundamentos alegados pela embargante são manifestamente improcedentes, o que, nos termos dos arts. 732.º, n.º 1, al. c), e 551.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, determina o indeferimento liminar dos embargos de executado. E manifestamente não podem ser tidos como supervenientes, encontrando-se totalmente fora de prazo.

Note-se que, mercê nomeadamente do disposto no acórdão do T.R. Coimbra de 07-02-2017, “o tribunal não deve deixar prosseguir a execução apenas porque (…). O dever do tribunal é interpretar a norma e aplicar a norma por si interpretada aos factos. E assim se o tribunal entender que o pagamento coercivo das penalidades e dos honorários e taxa de contencioso não cabe dentro dos limites do título, deve indeferir liminar e parcialmente a execução nessa parte” – sublinhado nosso.

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art. 732, nº. 1, als. a) e c), do CPC, indefere-se liminarmente os presentes embargos à execução.”


*

Inconformada, a Embargante recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1ª) Deve ser revogada a douta decisão sub judicio mencionada em I. e substituída por outra que admita a p. i. de embargos especificada em II. Que se dá aqui por integralmente reproduzida.

2ª) Dos factos incorretamente exarados e/ou omitidos no despacho de indeferimento liminar id. em I., mencionados em III.: A.

3ª) O douto despacho recorrido é totalmente omisso quanto à menção, na matéria de facto dada como provada (ou não provada), da matéria de facto invocada na petição inicial de embargos especificada em II., bem como relativamente à extensa prova documental apresentada a instruir tal articulado, como se impunha.

4ª) Deveria tal despacho liminar ter-se debruçado sobre os factos constantes da p.i. e respetivos documentos, de forma a poder aferir-se e sindicar da tempestividade do articulado de oposição, sustentando ou não a efetiva superveniência da oposição, pela sua tempestividade, quanto ao invocado preenchimento abusivo da livrança. E não como fez o Tribunal a quo, que se limitou a referir, no facto provado “10.”, que: «Em 5 de dezembro de 2021, a embargante AA instaura novamente embargos à execução, alegando superveniência – o presente apenso E.».

B. 5ª) Contudo, neste mesmo despacho, ora posto em crise, também são inscritos como factos provados “4.” e “5.”, (…)

6ª) Toda esta construção fáctica, plasmada no despacho liminar sub judicio, não resulta dos autos à margem identificados. Aliás, não corresponde à verdade que tal “Apenso B” se encontre sequer a correr termos (vide facto provado “4.”). Nem podia. Basta atentar que, foram instaurados embargos à execução em 15 de julho de 2021 (vide facto provado “4.”), Mas foi, logo em 17-09-2021, proferido despacho de indeferimento liminar de tais embargos (vide facto provado “5.”).

7ª) Por conseguinte, não só não se pode dizer que estão a correr termos - como apenso B - embargos à execução (vide facto provado “4.”), como não se pode dizer que tal processo de embargos à execução tenha sequer chegado a existir, uma vez que tais embargos à execução foram indeferidos liminarmente por intempestividade (vide facto provado “5.”).

8ª) Daí que, também seja dúbio que se possa dizer com propriedade que, a aqui embargante, e sempre salvo o devido respeito, tenha vindo, com os presentes autos, instaurar novamente embargos à execução, alegando superveniência (vide facto provado “2.”).

C. 9ª) Foram igualmente inscritos como factos provados em “6.” E “9.” Os seguintes: (…)

10ª) Ora, pese embora tal convenção de preenchimento de livrança em branco tenha sido junta pela embargante com uns embargos de executado que foram rejeitados liminarmente por extemporaneidade no Apenso B, E, efetivamente, corresponde à verdade que tal “convenção de preenchimento de livrança em branco” estava assinada pela embargante, aqui apelante. Tal facto é verdadeiro. Mais se salientando, aliás, que era a única coisa que a embargante possuía e de cuja existência tinha conhecimento, para além evidentemente de que tinha aposto a sua assinatura como avalista na livrança dada à execução.

11ª) Já o mesmo não se passa com o teor dos factos provados em “7.” E “8.”, (…)

12ª) A embargante não só não conhecia tal “contrato de locação financeira”, especificado no facto provado “7.”, que não fazia parte da “convenção de preenchimento de livrança em branco”, como está absolutamente certa de nunca assinou o referido “contrato de locação financeira” (vide facto provado “8.”),

13ª) Ao contrário do que parece depreender-se do despacho liminar, com a inserção de tais factos provados “7.” E “8.”, e do respetivo texto, enxertados entre os factos provados “6.” E “9.”.

14ª) Sendo certo ainda que, o reconhecimento de assinatura constante do facto provado “8.”, exarado no despacho sub judicio por colagem de imagem, o foi certamente por mero lapso, dado que visivelmente se trata de assinatura que não pertence à embargante, aqui apelante, mas sim a outro dos co-executados, BB.

15ª) Seja como for, e sem prescindir, enfatiza-se que a digitalização e colagem de documentos (em modo fotográfico), ou de partes de documentos, no elenco dos factos provados, para além de não fazer a necessária destrinça adequada entre factos e documentos, não corresponde ao imperativo de discriminação fáctica a que alude o art.º 607.º, n.ºs. 3 e 4, do CPC.

16ª) Por fim, sem conceder, impõe-se lembrar que a circunstância de a embargante ter assinado in illo tempore a “convenção de preenchimento de livrança em branco”, Não é, nem pode ser, julgado sinónimo de que pudesse ter conhecimento, pari passu, se tinha existido cumprimento ou incumprimento de determinadas obrigações contratuais pela locatária, no âmbito do “contrato de locação financeira” especificado no facto provado “7.”, bem como se tal contrato tinha sido resolvido pela locadora cumprindo escrupulosamente todos os ditames legais.

17ª) Ora, não se tratando de factos pessoais ou de que a embargante devesse ter conhecimento (vide nº3 do art.574º do CPC, lido a contrario), à data da citação para a presente execução, ao contrário repete-se do que ressuma do despacho liminar, o momento para os impugnar especificadamente era quando deles tivesse conhecimento, como veio a suceder aquando da apresentação da oposição superveniente dos presentes

autos (cfr. ponto II., em especial, os arts.6º a 13º da p.i.).

18ª) Um último parêntesis, uma vez mais sem concessões, para frisar que a embargante assinou, ao tempo, a “convenção de preenchimento de livrança em branco” por exigência da locadora, dado que era casada à época com o legal representante da locatária, de quem se divorciou há cerca de 10 anos.

19ª) Sendo certo que a locadora não só não lhe exigiu que assinasse o “contrato de locação financeira”, especificado no facto provado “7.”, mas mais nem sequer a inteirou do teor do mesmo, desconhecendo por isso as obrigações que decorriam do mesmo para a locatária.

20ª) Por isso, muito se estranha que a Meritíssima Juiz a quo, no despacho liminar recorrido, tenha tecido determinados comentários, no mínimo desprimorosos para com a aqui apelante, tais como: 1ª - “…a executada, aqui embargante, não pode referir, sob pena de entrar em abuso de direito na figura de “venire contra factum proprium”, não conhecer o aludido pacto que concerne ao acima referido contrato, nem este último.”; 2ª - “…deveria ter questionado a outra co-executada “A...” e o avalista BB, enviando-lhes cópia da livrança e do pacto de preenchimento da mesma, de modo a obter todas as informações pertinentes que pudesse não  ser detentora, …”; 3ª - “Fazê-lo (pedir informações à co-executada “A...) somente depois de deduzida a contestação, afigura-se-nos ser uma atitude pouco prudente e que viola o princípio da cooperação e da boa fé processual.”.

21ª) - Começando pela primeira das preditas observações, o Tribunal a quo, como atrás se demonstrou, confunde o “pacto de preenchimento da livrança em branco” com o “contrato de locação financeira”, e a embargante evidentemente que não estava nem está impedida de dizer que não conhecia tal contrato, porque não o assinou nem dele teve conhecimento.

22ª) - Quanto à segunda das observações que precedem, de que a embargante deveria ter questionado os restantes co-executados, enviando-lhes cópia da livrança e do pacto de preenchimento da mesma, com quem não mantinha nem mantém boas relações, de molde a obter informações, recordamos o que ficou inscrito pela ora apelante na oposição apresentada no Apenso B, rejeitada liminarmente, que se reitera: «42º Compulsado o aludido doc.2 junto pelo exequente, verificamos que este consiste tão-somente no título dado à execução, o qual efetivamente tem aposta a data retro exposta. 43º Quanto ao mais, não se vislumbra como chegou o exequente a tal data de vencimento, nem se foi paga parte ou não do quê, e o que é que levou ao preenchimento de tal livrança da forma que o foi. 44º Inexistindo no requerimento executivo factos que permitam ao embargante, ou a qualquer outro cidadão médio que o leia, alcançar como chegou o exequente a um tal desiderato. 45º O que sabe de ciência exata é que nunca rececionou qualquer comunicação ou interpelação para pagar o que quer que fosse, antes da instauração pela C.E.M.G. da execução ordinária mencionada no art.18º e ss. 46º E/ou, ulteriormente, após a citação para os termos da presente ação, movida pelo exequente B..., S.A..».

23ª) - Por fim, no que concerne à terceira das observações do despacho liminar ora recorrido, de que alegadamente a embargante teria ido pedir informações à locatária antes da propositura dos presentes embargos, tal revela uma leitura pouco cuidada da p.i. e, em particular, dos três primeiros documentos que a acompanham (cfr. II.), não correspondendo à verdade o que ali surge exarado, quod erat demonstrandum, remetendo-se assim para o teor da p.i. e dos documentos que a instruem.

24ª) - Mais se impõe salientar nesta sede que tal “contrato de locação financeira” só surgiu no processo executivo porque o Tribunal a quo, no apenso A, em que a aqui apelante não é sequer parte, proferiu um despacho - do qual não foram notificados os demais co-executados - em 24.10.2021, com a ref.ª citius nº86309061, que se passa a transcrever com grifos nossos: «Ao elaborar sentença, verifico agora que a exequente, contrariamente ao referido na sua contestação, não juntou o contrato de locação financeira (tendo referido juntá-lo como Doc.14 com a contestação, o que efetivamente não sucedeu) e, por outro lado, o embargante anexou apenas a 1.ª página, da convenção de preenchimento de livrança em branco – Doc. 4, da p.i. de embargos, esquecendo-se de anexar a 2.ª página, que conterá as assinaturas dos subscritores. Deste modo, notifique: - a embargada/exequente para, em 5 dias, juntar cópia do contrato de locação financeira;

- e o embargante para, em 5 dias, juntar a última (será a 2.ª página) do Doc. 4, junto com a sua p.i., respeitante à convenção de preenchimento de livrança em branco.».

25ª) O mesmo é dizer que, até o Tribunal a quo, só aquando da elaboração da sentença se apercebeu de que não existia, em tal apenso, o “contrato de locação financeira”, dele (e dos demais apensos e processo principal) escamoteado pelo exequente,

26ª) Pedindo também à contraparte em tal apenso a junção do “pacto de preenchimento da livrança”, o que demonstra igualmente que o Tribunal a quo, afinal, não desconhecia que um e outro são documentos distintos.

27ª) Em suma, tais observações constantes do despacho liminar não encontram suporte na tramitação processual, tanto deste apenso, como do processo principal e demais apensos, e deverão ser desconsideradas no sentido interpretativo que inviabilize a tempestividade da superveniência efetiva dos factos articulados na oposição apresentada nestes autos, à luz do disposto no art.728º, nº2 do CPC.

28ª) Do direito no despacho de indeferimento liminar mencionado em IV.: A.

29ª) É igualmente expendido, no douto despacho liminar sub judicio, a final, que:

«…os novos embargos deduzidos com este Apenso E são manifestamente intempestivos, pois deveria ter sido matéria a arguir na fase inicial, ou seja, nos embargos do Apenso B, uma vez que a própria embargante AA subscreve o pacto de preenchimento da livrança como quarta outorgante, ou seja, como avalista no título de crédito dado à execução, não podendo fazer-se valer em informações prestadas pela co-

executada “A...” neste momento e que só a própria poderia aduzir em fase de embargos – mas a “A...” não deduziu embargos, não tendo, assim, alegado ter efetuado vários pagamentos, que só esta executada poderia alegar e demonstrar em sede de embargos de executado.».

30ª) Ora, in casu, temos que a co-executada locatária, à data da propositura da presente ação executiva, já há muito encerrara as suas portas, deixando os co-executados avalistas entregues à sua sorte, e não apresentando oposição à execução, designadamente alegando e demonstrando os vários pagamentos efetuados, e a falta de legitimidade da locadora para resolver o “contrato de locação financeira”.

31ª) Ou seja, se bem alcançámos tais palavras, mesmo que o Tribunal a quo tivesse aceitado a superveniência da oposição apresentada, não iria reconhecer os pagamentos efetuados pela locatária à locadora se invocados pela aqui embargante.

32ª) Sendo certo que, a aqui apelante, ficou a saber, através do e-mail de 15.11.2021 remetido por A..., Lda., que esta tinha feito pagamentos ao locador no valor de 5.187,14€., em datas posteriores a 15 de outubro de 2018, os quais não foram contemplados e abatidos ao montante pelo qual foi preenchida a livrança dada à execução de 28.204,97€..

33ª) E parece-nos injusto que, no caso concreto, perante o desligamento da locatária executada da presente ação, tal conduza à privação da possibilidade de os avalistas se poderem defender, destituindo-os de legitimidade para invocarem o preenchimento abusivo da livrança.

34ª) No sentido por nós propugnado, veja-se o douto Ac.TRG de 12.04.2018, in https://dre.pt/dre/detalhe/acordao/a.g1-2018-116292123, segundo o qual: (…)

35ª) Assim, e não tendo sido transmitida a terceiro, o avalista tem, neste caso, legitimidade para invocar o preenchimento abusivo da livrança em causa, bem como outros meios de defesa.

36ª) Prescrevem os nºs 1 e 2 do art.º 728º do Código de Processo Civil com a epígrafe “oposição mediante embargos”, que: «1- O executado poder opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação. 2- Quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.».

37ª) Para Miguel Teixeira de Sousa, in Ação Executiva Singular, p. 185., «pode suceder que o facto que constitui fundamento dos embargos ocorra depois do prazo normal da sua dedução ou que, apesar de anterior a esse prazo, o executado só tenha conhecimento dele após o decurso do mesmo; na primeira situação, o facto é objetivamente superveniente; na segunda, a superveniência é subjetiva».

38ª) Já José Lebre de Freitas, in A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, p. 223, Considera que “a oposição à execução deve ser deduzida no prazo de 20 dias a contar da citação do executado art.º 728-1. Há, no entanto, a possibilidade de embargos supervenientes: - quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da citação do executado; - quando este tiver conhecimento do facto (ex: o pagamento efetuado por um seu antecessor) depois da sua citação”.

39ª) Segundo Rui Pinto, in A Ação Executiva, 2018, “Na situação excecional da matéria da oposição ser superveniente, corre um novo prazo de 20 dias sobre a ocorrência ou o conhecimento do facto para o executado se poder opor novamente ou pela primeira vez, se ainda não o fizera”.

40ª) E conforme decorre do douto Aresto do TRG, de 28-06.2018, proc. 6952/10.5TBBRG-A.G1, (…)

41ª) Ora, atendendo a que, a executada avalista, ora apelante, só teve conhecimento factos concretos relativos ao preenchimento abusivo da livrança na data em que rececionou o e-mail da co-executada, A..., Lda., no dia 15 de novembro de 2021, bem como toda a documentação que o acompanhava em anexo.,

42ª) E tendo a oposição à execução sido deduzida pela embargante, aqui apelante, em 05-12-2021,

43ª) Deverá concluir-se concluir pela sua tempestividade, nos termos do artigo 728º, nº 2, do CPC.

44ª) Impondo-se, pois a revogação da decisão recorrida, com a consequente admissão liminar da oposição à execução.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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Questões a decidir:

A suficiência da matéria de facto;

O conhecimento superveniente dos factos.


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            Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e das considerações infra exaradas.

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A Embargante foi citada em 1.2.2021.

Ela deduziu (os primeiros) embargos em 15.7.2021.

Estes novos embargos são de 5.12.2021.

Alega a Embargante que rececionou, em 15.11.2021, comunicações escritas, via email, do co-executado avalista, BB, e da resposta escrita da outra co-executada, “A...”.

Os factos de que alega conhecimento em 15.11.2021 são relativos à evolução da relação subjacente à livrança, entre a “A...” e o Exequente, nomeadamente quanto a pagamentos ocorridos, tudo anterior ao ano 2021 (o contrato é de 2008, a resolução dele é de 30.10.2018 e os pretensos pagamentos de 2018).

Estes factos são suficientes para as considerações jurídicas pertinentes.

Os embargos são uma ação declarativa incidental e especial, pela qual o executado exerce a sua defesa na execução, que tem paralelo com a contestação, como meio impugnatório e de dedução de exceções.

Se a Avalista Embargante deduziu embargos de executado em 15.7.2021, devia ter sido neles deduzida toda a defesa relativa à relação subjacente que já tinha ocorrido, não podendo aceitar-se que só em 15.11.2021 tomou conhecimento das vicissitudes daquela relação, quando o seu ex-marido, sócio gerente da “A...”, troca a referida correspondência (e informação) com esta sua sociedade.

Tendo subscrito o pacto de preenchimento, tendo dado aval à sociedade, a Embargante poderia, agindo de forma prudente e diligente, como lhe era devido, ter procurado obter os elementos factuais em questão aquando da preparação da sua defesa à execução, no âmbito dos embargos originários.

A sua implicação no caso e a sua relação com o sócio gerente, mesmo que esteja dele divorciada, colocam-na numa posição em que é exigível que procure saber da relação subjacente pelo menos aquando da defesa originária.

Além disso, nos embargos originários, considerando que a execução foi instaurada contra os três sujeitos referidos, caso a Embargante dependesse dos seus conhecimentos, seria possível a esta solicitar que os demais esclarecessem a evolução da relação subjacente.

Assim, o pretenso desconhecimento da Embargante assenta numa sua negligência grave, pelo que não deve ser aceite.

Esta nossa posição é coerente com o acórdão desta secção, de 28.6.2022, já transitado em julgado, proferido no apenso F (o relator foi adjunto na referida decisão), publicado em www.dgsi.pt, no qual o executado BB invocou conhecimento tardio idêntico.


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Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

            Coimbra, 2023-03-28


(Fernando Monteiro)

(Carlos Moreira)

(Rui Moura)